Entender a política do Flamengo não é nada simples. Por ser o clube mais popular, há diversos atores no cenário político com as mais diversas origens. Ao mesmo tempo, e isto é importante ser ponderado para quem não é do Rio de Janeiro e não conhece a cidade, a sede do clube está localizada na interseção de 4 bairros de mais alta concentração de renda da cidade: Leblon, Lagoa, Gávea e Jardim Botânico. E essa "posição estratégica" será atriz preponderante na história do clube.
A história moderna da política do Flamengo começa com José Bastos Padilha, que foi presidente do clube de 1933 a 1938. Ele foi um revolucionário, que modernizou o clube no momento de transição da Era Amadora para o Profissionalismo no futebol brasileiro. Ele foi ainda o responsável por levar o clube do bairro do Flamengo para o da Gávea. Era um cara a frente de sua época. Ele é o avô de José Padilha, que ficou nacionalmente conhecido no Século XXI como diretor dos filmes Tropa de Elite e Tropa de Elite 2.
Após a Gestão Padilha, na década de 1940, os nomes mais fortes da política rubro-negra foram Gustavo de Carvalho (presidente de 1939 a 42) e Dario de Melo Pinto (presidente em 1943/44 e depois em 1949/50). Até que na década de 1950 estabeleceu-se um novo marco na política rubro-negra com Gilberto Cardoso, o presidente-mártir, o homem que morreu de infarte por amor ao clube após uma cesta no último segundo que deu o título carioca de basquete de 1955 para o Flamengo. Ele presidiu o clube de 1951 a 55.
Após a morte de Gilberto Cardoso, as lideranças que mais marcaram a política da Gávea, e ocuparam a Presidência do C. R. Flamengo, foram as de Hilton Gonçalves dos Santos, Fadel Fadel, Luís Roberto Veiga Brito, André Richer (que posteriormente foi presidente do Comitê Olímpico Brasileiro - COB entre 1990 e 1995) e Hélio Maurício (que dá nome ao Ginásio de basquete da Gávea). Uma vida política sempre agitada, bastante democrática, e com muita alternância de poder sempre! Essas são marcas destacadas do clube.
Até que na eleição de 1976, o clube passou por uma nova revolução política, realizada pelo grupo que formou a Frente Ampla pelo Flamengo, do qual faziam parte Otto Lara Resende, Wálter Clark, Luiz Carlos Barreto, Márcio Braga, George Helal, Antônio Augusto Dunshee de Abranches e Joel Tepet. O grupo venceu a eleição e liderou o clube no período mais vitorioso da história do futebol da Gávea, fincando sua influência na política do clube pelas décadas seguintes. Lara Resende era um notório escritor e jornalista, pai do economista André Lara Resende, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do BNDES. Wálter Clark era diretor das Organizações Globo. Barreto, ou Barretão, era um dos principais cineastas do país. Junto deles estavam Márcio Braga, dono de cartório, e o advogado Dunshee de Abranches, os dois responsáveis por operacionalizar o planejado pela FAF.
O grupo ganhou a eleição, colocando Márcio Braga na presidência por dois mandatos (1977/78 e 1979/80) e Dunshee de Abranches por outros dois (1981/82) e (1983/84). Porém o segundo mandato foi interrompido com a renúncia do Presidente após a imensa pressão política que tomou conta da Gávea após a decisão de vender Zico para a Udinese, da Itália. Nas gestões de Braga e Abranches, os nomes que cuidaram do futebol foram os de Eduardo Motta, vice-presidente de futebol, e Domingos Bosco, que entre 1978 e 1982 foi Supervisor (Gerente Executivo) do futebol. Bosco trabalhou entre 1976 e 77 no Fluminense, quando foi convidado por Márcio Braga para implementar um moderno modelo de gestão que foi revolucionário no futebol brasileiro, e amplamente replicado em outros clubes após a Era de Ouro do Flamengo. Ele, de certa forma, foi o primeiro gestor profissional de futebol no Brasil.
