A Seleção Brasileira viveu momentos conturbados na década de 70, após a saída de Kanela da Seleção. Sentiu falta de sua capacidade como treinador, mas também pela dificuldade de fazer a renovação da fantástica geração de Amaury Pasos, Wlamir Marques, Menon e Ubiratan, uma missão nada fácil. Quando Kanela assumiu a Seleção Brasileira como treinador, o Uruguai tinha seis títulos de Campeonato Sul-Americano, a Argentina tinha cinco e o Brasil só dois. Quando Kanela deixou a Seleção, o Brasil tinha oito títulos, o Uruguai também oito e a Argentina tinha seis.
O Brasil havia sido vice-campeão Mundial em 1954, Bi-campeão em 59 e 63, terceiro lugar no Mundial de 67 e vice-campeão em 70. Acumulava três Medalhas de Bronze em Jogos Olímpicos (1948, 1960 e 1964) e ficara em quarto lugar nas Olimpíadas de 68. O Brasil havia alçado um vôo para o primeiro escalão do basquete mundial, e queria manter-se lá. Chegou àquele nível pelas mãos de Wlamir e Amaury e pela visão de jogo do “Velho Togo”.
Em 54, o time formado por Angelim, Algodão, Wlamir Marques, Mayr Facci e Amaury Pasos, comandados por Kanela, e com Alfredo da Motta (já veterano), Godinho e Mário Hermes no banco, perdeu a final do Mundial, no ginásio do Maracanãzinho, para os Estados Unidos (62 a 41 no placar). Em 59, no Chile, o time perdeu para a União Soviética duas vezes (73 x 64 e 66 x 63) e venceu os EUA (81 x 67). Só foi campeão porque por razões políticas os soviéticos se negaram a enfrentar Taiwan (que à época se chamava Formosa) e foram desclassificados do torneio. Depois de ficar com o Bronze nos Jogos Olímpicos de 60 (atrás de americanos e soviéticos), no Mundial de 63, novamente jogado no Maracanãzinho, o time brasileiro – treinado por Kanela, e jogando com Wlamir Marques, Rosa Branca, Victor Mirshauswka, Amaury Pasos e Ubiratan – venceu à União Soviética (90 x 79) e aos Estados Unidos (85 x 81) e ficou com o troféu no Brasil.
Em seguida, terceiro lugar nas Olimpíadas de 64 e no Mundial de 67, e um quarto lugar nas Olimpíadas de 68, sempre atrás de Estados Unidos, ora União Soviética e ora Iugoslávia. A Seleção Brasileira voltou a fazer uma grande campanha no Mundial de 70, e jogando fora de casa, na Iugoslávia. O time de Kanela tinha Hélio Rubens, Wlamir Marques, Edvar Simões, Menon e Ubiratan; venceu a União Soviética (66 x 64) e os Estados Unidos (69 x 65), mas caiu diante da seleção anfitriã (implacáveis 80 x 55).
A renovação depois destes resultados e da saída de Kanela foi traumática. No Mundial de 72, o Brasil foi treinado por Pedrocão, de Franca, e amargou a sétima posição. No Mundial de 74 o treinador foi Édson Bispo, mas o resultado não melhorou: sexta colocação. O ápice para a crise veio após o Pré-Olímpico de 76, quando a equipe treinada por Édson Bispo perdeu a vaga com uma derrota para o México. Pela primeira vez, o Brasil estava fora do basquete olímpico. O basquete brasileiro virou um caldeirão.
