sexta-feira, 12 de junho de 2015

Basquete 2013-2014-2015: Relato Alexandre Póvoa 2

O Flamengo conquistou três títulos consecutivos da Liga Nacional Brasileira de Basquete. Um feito histórico. No embalo das conquistas, deu-se uma oportunidade rara de relato de quem esteve lá dentro, vivendo a rotina destas vitórias. O vice-presidente de Esportes Olímpicos do Flamengo, Alexandre Póvoa, escreveu cartas para cada uma das grandes conquistas no período. Um belo relato histórico a ser preservado na memória do basquete brasileiro. Segue abaixo a terceira e a quarta cartas.

Um relato de agradecimento, descrição das dificuldades e muitas vezes repleto de desabafos.


Carta 3 e 4 (NBB 6 e Copa Intercontinental) - transcritas abaixo



Carta escrita em maio de 2014

Caros amigos rubro-negros,

Em junho/2013, escrevi uma carta (“O Basquete do Flamengo agradece”), comemorando a conquista do título da NBB 5. Em Março/14, com a grande vitória na Liga das Américas, reeditei o comentário ("O Basquete do Flamengo agradece – Parte II"). Agora, tenho o prazer de comentar a terceira parte dessa saga que nos tem enchido tanto de orgulho, dessa vez com a conquista da NBB 6. Três vezes, pois afinal, nosso mantra é “Vencer, Vencer, Vencer”.

A primeira pergunta que me fizeram após a emocionante vitória de sábado, contra o Paulistano, um duro adversário, é se ficamos felizes e satisfeitos com a chamada “temporada perfeita”.  Afinal, ganhamos tudo o que disputamos no basquete brasileiro - o eneacampeonato carioca, o bicampeonato da Liga de Desenvolvimento (LDB), o título inédito da Liga das Américas (a Libertadores do basquete), culminando no tricampeonato da NBB. A resposta é simples: Felizes sim, satisfeitos não.

A felicidade vem das festas nos ginásios do Tijuca e da Gávea, no Maracanãzinho e na Arena da Barra. Não tem preço ver a torcida do Flamengo vibrando, sendo o sexto jogador em todas as vitórias que tivemos. O maravilhoso cenário de 16 mil pessoas nos empurrando na Arena da Barra - com excelente audiência na televisão aberta – não nos sairá da memória tão cedo. Felizes por termos assistido, nos diversos recantos do Brasil – Bauru, Mogi, Brasília, Fortaleza, Vitória, entre outros – grandes espetáculos com a nossa torcida sempre presente.

Muito felizes porque conseguimos formar um grupo sensacional, de verdadeiros homens na acepção da palavra, que continuaram trabalhando fortemente independentemente de atrasos de salários em 2013. Por consequência, felizes porque conseguimos restabelecer o equilíbrio financeiro e resgatar as dívidas passadas com os atletas. Falta agora pagar as premiações sobre os últimos campeonatos conquistados... Ganhar muito tem essa desvantagem, “gera déficit”, mas pelo menos esse vem muito prazer.

Felicidade enorme por poder contar com uma comissão técnica de alto nível, comprovada na ausência total de problemas musculares relevantes e suspensão de qualquer atleta durante toda a dura temporada, mesmo com a desgastante frequência de viagens, jogos e treinos em dois períodos. O grupo é tão fechado que, mesmo tendo sido comunicado sobre a espetacular notícia dos jogos contra equipes da NBA, quatro dias antes o anúncio oficial (não queríamos que houvesse influência emocional na final), não permitiu um só vazamento de informação, conforme pactuado entre a gente.

Felicidade completada pela entrega da taça da NBB6 ao capitão Marcelinho pelo Vice-Presidente Dr. Walter D´Agostino, representando todos os grandes beneméritos e a tradição rubro-negra de raízes mais profundas. Que fique claro que o sucesso do basquete não é mérito somente da atual diretoria, é fruto de uma evolução competente da tradição do esporte que vem sendo alimentada por várias gestões. O Flamengo é grande demais, nossa linda história teve apenas mais um sensacional capítulo no último sábado.