A sucessão após a renúncia do presidente Dunshee de Abranches em 1983 também ficou dentro do grupo da Frente Ampla pelo Flamengo. Houve um pequeno racha que formou dois grupos políticos, um liderado por Márcio Braga e outro por George Helal. Estes dois grupos se sucederam no poder nas 4 eleições seguintes. Quem venceu a eleição de 83 foi George Helal (presidente de 1984 a 86), que teve como homens-fortes do futebol em sua gestão a Josef Berensztein, vice-presidente de futebol, na função executiva, e o Gerente de Futebol, Isaías Tinoco, na função operacional.
Na eleição seguinte venceu o grupo que reelegeu Marcio Braga (presidente em 1987 e 88). O Gerente de futebol, Isaías Tinoco, trocou o Flamengo pelo Vasco, e foi substituído por Luiz Henrique de Menezes. A gestão seguinte, no biênio 1989-90 foi do presidente Gilberto Cardoso Filho, com George Helal como Vice-presidente de futebol e Josef Berensztein como Vice de Finanças. No segundo ano da gestão, 1990, tentou-se uma nova revolução administrativa, contratado-se Francisco Horta como Gerente Executivo do Futebol para ser um Manager num modelo moderno de gestão. Horta, que fora presidente do Fluminense de 1975 a 1977, havia revolucionado o mercado do futebol ao montar a Máquina Tricolor. A escolha de Horta foi um amadurecimento do conceito de gestor profissional no futebol, que tinha tido um embrião em Domingos Bosco, que trabalhara com Horta no Fluminense. É fundamental notar que ainda não havia no futebol brasileiro gestores profissionais.
Mas a gestão do filho de Gilberto Cardoso foi a menos vitoriosa desde que a FAF assumiu o clube em 76 e isso teve um preço. Apostou-se então na volta de Márcio Braga para o biênio seguinte, que trouxe Isaías Tinoco de volta ao clube, novamente como Gerente de Futebol.
Apesar do título brasileiro naquele ano, o caldeirão político da Gávea seguia em ebulição, e desta vez imperou o desejo de renovção. A eleição no fim daquele ano marcou pela primeira vez desde 1976 a vitória de um candidato sem ligações com a Frente Ampla pelo Flamengo, que chegava prometendo mudanças. O jovem empresário Luiz Augusto Veloso presidiu o clube no biênio 1993-94, tendo a seu lado, como homem forte do futebol a Paulo Dantas, que assumiu como Vice-presidente de futebol. Prometendo conter despesas, a linha de trabalho foi em massificar o elenco com jovens vindos das divisões de base. O grupo inexperinte não conquistou títulos no futebol, e isso na política do clube é fatal. O insucesso de Veloso abriu a porta para emergir um novo grupo político no clube, liderado por Kléber Leite, que assumiu o clube tendo a Plinio Serpa Pinto como seu braço direito, na Vice-presidência de futebol, e Paulo Angioni como Superintendente de futebol, mesmo cargo que ele ocupou no Vasco entre 1979 e 1994. Kléber agitou o futebol carioca com contratações de impacto, ao estilo de Francisco Horta no Fluminense nos anos 70. A ousadia foi bem aceita e ele foi reeleito, tendo sido presidente por duas gestões 1995-96 e 1997-98. Mas para o segundo mandato o clube perdeu Angioni, que foi contratado pelo Corinthians. Kléber Leite era jornalista esportivo, trabalhou como radialista na Rádio Globo, onde cobria as partidas sentado atrás do gol e entrevistando os jogadores em campo; enriqueceu ao se meter no negócio de exploração de placas de publicidade do Maracanã e no mundo do entretenimento, investindo em casas de espetáculo. Seu modelo de gestão foi altamente gastador e isto levou a dívida do clube, que já vinha crescente e preocupante desde o final dos anos 80, a estourar de vez.
