Excelente matéria do blog Verminosos por Futebol.
Esqueça por um momento a pendenga se Flamengo ou Sport é o campeão da Copa União de 1987. O campeonato quiçá o mais bem-sucedido da história do futebol brasileiro vai muito além dessa polêmica. É o que resgata um livro que será lançado em novembro, nos 30 anos do torneio que pretendia ser revolucionário: 1987 – A História Definitiva, de Pablo Duarte Cardoso.
A obra faz um resgate do contexto político e econômico que levou a realização de um campeonato organizado pelos próprios clubes, com somente 16 dentre aqueles com maiores torcidas no Brasil. Torneio esse que inaugurou a era do marketing esportivo no país, estabelecendo bases para o faturamento com transmissões televisivas e publicidade.
O autor do livro, nascido em Juiz de Fora-MG e criado em Niterói-RJ, dedicou todo o ano de 2016 para leituras do noticiário da época e do processo judicial movido pelo Sport contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 1988. Além disso, foi atrás de entrevistas com jogadores, técnicos, dirigentes, jornalistas, juristas, políticos e torcedores.
“Conversei com gente não apenas do Flamengo – Zico, Marcio Braga, João Henrique Areias, Gilberto Cardoso Filho –, mas do São Paulo (Gilmar Rinaldi), Atlético (Marquinhos), Vasco (Eurico Miranda) e dos times do Módulo Amarelo, como Guarani (Evair), Bangu (Mauro Galvão) e Sport (Emerson Leão e Estevam Soares)”, enumera o advogado, diplomata no Canadá.
Na época da Copa União, Pablo tinha 11 anos. Flamenguista apaixonado, foi da glória à frustração com a disputa de um 3º tempo do torneio nos bastidores da CBF. “Cresci obcecado com aquele título e aquela polêmica”, relembra. Passada a pesquisa e as entrevistas para o livro, o autor concluiu o texto em cinco meses. “A redação mesmo foi o mais fácil”.
Pré-venda do livro
Devido ao momento difícil do mercado editorial no Brasil, Pablo recorreu a um esquema de pré-venda para custear a primeira tiragem do livro. Seu preço é de R$ 50, e a venda está sendo feita pela Maquinaria Editora. “O lançamento será perto do aniversário do Flamengo (15/11) e às vésperas do 30º aniversário do tetracampeonato brasileiro”, destaca.
À propósito, o foco do livro não é a polêmica Flamengo x Sport, mas o autor coloca o dedo nessa ferida. E tem argumentos para defender que o título é rubro-negro – carioca, não pernambucano. Confira a entrevista a seguir.
“Aquele foi o campeonato mais importante da história de nosso futebol”
Verminosos por Futebol – Quais são os méritos desse livro?
Pablo Duarte Cardoso – O principal mérito do livro é pretender ser exaustivo. Com o passar do tempo, na medida em que os acontecimentos vão ficando distantes, a gente perde a memória do que eram o Brasil e o futebol brasileiro em 1987, e coisas que pareciam óbvias então acabam tornando-se obscuras. Por isso, e para ilustração de uma nova geração de torcedores que não viveu aqueles processos, eu procuro ser bem didático ao relacionar aqueles acontecimentos com o ambiente político do Brasil de 1987. Há uma relação evidente entre a briga dos grandes clubes com a CBF e o processo de redemocratização do país que estava em curso, mas com o passar do tempo isso acabou esquecido.
Recordemos: em 1987, vivíamos o primeiro governo civil depois de duas décadas, não votávamos para presidente havia quase 30 anos e em Brasília se negociava a Constituição democrática. Naquele contexto, romper um esquema de arbitrariedades que beneficiava uma CBF ilegítima e federações estaduais corrompidas, um esquema montado lá atrás pela ditadura do Estado Novo e fortalecido pelo regime militar, era parte importante da construção da nossa democracia. Isso era óbvio para os participantes ou apoiadores desse processo, gente politicamente engajada como Marcio Braga (Flamengo), Paulo Odone (Grêmio), Juca Kfouri (revista Placar), João Saldanha (Jornal do Brasil), entre tantos outros, e acho que o principal mérito do meu livro é resgatar esse aspecto central da história. Por isso, mais do que por qualquer outro fator, aquele foi o campeonato mais importante da história de nosso futebol.
