segunda-feira, 15 de abril de 2013

Entrevista do Vice de Marketing do Flamengo

A firmeza nas palavras e a audácia nos projetos deixa claro: Luiz Eduardo Baptista, o Bap, é “o cara” da nova gestão do Flamengo. Se Eduardo Bandeira de Mello exerce o cargo de presidente, o vice de marketing é o mentor intelectual da maioria dos planos que tem como objetivo mudar a realidade do clube a partir de 2014. E isso é bom frisar: 2014. Enquanto os torcedores se mostram aflitos com os resultados ruins em campo e clamam por um time melhor, uma coisa está evidente no discurso da diretoria: o foco em 2013 está bem distante do campo. Nas entrelinhas, a verdade é que o Rubro-Negro trabalha por conquistas em termos estruturais antes de pensar em levantar troféus.

Bap é um caso raro de quem admite isso publicamente. Vencer, obviamente, é sempre o objetivo, mas o próprio dirigente revela que a diretoria tem imposto um “sacrifício monstruoso ao torcedor” na temporada atual. A partir da virada do ano, no entanto, as ambições são igualmente monstruosas. E resultados em campo estão diretamente ligados a uma nova cara que o vice de marketing projeta para um clube que hoje tem mais de R$ 700 milhões em dívidas:

- O marketing do Flamengo vai trazer, no ano que vem, provavelmente alguma coisa entre R$ 120 milhões e 150 milhões de receita anual para o clube. Tudo depende da performance, mas vejo o Flamengo como uma potência financeira forte a partir do ano que vem. Vejo o clube forte a partir de 2014. Agora, o clube está lutando para buscar caminhos.

Bap recebeu a reportagem do GLOBOESPORTE.COM para uma entrevista exclusiva. Na conversa, não se privou de comentar qualquer assunto. Manteve a postura firme em polêmicas como o aumento no preço dos ingressos, deixou claro que todo e qualquer privilégio será direcionado ao sócio-torcedor, revelou projetos de licenciamento e um novo conceito de lojas e acabou com qualquer ilusão do torcedor de contar com Kaká e Robinho. Confira abaixo:

Panorama após cem dias

- Quando estamos envolvidos no dia a dia, não nos tocamos da quantidade de coisas que foram feitas. Só quando botamos no papel. Renegociamos toda a estrutura do acordo com a Adidas, que era engessado, não tinha remuneração variável, premiações relevantes, nem incentivo no volume de crescimento. Colocamos tudo isso. Fechamos com a Peugeot um contrato inédito, com parte fixa e variável. Temos três conversas importantes em andamento, e estou confiante de que chegaremos em um bom termo com duas delas em 20 dias. Começamos a implantar um conceito de marca Flamengo em lojas. Estamos estruturando franquias onde lojas que vendem coisas do Flamengo pagam luvas; 22 já assinaram contrato. Em curto prazo teremos até 60 lojas pelo Brasil, e isso deve gerar R$ 4 milhões ou 5 milhões de receita adicional por ano. Vejo os cem primeiros dias como muito positivos.
Sócio-torcedor

- No acordo anterior com a Golden Goal, o Flamengo ganhava royalties. Era como se a receita do plano ficasse com eles, mais de 80%, e o clube com 11%. Invertemos essa lógica e hoje somos gestores e proprietários do plano. Vamos ficar com aproximadamente 85% da receita total. Pagamos os custos, uma remuneração a Golden Goal, que toma conta, e nós temos incentivo de volume. Quanto maior ficar o plano, maior é a parte do Flamengo. Isso é importante. O maior patrimônio do Flamengo é o torcedor. Não faz sentido ganhar somente royalties por uma eventual contribuição.

Licenciamento de produtos do clube

- Estamos começando a estruturar esse departamento no Flamengo. Acreditamos que vá demorar mais uns três ou quatro meses até ficar pronto, mas é algo que vai trazer cerca de R$ 5 milhões ou 6 milhões a mais por ano aos cofres do clube.