Kléber Leite, como radialista, cobrindo a era do duelo Zico x Roberto Dinamite
O presidente seguinte foi Edmundo Santos Silva, eleito para o biênio 1999-2000 e reeleito para 2001-02. Seu Vice-presiente de Futebol foi Wálter Oaquim. Na primeira gestão eles voltaram a tentar implementatar um modelo moderno de gestão, com um executivo autônomo gerindo o futebol. Entre janeiro de 1999 e fevereiro de 2000 este gestor foi o ex-goleiro de Flamengo, São Paulo e Seleção Brasileira Gilmar Rinaldi, o Gerente Executivo do futebol. Entre fevereiro e maio de 2000, o escolhido foi o treinador Renê Simões, que nunca tinha trabalhado no clube e assumiu como Superintende de futebol. O modelo moderno entrou em conflito com os "diretores amadores", não remunerados, ex-chefes de Torcidas Organizadas, e que foram levados para dentro da política do clube por Edmundo, pois haviam sido peças-chave na sua vitória nas eleições do fim de 98: Leonardo Ribeiro - o Capitão Léo (ex-presidente da Torcida Jovem do Flamengo) e Eugênio Onça (ex-presidente da Raça Rubro-Negra). O mesmo Capitão Léo que foi peça ativa na demissão de Renê Simões, também foi personagem principal, 10 anos depois, no pedido de demissão de Zico do cargo, só que, então, Capitão Léo exercia a função de Presidente do Conselho Fiscal do clube.
Edmundo dos Santos Silva fechou parceria milionária com a empresa suíça de marketing ISL, a mesma envolvida anos depois nas investigações de corrupção dentro da FIFA envolvendo os nomes de Joseph Blatter, João Havelange e Ricardo Teixeira. Em 2002 a ISL faliu na Suiça, o Flamengo não tinha recebido todos os recursos do contrato, não tinha como cobrar da massa falida na Suiça, e já tinha gastado de forma antecipada o que tinha por receber. Os cofres ficaram com um rombo enorme, levou anos para as finanças serem reorganizadas. O presidente Edmundo Santos Silva sofreu Impeachment. Assim como a Presidência da República sofrera 10 anos antes, em 1992, o Flamengo foi o único clube no Brasil a interromper um mandato por incapacidade de gestão. Gilberto Cardoso Filho assumiu como presidente interino e convocou eleições, vencidas por Hélio Ferraz para um mandato-tampão de pouco mais de um ano, entre outubro de 2002 e dezembro de 2003. Com ele o futebol foi gerido pelo Vice-presidente Geral, Radamés Lattari, ex-técnico da Seleção Brasileira de Vôlei, pelo Vice-presiente de Futebol, Paulo Dantas, que tinha tido a mesma função na gestão de Luiz Augusto Veloso, e pelo Superintendente de futebol Paulo Angioni, que trabalhou no Corinthians em 1997, no Palmeiras em 1998-99 e no Fluminense em 2000-01. Houve então a mudança para que presidência fosse ocupada por triênios e não mais biênios.
Em dezembro de 2003 foi novamente eleito Márcio Braga. O clube estava em meio a um caos financeiro e conseqüentemente político. Ele conseguiu unir as diferentes correntes e reorganizar muita coisa, acabou reeleito por isso. Esteve na presidência nos triênios 2004-05-06 e 2007-08-09. Em 2004, uma nova tentativa de modernização: o Vice-presiente de Futebol continuou sendo Paulo Dantas, o Diretor-Executivo era José Maria Sobrinho e o Diretor Técnico do Fla-Futebol escolhido foi Júnior. O ídolo rubro-negro exerceu a função entre janeiro e dezembro de 2004. Para 2005, reformulação: o Vice-presidente de futebol foi Gérson Biscotto e o Gerente de Futebol foi Anderson Barros (Jan/2005 até Nov/2005). Anderson Barros que anos depois veio a ocupar o mesmo cargo no Botafogo. Sem baixar a poeira das turbulências, mais uma reformulação, assumindo como Vice-presidente de futebol o ex-presidente Kléber Leite, adversário de Márcio Braga no pleito anterior, e com Isaías Tinoco, voltando depois de vários anos no Vasco, como Gerente de Futebol. A dobradinha Márcio Braga-Kléber Leite funcionou de dezembro de 2005 até julho de 2009.
Em 2009, Márcio Braga se afastou do cargo por problemas de saúde - cardíaco e de pressão - e durante todo o ano o Presidente foi Delair Dumbrosck (Fevereiro-Dezembro). Delair, antes, era ferrenho adversário de Márcio, quando como Presidente da Associação de Moradores do bairro lutava contra a construção de um novo estádio na Gávea, projetos idealizados nas gestões de Kléber Leite e depois Márcio Braga. De adversário virou aliado, assumiu a Vice-presidência geral e em 2009, como substituto, foi Presidente. Em julho, Kléber Leite se demitiu, seu substituto, como Vice-presidente de futebol, foi Marcos Braz (Ago a Dez/2009). O Gerente de Futebol ainda era Isaías Tinoco.