Porém, declarar-se plenamente satisfeito é sinônimo de estagnação, de metas plenamente atingidas. Chegar próximo ao topo é muito bom, mas o sonho de manter-se lá em cima é muito mais complexo. Definitivamente, não estamos satisfeitos, até porque a próxima temporada (2014/15) será a mais importante da história do basquete do Flamengo:

- Lutaremos pelo decacampeonato Estadual. Sonhamos humildemente em igualar o feito da geração de Kanela e Algodão na década de 50, longe de qualquer tipo de comparação. Tomara que aconteça em um campeonato que conte com os tradicionais adversários, como Vasco, Fluminense e Botafogo.

- Queremos continuar melhorando a nossa produção de atletas na base e vencer novamente a LDB. Temos a obrigação de voltarmos a ser um celeiro de novos craques.

- Desejamos o tetra da NBB e o bi da Liga das Américas, onde assumiremos, sem problemas, o rótulo de “time a ser batido”.

- Chegamos à tão desejada final do Mundial de Clubes contra o Maccabi Tel Aviv. Por que não sonhar com a vitória em uma arena lotada de rubro-negros, mesmo sabedores da diferença de investimento entre o basquete brasileiro e europeu?

- Fomos o primeiro clube da América Latina na história a ter a honra de ser convidado (recebendo cota) para jogar dois jogos contra equipes da NBA. Por que não sonhar, no mínimo, em fazer bons jogos e começar a fazer parte do calendário oficial da maior liga de basquete do mundo?

Enfim, o Flamengo pode perder ou ganhar dentro das arenas esportivas. Fora delas, nunca podemos estar satisfeitos, plenamente realizados, temos que pensar grande sempre, proporcionalmente ao tamanho de nossa torcida. Não podemos apenas sonhar, mas fazer acontecer, mesmo nas dificuldades enormes vividas pelos esportes olímpicos no Brasil. É, literalmente, matar um leão por dia, desde sobreviver até atingir a excelência.

Temos um excelente grupo, o que significa muito mais do que possuir um ótimo time de jogadores de basquete somente. Porém, cabe lembrar que apenas dois titulares da final da NBB5 começaram em quadra na partida decisiva da NBB6. Evidentemente, ao contrário do ditado, em time que está ganhando, podemos sempre evoluir. O time desse ano foi superior ao do ano passado e esperamos evolução para o próximo grupo. Estamos planejando a temporada que chega para superar os defeitos que existiram e projetando as competições que teremos. Tudo que é bom, mantendo-se a base, pode melhorar, mas sempre com responsabilidade financeira, planejamento + execução (= boa gestão), profissionalismo e, o mais importante, com comprometimento total de todos, dos funcionários, comissão técnica, atletas e direção, como canta e exige a massa rubro negra.

Muitos perguntam sobre qual será o nosso maior objetivo em 2014/15. Nossa maior responsabilidade para temporada 2014/15 não é ganhar um jogo ou campeonato, seja no Estadual, Mundial ou NBA. Nosso sonho mais ambicioso é que o basquete do Flamengo continue sendo o "Orgulho da Nação”, esse sim nosso maior objetivo ontem, hoje e sempre. Ganhar ou perder faz parte do esporte, mas o torcedor precisa ter sempre orgulho de quem desfruta a honra de vestir o nosso manto sagrado. Essa é a nossa obrigação.

Sonhamos com um clube unido em todas as áreas, vencedor como é o destino do Flamengo, cumpridor dos seus deveres com o Governo e com seus empregados, com a torcida do lado, com os grandes rubro-negros pensando única e exclusivamente na instituição, com críticas construtivas, mas deixando de lado as picuinhas, os e-mails apócrifos, mas sempre de respeito às tradições, sem abrir mão da modernidade. Enfim, o único adversário à altura do Flamengo não pode ser ele mesmo. Lembrando que o processo de construção, muito mais difícil, é sempre mais nobre do que a fácil tarefa de destruir (a autofagia rubro-negra).

Que os Esportes Olímpicos, após a Copa do Mundo e somente a dois anos da Rio-2016, sejam olhados com mais carinho e interesse, seja pelo setor público ou privado. Nosso maior desafio é aproveitar esse ciclo para criar a estrutura e modelo de financiamento que torne novamente o Flamengo a maior potência olímpica do Brasil, sem depender de outras receitas do clube. O caminho é duro, mas juntos conseguiremos!

Galera rubro-negra, nosso muito obrigado e parabéns a todos por serem protagonistas de todas essas conquistas. Vamos continuar sonhando e trabalhando muito, são mais de mil atletas competindo e lutando pelo Flamengo diariamente. Quanto ao basquete, o “Orgulho da Nação”, compromisso marcado com a final do Mundial em setembro e para toda a temporada mais importante da história do esporte no Flamengo. Contamos com todos nessa luta!



