domingo, 14 de abril de 2013

Mais uma opinião fazendo reflexões sobre o Sócio-Torcedor do Flamengo

Mais uma crítica construtiva de outro flamenguista. Está transcrita abaixo a opinião de João Duarte, escrita no blog pessoal dele: http://blogdojoaoduarte.blogspot.com.br/2013/03/um-programa-de-socio-torcedor.html#!/2013/03/um-programa-de-socio-torcedor.html.
 
O Flamengo lançou hoje seu novo programa de sócio torcedor. Novo, porque não é o primeiro. O “Passaporte rubro-negro”, lançado no ano da conquista do ultimo campeonato nacional do clube, fracassou arrebatadoramente. O plano lançado hoje é a maior esperança da nova diretoria em criar nova fonte de renda e ajudar a tirar o clube da caótica situação financeira em que se encontra. Criado e gerido pela mesma empresa do seu predecessor, o novo programa tende a enfrentar dificuldades semelhantes, pois novamente não leva em consideração práticas comuns de mercado.
 
Em praticamente qualquer negócio, a empresa faz de tudo para diminuir o custo de transação e facilitar a venda de seu produto. Como o próprio nome sugere, custo de transação é o valor que o consumidor paga para estar em condições de comprar o produto, portanto, embora ele enxergue como custo do produto, a empresa não embolsa esse dinheiro. Ele pode ser objetivo ou subjetivo. Um exemplo de custo objetivo é valor gasto no transporte até o local de compra do produto, por outro lado, o tempo que ele gasta para ir, comprar e voltar é um exemplo de custo subjetivo.
 
Vamos analisar os supermercados por exemplo. Por que existem os mercadinhos de esquina, mesmo que eles cobrem mais caro e ofereçam menos opções de mercadorias do que os maiores? Por que, mesmo que não faça as contas, o cliente percebe que pra comprar um pão, um queijo e um sorvete para o lanche, vale a pena gastar um pouco a mais e não precisar ir ao supermercado. A diferença de preço que ele paga por comprar no mercadinho perto de casa vale a pena, pois os custos de transação são consideravelmente menores. Isso já não vale para grandes compras. Ao fazer “compras do mês” ele certamente vai a um Extra ou um Carrefour. Sabe que a economia que fará supera o fato de ter que pegar o carro, dirigir por algum tempo, gastar gasolina, pagar estacionamento, pegar grandes filas etc. Naturalmente, isso levou essas redes a trabalharem na diminuição dos custos de transação, visando trazer seu cliente também para compras do dia a dia. A consequência é que qualquer supermercado hoje em dia oferece estacionamento grátis, entrega em casa e venda pela internet ou telefone.
 
Esse exemplo serve para ilustrar como age um consumidor qualquer. Ali ele consome mercadorias, no caso que nos interessa olhar de perto, ele consome ingressos para partidas de futebol, mais especificamente, entradas para jogos do Flamengo. O mais importante é lembrar que, apesar de diferenças particulares, em geral os consumidores vão agir da mesma forma. Ele pode até não trocar de time como troca de supermercado, mas ele pode optar por não comprar ingressos, ou comprar para menos jogos, o que em nossa análise dá no mesmo. O grande erro dos dirigentes esportivos é que eles gostam tanto de futebol, são tão abnegados por seus clubes de coração, que esquecem que 99% dos consumidores do esporte, não agem da mesma forma. Embora existam pessoas que comprem qualquer coisa a qualquer preço de seu clube favorito, um programa de sócio torcedor deve pensar nesse tipo de cliente como um “já conquistado” (independentemente do programa ele vai se inscrever), e, portanto, deve pensar nos consumidores/torcedores comuns. E esse torcedor comum se importa com o preço do ingresso e com todos os custos de transação envolvidos.
 
Os formuladores do projeto cometem sempre o mesmo erro. Eles basicamente cobram do torcedor o que é de interesse do próprio clube fazer de graça. Podem variar preço, benefícios, nome e animação da torcida com o momento do time. O que não varia é que eles insistem em cobrar do torcedor a diminuição dos custos de transação. É como se o supermercado cobrasse do seu cliente pra ele poder pagar com cartão de credito ou fazer suas compras pela internet. É uma inversão de valores, comumente explicada pela suposta inelasticidade da demanda dos torcedores por produtos do clube do coração. Isto é, como se os fãs quisessem tanto consumir o seu time que não se importassem se a equipe vai bem ou mal, se o estádio é ruim ou se o ingresso é caro e difícil de comprar entre outras coisas. Se isso fosse verdade para um numero razoável de torcedores, os estádios estariam sempre lotados, e empiricamente isso não observa.
 