Verminosos – Houve alguma descoberta significativa durante a produção do livro?
Pablo – Até aqui, por exemplo, pouco se sabe sobre o tal Módulo Amarelo, o campeonato semiclandestino que a CBF montou às pressas com quem ficou de fora da Copa União e que depois quis transformar um “módulo” de um torneio mais amplo, contra as objeções dos grandes clubes. Mesmo o torcedor do Sport conhece pouco a respeito, e diz bobagem por aí, nesses fóruns futebolísticos. Pois muito bem: acho que, pela primeira vez, alguém contou o que foi efetivamente esse capítulo esquecido, com suas virtudes e suas misérias. Fora isso, acho que finalmente alguém explica satisfatoriamente algumas verdades que víamos repetidas por aí, sem nota de rodapé, e cuja solidez eu demonstro com fatos e argumentos: coisas como o fato de a CBF ter malandramente querido impor um regulamento com a competição já iniciada; por que esse regulamento era ilegal; em que circunstâncias Eurico Miranda concordou com esse regulamento, e por que isso não tem a menor importância dum ponto de vista jurídico.
Verminosos – Como foi a disputa do Módulo Amarelo?
Pablo – Comecemos pelo positivo: depois de anos e anos sem uma segunda divisão minimamente estruturada – o que havia era uma Taça de Prata com um valor meramente adjetivo, e disputada por um número excessivo de clubes –, pela primeira vez, ali, se estruturou um torneio relativamente homogêneo, e com um número aceitável de clubes de um segundo escalão do futebol brasileiro. Havia ali pelo menos um grande time, o Guarani, que foi excluído da Copa União não por decisão do Clube dos Treze, mas por uma exigência da CBF, que achava que ali já havia cariocas e paulistas demais. No mais, o Sport montou um time inegavelmente forte para um torneio naqueles moldes, o elenco deu liga e o clube sobressaiu-se na fase classificatória. Mas não exageremos ao fazer essa constatação: no livro eu demonstro que, nas semifinais com o Bangu, e mesmo nas finais com o Guarani, o Sport beneficiou-se de expedientes questionáveis.
Verminosos – Houve na história algum Campeonato Brasileiro tão bem sucedido quanto aquele de 1987?
Pablo – Em matéria de público, o Robertão de 1967, vencido pelo Palmeiras, e a Taça de Ouro de 1983, vencida pelo Flamengo, tiveram uma média superior, mas 1987 foi a última vez na história em que a média dos 20 mil pagantes por jogo foi superada, em contraste com as edições automaticamente precedentes e com todas as edições do torneio de 1988 para cá. Mas esse é apenas um aspecto da história. 1987 é tão importante, e tão discutido, por esse aspecto político que eu exploro, mas também pelas inovações que introduziu: a Copa União foi o nascimento efetivo do marketing esportivo no Brasil, e todo o dinheiro que os clubes ganham hoje, com transmissões televisivas, é fruto daquele esforço. Também começou ali um processo de racionalização do campeonato, que teve idas e vindas, mas vai desaguar nessa fórmula estável a que chegamos em 2003. No mais, foi um campeonato absolutamente apaixonante, em que quase todos os jogos eram clássicos, e vencido por um esquadrão composto por dez jogadores de seleção, e que formou a espinha dorsal da seleção do Tetra, em 1994.
“A Copa União foi o nascimento efetivo do marketing esportivo no Brasil, e todo o dinheiro que os clubes ganham hoje, com transmissões televisivas, é fruto daquele esforço”. (Pablo Duarte Cardoso)
Verminosos – E por que a Copa União durou tão pouco tempo, só até 1988?
