domingo, 9 de abril de 2017

De onde vem o dinheiro do Flamengo?

Foi divulgado o Balanço Financeiro de 2016 do Clube de Regatas do Flamengo, publicado em 5 de abril de 2017. Os resultados foram mais uma vez muito bons, como tem sido corriqueiro, indicando queda de endividamento, aumento expressivo de receitas e resultado operacional extremamente positivo. Pelo terceiro ano consecutivo, após muitos e muitos anos, muitas décadas, o Flamengo fechou um ano com um Resultado Operacional Superavitário, pela terceira vez as contas fechavam no azul. A principal pedra de sustentação desta gestão deste que iniciou seus trabalho em 2013.

Para se ter uma idéia do tamanho de tal feito, buscando-se todos os Demonstrativos de Resultados do clube entre 2006 e 2013, o melhor que se tinha obtido havia sido um déficit de R$ 3,3 milhões em 2008, o segundo melhor tinha sido um déficit de R$ 13,8 milhões em 2006. Em 2014 houve um superávit de R$ 64,3 milhões, e em 2015 o resultado foi mais do que o dobro destes. As finanças rubro-negras se mantem saudáveis.

Ainda assim, o jornalista André Loffredo, do SporTV (que, a propósito é torcedor do Corinthians) levantou uma pergunta durante 2016: "De onde vem o dinheiro do Flamengo?". O jornalista não conseguia entender a origem dos recursos rubro-negros. Deveria ser papel da imprensa no mínimo fazer levantamentos e tentar entender, antes de se jogar num palpitismo leviano. As contas, não só ano a ano, como trimestre a trimestre, são publicadas no site do Flamengo. Como é praxe no mercado financeiro, todas as contas anuais são analisadas por uma empresa de auditoria, cujos pareceres independentes também estão publicados no site rubro-negro. Seria muita presunção minha achar que o suposto jornalista visitaria o blog do livro A Nação, onde tem havido, ano após ano, e trimestre após trimestre, a exposição gráfica dos resultados apresentados pelo clube. Quem queira ter trabalho (sim, pesquisar e entender, sem margem para palpites irresponsáveis, dá trabalho) aqui também há a sessão Transparência Rubro-Negra, onde todas estas análises podem ser acessadas.

Todos os anos esta análise se concentra em três sessões: Quadro de Endividamento, Aumento das Receitas e Resultado Operacional Líquido (Superávit ou Déficit, dependendo do caso). Este ano, em especial à pergunta levantada por André Loffredo, será apresentado uma quarta sessão: De onde vem o dinheiro do Flamengo?


1) Quadro de Endividamento

A melhora na comparação entre os resultados de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 é notável, digna de um estudo de caso sobre gestão administrativo-financeira no Brasil (não só no futebol). No primeiro ano de gestão, houve uma redução de 12%, equivalente a menos R$ 89,3 milhões. No segundo ano de gestão uma queda de mais 8%, equivalente à redução de R$ 48,5 milhões. No terceiro ano, a dívida caiu R$ 95,8 milhões, com uma redução de 17%. No quarto ano, queda de outros R$ 90,6 milhões, equivalente a 19%. Na soma dos quatro primeiros anos de gestão, a dívida foi reduzida em 45,3%, ou R$ 324,2 milhões! Uma redução quase equivalente ao tamanho no qual ela estava ao fim de 2016.


A representatividade da melhora da situação financeira pode ser vista num dos principais indicadores de saúde financeira analisados pelo mercado, a razão entre a dívida e a receita operacional anual, ou seja, quantos anos de receita seriam necessários para se pagar toda a dívida. Em 2012 a dívida era 3,6 vezes a receita anual, em 2013 a razão caiu para 2,4, ao fim de 2014 ficou em 1,7, fechou 2015 em 1,4, e agora se encontra em 0,8x. Um excelente patamar, condizente às melhores saúdes financeiras, não só do futebol. Um enorme salto de qualidade!


