domingo, 9 de dezembro de 2012

Casas do Flamengo: o Templo Maior

100 Anos de Futebol do Flamengo
Mais uma série aqui no blog, extraída das páginas de A NAÇÃO, para celebrar o Centenário do Futebol Rubro-Negro: Casas do Flamengo.

Sem casa própria, o Flamengo viveu 100 anos de futebol em muitas casas, fossem emprestadas, alugadas, cedidas pelo poder público. A história do Flamengo começou sem haver sequer campo para treinar, os jogadores treinavam em praça pública, na Praia do Russel. O primeiro campo foi a na Rua Paissandu, naregião limítrofe entre os bairros do Flamengo e Laranjeiras. Depois foi o modesto campo da Gávea. Nenhuma delas, propriedade à altura do C.R. Flamengo. Vamos visitar cada uma destas casas.

Serão 6 capítulos:
Maracanã, o Templo Maior / Estádios dos Rivais / A Rua Paissandu / A Gávea / Juiz de Fora e Taguatinga / Arena da Ilha, Raulino e Moacirzão

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O Flamengo e o Maracanã



 "A Copa do Mundo de 1950 deu um impulso ainda maior de crescimento ao futebol no Brasil. A derrota para o Uruguai na final, em pleno Maracanã, foi uma grande decepção. Mas com o espírito da Copa, aflorou o sentimento da necessidade de organização de um campeonato em nível nacional. Organizou-se o 1º Torneio Rio–São Paulo no primeiro semestre de 1950. O desempenho do Flamengo, entretanto, foi um fiasco: uma vitória, dois empates e três derrotas. Por este fracasso, Zizinho saiu do Flamengo e foi para o Bangu alguns meses antes de a Copa do Mundo ter começado. O maior legado da Copa, entretanto, foi o Maracanã, o maior estádio de futebol que o mundo já havia visto. Neste mesmo ano, o Flamengo pisou no estádio pela primeira vez. A relação inicial do clube e do estádio foi muito ruim, apesar de ter conseguido uma vitória sobre o Bangu em sua primeira atuação no Maracanã (3 a 1, numa partida amistosa em 23 de julho de 1950). A segunda vez foi muito pior. Também contra o Bangu, mas agora já valendo pelo Campeonato Carioca, acabou com goleada banguense por 6 a 0. A campanha do Flamengo no Carioca daquele ano foi muito ruim, o rubro-negro não passou de um sétimo lugar, tendo terminado à frente apenas de Madureira, Bonsucesso, Canto do Rio e São Cristóvão. Depois de goleado pelo Bangu, os jogos do Flamengo que se seguiram no Maracanã foram: empate por 2 a 2 com o América, derrota de 2 a 1 para o Vasco, derrotas de 1 a 0 para Botafogo e de 2 a 1 para Fluminense, vitória de 4 a 2 sobre o Bonsucesso, derrotas para Olaria (2 a 1), Grêmio (3 a 1, em jogo comemorativo dos 48 anos do Flamengo), Vasco (4 a 1) e Botafogo (4 a 2). Uma nova vitória, agora sobre o Madureira (5 a 3), e mais uma derrota: 2 a 1 para o América. Um catastrófico começo na relação com o maior do mundo: nas treze primeiras vezes que jogou no Maracanã, o Flamengo venceu só três, empatou uma e perdeu nove!" (A NAÇÃO, pg. 69)

Arquibancada do Maracanã nos primórdios do estádio

"Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá/ Vai haver mais um baile, no Maracanã/ O mais querido, tem Rubens, Dequinha e Pavão/ Eu já rezei pra São Jorge, pro Mengo ser campeão/ Pode chover, pode o sol me queimar/ Que eu vou pra ver, a Charanga do Jaime tocar/ Flamengo, Flamengo, tua glória é lutar/ Quando o Mengo perde, eu não quero almoçar, eu não quero jantar” – letra de Wilson Batista e Jorge de Castro.