Uma matéria na revista Placar em 1977 (ed. 335, de 11/fev/77) trazia matéria bombástica, expondo a crise pela qual passava o basquete brasileiro: "nós estacionamos" dizia Alberto Curi, então presidente da CBB; "falta preparação adequada (para estar no topo do basquete mundial)" dizia o então jovem treinador Ary Vidal, que com pouca experiência e sob muita desconfiança, tinha recém assumido a Seleção Brasileira; "(o problema é que) meus colegas são covardes" bradava em alta voz o então técnico do Flamengo, Tude Sobrinho; "o mal é da cúpula do basquete, que não está entregue em boas mãos" afirmava Kanela. O principal motivo para a crise estava no fato de o Brasil não ter conseguido a classificação para os Jogos Olímpicos de 1976, levando à demissão do treinador Édson Bispo. A principal responsável segundo quase todos era a política, que neste caso se escondia por trás de um verdadeiro duelo filosófico entre Rio de Janeiro e São Paulo. São Paulo atacava a constante escolha de técnicos cariocas e o fato de a sede da CBB ser no Rio, já o Rio de Janeiro atacava o estilo político paulista, fechado em panelinhas e excludente (o "absolutismo paulista"). Entretanto, ambos, cariocas e paulistas, eram unânimes em metralhar em crítica a direção da CBB. Surpreendente é como as histórias se repetem, e o país parece não ter memória, os fatos ficam isolados no tempo. Palavras do então técnico da Seleção Ary Vidal: "os problemas são tantos que sempre haverá dificuldades para se treinar a Seleção. Agora mesmo, duvido que todos os atletas apareçam no dia da apresentação (para a disputa do Sul-Americano)". Destaca a matéria da Placar: "acertou: faltaram Agra, Marcel, Ubiratan, Hélio Rubens, Gilson, Evaristo, Fausto Giannechini e Adílson" (todos jogadores de Palmeiras e Franca). Não havia problemas contratuais com os jogadores que jogavam nos Estados Unidos, como Leandrinho, Anderson Varejão e Nenê, como foi rotina nos anos 2000, mas um problema cujo núcleo era idêntico e por outros motivos: Palmeiras e Franca queriam excursionar para angariar fundos para a manutenção financeira de suas equipes de basquete.
Kanela piorava ainda mais as palavras do presidente da Confederação "O Cúri diz que nosso basquete estacionou. Vou além: está andando para trás". Kanela ia além com sua metralhadora giratória: "os atuais jogadores são muito mascarados e já não se empenham tanto quanto os de antigamente". Palavras de Cúri, presidente da CBB: "quando falo que estacionamos quero me referir ao progresso dos países que nos passaram. Quem falava de Iugoslávia, Canadá e Porto Rico? De 1968 para cá começamos a sentir que nossos adversários melhoravam".
Para Tude Sobrinho estava faltando à Seleção "mais Kanelismo", em alusão à filosiofia de trabalho de Kanela. Tude ia além nas declarações: "São Paulo não deixa (que eu assuma a seleção), o pessoal de lá não gosta de mim, pois todos os jogadores cariocas passaram nas minhas mãos. Fui tetracampeão brasileiro de juvenis com a Seleção Carioca. Eles não engolem isso. Quanto a mim, acontece justamente o contrário: gosto do basquete paulista". Um comentário um tanto "morde e assopra", parecendo querer bater e ao mesmo tempo ser um pouco diplomático. Tude continuava: "o basquete não estacionou porque existe São Paulo. Lá as coisas vão bem. Mas em parte podemos admitir o estacionamento, pois estamos praticamente reduzidos a São Paulo. Por quê? Porque nos faltou um trabalho de renovação".
Após Bispo, o comando da Seleção foi posto nas mãos de Ary Vidal, técnico ligado ao basquete do Rio de Janeiro e sem resultados expressivos a nível nacional quando foi treinador de Botafogo e Vasco. Ary Vidal foi Campeão Sul-Americano em 1977 e conseguiu colocar a Seleção Brasileira de novo no pódio no Mundial de 78, obtendo um terceiro lugar e com destaque para uma excepcional vitória por 92 x 90 sobre os EUA. Acabou perdendo para Iugoslávia (97 x 81) e União Soviética (94 x 85). Um time que tinha Oscar, Marcel, Hélio Rubens, Carioquinha, Gilson Trindade e Marquinhos Abdalla.