Como parte do processo de equacionamento da dívida, não são todos os indicadores que melhoraram. Para a dívida cair, foi preciso aumentar a quantidade de empréstimos junto a instituições financeiras. Como? Através do que muitos alardearam como "troca de dívida pública por dívida privada". As fontes de financiamento para pagar os impostos devidos ao governo foram aumento de receitas e aumento de empréstimos. Primeiro ponto a ser considerado na "troca de dívidas": sonegação fiscal é crime. Portanto, pagar impostos devidos é obrigação moral e ética. Mas esta rubrica merce atenção sim, principalmente porque o volume de empréstimos de curto prazo é alto. Mas depois de apresentar um viés de crescimento entre 2012 e 2016, em 2016 o patamar caiu. E o que é mais importante, uma queda não só quantitativa, como qualitativa, como será apresentado a seguir.


Os volumes de curto prazo provam que a situação financeira do Flamengo ainda não é tranquila. O volume de empréstimos de curto prazo precisa ser monitorado, para garantir uma boa saúde financeira de médio a longo prazo. Mas os números de 2016 trazem uma notícia muito boa quando se olha os empréstimos de longo prazo (com mais de um ano para pagamento). Eles caíram muito, indicando que 2016 tem tudo para haver sido o último ano no qual o fluxo de caixa rubro-negro ficou pendente da tomada de empréstimos. Tudo indica que durante 2017 isto ainda possa acontecer pontualmente. O cenário não é preocupante, principalmente porque o volume de empréstimos de curto prazo no fechamento, era inferior aos superávits obtidos em 2015 e em 2016. Logo, não há qualquer sinal de dificuldade em se honrar estes compromissos. 




2) Aumento Expressivo nas Receitas

A Receita Operacional líquida havia crescido 30% em 2013, equivalente a mais R$ 60,5 milhões/ano, cresceu 29% em 2014, mais R$ 75,1 milhões no ano, cresceu 1,6% em 2015, mais R$ 5,2 milhões/ano. Um excelente resultado, ainda mais dada a situação econômica grave vivida pelo Brasil. Em 2016, esta receita foi R$ 144 milhões superior à do ano anterior, um aumento de 42,4%.


Analisando os números brutos de receita do futebol e do resto do clube, verifica-se um expressivo crescimento de ambos. A receita do futebol cresceu R$ 62,0 milhões em 2013, R$ 62,9 milhões em 2014, R$ 6,0 milhões em 2015 e R$ 144,8 milhões em 2016. As receitas do resto do clube não-futebol caíram R$ 0,9 milhões em 2013, cresceram R$ 11,1 milhões em 2014, mantiveram-se estáveis em 2015 (R$ 200 mil acima do ano anterior) e cresceram R$ 9,7 milhões em 2016, um aumento importante de 20,6% no ano.



Abrindo este resultado, para entendê-lo melhor e buscar as principais fontes de financiamento, temos os resultados a seguir.

Antes, porém, faremos uma análise qualitativa desta receita. Uma das metas no início da gestão era ter três fatias iguais como fonte de financiamento: (1) direitos de televisionamento, (2) renda gerada pela torcida, e (3) patrocínios e material esportivo. A meta era que cada fatia representasse 33% do todo.

Os recursos de televisão eram 64% da receita em 2012, caíram para 46% em 2013 e para 38% em 2014. Em 2015 voltaram a subir, ficando em 41% do total. Em 2016, a fatia ficou ainda maior, voltando ao patamar do início da gestão, representando agora 66%. As receitas geradas pela camisa (material esportivo + patrocínios) eram meros 19% em 2012, passaram a 22% em 2013, a 26% em 2014 e a 28% em 28%, vinham tendo uma melhora constante! Mas em 2016 voltaram a representar apenas 15%. Já as receitas geradas pela torcida (bilheteria + sócio-torcedor) eram só 5% em 2012, cresceram espantosamente para 27% em 2013, caíram a 23% em 2014, ficaram em 24% em 2015, e agora representam 15%. Uma piora qualitativa, mas por um fator positivo, o aumento expressivo dos recursos da TV.