Pablo – A bem da verdade, a edição de 1988 só guardava da Copa União o nome de fantasia. A montagem daquele campeonato representou a capitulação, a rendição dos grandes clubes e de quem lhes dava apoio político – a figura inesquecível do professor Manoel Tubino – diante dos interesses escusos e mesquinhos da CBF e das federações estaduais. Já a partir de dezembro de 1987, o vice-presidente da CBF, Nabi Abi Chedid, e as federações estaduais, capitaneadas pela figura controversa do Caixa d’Água, começam a tentar minar a unidade dos grandes clubes, e vão encontrar um aliado precioso em Eurico Miranda, do Vasco. A segunda Copa União, inchada com 24 clubes, foi uma vitória desses interesses e uma derrota dos grandes clubes, e o processo vai desaguar na eleição de Ricardo Teixeira como presidente da CBF em 1989, com Eurico Miranda de vice.
Verminosos – Se a liga organizada por clubes tivesse durado até hoje, à semelhança do rompimento que gerou a Premier League no início dos anos 90, seria mais provável que o futebol brasileiro de clubes estivesse em patamar melhor ou pior que o atual?
Pablo – Muito melhor, sem nenhuma dúvida. Será, talvez, apenas a opinião de um torcedor, mas temos aí os exemplos da Inglaterra, da Espanha, da Itália ou da Alemanha a demonstrar os efeitos de uma organização nesses moldes, com os clubes gerindo a sua liga e a federação a cargo das seleções nacionais. E temos, de outro lado, os exemplos da Argentina e do Brasil, que padeceram décadas de avassalamento dos clubes a figuras como as de Julio Grondona e de Ricardo Teixeira, com os efeitos que estamos vendo. E com um detalhe que não é menor: se tivesse prosperado a ideia da liga independente, em 1987, os grandes clubes estariam livres das amarras que ainda hoje os prendem às federações estaduais e seus campeonatinhos falidos.
“Se tivesse prosperado a ideia da liga independente, em 1987, os grandes clubes estariam livres das amarras que ainda hoje os prendem às federações estaduais”.
Verminosos – Há esperança de que uma experiência como aquela volte a ser realizada?
Pablo – A Primeira Liga foi uma ideia interessante, mas que aparentemente murchou. A principal lição que eu extraio de 1987 e 1988 foi que, num momento crucial da batalha, e ao contrário do que se deu nos casos da Inglaterra e da Espanha, faltou aos clubes o apoio político decidido do Governo nacional. Se quisermos ressuscitar aquela experiência, se quisermos voltar a levantar as bandeiras por que brigávamos em 1987 e 1988, será preciso aos grandes clubes organizar-se politicamente, e será preciso que o Governo Federal entenda que deve comprar certas brigas, em benefício da paixão popular. E será preciso, também, que clubes como o Flamengo e o Corinthians entendam que, em troca do apoio dos demais, precisarão de algo de generosidade na hora de repartir receitas.
Verminosos – Por fim, ao seu ver, quem merece constar como campeão brasileiro daquele ano: Flamengo, Sport ou os dois?
Pablo – Apenas o Flamengo, e creio que demonstro isso no livro, com argumentos históricos e jurídicos que entendo incontestáveis. Infelizmente, a partir de 1989, o Flamengo tratou do processo com enorme desídia, e o resultado é esse que se viu: a perpetuação de uma fraude cujo principal beneficiário não foi nem sequer o Sport, mas a CBF de Nabi, de Ricardo Teixeira e de seus herdeiros, e as federações estaduais que inacreditavelmente sobreviveram àquela tentativa malograda de revolução.
Perfil do autor:
Pablo Duarte Cardoso é advogado formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e diplomata de carreira. Ingressou no Itamaraty em 2000, servindo nas embaixadas do Brasil em Buenos Aires, Washington e Ottawa (onde mora atualmente). Nascido em Juiz de Fora-MG e criado em Niterói-RJ, é torcedor do Flamengo.
Veja também: A História da Evolução do Futebol Brasileiro
Parabéns Pablo. Quem conhece essa história e o curriculun dos cartolas citados, sabem muito bem que o maior objetivo era promover melhoras no futebol brasileiro, mas tirar dividendos politicos e financeiros para eles
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