O texto foi escrito pelo blog de André Rocha, da ESPN, em 2013, revivendo os duelos da Semi-Final do Campeonato Brasileiro de 1983 entre Flamengo e Atlético Paranaense:
Um duelo "mata-mata" entre os rubro-negros do Rio de Janeiro e do Paraná definiu vaga na Taça Libertadores de 1984. Em 1983, fizeram uma das semi-finais do Campeonato Brasileiro - ou Taça de Ouro, um dos muitos nomes em tempos de torneios inchados de clubes e fases. Na época, disputavam o torneio continental apenas o campeão e o vice do único campeonato nacional da temporada. Portanto, a vaga na decisão significava classificação automática.
No dia 12 de maio, noite de quarta-feira, 109.819 torcedores pagaram ingressos para ver o Flamengo de Zico envolver com relativa facilidade um adversário com defesa lenta e meio-campo frágil. Mas que contava com o melhor goleiro disparado da competição: Roberto Costa, que ganharia a Bola de Ouro da Revista Placar e se transferiria para o Vasco no ano seguinte - para faturar outra Bola de Ouro e chegar à Seleção Brasileira sob o comando de Edu Coimbra, então técnico cruzmaltino (e irmão de Zico).
O time de Carlos Alberto Torres tinha a base campeã da Libertadores dois anos antes: Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior, Adílio e Zico estavam em campo. Baltazar, o "Artilheiro de Deus" fora contratado ao Palmeiras para a vaga de Nunes, emprestado ao Botafogo. Sem Tita, negociado com o Grêmio para usar a tão sonhada camisa 10, e os lesionados Andrade e Lico, o treinador firmou Vítor como volante e promoveu os jovens Elder e Julio César pelos lados.
O mesmo 4-5-1 com múltiplas variações dos tempos de Carpegiani. A ideia era liberar os laterais Leandro e Junior para o apoio simultaneamente e soltar de vez Zico e Adílio. A solução concentrava jogadas pela esquerda, já que Julio César era mais agudo que Elder, mais volante que meia ou ponteiro. Com isso, Leandro descia pelo corredor aberto e Junior apoiava por dentro, quase como armador.
Mas contra a equipe paranaense, armado no 4-3-3 típico da época e que eliminara o forte São Paulo nas quartas-de-final, o Fla teve dificuldades no início para conter Capitão, ponta direita veloz que buscava a linha de fundo, mas sabia entrar em diagonal. Junior começou mais preso. Depois o time encontrou a solução habitual: Mozer abria para fazer a cobertura e Vítor recuava para fechar o meio.
Problema defensivo resolvido, Junior virou mais um meio-campista. Aquele Flamengo era taticamente um time à frente do seu tempo pela capacidade de criar superioridade entre as intermediárias. Contra o volante Detti e os meias Peu - aquele mesmo, emprestado pelo Fla ao Atlético, que não contou com Assis, suspenso - e Nivaldo, no mínimo cinco rubro-negros trocavam passes com facilidade.
Quando Junior apareceu na direita para cruzar, a zaga cortou mal, Julio César ajeitou e Zico testou no canto de Roberto. Como centroavante. Demorou, mas Baltazar, típico camisa 9 finalizador, de área, havia entendido que o atacante naquele Flamengo não podia ficar fixo. Assim como Nunes, tinha que abrir espaços para os que chegavam de trás.
Mas como perdia gols! Baltazar e todo o time. Até Marinho, que recebeu de Zico e desperdiçou à frente de Roberto Costa. Leandro, Zico e Julio César também fizeram o goleiro trabalhar. Até nova troca de passes com o time atacando em bloco, Baltazar atraindo os zagueiros Flávio Mendes e Jair Gonçalves e o Galinho servindo Vítor. Chute cruzado do camisa 6 e 2 a 0 no placar.
Substituição protocolar de Torres: Robertinho por Baltazar. O ponta-direita, contratado ao Fluminense, abria espaços de vez para as infiltrações de Zico e Adílio. Também arriscava dribles, como o que provocou o pênalti do lateral Sergio Moura. 16º e penúltimo gol do craque, capitão e camisa 10 que só não foi o melhor em campo porque Roberto Costa evitou a eliminação do desmanchado time paranaense no Maracanã. Um goleiraço para os padrões da época.
O triunfo empolgou o técnico, lateral e capitão do tri mundial do Brasil em 1970 mas estreante na função: "Jogamos um futebol de campeão!". Carlos Alberto que pedira seriedade no dia anterior após o triunfo nas quartas-de-final sobre o rival Vasco para fugir do "oba-oba" que costuma invadir a Gávea e complicar o Flamengo.
De fato, a vantagem era difícil de reverter, mesmo para o time de melhor campanha nas fases anteriores. Devolver os três gols garantiria a classificação para a final inédita do Atlético Paranaense. Apesar da missão complicada, o Couto Pereira recebeu naquele domingo, dia 15 de maio, o maior público de sua história: 65.491 pagantes, 67.391 presentes. Também o maior público do futebol paranaense na história!
O Flamengo teve Raul de volta após contusão na vaga de Cantarele e Figueiredo substituiu Mozar, expulso no final do jogo no Maracanã. Hélio Alves contou com o retorno de Assis no lugar de Peu. Promessa de muitas jogadas pela direita com Capitão e o lateral Sotter procurando Washington e Assis, a dupla que iniciaria ainda naquele ano uma dupla histórica no Fluminense tri-carioca e campeão brasileiro de 1984 - o lendário "Casal 20".
Mas, surpreendentemente, foram os rubro-negros do Rio de Janeiro que partiram para cima. Carlos Alberto Torres sabia que seu time sofria quando era obrigado a jogar nos contra-golpes. Mesmo com a pressão do estádio lotado, o time carioca colocou a bola no chão e teve oportunidades cristalinas para resolver a semi-final. As melhores com Baltazar e Adílio. A equipe girava e trocava passes. Só Júnior não descia, preocupado com Capitão.
Cauteloso,principalmente por não contar com a cobertura de Mozer, Marinho trocou de lado para Figueiredo ocupar a direita da zaga. Mas contra Assis e Washington era perigoso abandonar o centro da área. Um dilema defensivo que cobrou seu preço.
Duas jogadas pela direita com Capitão às costas de Junior, duas falhas da zaga e de Raul, dois gols de Washington. O goleiro se redimiu evitando o terceiro, que decretaria a eliminação do Flamengo, em nova incursão do ponta-direita, desta vez em diagonal. Defesaça! Tudo no primeiro tempo.
Promessa de sufoco insuportável na segunda etapa. O time paranaense, porém, sentiu o esforço da correria dos 45 minutos iniciais e pouco ameaçou após o intervalo. O melhor Flamengo da História desgastava o rival, ficando com a bola, obrigando a correr atrás de longas trocas de passes, mesmo em gramados de péssimo estado.
Se houvesse naquele período os levantamentos estatísticos de hoje, certamente aquele Flamengo ficaria marcado por uma média de posse de bola superior a 60%.
Apito final, Flamengo na decisão contra o Santos de Serginho Chulapa, artilheiro daquela edição com 22 gols. Derrota por 2 a 1 no Morumbi e grande exibição nos 3 a 0 no Maracanã que valeram a taça. Melhor atuação da carreira de Adílio e a despedida de Zico, que estava de partida para a Udinese. Bi-campeonato nacional, terceiro título em quatro anos. A sexta conquista importante, incluindo o Estadual, a Libertadores e o Intercontinental de 1981.
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E ainda, confira: Melhores Temporadas do Flamengo na História - Campeão Brasileiro de 1983
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