sábado, 23 de julho de 2016

Thank You, Jerome!



1. O Monstro do Garrafão

Foram três temporadas de enterradas fantásticas, tocos espetaculares e muitos, muitos rebotes. O norte-americano Jerome Meyinsse chegou ao Flamengo em 2013 para substituir o pivô Caio Torres, que não havia renovado seu contrato com o Flamengo. Vinha de grandes atuações pelo Regatas de Corrientes na Liga Argentina. Atuou pelo Flamengo nas temporadas 2013-14, 2014-15 e 2015-16. Sempre com muita atitude e muita energia. Sempre com muita cara de Flamengo.

Na 1ª temporada: 22,1 minutos, 12,5 pontos, 5,1 rebotes e 0,93 tocos por jogo. Na 2ª temporada: 25,3 minutos, 10,7 pontos, 5,4 rebotes e 1,21 tocos por jogo. Foi sua maior temporada em vermelho e preto! Na 3ª temporada: 17,5 minutos, 8,4 pontos, 4,3 rebotes e 0,79 tocos por jogo. Foi o MVP da Final do NBB 2013-14. Dominante no cenário nacional na defesa e no ataque, onde seu tradicional giro sobre o marcador para arremesso deu muito trabalho aos pivôs adversários na defesa.



2. O Gigante das Arquibancadas

Desde que chegou ao Flamengo, em junho de 2013, Meyinsse não vestiu a camisa do Flamengo apenas nos jogos do Novo Basquete Brasil e outros campeonatos. O americano se apaixonou pelo rubro-negro de tal forma que passou a usar a camisa do clube em qualquer oportunidade. Ele é assíduo frequentador do Maracanã. Sozinho ou com os amigos, o pivô vai aos jogos do time de futebol com sua camisa personalizada com o apelido "Grandão" e seu número 55. O post do pivô em 23 de agosto de 2015: "9:30 cheguei no Rio. 11:30 cheguei em casa. 13:00 comi e tomei açaí. 15:30 cheguei no Maracanã. Sim. Tô cansado. Mas quero ver meu Mengão ganhar. Senti muita falta de ir ao Maracanã!"


3. O Rei do Açaí

O primeiro contato foi de longe, meio por acaso, após uma manhã de treino na Gávea, apenas cinco semanas depois de desembarcar no Rio de Janeiro para defender o time de basquete do Flamengo. Jerome Meyinsse ainda não sabia, mas aquele inusitado encontro em setembro de 2013, em Copacabana, mais precisamente na Rua Siqueira Campos, mudaria para sempre sua vida. Foi amor à primeira colherada. Literalmente. Nem loira nem morena, tampouco ruiva ou negra. Pode até parecer estranho, mas quem adoçou o coração do gigante americano de 26 anos e 2,08m, que criou até uma torcida organizada em homenagem à sua nova paixão, não foi nenhuma musa carioca, e sim o açaí. "Eu via as pessoas pedindo aquela coisa roxa e primeiro achei estranho. Achei parecido com uva ou algo como jabuticaba, mas nunca tinha provado e nem sabia qual era o gosto. Depois de duas semanas só olhando as pessoas consumindo, fui a uma loja e mesmo sem saber o nome disse que queria um. Comprei, provei e na primeira vez já gostei muito. Me deu muita alegria, mudei minha vida e percebi que estava pronto para tomar todos os dias".


4. O Grandão da Nação

Quem acompanhou Jerome Meyinsse no Instagram sabe que seus 2,07m e um porte físico de intimidar não passam de uma bela artimanha para se impor contra os adversários em quadra. O pivô do Flamengo, em sua conta na rede social, sempre mostrou um lado completamente diferente da sua vida, esbanjando bom-humor e muita criatividade. Além de publicar fotos nas mais diversas situações, sendo muitas delas hilárias, o norte-americano se mostrou, também, um especialista em vídeos engraçados. Com uma simpatia fora do comum, um português quase impecável e um gosto muito agradável para músicas, Meyinsse faz todo o tipo de brincadeira. Meyinsse “mitou”, com todo o seu novo estilo carioca, amando açaí e as músicas brasileiras, sem contar com o seu ousado look no carnaval carioca. Difícil encontrar outro como ele em termos de integração à cultura carioca. E sem perder, em nenhum momento o comprometimento profissional. Ele se fantasiou de batman, de zorro, de bailarina, deu trotes nos companheiros de Flamengo, ele se divertiu e entreteve a todos. Foi um autêntico homem de grupo! Ganhou o apelido de Grandão! O Grandão da Nação!


