quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Meta até 2018: ser o maior da América do Sul

O cartão de visitas está desatualizado. “Esse é o cartão antigo. Enquanto não acabar, não posso mandar fazer um novo. Sou o vice de finanças, não posso gastar dinheiro”, diz Claudio Pracownik, sócio e diretor do banco Brasil Plural e atual vice-presidente de Finanças do Flamengo. Um dos porta-vozes da reestruturação financeira do clube, ele contou a O Financista como ajudou a sanear a “dívida impagável” do time carioca.


"Eu costumo brincar que eu sou judeu, banqueiro, cartola de futebol, torço para o Flamengo e sou advogado... Quer dizer, é difícil arrumar amigo, eu sou o culpado de alguma forma", diz Pracownik, que tem experiência de mais de 20 anos no mercado financeiro.

Ao se deparar com uma dívida de cerca de R$ 750 milhões e uma série de outros problemas, o grupo de empresários do qual faz parte arregaçou as mangas para recuperar a credibilidade do Flamengo. Não com passos largos, mas com passos firmes, enfatiza o cartola.

Agora, com o equilíbrio atingido e uma previsão de fluxo de caixa livre no ano que vem de R$ 70 milhões para investir, Pracownik traça metas ambiciosas: "Nosso plano para os próximos três anos é ser campeão todos os anos. Está na hora de dar esses dividendos para a torcida."

Durante a entrevista, o banqueiro falou da diferença entre administrar um clube e uma empresa, detalhou o ajuste nas contas e comparou o mérito rubro-negro de unir interesses com a atual crise política do país.

Cláudio Pracownik

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O Financista: Qual a diferença entre administrar uma empresa e um clube?
Claudio Pracownik: A diferença é a paixão. Na empresa, o objetivo é dar lucro. No clube é ter títulos. Os dividendos que você distribui são as alegrias e os títulos. De certa maneira fugaz porque você é campeão em um dia, comemora no dia seguinte e depois acabou. As alegrias são intensas e pouco duradouras. Esse é o lucro que você distribui no clube.
Em uma empresa é preciso conquistar o lucro e, a partir daí, o componente que mais influencia são os stakeholders. Os stakeholders no mundo empresarial são os funcionários, fornecedores, acionistas e, portanto, pessoas que têm uma relação comercial contigo. Ou investiram dinheiro ou você recebe esse dinheiro. No futebol seus stakeholders são os torcedores que muitas vezes não têm nenhum vínculo comercial. Muitos dão dinheiro para o clube direta e indiretamente, e outros não têm condições. São pessoas apaixonadas.
Quando você é movido pela razão, como no meio empresarial, seus stakeholders também querem maximizar o lucro e o lucro deles, além de outras decisões amparadas no raciocínio lógico. No meio desportivo seus stakeholders são movidos pela paixão, então o diálogo é muitas vezes complicado na hora de buscar o profissionalismo, a eficiência.
Outra diferença básica é que eu ganho um salário nas empresas onde eu trabalhei. E no Flamengo eu não ganho nada. Às vezes isso gera um desconforto. Os torcedores acham que têm alguma coisa estranha. Eu costumo brincar que eu sou judeu, banqueiro, cartola de futebol, torço para o Flamengo e sou advogado... Quer dizer, é difícil arrumar amigo, eu sou o culpado de alguma forma (risos).
O que o cartola de futebol está fazendo ali? Nem sempre o torcedor entende que você é tão apaixonado quanto ele. O torcedor acha que é mais apaixonado do que você porque ele fica na arquibancada gritando, torcendo, como se o cartola não estivesse ali. Eu fui de ir na arquibancada minha vida inteira, sou torcedor de ir ao estádio.
Enfim, o diálogo muitas vezes é complexo. Dirigir uma empresa é muito mais fácil. Buscamos ser o mais transparente possível no Flamengo, porém às vezes isso é mal visto, inclusive pelo próprio torcedor, que quer ouvir uma notícia boa. Às vezes não tem notícia boa. É preciso ter costas largas para ser dirigente de futebol no Brasil, mesmo tendo gente bem intencionada como é o caso da nossa gestão.