O otimismo voltou a rondar o país e a crise no basquete passou. o sentimento em torno à situação do basquete brasileiro parecia já ser outra nos anos 80. Kanela, em entrevista à revista Placar (ed. 827, de 31/mar/86) dizia "nunca vi tanto craque". Alongava-se: "depois dos bicampeões apareceram alguns bons jogadores, mas nenhum da capacidade de Amaury, Wlamir, Ubiratan, Menon e Waldemar. Hoje em dia, porém, vejo que estão surgindo jogadores com potencial que me fazem lembrar aquele time. (...) Gérson e Pipoka são geniais (...) temos Marcel que é um gênio como foram Wlamir e Amaury, e Oscar, que aprendeu a encestar quando estava ainda na barriga da mãe (...) Maury, irmão do Marcel, é também um monstro". "Considero Ary Vidal um bom técnico, mas ele precisa de apoio dos técnicos paulistas".
Ary deixou a Seleção e os resultados voltaram a piorar. Nas Olimpíadas de 80, com Cláudio Mortari como treinador, o Brasil ficou em quinto lugar. No Mundial de 82, treinado por Edvar Simões, o Brasil não passou de um oitavo lugar. Com Renato Brito Cunha como treinador nos Jogos Olímpicos de 84 a posição caiu ainda mais: nono lugar. Foi Ary Vidal voltar e o resultado mulhorou. Com ele o Brasil foi quarto lugar no Mundial de 86, Medalha de Ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1987, com a fantástica vitória por 120 x 115 sobre os Estados Unidos em Indianápolis, e quinto lugar nas Olimpíadas de 88.
A escola carioca de treinadores foi a responsável pelos maiores resultados da história do basquete brasileiro. Foi assim com Kanela, depois com Ary Vidal, e também com Miguel Ângelo da Luz, que assumiu a Seleção Brasileira Feminina sob fortes críticas, pois era treinador do Olaria, e levou o time de Hortência, Paula e Janeth ao título de Campeãs Mundiais em 1994 e Medalha de Bronze nos Jogos Olímpicos de 1996. Todos os grandes títulos do Brasil no basquetebol foram sob o comando de treinadores do Rio de Janeiro.
Mas os times cariocas não conseguiam repetir este bom desempenho na disputa nacional entre clubes. Durante toda a década de 70, a diferença entre o basquete paulista e o do resto do país só foi aumentando. Os títulos da Taça Brasil iam, ano após ano, para o Estado de São Paulo. Mas as disputas eram acirradas. E havia muita reclamação contra as arbitragens, principalmente porque quase sempre só em São Paulo havia condição financeira para abrigar a fase final da Taça Brasil, quase sempre jogada no ginásio do Ibirapuera.
Entretanto, nem o fator mando de quadra mudava o cenário, tome-se como exemplo em 1975, quando depois de sagrar-se campeão carioca, o Flamengo disputou no Maracanãzinho o Torneio Interestadual, quadrangular para definir o representante brasileiro na Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões. O Palmeiras não encontrou dificuldades para vencer o Flamengo por 97 x 78, nem o Amazonas de Franca enfrentou resistência do Vasco, vitória por 72 x 59. No dia seguinte, 22 de novembro de 1975, o Jornal dos Sports trazia em sua manchete: “Paulistas vencem fácil”.
Mas ainda assim sempre sobraram reclamações contra os paulistas. A maior confusão se deu na Taça Brasil de 1979. Na semi-final, Franca venceu o Vasco por 79 a 77, e o Sirio venceu o Jóquei Clube de Goiás por 73 a 71. Os goianos se revoltaram, porque segundo eles o árbitro apitou falta no garrafão antes de o cronômetro ser zerado, mas houve invasão de quadra para comemorar a vitória do Sirio e na confusão o juiz encerrou o jogo, confirmando a zeragem do relógio. Revoltados, no dia seguinte, negaram-se a enfrentar o Vasco na decisão de terceiro lugar, mas estiveram em quadra, ficando o tempo todo parados, impedindo a realização do jogo e atrasando o início da final entre os paulistas Franca e Sirio, que acabou vencida pelo time da capital por 87 a 86. O Sirio que naquele mesmo ano, também jogando no ginásio do Ibirapuera, iria conquistar o Mundial de Clubes.