Cartas de Despedida de Jerome e do Flamengo:
"Carta Aberta a Jerome Meyinsse"

"Caros amigos rubro-negros,

Depois de quatro anos em que a alegria predominou com dez conquistas de títulos, vivemos um dia triste para o basquete rubro-negro. Com todo respeito que os adversários nos merecem, o sentimento amargo de uma derrota não chega próximo ao nosso sentimento. É duro termos que informar que o Flamengo não contará mais na próxima temporada não somente com o atleta, mas um cidadão rubro-negro chamado Jerome Meyinsse. Uma pessoa que se tornou muito especial, um ídolo rubro-negro, não somente pela sua qualidade profissional, como também pelo excelente convívio com a Comissão Técnica, companheiros, profissionais e dirigentes de todos os níveis hierárquicos. Mais importante, pelo profundo respeito e carinho sempre dispensados por ele ao Manto Sagrado e à nossa torcida, com sua postura impecável dentro e fora da quadra.

Adotando a transparência que se tornou nossa regra na comunicação, eis o histórico:

Conversamos com o Jerome ao final do NBB8, ação que é de praxe com todos os atletas, antes de sua volta aos EUA. Enviamos a proposta de renovação ao seu agente há aproximadamente dez dias. Cabe enfatizar que é verdade que estávamos prevendo dificuldades na negociação, por conta da intensa valorização do dólar frente ao Real desde 2014, quando renovamos por dois anos o último contrato. A péssima situação econômica atual do país, que tem afugentado patrocinadores no basquete brasileiro, também não contribui em nada nesse momento da formação dos elencos para a próxima temporada.

Porém, com enorme surpresa, antes de qualquer avanço da discussão de proposta (estávamos insistindo em uma posição sobre nossa oferta), recebemos uma mensagem do atleta, que aqui reproduzimos em uma parte, em seu português admiravelmente quase perfeito:

'É com grande dificuldade que venho informar a vocês que eu não vou retornar para o Flamengo na próxima temporada. Vocês me deram a oportunidade de fazer parte de uma organização campeã e de alto nível, de fazer parte da melhor torcida do mundo, e especialmente fazer parte de uma família de grandes pessoas, cuja amizade vou estimar para o resto da minha vida.

Embora isso me entristeça profundamente, eu sinto que a melhor escolha para mim neste momento da minha carreira é deixar o Flamengo. É de longe uma das decisões mais difíceis que já tive que fazer.

Gostaria de dizer "muito obrigado"

Abraços,
Jerome Meyinsse'

Jerome, apesar da melancolia que nos invade nesse momento, não é hora, de nem o Flamengo e nem ninguém questionar a decisão. Todos devem respeitar a opção de carreira, baseada em motivos pessoais e profissionais que fazem acreditar que o atual ciclo terminou no Flamengo, vislumbrando agora outros desafios. Sinceramente, não achamos que serão maiores, porque jogar no Flamengo é o auge para qualquer atleta, mas talvez diferentes. Em breve, saberemos qual o time que terá a sorte de contar com uma pessoa e um atleta tão diferenciado em seu grupo.

O Clube de Regatas do Flamengo agradece profundamente por todo o empenho em divulgar como ninguém o nome do clube. Você foi "Grandão" na acepção da palavra, desde o primeiro dia que pisou em solo brasileiro e se tornou carioca e flamenguista por opção. "Grandão" não somente como jogador, mas, sobretudo, em termos de caráter, que ajudou a personificar o perfil que transformou-se hoje em exigência número 1 para vestir a camiseta do "Orgulho da Nação".

Você virou uma referência para todos nós, um ídolo. Você entendeu e exercitou a química que torna o Flamengo muito forte, quase invencível, na sinergia entre atletas e torcida. Três anos lindos se passaram quando juntos, e nos braços pela Nação, conquistamos três campeonatos cariocas, três NBBs, uma Liga das Américas, um Campeonato Mundial, além de termos adquirido o respeito até da NBA. O nome Jerome Meyinsse entrou definitivamente para a nossa história, fazendo parte do grupo "Campeão de Tudo". Difícil agora será perder o seu bom humor diário, as gozações com seus pratos enormes e refeições quatro vezes repetidas, a sua propaganda eterna do açaí, suas brincadeiras inteligentes nas redes sociais, além de obviamente sentirmos a sua ausência como grande jogador dentro de quadra.