O samba foi regravado no início dos anos 80 pelo sambista João Nogueira, com o refrão substituindo “Rubens, Dequinha e Pavão” por “Zico, Adílio e Adão”, e voltou a fazer muito sucesso". (A NAÇÃO, pg. 75)

"Aqueles dias foram românticos em muitos sentidos. Era um bom tempo, no qual clubes europeus excursionavam na Cidade Maravilhosa, sem riscos de violência e desfrutando de certo conforto. Queriam ter a honra de pisar no maior estádio de futebol de todo o mundo. Só em 1957, o Flamengo enfrentou – jogando no Maracanã – o AIK, da Suécia, o Honved, da Hungria, o Dínamo Zagreb, da Iugoslávia, e o Belenenses e o Benfica, ambos de Portugal. Em 1954, o Flamengo havia enfrentado o Deportivo La Coruña, da Espanha, e, em 1955, jogou contra o Estrela Vermelha, da Iugoslávia. Mas mesmo antes do Maracanã, já era grande a frequência de europeus". (A NAÇÃO, pgs. 78-79)

"O Maracanã introduziu toda uma nova relação entre o carioca e o futebol. Antes os estádios menores e de mais difícil acesso não tinham a capacidade de mover toda uma multidão. De repente, surgiu aquele estádio gigantesco, para abrigar até quase duzentas mil pessoas, localizado numa região central, de fácil acesso tanto para a Zona Norte quanto para a Zona Sul da cidade. Tudo passou a ser diferente. Os dias de domingo ganharam uma agenda própria e especial: praia de manhã e jogo de futebol à tarde. Os jovens cariocas saíam de casa pela manhã e voltavam no entardecer, com os corpos misturando o sal do mar, o suor do estádio e a camisa do time de coração no peito. Mal lembravam de sentir fome.


 As raízes rubro-negras já estavam plantadas e haviam germinado por todos os rincões. O vermelho e o preto já tingiam uma paixão em escala nacional. Todos já sabiam, desde antes do Maracanã, quem era o mais querido do Brasil. Daí para frente o processo só foi catalisado. Não havia o que abalasse aquele sentimento desfraldado por invisíveis mãos". (A NAÇÃO, pg. 80)

O acidente na final de 1992

"E a grandiosidade do vermelho e do preto, que já se solidificara como rocha, também estava lá, exposta para que aqueles corações românticos se embebedassem em tardes tranquilas de domingo no Maracanã. E o Flamengo não parava de dar demonstrações da grandeza que conquistara. A partida que decidiu o Campeonato Carioca de 1963, entre Flamengo e Fluminense, cujo empate por 0 a 0 deu o título ao time rubro-negro, representa, ainda nos dias de hoje, o recorde mundial histórico de público pagante em partidas entre clubes: 177 mil pessoas. A marca só foi batida, ambas às vezes também no Maracanã, pela final da Copa do Mundo de 1950, entre Brasil e Uruguai, com 185 mil espectadores, e pelo recorde histórico de público em jogos de futebol – 189 mil pagantes – na partida entre Brasil e Paraguai pelas Eliminatórias, em 1969". (A NAÇÃO, pg. 85)

A grande reforma de 1999 preparou o estádio para o 1º Mundial de Clubes da FIFA:
na imagem da esquerda, o estádio depois da obra, na da direita, como era antes dela

"A época áurea de público no Maracanã foi entre 1968 e 1979. Não por acaso, nos tempos do milagre econômico no Brasil, quando o brasileiro, beneficiado pelo elevado crescimento econômico do país, vivia com bem mais dinheiro no bolso. Nestes anos, a economia brasileira crescia, em média, 9,5% ao ano (é o dado oficial para o período entre 1967 e 1976). Sendo assim, era Maracanã com mais de 100 mil torcedores toda hora. Em 1968, Flamengo e Botafogo levaram 122 mil ao estádio. Em 1969, os dois levaram 116 mil no turno e 149 mil no returno; no mesmo ano, o Fla-Flu levou 106 mil no turno e 172 mil no returno, um Flamengo x América teve 93 mil e o Flamengo x Vasco levou 131 mil. Em 1970, Fla x Vasco puseram 114 mil e o Fla-Flu teve 106 mil. Em 1971, houve um Flamengo x Botafogo com 143 mil e um Flamengo x Olaria com 118 mil. O Fla-Flu foi desbancado como maior clássico carioca só nos anos 70. Aí ascendeu de vez a rivalidade entre Flamengo e Vasco, passando o confronto a ser chamado de O Clássico dos Milhões. Em 1972, o recorde do campeonato ainda foi num Fla-Flu (138 mil). Daí para a frente... Em 1973, Flamengo x Vasco foi assistido por 160 mil; em 1974, por 165 mil; em 1976, por 174 mil no turno (segundo maior da história em confrontos entre clubes) e por 133 mil no returno. Em 1977, por 135 mil no turno, por 152 mil no returno, e por 120 mil no Campeonato Brasileiro. Mas os outros clássicos também não ficavam muito atrás. O recorde de público de 1975 foi com 88 mil num Flamengo x Botafogo. No Carioca de 1976, Flamengo e Botafogo colocaram 127 mil no turno e 114 mil no returno. O Fla-Flu teve 155 mil e 109 mil nos dois turnos". (A NAÇÃO, pg. 161)