Receita anual vinda do marketing

- Se fecharmos os dois patrocínios que estamos esperando, a camisa do Flamengo vai ser de R$ 80 milhões por ano, sem a variável de uma eventual bonificação por conquistas. Vai ser a camisa mais valorizada do Brasil. O marketing do Flamengo vai trazer, ano que vem, provavelmente alguma coisa entre R$ 120 milhões e 150 milhões de receita anual para o clube. Tudo depende da performance, mas vejo o Flamengo como uma potência financeira forte a partir do ano que vem.

Falta de investimentos no futebol

- A torcida reclama com toda razão que o clube não tem mandado bem, que só pega dinheiro para pagar contas, mas é importante lembrar que daqui a pouco vamos ter uma série de projetos que podem ser incentivados, e com as certidões negativas de débito vamos conseguir levantar dinheiro. Um dinheiro que, sem as CNDs, em vez de chegar de renúncias fiscais, chegariam dos cofres combalidos do clube. Muita coisa tem sido feita para estruturar o passivo. Se você lembrar que dos R$ 104 milhões que o Fla deve receber por ano, R$ 70 milhões ou 72 milhões foram antecipados pela gestão anterior, não há dinheiro neste ano. Tudo consumido ano passado. É um valor que vai estar disponível no ano que vem, mais todo o dinheiro do marketing. Vejo o Flamengo forte a partir de 2014. Agora, o clube está lutando para buscar caminhos.

Parceria com grupos de investimentos

- Já ouvi o Corinthians falando: “Ah, se empresários comprassem jogadores para botar no clube, pagando só o salário, seria muito bem-vindo”. No Rio, se falar isso, vão chamar de barriga de aluguel. Em uma situação como o Flamengo está, será que é correto gastar R$ 5 milhões ou 6 milhões para trazer um cara de 29 anos para jogar no clube? Um dinheiro que você não vai recuperar nunca mais. Talvez tenhamos que encontrar soluções que compatibilizem com nossa situação financeira e a necessidade de montar um time mais forte. Falam que o Corinthians trouxe o Pato. É verdade, mas quatro anos após um projeto sólido ser começado. Não estou dizendo que a torcida deva esperar tanto. Até porque eu também não teria essa paciência de forma alguma. Antes disso, teremos resultados muito melhores.

Parceria com torcedores fora do Rio

- Acho que o conceito das lojas vai se expandir muito no Flamengo. Vamos passar a trabalhar também com os projetos de embaixadas. Por que o cara da embaixada não vende o sócio-torcedor na cidade dele? Ele venderia, e nós pagaríamos uma comissão em cima disso. Um cara que é de Maceió, por exemplo, vende o programa e deve ser comissionado. Reúne sócios, abre uma loja. Não há conflito. Quero mais é que o rubro-negro fora do Rio se engaje para se ajudar e ajudar o clube.

Aumento no valor dos ingressos

- O conceito dos ingressos é o seguinte: é uma conta matemática simples. Está todo mundo vendo o público do Carioca. Acho que há uns malucos, como eu, que sempre vão. Esses caras vão ter que pagar a conta, porque você não pode colocar o Flamengo para jogar e perder R$ 30 mil, R$ 40 mil ou ganhar R$ 5 mil. Isso não fecha a conta. Então, com o programa sócio-torcedor, vamos fazer promoções. As pessoas confundem preço com promoção. “Ah, mas o preço do sócio-torcedor é caro, não vai ter desconto”. Filho, isso não é para ajudar você como torcedor, o maior benefício que você tem é ajudar o Flamengo a ser um clube forte. Não é para levar uma vantagem. Além de ajudar o clube, há alguns benefícios, mas quem tem de levar mais vantagem é o Flamengo. Até porque o maior benefício do torcedor é ter um time forte. O Flamengo é uma entidade sem fins lucrativos, o que entrar de dinheiro vai ser investido no futebol. Vamos supor que o time vá jogar com o Náutico, no Rio de Janeiro: quantas pessoas vão ao jogo? Oito mil, dez mil? Essa é uma média de jogos desse tipo. Dá para pegar e fazer o seguinte: os 30 mil primeiros sócios-torcedores vão pagar R$ 1. E se fosse uma final de Libertadores Flamengo x Boca Juniors? Deveria aumentar e dizer: os sócios-torcedores têm prioridade. Isso vai variar da capacidade, onde jogar. Se for fora, diminui a quantidade de ingressos. Se for jogar em Salvador, será que temos 3 mil ou 4 mil sócios? A prioridade e o desconto seriam deles. Deve ser levado tudo isso em conta. Falam que o preço é caro, mas evidentemente teremos promoções. O que é melhor, jogar para 30 mil ou 3 mil? Óbvio que 30 mil, desde que esses paguem algo para o Flamengo, seja via sócio-torcedor ou ingresso no estádio.