As receitas com direito de transmissão se mantiveram relativamente estáveis entre 2012 e 2014. Cresceram em 2015, e deram um salto ainda mais expressivo em 2016, em função dos pagamentos feitos pela Rede Globo. Em 2016, esta rubrica foi a que salvou o ano.


As receitas com bilheteria tiveram um desempenho impressionante de melhora ao longo dos quatro primeiros anos de Gestão no Azul do Flamengo. O valor arrecadado foi de módicos R$ 9,5 milhões no total de 2012. Subiu para R$ 48,9 milhões em 2013 no embalo da campanha que levou ao título da Copa do Brasil. Em 2014, foi a única receita que caiu em relação ao ano anterior, sendo de R$ 40,1 milhões. Em 2015, ela voltou a subir, fechando o ano em R$ 43,7 milhões. Em 2016 caiu mais vez, fechando em R$ 39,3 milhões. O Flamengo precisa trabalhar para obter pelo menos R$ 50 milhões por ano com bilheteria. Sem o Maracanã, será difícil alcançar este patamar.


As receitas com patrocínio também cresceram espantosamente. Um aumento de 55% em 2013 e de 50% em 2014. Em 2015, o fechamento ficou pouco acima do ano anterior, mas com uma arrecadação expressiva de R$ 85,5 milhões. Em 2016, porém, o valor arrecadado teve uma queda brusca, fechando em R$ 66,3 milhões. Com o contrato de longo prazo já assinado com a Carabao, a tendência é de que se volte a ter crescimento com patrocínio. O norte do Flamengo deveria ser chegar a pelo menos R$ 90 milhões por ano com a exposição de marcas.


A Gestão Azul também trouxe novas fontes de receita que o clube não tinha antes. A primeira delas foi o Programa de Sócio-Torcedor Nação-Rubro-Negra, que gerou R$ 16,5 milhões a mais de receita já em 2013, chegou a gerar aproximadamente R$ 30 milhões por ano a mais de receita, mas que teve queda para R$ 26 milhões no ano de 2016. A tendência é de que volte a haver crescimento em 2017, com a arrecadação se aproximando ou até superando os R$ 35 milhões. Isto representa um patrocínio master na camisa a mais como bônus.


A eficiência em geração de receitas fica ainda mais evidenciada quando é mostrada a arrecadação total com a Torcida do Flamengo, ou seja, a soma dos valores arrecadados com Bilheteria e com o Sócio-Torcedor. Os números falam por si só: em 2012 a torcida gerou R$ 9,5 milhões para os cofres do clube. Nos anos seguintes, gerou, respectivamente: R$ 65,4 MM, R$ 70,5 MM e R$ 73,3 MM.É um aumento de 600%. É um show, um espetáculo de eficiência sobre as gestões anteriores! Ainda que em 2016 esta arrecadação, dada a gravíssima crise econômica vivida pelo Brasil, tenha mostrado retração.

Sempre se escutou a máxima: "se cada torcedor do Flamengo desse R$ 1,0 de seu bolso, os problemas financeiros do Flamengo estavam resolvidos". Pois bem, em 2012, o resultado com torcida equivalia a R$ 0,25 (vinte e cinco centavos) dados por cada torcedor no ano. O número de 2016 equivale a algo como se cada torcedor estivesse dando R$ 1,65 por ano do seu bolso para o clube (em 2015 equivalia R$ 1,85 por torcedor). É muita diferença! É a máxima de botequim escutada antes, colocada em prática!


Graças à obtenção das Certidões Negativas de Débito (CNDs) houve aumento nas receitas de patrocínio, mas também só por elas foi possível a obtenção de uma outra receita nova, os Incentivos Fiscais, investimentos direcionados à infraestrutura do futebol de base e aos Esportes Olímpicos. Receita nova na veia, viável apenas pela correta gestão das contas do clube.