O Flamengo também se envolveu em confusão parecida, como mostra o relato da revista Placar (ed. 774, de 22/mar/85) com relatos do jogo entre Flamengo e Corinthians. Apesar da vitória rubro-negra, os jogadores estavam revoltados. Palavras do pivô Marquinhos: "joguei muito tempo em São Paulo e conheço o esquema, está tudo arranjado para o Corinthians ganhar (fazer a final com o Monte Líbano) e as rendas (no Ibirapuera) serem maiores". Marquinhos jogou no Fluminense de 1967 a 1971, depois foi para o Sirio entre 1971 e 1973, de lá seguiu para o time da Pepperdine University, dos EUA, para um estágio experimental em 73, voltou para o Sirio, onde permaneceu até 1975, quando novamente foi para o time da Pepperdine University, desta vez de forma definitiva para jogar a temporada de 1975-76. De lá seguiu carreira no Emerson Color, da Itália, entre 1976 e 1978, voltou mais uma vez ao Sirio entre 1979 e 1980; jogou no Sinudyne, da Itália, na temporada 1980-81, voltou uma quarta vez ao Sirio, desta vez para ficar entre 1981 e 1984. Então chegou, em 1984, ao Flamengo, e depois jogou em 1985 pelo time do Bradesco (RJ), em 86 voltou para o Sirio, onde permaneceu até 1989, quando encerrou sua carreira. Outro revoltado era Carioquinha: "jogar num time do Rio em São Paulo é uma dificuldade, agora sei que os cariocas tinham razão quando tanto reclamavam (da arbitragem), isto aqui é uma sacanagem". Carioquinha que, apesar do apelido, não tinha nenhuma relação com o basquete carioca. A experiência naquele ano com a camisa do Flamengo foi a primeira dele fora do basquete de São Paulo, onde havia jogado por mais de uma década defendendo Palmeiras, São José e Sirio. Este jogo contra o Corinthians terminou com Paulão Abdalla e Germán Filloy agredindo um dos árbitros após o zerar do cronômetro. Flamengo, novamente vice-campeão da Taça Brasil, e um tumultuado último capítulo na história de um dos maiores times montados pelo basquete da Gávea.
Em fevereiro de 1984, a revista Placar trazia a matéria "Perigo: só dá São Paulo (no basquete)" (ed. 715, de 3/fev/84), "das 15 Taças Brasil disputadas, os times paulistas venceram 13". O pivô Marquinhos Abdalla, então defendendo o Sirio, fez nesta matéria a sua análise dos fatos: "isso é muito ruim, porque a Seleção Brasileira acabou se tornando na verdade um selecionado paulista, completamente divorciado do resto do Brasil em termos de apelo pouplar nacional". Emmanuel Bonfim dava seu diagnóstico: "no Rio, a maioria dos jogadores trabalha e só pode treinar à noite, em São Paulo, os jogadores dedicam-se inteiramente ao basquete". Naquele mesmo ano, Marquinhos trocaria o Sirio pelo Flamengo, que decidiria investir pesado no basquetebol e montar o elenco mais caro do país. Campeão Carioca, mas tendo perdido o título da Taça Brasil para o Monte Líbano, duas semanas depois da final nacional a diretoria anunciou o desmonte do projeto, pois considerava as propostas de renovação salarial pedidas pelos jogadores fora da realidade financeira do clube. Na entrevista à edição 827 da revista Placar, Kanela deu sua versão para as dificuldades do basquete carioca: "houve uma fase grande de marasmo, mas o que realmente prejudica o basquete no Rio é que os clubes só pensam em futebol".
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