O Financista: Como o senhor entrou nessa área para dirigir o Flamengo?
Pracownik: Nasci Flamengo. Em 1995 eu me tornei conselheiro, estou lá há 21 anos, participando da vida política do clube. Em 2005 o Hélio Ferraz me convidou para ser o vice de planejamento. Me ligou depois perguntando se eu queria acumular a função de vice de marketing. “Mas sou advogado, faz mais sentido ser vice jurídico”, retruquei. Mas ele falou que era a área que levantava mais suspeitas no clube por ser uma área de negócios. Não terminei a gestão.
Após o impeachment do Edmundo dos Santos Silva, em 2002, o clube estava muito prejudicado. Foi a época de saída dos recursos da ISL. Investimentos que ocorreram também em Corinthians, Vasco e Palmeiras, mas que se mostraram pouco produtivos a longo prazo. Havia uma fonte de receita, mas esqueceram de pensar no longo prazo. Quando a fonte secou, ficaram só as despesas que são de longo prazo. Por exemplo, um contrato de jogador dura quatro anos. Esse foi o erro de gestões antigas.
A contrapartida é a dependência de empréstimos da federação do Rio, CBF (Confederação Brasileira de Futebol), um tipo de relação que virava uma espécie de apoio político. Com isso, você ganha uma exposição excessiva, vive uma série de problemas e episódios difíceis. Isso pode destruir sua reputação. Eu sou banqueiro, vivo de reputação. No mercado financeiro, a fé e a confiança são fundamentais. Eu entendi isso perfeitamente.
O Flamengo não tinha muitas opções. Eu agradeci a oportunidade, saí da gestão, mas continuei a apoiá-la. Continuei membro de conselhos de administração. Voto para o que é melhor para o Flamengo. Política você faz em outro lugar, não com aquilo que você ama.
Por conta disso acabei voltando em 2012. Houve um movimento de empresários importantes do mercado nacional para tentar tirar o Flamengo da situação em que estava. Muito mal financeiramente...

O Financista: Quanto mal?
Pracownik: A dívida que conseguimos auditar era de R$ 750 milhões. Salários atrasados de vários meses, fornecedores sem crédito. Só vendiam à vista para o Flamengo. Havia coisas nas páginas policiais, relações ruins com torcidas organizadas, um momento politico conturbado. Era um caos. Era preciso restaurar a credibilidade do clube.
É aí que entra o grupo de empresários. Gente muito bacana que me convidou para fazer do grupo. E eu aceitei. Fui chamado para integrar em 2011, mas havia sido preparado com quatro anos de antecedência. Vencemos as eleições, até de maneira surpreendente. Uma vantagem larga, com pessoas que nunca tinham ido votar no clube, mas apareceram naquele dia.

O Financista: Qual foi a primeira medida tomada?
Pracownik: Primeira coisa foi realocação de dívida. Reestruturar financeiramente o clube. Conversar com bancos privados, e o governo, que era o maior credor. O Flamengo devia muitos impostos e tinha casos de sonegação. O clube estava respondendo por uma investigação criminal porque o time não recolhia fundo de garantia.
Conseguimos alongar o perfil de dívida, renegociar alguns contratos de patrocínio e aumentar o valor. Melhoramos o caixa, quitamos à vista as dívidas provenientes de sonegação fiscal. Entregamos bens em garantia também para mostrar boa fé ao governo e fazer o parcelamento da dívida. O primeiro ano foi praticamente uma operação de distressed, como se fala aqui no banco. Renegociar, chamar credores na mesa e conversar.
É preciso explicar aos credores e fazê-los entender que eles precisam estar no nosso lado. A dívida era impagável da maneira como estava. Naquele momento a credibilidade financeira do clube era muito baixa. Foi um trabalho muito árduo, de renegociação e de escalonamento.
Em um segundo momento atacamos a parte de processos do clube para gerar eficiência, diminuir custos, reduzimos gente. Fazemos isso sem nenhum prazer, mas porque é necessário. Depois fomos ao mercado em busca de novas receitas. Renegociar com televisão e patrocinadores. Trouxemos a Adidas como fornecedor de material esportivo, com um contrato melhor.
O grande desafio é saber a ordem de pagamentos. Primeiro vêm os impostos, depois salários e o que sobrar vai para o resto, inclusive o time de futebol. É preciso dar um passo para trás para depois dar passos firmes para frente. Contamos com a compreensão da torcida. Existe uma visão muito curto-prazista, e não poderíamos ter essa visão.