Carta escrita em outubro de 2014

Uma semana se passou, desde o agora histórico dia 28/09/2014. Entre sonho e realidade, queremos sempre continuar vivendo assim. Afinal, no Flamengo, nossa obrigação é sempre pensar grande, tal qual o tamanho de nossa torcida, no topo do mundo. Como ficou comprovado, transformar esses sonhos em realidade só depende de nós.

Embalando em nosso sonho, como em um filme épico, vibramos com o Nico Laprovittola trocando passes com o lendário Algodão, irrompendo o garrafão adversário, a dupla levando ao desespero seus marcadores, em mais show de pura categoria e talento.

Na realidade, lembramos de um projeto vitorioso em um clube de enorme história no basquete. O único clube de futebol do Brasil que, contra tudo e contra todos, em um país de uma estrutura completamente arcaica que privilegia confederações, manteve a tradição olímpica, mesmo que isso tenha custado um enorme sacrifício a atletas, membros de comissão técnica e dirigentes. Triste monocultura em torno de um esporte único, desprezando a importância da riqueza de outros esportes na formação de cidadãos. Desde um passado distante, foram vários heróis anônimos na garra olímpica rubro-negra, passando por Márcio Braga, que começou a nossa luta pela Lei Pelé, até ao atual grupo diretor com Eduardo Bandeira, que está finalizando esse processo, tornando o Flamengo novamente respeitado por cumprir seus compromissos. Nosso muito obrigado a todos que participaram desse enorme desafio de chegarmos e, com todas as dificuldades, a esse auge, ao manter vivos os nossos esportes olímpicos.

Lá no garrafão de nossa imaginação, como não encher nossos olhos de lágrimas até agora, com o gigante Jerome Meyinsse que, recebendo o bloqueio do decacampeão Alfredo da Motta e o passe de nosso inesquecível Pedrinho, enterra a bola na cesta, com uma raiva santa, na cara do adversário, juntamente com todas as nossas frustrações e o grito na garganta guardado por tantas décadas.

De volta à vida, assistimos à reconstrução da dignidade de um clube-cidadão, que não se rende mais às tentações de curto prazo e busca se estruturar para dar exemplo aos nossos filhos e orgulho para a nossa torcida, objetivando fazer esporte de forma organizada e sustentável no longo prazo. Tivemos a prova inconteste que é totalmente possível ser um clube-cidadão e um clube-campeão ao mesmo tempo!

No dia-a-dia, com a situação financeira mais tranquila dos atletas e comissão técnica, com o basquete dependendo exclusivamente de suas próprias pernas para se financiar, o enorme valor de um grupo de verdadeiros homens que, acreditando no que estava sendo dito, com conversas cara a cara, foi parceiro de uma relação de total transparência com a diretoria e o clube.

De repente, vejo de novo o Benite, como um raio, roubando aquela bola do duro adversário Pargo, se transformando no guerreiro Almir e, com o corta-luz do célebre Bigu, convertendo a bandeja e recebendo a falta. Olho para as cadeiras e lá estão Isidoro Danon, Ítalo Profice, Ivanir Ribeiro, William dos Santos, Getúlio Brasil e Patrícia Amorim, todos em êxtase. O histórico esporte olímpico rubro-negro, sempre unido, vibra no Céu e na Terra.

Ao reabrir dos olhos, o esforço e o suor de reestruturação continuam diariamente, através de leis de incentivo, patrocínios e parcerias. São já realidade as novas salas de musculação super-modernas na Gávea e no remo, somente para os atletas olímpicos. Em breve, os vestiários e iluminação, totalmente reformados nos ginásios, em que treina o campeão do mundo. Nossa maior luta pela nossa casa, a Arena própria que vai servir várias modalidades, vai prosperar em breve, com a força de todo rubro-negro, nesse processo de crescimento que celebrará a dimensão que todo o nosso esporte olímpico merece. Em outras áreas, muita coisa para acontecer.

Tempo pedido pelo Flamengo no momento em que o Maccabi encosta no placar. Nosso multicampeão Jose Neto, abençoado pelo nosso maior Mestre Kanela, oscila broncas providenciais dos estilos Waldir Boccardo, Emanuel Bonfim e Guilherme Kroll, mas mantém a sábia tranquilidade sempre transmitida por Ary Vidal, Pingo e Paulo Chupeta. Com todas essas feras dirigindo o time, não tem jeito, vamos ganhar! Na massagem e na rouparia, Michila e Mineiro, nossos eternos suportes para todas as horas, abrem o sorriso largo, já prevendo a festa.