Em 2006, preparando-se para os Jogos Pan-Americanos de 2007, mais uma grande reforma

"Os times do Rio de Janeiro estavam competitivos, mas as mudanças pelas quais a cidade tendia a passar se escondiam à sombra, e tinham um cunho sociológico e antropológico em grande medida associado às perdas econômicas dos anos 80, mas com seu caráter próprio. A violência, cuja explosão nas periferias da cidade já relatamos, viria a cobrar sua conta, e o futebol, como maior manifestação cultural da gente carioca, não passaria ileso a seus efeitos destrutivos. As tardes de domingo no Maracanã estavam prestes a se inclinar numa direção que as faria jamais voltar a ser as mesmas. Os indícios dessas mudanças ainda eram muito sutis. É verdade que já não dava mais para manter as torcidas misturadas nas arquibancadas, como era comum nos anos 70, ou acabava em confusão e brigas, mas as barreiras ainda eram tênues.


As arquibancadas do Maracanã, até 1999, eram de cimento, sem cadeiras. A plateia sentava diretamente no concreto, construído em forma de escada, para que assim servissem de acento. O anel superior da arquibancada era contínuo, interrompido somente pela área das cadeiras especiais, acima das cabines de rádio. Nessa área havia cadeiras de metais, vendidas ao triplo do preço das arquibancadas, e com direito a estacionamento e elevadores de acesso. Desde a construção do estádio já foi estabelecida a divisão das torcidas. À esquerda das cabines de rádio, a área era cativa para as torcidas do Flamengo e do Fluminense, sendo que em dia de Fla-Flu, os tricolores ficavam ao lado direito das cabines, área cativa para as torcidas de Vasco e Botafogo. Este último, assim como os tricolores que mudavam de lado nos Fla-Flus, nos dias de confronto contra o time cruzmaltino passava para o lado esquerdo das cabines. Desde os primórdios do estádio, isto funcionou assim. No lado oposto ao das cadeiras especiais ficava a área onde as torcidas se encontravam. Até os anos 70, ali sequer tinha divisão, sendo comum ser uma área mista, na qual torcedores com as camisas de clubes rivais assistiam aos jogos lado a lado. Brigas eram coisas pontuais, entre dois torcedores que se haviam desentendido por qualquer razão, muitas vezes entre os que vestiam camisa de mesmo time, mas não haviam gostado de um comentário ou outro, ou por qualquer razão estúpida que levasse um a desferir um tapa em outro. Nos anos 80, começaram a aumentar os conflitos entre torcidas rivais, então se forçou a colocação de uma divisória humana composta por policiais enfileirados verticalmente desde a parte superior da arquibancada até a inferior. Porém, o clima ainda era bastante pacífico nos jogos de futebol. As tardes de domingo rumo ao Maracanã ainda eram mágicas para a criançada que começava a curtir as idas ao estádio.