No fim de 2009 a eleição mais disputada da história do clube, com 7 candidatos. Delair Dumbrosck era o candidato do grupo político liderado por Márcio Braga; Plinio Serpa Pinto, do grupo de Kléber Leite; o advogado criminalista Clóvis Sahione, do grupo que elegera Edmundo Santos Silva; a ex-nadadora Patrícia Amorim, candidata dos esportes amadores em outras eleições, dessa vez tinha o apoio dos ex-presidentes Hélio Ferraz e Luiz Augusto Veloso; o candidato dos esportes olímpicos era o ex-jogador de basquete Pedrinho Ferrer; e com um discurso modernizador e profissionalizante tinha João Henrique Areias, profissional de gestão e marketing, que se lançou como candidato independente (a falta de apoio custou caro, ele ficou em último). Venceu, surpreendentemente, a vereadora Patrícia Amorim, a primeira mulher a sentar na cadeira de presidente da Gávea.
No triênio 2010-12, Patrícia começou apostando na continuidade para cuidar do futebol, entre janeiro e abril de 2010, o Vice-presidente de futebol foi Marcos Braz, do grupo político de Márcio Braga e Delair, com o Gerente de Futebol ainda sendo Isaías Tinoco. Em junho, uma nova tentativa de gestão com um executivo profissional e autônomo: Patrícia conseguiu atrair Zico para a política do clube. De junho a setembro de 2010, o Vice-presidente de futebol foi Vinícius França, com o Diretor Executivo do futebol sendo Zico e o Gerente de Futebol ainda sendo Isaías Tinoco. Acusações de Capitão Léo levaram ao pedido de demissão de Zico, Vinícius França se demitiu junto. De outubro de 2010 a fevereiro de 2012, a cúpula do futebol ficou com o Vice-presidente de futebol, Luiz Augusto Veloso, e o Gerente de Futebol, Isaías Tinoco, com Vanderlei Luxemburgo sendo o técnico e não-oficialmente exercendo a função de Diretor Executivo do Futebol. Em fevereiro de 2012, toda a cúpula foi demitida e renovada. O novo Vice-presidente de futebol passou a ser Paulo César Coutinho, filho do ex-treinador Cláudio Coutinho (assumiu em Fev/12 e foi demitido em Set/12), o Diretor Executivo do futebol, Zinho (assumiu em começo de Mai/12) e o Gerente de Futebol, Jairo dos Santos (que só ficou no cargo por três meses, de começo de Mar/12 a fim de Mai/12). Ao longo da gestão de Patrícia um nome que foi peça chave na gestão do futebol e sobreviveu a todas as mudanças foi Michel Levy, Vice-presidente de Finanças.
Veja também: A Era dos Diretores Executivos no Flamengo
Veja também: A Era dos Diretores Executivos no Flamengo
Caro Marcel
ResponderExcluirParabéns por sua ilustrativa pesquisa. E ela também ratifica minha impressão de amadorismo, no mal sentido, dos trâmites políticos no Flamengo. Isto porque as realizações pífias dos últimos anos têm sido o resultado de tantas mudanças, idas e vindas, reviravoltas patéticas e confusões. Espero que ainda possa ver uma administração rubro-negra realmente profissional e realizadora, que consiga efetivar transformações duradouras para nos ombrearmos aos grandes clubes europeus. Abraço do Sílvio B Passos (Tijuca-Rio)
Silvio,
ResponderExcluirAssim seguimos na luta, não só pela mudança do Flamengo, como do Rio de Janeiro e do Brasil. Desenvolvimento ou não é o resultado das escolhas que fazemos juntos. E só aprendendo com os erros, poderemos melhorar nossas escolhas.
Um abraço
Marcel
ótimo texto, que mais rubro negros devem ler!
ResponderExcluirÓtimo texto, Marcel. Parabéns!
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