Promoções para o sócio-torcedor

- É o sócio-torcedor que vai pagar muito menos que o ingresso normal, que vai ter valor normal dos preços praticados por aí. O sócio-torcedor pagará menos, com certeza, ou até entrará de graça. Se eu tiver que dar alguma moleza, vai ser para o cara que me prestigia e paga algum valor todos os meses. Em todos os jogos teremos algum tipo de promoção, o que vai variar do jogo ser quarta, domingo, de o time estar bem ou não...

Patrocinadores na nova camisa

- Adoraria que isso fosse possível. Temos trabalhado um dia sim e outro também para que isso aconteça. Era um projeto nosso entrar com a Adidas e todos os nossos patrocinadores da camisa. Esse é o objetivo.

Caixa Econômica como opção de patrocínio

- O Flamengo não tem dinheiro em caixa. É o que posso dizer hoje. Estamos sem dinheiro em caixa (risos).

Importância, para o marketing, de craques

- É fundamental? Não é fundamental para ter um sucesso no projeto de marketing. Mas isso ajuda, e muito, a autoestima do torcedor, a venda de produtos... A pergunta que fica no ar é: qual é esse grande jogador que teria essa capacidade? Não bota três dedos na mão. Essa é a dificuldade. O cara que vai tirar o torcedor de casa, comprar camisa. Você vê o caso agora do PSG que contratou o Beckham. Eles estão levando um cara que abre para o mundo do futebol uma outra porta, para venda de produtos, atrai o público feminino. É uma ideia bacana. Mas no Brasil de hoje quem seria esse jogador?

Kaká

- Há um engano nessa história. Eu jamais falei com o pai do Kaká. Tentei muito falar com eles, e um daqueles ícones da Chapa Azul tomou um café da manhã ou almoçou com o pai do Kaká em São Paulo. O retorno foi de que o Kaká não teria interesse agora, de que não aconteceria nada até a metade do ano, e que, se houver interesse em sair do Real Madrid, a prioridade seria ficar na Europa. Se sair, a primeira opção seriam os EUA. Acho que é uma maneira educada de dizer: “Olha, eu não tenho interesse em voltar para o Brasil em geral, nem para o Flamengo em particular”. Essa é a realidade. Seria um grande projeto de marketing se conseguíssemos costurar uma ação desse tipo. Eu, particularmente, era um entusiasta e coloquei uma razoável energia para que pudéssemos evoluir essa conversa. Outras oportunidades surgirão, mas se eu disser que, a curto prazo, antevejo alguma, estaria mentindo.

