terça-feira, 25 de julho de 2017

O gosto brasileiro pelo desgosto


Excepcional texto do site Chute Cruzado, escrito por Pedro Henrique Torre. O original pode ser lido aqui. Reproduzo a integra abaixo, porque gostaria de ter tido a felicidade de eu escrever estas palavras:

Não é incomum ouvir relatos de tempos idos em que torcedores iam ao estádio ou ligavam a tv não apenas para acompanhar o próprio time. Lembra do avô do seu amigo, palmeirense dos bons, que ia ao Pacaembu assistir ao Pelé? E aquela história do seu tio, rubro-negro doente, que entrava no Maracanã para curtir a Máquina Tricolor dos anos 70? O vascaíno que ficava encantando com o Zico. E o amigo botafoguense que parava tudo para assistir ao Romário em qualquer um dos outros três clubes cariocas defendidos pelo atacante? Todo mundo tem um caso parecido para contar.

Havia gosto pelo futebol. Prazer em assistir belos lances, jogadores que davam esperança de um drible surpreendente, um chute mágico. Fosse no seu ou em outro clube, a graça no fundo era a paixão pelo esporte. Prazer. Compartilhar a sintonia. Um sentimento de harmonia que perdemos nesse mundo bélico, dividido, individualista. Querem um exemplo? Bastou o vascaíno Paulinho brilhar contra o Atlético Mineiro para um fenômeno besta invadir as redes sociais. Os torcedores do Vasco quase não citavam o seu xodó. Preferiram provocar a revelação do rival, Vinicius Junior. Do outro lado, os rubro-negros respondiam desdenhando, muitas vezes, de Paulinho. Previsões definitivas sobre molecotes que ensaiam o início de belas carreiras.

É curioso. Os próprios garotos são companheiros da Seleção sub-17. Torcem uns pelos outros. Sorriso de orelha a orelha. Querem jogar bola, ser felizes. Com 17 anos recém-completados – um há 12 dias, outro há nove – ainda mantêm aquele prazer que parece se dissipar conforme a cultura da disputa fica mais enraizada no mundo dominado por redes sociais. O meu vale mais do que o seu. O seu não presta. Não poderiam vascaínos e rubro-negros, por exemplo, curtirem as duas promessas? O chapéu de Vinicius Junior, o golaço de Paulinho. Admirar os lances. Curtir o prazer que o esporte pode proporcionar. Mas não parecem gostar de futebol. Gostam apenas de vencer uma disputa, por menor que seja. E perdem tempo.

Pois na velocidade do mundo atual, as chances de vermos os garotos de perto têm prazo de validade. Vinicius Junior já está negociado. Não vai completar 20 anos dando balão, caneta e outros malabarismos em campos brasileiros. Paulinho também não deve durar muito em São Januário. Em um futebol no qual os dirigentes trabalham, em maioria, pela segregação, com a nefasta ideia de torcida única é compreensível que os torcedores olhem mesmo para si, dentro de uma bolha no qual só o seu pode valer 50 milhões de euros. Criam aversão ao outro, à convivência. A imprensa, na esteira do frisson, compartilhar a polêmica vazia em troca de mais cliques e engajamento, contribuindo para a pobreza de ideias. E perdem a chance de admirar garotos deixam o futebol mais rico. Aproveitem. Em breve, vascaíno, Vinicius Junior pode estar no que você chama de “meu Real”. Paulinho, rubro-negro, quem sabe no “meu Chelsea”. Desarmem-se. Curtam o futebol. Deixem de lado esse gosto pelo desgosto.


Nenhum comentário:

Postar um comentário