O “Nação Rubro-Negra” peca porque, na prática, oferece somente esse benefício. Ele vende uma facilidade para o torcedor conseguir seu ingresso, como algum grau de prioridade e a possibilidade de se comprar pela internet. O que o programa oferece é bom, o problema é cobrar por isso. O sujeito pode não entender bem o porquê, mas ele não acha justo, sente a falta de um motivo real para pagar mensalmente o preço do plano. Ademais, é uma vantagem para o clube, independentemente de qualquer programa de sócio torcedor, facilitar a venda de seu produto. Quanto mais fácil for adquirir um ingresso de futebol, mais pessoas vão ter interesse em comprá-lo e o clube ganhará mais. Isso não passa por esses programas, é simplesmente o comportamento racional de um vendedor.
 
Outra suposta vantagem do “Nação Rubro-Negra” é o desconto nas entradas. Falo suposta vantagem por que os ingressos sofreram um incremento esse ano e o desconto deve apenas levar ao valor praticado até ano passado. Embora na prática seja um desconto, dada a opção de não ter o plano e pagar o preço atual, na cabeça do torcedor não lhe parece uma vantagem. Além disso, é importante observar se o desconto vai ser superior aos 50% da meia-entrada ou como será o desconto para os portadores desse direito, que na pratica do esporte, certo ou errado, é qualquer um que deseje pagar meia.
 
O terceiro benefício do plano é sim interessante. O “movimento por um futebol melhor”, liderado pela Ambev é uma real vantagem ao sócio. A sensação de economizar no dia a dia graças a sua relação com o clube é importante. Embora os descontos sejam pequenos demais para influenciar consideravelmente a decisão de aderir ao programa, é um diferencial em relação a projetos anteriores e tende a dar um gás a mais a esse. Dito isso, acho que o clube poderia fazer muito mais nessa área.
Por que o clube não junta seu programa de sócio com os interesses dos seus patrocinadores? Quando uma Peugeot patrocina o Flamengo, ela não está interessada só na exposição na televisão de sua marca na camisa do clube. Ela quer muito mais que isso, ela quer se ligar aos valores que o clube representa, ela quer se relacionar com os fãs do clube. Por que não juntar isso e oferecer aos sócios um desconto nos carros da montadora? Imagine 1% de desconto para sócios há mais de 12 meses. O sócio se beneficiaria, pois é um belo desconto e possivelmente zeraria o custo do plano pra ele, além disso, seria um diferencial na hora dele comprar um carro, escolher a marca que ajuda seu time. Isso interessaria à Peugeot que, além de aumentar diretamente suas vendas, também se beneficiaria com a simpatia do torcedor do flamengo e um relacionamento muito mais intenso, justamente o que ela buscava ao patrocinar o clube. É uma ativação relativamente barata de patrocínio com um ganho tremendo para a empresa. O clube ganharia porque arrecadaria mais dinheiro de mais sócios e mais dinheiro de seus patrocinadores, já que isso claramente pesaria favoravelmente numa renovação. Por fim veria seus stakeholders mais satisfeitos e isso gera ganhos de médio e longo prazo. E poderia fazer isso com todos os seus apoiadores. Imagine um desconto nas tarifas do banco, ou desconto no plano de saúde, na conta de celular ou em qualquer produto que venha a ter os futuros patrocinadores da equipe.
 
Na forma atual, o torcedor deve se perguntar a razão de pagar a mensalidade. Tirando o discurso vazio de ajudar o clube, que não cola muito na prática, ele não consegue responder a essa pergunta de forma satisfatória. O plano mais barato custa cerca de R$ 480,00 por ano. Tirando um descontinho ou outro do “movimento por um futebol melhor” é muito dinheiro pra ir a três ou quatro jogos em que o estádio lotará e ele terá real dificuldade em adquirir seu ingresso sem ser sócio. Para piorar, ainda conseguirá pagar menos recorrendo aos cambistas.
 