Robinho

- O que posso garantir é que entre a gente (diretoria) isso não é uma realidade hoje. Avaliamos os valores envolvidos na transação antes mesmo até de assumirmos e chegamos à conclusão de dizer: “Vem cá, não sabemos se temos dinheiros para pagar as contas, para manter o Love, e vamos trazer o Robinho?”. Não conseguimos pagar o salário do Love, íamos pagar o passe do Robinho? O que aconteceu de lá para cá? Fizemos um esforço hercúleo para botar as coisas em dia, salários, certidões. E vamos tomar uma decisão agora para desconstruir isso? Estamos em uma situação econômica e financeira muito melhor do que cem dias atrás, mas não estamos com essa bola toda para pensar em um projeto como esse, infelizmente. Se aparece um investidor para trazer o Robinho e colocar no Flamengo, por que não consideraríamos? Mas vejo muito difícil um grupo comprar um jogador com 30 anos para trazer para o Brasil. Geralmente, isso acontece com 24 ou 25 anos, para botar para jogar e revender. Essa é a estrutura convencional de um fundo de investimento, e não acho que seria o caso. Não faz muito sentido.

Reforços

- Você acha que há alguma condição de não chegar reforço? É claro que vai chegar. É óbvio que tem que chegar. Costumo dizer que ganhar ou perder é do esporte, mas a forma como você perde fala muito de você. Uma coisa é achar que João ou Pedro não têm condição de jogar mais do que estão jogando, outra é achar que está sendo feito um esforço boçal fora do campo, impondo ao torcedor um sacrifício monstruoso, e você ver jogador, que sabe que joga mais, não honrar a camisa do Flamengo. Isso me sangra na alma. Acho que o time atual do Flamengo não é tão ruim para ter os resultados que tem, ou as exibições que tem. Na vida, o que fazemos quando queremos muito e não conseguimos com a competência? Temos que colocar mais suor, mais sangue, mais dedicação, porque é o que escolhi fazer. Se você escolhe ser jogador de futebol e não sabe a dimensão do que é jogar no Flamengo, não pode jogar no Flamengo. Vão vir reforços. São os que o torcedor sonharia? Não sei. Às vezes, você traz um cara como o Willians, que ninguém sabia, e vira ídolo. Quando o Corinthians trouxe Ralf e Paulinho, diziam que era nome de dupla sertaneja. Hoje são os melhores volantes do futebol brasileiro. Então, o Flamengo tem que estar esperto para buscar oportunidades e reforços que caibam na carteira. E não vamos ser permissivos com quem não está interessado. Não importa o nome.

Internacionalização da marca

- Não é uma coisa só. É um conjunto de ações. Primeiro, é preciso fechar um acordo com uma empresa como a Adidas, que é líder mundial e tem compromisso de exposição de produtos dos Flamengo. Não só da camisa. Isso está no contrato. Agora, de que adianta ter a camisa na loja se não tiver exposição do produto? Nesses primeiros cem dias, priorizamos receitas. Não adianta pensar em internacionalizar a marca sem patrocínio, sem dinheiro, sem uma área de licenciamento. Focamos primeiro nisso. A segunda etapa vai ser: quando os contratos de longo prazo estiverem assinados, vamos lançar um programa que diz: “O Brasil é o Flamengo, e o Flamengo é Brasil”. Vamos ter uma série de produtos que esperamos encontrar em lojas brasileiras até que vendam souvenir para turistas, nos aeroportos. Isso é um conjunto, não uma ação específica. Além de mirar em Sul-Americana, Copa do Brasil para ir para Libertadores. Como internacionaliza uma marca? Dando visibilidade na TV, internet... O time precisa disputar campeonatos sul-americanos, pré-temporada fora do Brasil, disputar amistosos. Tudo isso deve ser planejado. Acho pouco provável que neste ano aconteça algo especial. Há todo um trabalho de preparação para 2014.

Volta do Maracanã

- A relação do Flamengo com o Maracanã é umbilical. Espero que possamos chegar a um acordo que interesse ao clube e ao consórcio vencedor. Estamos otimistas para ligar a história do Flamengo com o Maracanã. Isto posto, não vamos assinar nada estúpido, que não faça sentido, e que o clube não seja tratado na medida de sua relevância e importância. O Flamengo não vai pagar para jogar no Maracanã.

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