Texto de André Kfouri publicado no Lance! em 03/11/2013
A cena aconteceu ao final de uma das grandes noites de futebol que tivemos neste ano. Uma noite completa, em que o espírito, as imagens e os sons do velho Maracanã se reproduziram no novo estádio. Em que se comprovou que a arquitetura remodelada e as linhas modernas não têm significado sem os componentes humanos que justificam o jogo. Uma noite em que o poder do futebol mandou um recado a quem não o compreende.
A cena aconteceu depois que o Flamengo venceu o Botafogo no jogo de volta das quartas de final da Copa do Brasil. O resultado só precisa ser mencionado porque explica o momento captado pelas câmeras do SporTV na área dos vestiários do Maracanã. Quem viu Jayme de Almeida abraçado ao neto, Breno, reviveu histórias próprias que o futebol proporciona como nenhuma outra atividade inventada pelo homem.
Ao encontrar o avô, Breno foi derrotado pela emoção. Talvez ele tivesse a precisa noção do que aqueles 4 x 0 representavam para Jayme, um treinador interino no comando do Flamengo, após anos e anos de trabalho silencioso. Talvez ele pudesse sentir a felicidade que seu avô tinha dentro de si naqueles breves intervalos em que um técnico pode saborear uma vitória. Talvez Breno estivesse, apenas, comovido. Enquanto ele chorava no peito do avô, Jayme tentava acalmá-lo, confortá-lo. Passou a mão em sua cabeça, deu tapinhas carinhosos em suas costas, beijou-lhe a testa. O garoto enxugou o rosto com a camisa do Flamengo, ainda dominado pelos sentimentos. Jayme o pegou pelas bochechas, olhou para ele e sorriu.
Não sabemos o que o avô disse ao neto durante o abraço. Não precisamos saber. Assim como não se questiona a emoção de uma criança de doze anos, não se duvida do valor das palavras de alguém como Jayme. Palavras que têm revelado sensatez, transmitido sobriedade, demonstrado a humildade de quem foi chamado a apagar um incêndio e está determinado a fazê-lo sem se vangloriar. Palavras que têm a forma e o tom do que é de verdade. Algo raro no futebol.
Jayme de Almeida é a calma que vem depois da tempestade. Emergiu para ocupar um espaço que ficou vago repentinamente, aceitou a missão de manejar o barco por águas perigosas. Tem conduzido o Flamengo da ameaça do rebaixamento no Campeonato Brasileiro à semifinal da Copa do Brasil. Já é mais do que se poderia pedir a alguém na situação dele, e parece claro que não é por acaso. A sensação não deve ser confundida com um elogio a capacidades técnicas ou táticas que não teriam aparecido em tão pouco tempo. É, sim, um aplauso à maneira como Jayme se porta e se manifesta. Posturas que refrescam uma função egocêntrica.
A cena entre o avô e o neto pode ser o retrato da atuação de Jayme como técnico do Flamengo. Ele trouxe conforto a um vestiário desamparado, descobriu confiança em um time inseguro. Abraçou-o e o acalmou num momento de descontrole. Garantiu que tudo ficaria bem e, sorrindo, beijou-lhe a testa. Desde então, o Flamengo tem retribuído o carinho.
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