Um programa de sócio torcedor deveria ser basicamente o que se chamava de carnê na Europa. É simples e da certo, como deu no velho continente, é só fazer bem feito. Por exemplo, o Flamengo joga 19 vezes com o mando de campo no campeonato brasileiro, mais umas 8 vezes no campeonato carioca. Além disso, o time disputa eventualmente finais do estadual, Copa do Brasil e algum torneio continental. Poderiam criar apenas dois pacotes (muito mais simples do que os seis lançados no atual plano): um com os 27 jogos garantidos no ano e outro que incluísse também os eventuais, que dependem dos resultados do time. O primeiro poderia custar cerca de 80% da soma dos ingressos conjuntos e o segundo 50% a mais que o primeiro, com variações para cada setor do estádio (um estudo de mercado deveria ser feito para valorar melhor esses preços, estou apenas teorizando um cenário). Assim o sujeito compraria, por exemplo, o primeiro pacote (só com os jogos garantidos) do setor leste superior (ou o equivalente onde quer que o clube mande seus jogos, embora seja importantíssimo mandar em um estádio só), e garantiria todas as entradas nesse lugar para o ano inteiro além de um desconto de 20%.
 
Para resolver o bizarro problema da meia-entrada no futebol brasileiro, existe uma solução a se importar de outros eventos como shows e festas: Ajuste o preço do ingresso de forma que a metade dele seja o valor que o clube deseja realmente cobrar pelas entradas e acabe com o valor inteiro na prática. Qualquer um pagaria meia-entrada: Quem aparecesse com uma filipeta, um quilo de alimento, “quem falasse por favor na hora de comprar os ingressos” e quem for estudante, claro.
 
Assim se institucionalizaria um preço só, o de meia-entrada, e viabilizaria diversas ações do clube, inclusive estimar melhor o valor “justo” para cada jogo (isso deveria ser feito independentemente de programas de sócio torcedor ou não. Isso, claro, dado como as coisas, infelizmente, funcionam no Brasil).
 
Com um programa assim, o clube garantiria uma receita muito grande de ingressos desde o inicio do ano. Diferentemente do atual, não seria possível acontecer inadimplências, tão comuns nesse tipo de programa, especialmente quando o time não empolga em campo. Somando isso ao programa de relacionamento já citado anteriormente e a possibilidade de voto (que depende de uma reforma improvável no estatuto, mas muito importante para aumentar a atratividade do projeto), o clube certamente conseguiria uma venda inicial muito expressiva, que seria seguida por um segundo momento, quando as pessoas percebessem que o numero de sócios estaria se tornando perto da lotação máxima do estádio e que se não se associassem logo não poderiam mais ver seu time in loco.
 
A partir desse momento apareceria fila: Pessoas esperando que os então sócios não renovassem para poderem comprar seu lugar pra temporada. Naturalmente, com a oferta fixa pelo numero de assentos do estádio e uma demanda maior que a oferta, o valor do programa poderia aumentar, levando o clube a ter uma receita enorme, periódica, crescente e garantida, independentemente da fase do time no momento.
 
Como flamenguista, sinto pena de escrever isso, mas meu prognostico para o “Nação Rubro-Negra” é de vender de 15 a 20 mil planos e já no primeiro aniversário sofrer com uma inadimplência muito alta, até que mude ou deixe de existir. Espero estar errado, espero que a nação me surpreenda mais uma vez. Caso esteja certo, espero que da próxima vez se inspire em quem faz isso com sucesso há anos. Há 10 anos tinha-se a desculpa de que o futebol brasileiro não tinha calendário e era desorganizado demais para imitarmos o europeu. Hoje já não é.
 
PS: Quero deixar claro meu apoio a atual diretoria do Flamengo que hoje conseguiu três CNDs, fundamentais para a saúde financeira do clube. Apoio o grupo desde o inicio e ainda acho que eles irão revolucionar a forma como é feita a gestão de clubes no Brasil. A despeito disso, acho que ainda pecam pela inexperiência na gestão esportiva e cometem erros como o desse projeto.
 
PS2: Na coletiva de lançamento do programa, o clube anunciou que espera cerca de 100 mil sócios até dezembro e uma arrecadação entre R$160 e R$600 milhões por ano. Apesar disso, concordam que o plano, nos moldes atuais, é mais voltado às necessidades do clube do que às do torcedor, e que contam com o apoio de rubro-negros movidos unicamente pela paixão e não pela racionalidade. Essa dicotomia mostra a correção do argumento de que os dirigentes esperam torcedores como eles. Embora o número de 2700 sócios no primeiro dia do programa impressione, é justamente esse o comportamento esperado do 1% que compra “qualquer coisa”. O programa não vai ter sucesso sem os outros 99%, e esses não serão atraídos simplesmente pelo discurso de ajudar o clube.

PS3: Com o fechamento do Engenhão o programa sofre um viés violento antes mesmo de ser lançado na prática. Será que alguma coisa vai mudar diante dessa impossibilidade?

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