Há pouco mais de três anos, os então poderosos da CBF José Maria Marin e Marco Polo del Nero demitiram Mano Menezes como técnico da seleção brasileira.
De repente, surge uma notícia quente: Pep Guardiola, na época de férias, deixou vazar que teria interesse em assumir o cargo. O catalão, que revolucionou o futebol com o Barcelona, ficaria honrado com o desafio de preparar o Brasil para jogar a Copa do Mundo em casa.
Marin e Del Polo trabalharam às pressas para desativar a bomba. Não quiseram de jeito nenhum um estrangeiro para treinar a seleção local. Para substituir Menezes, rapidamente anunciaram Luiz Felipe Scolari. E o resto, como dizem, é triste história.
A opção de dar preferência a Scolari em vez de Guardiola é fascinante em dois sentidos.
O primeiro diz respeito ao futebol, e também aos perigos de sucesso. Porque a lógica da decisão foi a seguinte: “a gente já ganhou a Copa cinco vezes, portanto não precisa importar ideias e pessoas de fora”.
Trata-se da grande armadilha de triunfo.
Porque sucesso é normalmente a consequência de um processo. Só que, depois, fica fácil esquecer esse detalhe fundamental e enxergá-lo como uma coisa natural.
O futebol brasileiro não virou grande por acaso, e nem como o resultado de os jogadores entrarem num estado de graça. Cresceu demais com uma base de curiosidade mental, examinando e incorporando ideias – sejam sobre táticas ou preparação física.
Desde o início houve uma grande contribuição de técnicos estrangeiros – uruguaios e argentinos, húngaros que ajudaram o Brasil a desenvolver a linha de quatro na defesa.
Poucos lembram, mas o técnico da Copa de 1958, a primeira festa brasileira, quase foi um paraguaio. Fleitas Solich comandou o Flamengo para um tricampeonato carioca, e foi o candidato de João Havelange, presidente da então CBD.
Mas o grande aliado de Havelange em São Paulo, Paulo Machado de Carvalho, conseguiu impor o seu favorito, o folclórico paulistano Vicente Feola. E a partir do momento em que Feola voltou com a taça, a história ficou esquecida e desde então “com brasileiro não há quem possa”. Começa a autossuficiência, a curiosidade agoniza e, mais de 50 anos depois, a porta fecha na cara de Guardiola.
Aquela rejeição a Pep é também fascinante porque revela como o futebol pode ser didático, um mecanismo para aprender sobre estruturas de poder no Brasil.
José Maria Marin entrou para a política pelo partido de Plínio Salgado, um dos nomes mais significantes na história da extrema direita no Brasil: fundador do movimento fascista local os Integralistas, nos anos 30, marchando a favor do golpe militar três décadas depois
Depois do golpe, seguiu o seu ídolo e entrou à Arena, o partido que apoiava o governo militar.
Brevemente governador de São Paulo, Marin amargou uma perda de prestígio político muito grande com a volta da democracia. Então, para onde ele fugiu? Para a política do futebol.
O seu caso está longe de ser uma história única. O atual presidente da CBF é o coronel Antonio Carlos Nunes, mais um que subiu dentro do regime durante os anos de chumbo. Antes de assumir seu cargo atual, Nunes era presidente da Federação Paraense do Futebol.
Não é nenhuma surpresa, então, que as federações estaduais apareçam como o maior obstáculo ao desenvolvimento do futebol brasileiro. Infestadas por representantes da velha oligarquia, incapazes de pensar ou agir no interesse coletivo, presas as ultrapassadas crenças nacionalistas, são um retrato de um tipo de Brasil que não pode dar certo.
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