Acesso à arquibancada alargado na reforma de 2006-07



Havia dois corredores principais pelos quais escoavam os veículos levando torcedores para ver jogos de futebol. A rua Marechal Rondon trazia carros e ônibus com torcida vinda da Zona Norte e do subúrbio. O elevado Paulo de Frontin, sobreposto desde a saída do túnel Rebouças, levava a torcida oriunda da Zona Sul. Por estes dois corredores eram vistas bandeiras estiradas nas janelas de edifícios. Os carros, em grande quantidade, exibiam bandeiras pelas janelas. Os ônibus iam lotados de torcedores rivais, todos devidamente uniformizados. Era uma festa de cores e alegria. Todos seguiam para o templo do futebol. Os carros com gente vestida com a camisa do clube de coração trocavam buzinadas provocativas e piadas com outros, guiados por quem usava camisa do rival. As provocações também fluíam alegremente entre carros e ônibus. Não havia ódio ao torcedor rival, muito menos clima de guerra. Não havia o espírito de humilhar o adversário. Eram minoria absoluta as manifestações que não esbanjassem alegria e confraternização. O problema é que o que era exceção foi aumentando e se tornando rotina. Isto gerou grandes mudanças para o futebol, e a principal delas foi o efeito de esvaziamento nos estádios. Se bastava uma fileira de policiais para separar as torcidas rivais e minimizar conflitos dentro do estádio, na saída dos grandes clássicos a preocupação costumava ser ainda menor. O escoamento das torcidas pela rampa externa era conjunto. Os torcedores se encontravam na saída dos anéis, no alto da rampa. A torcida derrotada, naturalmente, mais cabisbaixa, e a vencedora ecoando cantos de vitória. A preocupação dos policiais do lado de fora do estádio se limitava a conter os batedores de carteiras, que aproveitavam para agir em meio ao grande aglomerado de gente. Com o passar dos anos, a fileira de guardas já se fazia insuficiente para evitar os conflitos. Deu-se para atirar coisas de uma torcida à outra. Criaram-se duas fileiras, com um espaço vazio no meio. Depois de mais alguns anos, já não se podia sair do estádio civilizadamente. A prática imbecil de se atacar os rivais se impôs e a polícia foi obrigada a fazer com que cada torcida saísse por um dos lados do estádio, em rampas diferentes". (A NAÇÃO, pgs. 150-151)

Reconstrução total para a Copa do Mundo de 2014

O estádio foi construído para a Copa do Mundo de 1950. Ele foi reformado após o grave acidente de 1992. Foi remodelado para o Mundial de Clubes de 2000. Teve acessos alargados e campo rebaixado em um metro e meio para os Jogos Pan-Americanos de 2007. E um novo estádio inaugurado para a Copa das Confederações 2013 e a Copa do Mundo de 2014.

O Novo Maracanã: um estádio totalmente remodelado

Maracanã com padrão de qualidade de estádio europeu

A relação entre o Flamengo e o estádio também sofreu interrupções ao longo da histórias. Separações num tórrido romance. A primeira separação durou 199 dias, causada pela recauchutagem do estádio após o trágico acidente na final do Campeonato Brasileiro de 1992, no dia 19 de julho daquele ano; depois desta data, o clube só voltou a atuar no Maracanã em 3 de fevereiro de 1993, num amistoso contra o Cruzeiro, tendo sido, portanto, quase 7 meses de separação.

O distanciamento seguinte foi provocado pelas obras de remodelamento do estádio para os Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro. Desta vez foram 281 dias longe do Maraca. O clube atuou lá em 23 de abril de 2005, num empate contra o Cruzeiro, só voltando depois disto a pisar no seu gramado em 29 de janeiro de 2006, num empate contra o Fluminense. Desta vez, foram mais de 9 meses longe do estádio.

A maior separação, no entanto, foi a causada pelas obras para a Copa do Mundo de 2014, nas quais o estádio foi praticamente reconstruído de baixo para cima. Foram 1.057 dias de distanciamento. Um longuíssimo período. Depois de atuar no Maraca em 5 de setembro de 2010, a camisa rubro-negra só voltou ao estádio em 28 de julho de 2013, num empate contra o Botafogo. Foram quase 2 anos e 10 meses, perto de três anos portanto, longe do Maracanã,período no qual usou o Engenhão, estádio construído especialmente para os Jogos Pan-Americanos de 2007.

Pouco tempo depois, nova separação, desta vez por conta das obras para os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. Depois de jogar no estádio em 6 de dezembro de 2015, numa derrota para o Palmeiras, o Flamengo só retornou a seu gramado em 23 de outubro de 2016, num empate em 2 x 2 contra o Corinthians. Foram 322 dias longe de seu gramado, 10 meses e meio, a segunda maior separação entre o Flamengo e o Maracanã na história.


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