O Financista: A vida de banqueiro teve alguma mudança?
Pracownik: Tem seu preço. O primeiro ano foi muito complicado. Depois já tínhamos organizado um grupo profissional dentro do Flamengo, a começar por nós. Hoje em dia eu sou o vice de finanças, mas tem o diretor financeiro, que ganha um salário de mercado. Eu tenho um CEO no clube, diretor administrativo, diretor de esportes olímpicos. Criamos uma estrutura profissional. Se tivéssemos perdido a reeleição, o grupo que ganhasse não iria mudar ninguém. Criamos a Lei de Responsabilidade Rubro Negra [emenda ao estatuto que prevê perda de mandato e inelegibilidade de dirigentes que praticarem sonegação fiscal ou apropriação indébita].
Se você é uma pessoa bem intencionada, não tem com o que se preocupar, mas se seus interesses são outros, você precisa pensar duas vezes antes de se candidatar. Também melhoramos o processo político. A estrutura está profissionalizada. Uma das nossas metas até o fim deste mandato é ser auditado por uma das ‘big four’ e vamos conseguir. Já estamos trabalhando com elas pelo nosso nível de transparência.

O Financista: Quais números o senhor destacaria do Flamengo hoje?
Pracownik: A nossa dívida hoje está em R$ 440 milhões. E o Flamengo tem uma receita estimada em R$ 440 milhões. Então nosso grau de endividamento é um para um. É um momento histórico para o clube. E há os efeitos do Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro). Se tudo correr bem, de acordo com nosso planejamento, as penhoras do clube terminam no fim desse ano.
Assim o Flamengo tem uma previsão de ter um fluxo de caixa livre no ano que vem de R$ 70 milhões para investir. Isso é fantástico. É um horizonte muito promissor. Para 2018 e 2019, devemos ter um fluxo de caixa até maior. O clube está a passos firmes para se tornar uma potência sul-americana nos próximos cinco, seis anos. Não tenho dúvida de que podemos chegar ao fim do mandato como o time mais forte da América do Sul, disputando os principais títulos desde já. Mas para uma potência financeira a gente ainda tem uma caminhada dura pela frente. Pensamos longe e queremos ser uma potência.

O Financista: O senhor acredita na possibilidade de algum clube brasileiro abrir capital no futuro, como em outros países?
Pracownik: Depende da legislação. Do jeito que está é muito difícil. O clube pertence aos associados e não tem fins lucrativos. Seria necessário abrir uma sociedade empresária, migrar as receitas de marketing (branding basicamente), deixar que ela administre o futebol. É preciso estar muito bem em relação aos credores, ser visto como uma instituição financeira de planejamento fiscal porque você deixa as receitas com a sociedade e as dívidas com o clube. É uma coisa complicada.
Segundo, abrir capital aqui pressupõe uma visão de médio e longo prazo de receitas financeiras muito fortes. E o país não permite essa visão sequer em empresas que recentemente abriram capital e já querem fechar o capital, imagina um clube de futebol. Por fim, é preciso passar essa mentalidade para o sócio. Fomos eleitos pelo sócio do clube, não pelos torcedores. A opinião patrimonial do Flamengo não pertence aos torcedores, pertence aos sócios do clube, que, em parte, também são torcedores. É preciso levar aos sócios uma visão em que eles deixam de ser donos do Flamengo. Há um grau de maturidade que estamos longe de obter nos clubes de futebol. Vejo dificuldades internas.
Os clubes têm que gerar seus próprios recursos. E isso se dá com rentabilização da torcida, com sócio-torcedor, patrocínio, dinheiro televisivo, renda de bilheteria. Isso é o que a gente pode fazer.