A continuidade de um trabalho sólido de escolha do elenco, seja no nível técnico ou humano, é elemento completamente chave para o sucesso de qualquer empreitada em esportes coletivos. Mesmo em time que vence sempre, obviamente há espaço para mudanças para melhor, de forma cirúrgica, a partir de avaliação constante e equilibrada e muito planejamento. Sempre prezando por um mix de idades e estilos complementares, buscando a sinergia máxima das individualidades em prol do coletivo. Como exemplo, mesmo ganhando absolutamente tudo desde lá, dos 12 jogadores que alcançaram o nosso título mundial, apenas cinco faziam parte do grupo que venceu o Uberlândia em 2013, na final da NBB, sendo que apenas três efetivamente jogaram e somente um atleta era titular. Precisamos evoluir sempre, fazendo o que é melhor para o Flamengo, o que não significa que todos que passaram por aqui desde então não sejam também campeões do mundo, que simbolizo nas saudosas figuras de Caio, Duda e Shilton. Nossa maior meta é construir uma escola de basquete, que sirva não somente de modelo para todos os esportes olímpicos do Flamengo, na formação de atletas, mas para todos os amantes da bola laranja no Brasil. Estamos apenas engatinhando nesse aspecto, o título mundial será o grande impulso e inspiração nessa organização.

Voltando de novo lá para dentro da quadra e para o mais profundo interior nosso coração, como não se emocionar com o passe talentoso Gegê, torcedor rubro-negro de raiz, com o arremesso plástico de três pontos do Marquinhos, inspirado por Mão Santa Oscar; Rebote na raça de bravo Olivinha, ajudado de perto pelo sempre presente Tocantins! Guguta, de forma mágica, enlouquece de novo a torcida, transformando o caldeirão da Arena da Barra em Maracanãzinho, ao repetir a cesta do meio da quadra de 50 anos atrás! Dessa vez, na arquibancada, é a vez da vingança do tempo, nosso eterno Presidente Gilberto Cardoso renascendo de alegria, ao perceber que seu sacrifício, de pura paixão, definitivamente não foi em vão.

Olha lá o Herrmann, explodindo de paixão rubro-negra, em uma cena inesquecível em cima do aro, sendo abraçado por todos os atletas laureados do esporte olímpico rubro-negro! Lá embaixo, a galera flamenguista, não o nosso sexto homem, mas o nosso pivô principal, invade a quadra na qual, na verdade, esteve o tempo todo. Repetindo 1981, com a genialidade de Zico, Junior e cia., amor maior não tem igual! Marcelinho, nosso mais vencedor capitão, concretiza o nosso maior sonho, levanta a taça, conquista o universo, com a ajuda da nossa inesquecível craque Angelina, lembrando o nosso outro Mundial feminino de 1966.

Somos campeões do mundo de novo, em um título que começou há muitas décadas.. Tradição, competência, clube-cidadão, profissionalismo (representado hoje pela figura do craque Marcelo Vido – único bicampeão mundial de clubes do Brasil, como atleta e dirigente - e toda a sua equipe, gerentes, comissões técnicas e funcionários nos esportes olímpicos), disciplina, planejamento e com a maior torcida do universo ao nosso lado, o Flamengo unido, sem separações políticas mesquinhas dos que só pensam em poder, irá voltar ao topo do mundo em tudo. O caminho a ser percorrido ainda é longo e árduo, precisamos da ajuda de todos os verdadeiros rubro-negros.

Um agradecimento especial ao Governo do Estado do Rio de Janeiro (Lei de Incentivo, que só é possível por temos nossas certidões negativas de débito) e aos nossos patrocinadores TIM, Sky e Estácio. Além disso, toda a gratidão à Liga Nacional de Basquete que, como uma espécie de oásis na estrutura esportiva brasileira, indica o caminho a ser seguido. Nas homenagens desse texto, certamente terei sido injusto em não citar nominalmente algum personagem importante na nossa tão rica história olímpica rubro-negra. Porém, sintam-se, essas milhares de pessoas, aqui representadas por terem contribuído de alguma forma para esse momento máximo no basquete e esportes olímpicos do Mengão.

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