(3) Superávit

Como resultado disto tudo, o Resultado Operacional do Clube de Regatas do Flamengo só melhora desde 2012, quando havia um déficit de R$ 10,7 milhões. Em 2013 converteu-se num superávit de R$ 26,9 milhões, ampliado subsequente para superávits de R$ 104,6 milhões em 2014, R$ 126,8 milhões em 2015 e R$ 191,8 milhões em 2016. Daqui para frente, chega de crescer! Para a sustentabilidade e continuidade do crescimento das receitas, o negócio agora é manter cada vez o forte investimento na competitividade do time de futebol, de forma a levar o Flamengo a ser o Melhor do Brasil e o Melhor da América do Sul.


O resultado final, excluindo-se as Despesas Financeiras (juros de dívidas), foi superavitário pela 3ª vez na história do clube. De déficits de R$ 62,4 milhões em 2012 e R$ 19,5 milhões em 2013, saltou-se para superávits de R$ 64,3 milhões em 2014, R$ 130,5 milhões em 2015 e R$ 153,5 milhões em 2016.



(4) De onde veio o dinheiro do Flamengo?

A primeira constatação é que o jornalista desconhece completamente as cifras do mercado no qual ele mesmo atua.

Comparando os números do Flamengo em 2016 frente aos números de 2012, último ano da ex-presidente Patrícia Amorim a frente da gestão do clube, o que se constata é que as receitas do Flamengo cresceram incontestavelmente muito. Deste aumento, R$ 183 milhões no aumento são representados por recursos da transmissão de TV, pagos pela Rede Globo, proprietária do SporTV (o que equivale a 65% dos novos recursos).

É uma comparação um tanto injusta com a diretoria ao ser apresentada ao fim de 2016. Só neste ano, o incremento no contrato de TV representou R$ 169,3 milhões destes R$ 183 MM citados. O dinheiro e o resultado não chegaram só por causa da televisão, esta dinheiro novo específico em 2016 foi um bônus. Comparando 2015 contra 2012, o incremento com a TV tinha sido de R$ 13,8 milhões, bem menos do que o obtido com outras rubricas. Mas o incremento proporcionado está aí, é um fato consumado.

Não foram só os novos recursos com direito de transmissão pagos pela televisão que proporcionaram este incremento. O Flamengo passou a ter R$ 32 milhões a mais por ano em patrocínio, o que equivale ao valor da área mais valiosa da camisa (o chamado patrocínio master). Antes, sem credibilidade, o clube não atraía marcas que lhe proporcionassem isto em recursos. Por fruto da competência desta gestão em marketing, houve este incremento.

Mais não foi só. O Flamengo passou a gerar mais R$ 30 milhões por ano em bilheteria do que gerava antes. Isto é mais do que muitos clubes de expressão pelo Brasil conseguem arrecadar em patrocínio. Para chegar a este nível, apanhou um pouco nas estratégias até atingir a estratégia correta de precificação do espetáculo (chamada no mercado de pricing).

Ganhou R$ 183 milhões pelos novos contratos de TV, e ganhou R$ 62 milhões pela sua maior competência de gestão econômico-financeira. Por si só já era bastante. Mas com competência, criou ainda R$ 38 milhões a mais por ano em "receitas novas" (programa de sócio-torcedor e incentivos fiscais). Verdade que parte pequena disto aí outros clubes também fizeram, já que o Sócio-Torcedor não foi criado pelo Flamengo, surgiu como parte do Programa por um Futebol Melhor, liderado por empresas de bens de consumo não-duráveis. Mas o Flamengo se destaca na arrecadação com STs e só tem Incentivos Fiscais graças às CNDs obtidas, bônus pela atuação multidesportiva do clube, além dos campos de futebol.



Complementarmente aos números e análises feitos aqui, há a leitura da avaliação feita sobre a Evolução Trimestral destes números.


Veja aqui também: Gestão Azul - Diário da Revolução Prometida


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