O Financista: A sua gestão renegociou contratos televisivos, trouxeram patrocinadores. E como anda a parte do sócio-torcedor?
Pracownik: O sócio-torcedor do Flamengo é o mais rentável de todos do país. O Flamengo pode ser o sétimo em número de sócios-torcedores, mas é o mais rentável, o que dá mais dinheiro, que é o que me interessa. Não estou preocupado com meu ego de ser o maior programa de sócio-torcedor, estou preocupado em gerar mais caixa para o clube. Somos transparentes. Em vários clubes, por exemplo, o torcedor paga um mês, para de pagar e o clube o mantém na base. Diz que ele é sócio-torcedor, de graça. Há time que faz sócio-torcedor por R$ 1, R$ 5... As pessoas querem impressionar achando que número vai trazer mais. Não estamos muito preocupados com isso. Meu plano mais barato é R$ 30.
Sócio-torcedor do Flamengo hoje em dia é responsável por uns 10% da nossa receita. O que equivale a uns R$ 30 milhões bruto por ano. É o valor de um patrocínio. A Caixa, por exemplo, dá R$ 25 milhões, que é quase o mesmo valor do sócio-torcedor líquido, R$ 25 milhões. É super relevante no âmbito financeiro. Direitos de transmissão representam 47% da receita. Publicidade rende 22% e bilheteria, 19%. É o que a gente tem. É o ideal? Não é o ideal. Ainda dependemos muito de direito de transmissão.
A ideia é aumentar bilheteria e estádio. O Flamengo não tem estádio próprio. Quanto a isso falta um pouco de vontade política. Como vive o Maracanã sem o Flamengo? Que interesse existe do Flamengo jogar e ter seu próprio estádio. Gostaríamos de tomar conta do Maracanã e estamos pleiteando isso. Há hoje um impasse do governo com a Odebrecht. O campeonato carioca vai começar e o Maracanã não foi entregue às autoridades olímpicas. Está vazio e às moscas. Não há quem cuide. As autoridades olímpicas vão cuidar do estádio e entregar em setembro. Quem vai cuidar daí em diante?
O sonho do Flamengo seria tocar o Maracanã ou construir um estádio. Estamos lutando politicamente para isso. Hoje é financeiramente viável porque tem muito parceiro querendo. Mas requer autorização do governo, eu preciso de um terreno. O ideal é que seja dentro do município do Rio de Janeiro. Mas se for o caso vamos atrás de um estádio menor, no setor metropolitano mesmo, mas vamos fazer. O Flamengo precisa disso para ajudar no equilíbrio financeiro. E o resto é tentar expandir sócio-torcedor pelo país.

O Financista: Na época da dívida impagável do Flamengo, havia entre torcedores rivais uma brincadeira de apontar o Flamengo como o “Brasil do futebol”. A agora houve uma transformação nas finanças do clube e o Brasil vive um cenário de ajuste fiscal nas contas publicas. Qual sua visão a respeito, com chapéu do Flamengo e de banqueiro?
Pracownik: A nossa veio antes (risos). Há coisas em comum. O grande desafio em cenários como esse é convergir os interesses. No caso de uma empresa é convergir os interesses dos stakeholders. E no caso do governo são os interesses da sociedade. Os interesses da sociedade são muito divergentes neste momento no país. A crise politica impede isso. É preciso uma união nacional. Conseguimos união dentro do clube. Nós não recriamos o Flamengo, tivemos o apoio de grandes rubro-negros do passado, presente e futuro. O mérito do nosso grupo foi convergir os interesses de todos. Trazer todos a uma mesa de discussão e ter as pessoas em uma corrente única em prol da recuperação.
O problema do país é que não há convergência alguma. Estamos no meio de uma guerra política. Os partidos têm agendas próprias, não existe uma agenda do país. O governo tem a própria agenda, o PT tem a dele e o PSDB tem outra. Setores da sociedade têm uma outra agenda, buscando representatividade, e os sindicatos, outra. Assim fica muito difícil ultrapassar este momento.
A agenda do Congresso está parada. Cada um está pensando no país à sua maneira. O Flamengo teve a felicidade de convergir os interesses. É preciso esperar que surja uma liderança ou que a sociedade evolua de alguma forma. O país precisa cortar muito na própria carne, atravessar períodos difíceis. Não vejo a sociedade preparada para dar um passo para trás.

O Financista: Ainda vamos piorar antes de melhorar...
Pracownik: É preciso estar preparado. Fazer um ajuste fiscal vai doer. Vai ter desemprego, arrocho, recessão. O problema é que o pais evoluiu muito rapidamente. O Flamengo teve seus momentos de glória, principalmente na época do Zico, de 1978 até 1987. E o país viveu um boom de crédito de conquistas das classes sociais C e D, por exemplo. Essas classes estão preparadas para dar um passo para trás? Essa é a maior dificuldade. No Flamento nós estávamos.

O Financista: Qual a expectativa para os próximos anos?
Pracownik: Nosso legado é deixar o clube equilibrado. O clube vai estar sempre alavancado porque alavancagem faz parte do mundo empresarial. Dever não é o problema. Dever e não ter capacidade de pagamento é o problema. O Flamengo já atingiu um equilíbrio e nós vamos tentar melhorar ainda mais nos próximos anos para que tenhamos uma dívida completamente pagável.
O nosso foco nesse triênio é o futebol. Estamos investindo em futebol, reformando o centro de treinamento por completo, equipamentos, campos, sistemas e processos. Contratamos o Muricy [Ramalho]. Para querer título é preciso ter um técnico vencedor. E é o caso dele, que queria um desafio e escolheu o Flamengo. Ele tinha proposta para ganhar mais em outro lugar, mas mostramos nossos projetos e ele gostou.

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