domingo, 26 de abril de 2015

Deu no New York Times...

A crise financeira do futebol brasileiro foi destaque esta semana no New York Times. E com destaque para a evolução financeira do Flamengo. Abaixo a integra do que foi publicado no jornal de Nova Iorque:


Menos de um ano após a humilhante eliminação da Copa do Mundo, o futebol brasileiro tem uma nova crise em suas mãos. Equipes profissionais do Brasil estão se afogando em dívidas, perdendo atletas e jogando em estádios quase vazios. Oito dos 12 maiores clubes devem salários aos jogadores, e se fossem empresas, quase todas as equipes da Serie A estariam falidas.

Agora, com a economia do Brasil em recessão, onde patrocinadores e torcedores fazem cortes nas despesas, as finanças dos clubes devem ficar ainda pior. Os clubes devem publicar seus balanços de 2014 até 30 de abril deste ano, e apenas o Flamengo foi capaz de anunciar que ganhou o suficiente para pagar sua dívida e seus impostos, estimou Cesar Grafietti, gerente de crédito e investimento do Itaú BBA.

As consequências são cada vez mais visíveis no campo.

Clubes do Brasil sempre ganharam dinheiro vendendo seus jogadores para o exterior, mas a exportação de talentos do futebol está se acelerando. Em vez de mandar estrelas como Neymar para clubes europeus de primeira linha por dezenas de milhões de dólares, os clubes brasileiros já estão vendendo seus melhores jogadores para equipes de países fora dos holofotes do futebol mundial.

O Cruzeiro, campeão brasileiro em 2013 e 2014, este ano vendeu dois jovens jogadores considerados extra série, Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart, para equipes nos Emirados Árabes e China. Ribeiro e Goulart são considerados fortes candidatos para jogar na seleção brasileira que deverá disputar a Copa do Mundo de 2018, contudo, jogando em ligas de segunda linha as chances podem diminuir.

As equipes desesperadas por dinheiro estão vendendo jogadores cada vez mais jovens. “Os clubes estão vendendo seus futuros”, afirmou Amir Somoggi, consultor de gestão esportiva em São Paulo. Somoggi estima que os clubes brasileiros irão vender mais de 1.200 jogadores para clubes estrangeiros este ano. “Os torcedores costumavam ver grandes talentos jogarem por pelo menos alguns anos aqui antes de serem negociados para o exterior”, disse Grafietti. “Agora, os melhores jogadores vão imediatamente, e a qualidade do espetáculo fica sofrível”.

Os problemas dos clubes estão enraizados em anos de gestões temerárias. Todos os clubes da primeira divisão são estruturados como organizações sem fins lucrativos que, em teoria, existem para servir os seus torcedores. Associados dos clubes – geralmente pagam uma taxa de manutenção pequena – votam para escolher gestores que não recebem salários. Esses sócios não costumam eleger uma administração que promete sucesso a longo prazo, mas que promete um campeonato de forma imediata, não importa o custo.

O Corinthians, por exemplo, em 2013, pagou aproximadamente €15.000.000 para trazer o atacante Alexandre Pato de volta ao Brasil. O clube manteve Pato por apenas um ano antes de negociá-lo por empréstimo para o São Paulo.

Para sobreviverem, muitos clubes estão recorrendo a empréstimos bancários com taxas de juros muitas vezes superiores a 30% ao ano. Como organizações sem fins lucrativos, os clubes não pagam imposto de renda, mas retêm os impostos relativos aos salários dos seus jogadores e supostamente pagam contribuições previdenciárias. Muitos, entretanto, gastam o dinheiro descontado em folha de pagamento.

Como resultado, o governo tornou-se o maior credor dos clubes, com cerca de quatro bilhões de reais em impostos não pagos. Em uma tentativa de salvar o esporte nacional, e enviar algum dinheiro para os cofres públicos, a presidente Dilma Rousseff no mês passado enviou medida provisória ao Congresso Nacional renunciando a maioria das multas por atraso de pagamento e dando aos clubes até 20 anos para quitar suas dívidas.

Por três oportunidades nos últimos 15 anos, o governo fez acordos semelhantes para o refinanciamento de dívidas dos clubes. Desta vez será diferente, uma vez que a legislação proposta exige que os clubes coloquem a ‘casa em ordem’.

O projeto de lei proibe clubes de gastar mais do que 70% da receita sobre os salários; obriga a pagarem em dia todos os impostos e salários; e exige um prazo de financiamento, o mais tardar, até 2021. O projeto de lei também exige que os clubes invistam na formação de jogadores e no futebol feminino.

Somoggi estimou que para os clubes atenderem a esses requisitos, teriam que cortar gastos com salários em 30%, em média. Para fazer cumprir as novas exigências, a legislação tornaria os gestores pessoalmente responsáveis por erros e rebaixariam de divisão os clubes inadimplentes.

A resposta de muitos para as mudanças propostas tem sido de indignação. “O projeto de lei cria aspectos penais que são totalmente inadequados”, disse Lázaro Cunha, diretor jurídico do Atlético Mineiro. “Se passar, haverá uma rebelião entre os clubes”, afirmou.

Cunha disse que concorda que “os clubes devem melhorar a gestão e a responsabilidade fiscal”, mas que a nova lei é uma “interferência sem precedentes do governo nos negócios de entidades privadas”. O Atlético Mineiro e outros clubes estão trabalhando para convencer o Congresso a alterar o projeto de lei, mas Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Flamengo, clube mais popular do Brasil, afirmou que apoia a medida governamental. “É grave, mas necessária”, disse o mandatário do Rubro-Negro.

Bandeira de Mello, que foi por muitos anos executivo do BNDES antes de comandar o Flamengo em 2013, passou seus primeiros anos no clube equacionando dívidas.

“Mandamos Vágner Love, nosso melhor jogador, para o exterior, e não fizemos grandes contratações por dois anos”, disse ele. “Comprometeu o nosso desempenho”. Com as finanças do Flamengo agora relativamente sólidas, Bandeira de Mello afirmou estar ansioso para o projeto de lei passar, para que outras equipes tenham que jogar pelas mesmas regras.

Enquanto o projeto de lei sobrevive ao lobby contrário, algumas coisas no futebol brasileiro precisam mudar. A humilhante derrota da seleção para a Alemanha nas semifinais da Copa do Mundo do ano passado, foi uma vergonha nacional que revelou o quanto está debilitado o futebol no país, convencendo muitos brasileiros de que o modelo de gestão precisa de uma reforma estrutural importante.

“Essa derrota de 7 a 1 foi uma aviso para acordar”, afirmou Juca Kfouri. “Existe consenso entre jogadores e sociedade para a mudança”.

Fonte: The New York Times (traduzido do inglês para o português)

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