Você, Jerome, provou aos pseudo-profissionais do esporte no século XXI que, ser um grande atleta profissional, paradoxalmente, é comportar-se simplesmente como um "atleta amador", no melhor sentido da palavra, amando o seu esporte e as pessoas à sua volta, em uma entrega diária. É respeitar o clube e os torcedores em todos os momentos, até a sua última mensagem que muito nos emociona. Nesse mundo atual tão duro e frio, torna-se reconfortante constatar que ainda é possível cultivarmos relações como essas dentro do esporte, nunca devemos aceitar menos do que essa atitude como modelo para um atleta do Flamengo.

Aliás, nos permita somente recusar a ideia de que essa tenha sido uma derradeira mensagem final. As portas do Flamengo sempre estarão escancaradas para o cidadão de Baton Rouge, Lousiana, o mais carioca e rubro-negro norte-americano da face da Terra. Até muito breve! A palavra saudade, de difícil tradução para o inglês, já não cabe em nosso peito.

A vida do Flamengo continua, estamos ainda em fase de construção do nosso elenco para a temporada 2016/17, com a renovada missão de formar a mais forte equipe dentro do orçamento existente, em tempos difíceis no Brasil. A saída de Meyinsse repete o caminho de alguns grandes atletas em passado recente, fato natural de um clube que se tornou "vítima" do nosso próprio sucesso, com os nossos jogadores mais vencedores sendo assediados por equipes de várias partes do mundo. No entanto, a historia nos mostra que culturas vencedoras devem ser cultivadas diariamente para continuar a dar frutos e não são facilmente replicáveis em outros locais.

Vamos manter nossa a filosofia vencedora e ambiciosa (mas sem nenhuma chance de exceder o limite da responsabilidade financeira), enfatizando que a instituição Flamengo estará sempre cima de todos nós. Todos passarão (atletas, comissão técnica e dirigentes), mas o Flamengo ficará, no caso do basquete, com a responsabilidade de sempre honrarmos a alcunha "Orgulho da Nação".

Obrigado, Meyinsse!

Saudações rubro-negras,
Alexandre Póvoa
Vice-Presidente de Esportes Olímpicos"


Atualizando o texto anterior, originalmente publicado em 7 de julho, é preciso acrescentar o evento de despedida organizado por Jerome e um grupo de torcedores no dia 15 de julho de 2016 na Feira de São Cristóvão, reduto popular do Rio de Janeiro, também conhecida como "Feira dos Paraíbas". Uma amostra mais do grau de integração do norte-americano Jerome Meyinsse com a cultura do Rio de Janeiro. No evento, ele falou um pouco mais sobre sua saída:

Meyinsse o torcedores na Feira de São Cristóvão

"Esses torcedores saíram de casa em plena sexta-feira, às 21h, só para se despedirem de mim. Não existe isso em nenhum outro lugar do mundo. Minha relação com eles é totalmente diferente. Vamos lá: LeBron saiu de Cleveland e os torcedores queimaram suas camisas, Durant saiu de OKC e aconteceu o mesmo, Wade saiu do Heat e poucos notaram, e o Jerome? O Jerome está saindo do Flamengo com muito carinho. Recebi inúmeras mensagens e muitos falaram que estavam tristes, mas me desejaram sucesso. Esse amor entre torcida e clube não tem igual. E eles me ensinaram a torcer. Quando eu cheguei aqui, sabia que existia futebol, mas não gostava. Vi que a torcida era fanática e resolvi que ia gostar. Comecei a aprender português e, depois, estudei a história do clube. Hoje estou no clima, sou igual a eles.

Esses últimos três anos foram os melhores da minha vida. Jogar no Flamengo foi uma felicidade muito grande, ainda me deixa sem palavras. Me sinto orgulhoso por ter vestido o manto sangrado, consegui ajudar o time a ganhar vários títulos durante esse tempo. Todas as comemorações vão ficar no meu coração, pois foram especiais. Mas tem um título que, na minha visão, foi o mais importante: Mundial de clubes. Ninguém esperava que nós ganharíamos. Fomos lá, brigamos e vencemos um time europeu. Isso serviu para mostrar para todo mundo que o basquete no Brasil é de alto nível.

Foi uma decisão difícil. Não teve apenas um motivo e, sim, a junção de vários fatores no mesmo momento. Falei com minha família e meus amigos, e decidi que era melhor sair do Flamengo. O Flamengo está no meu coração e tenho certeza que um dia volto. Falar do açaí também é difícil (risos), mas a Argentina fica perto do Brasil, então, quando eu sentir saudades, venho buscar um pouco e volto. Falando sério, o que me faz acordar todo dia é o amor pelo basquete. E se o basquete está dizendo que eu tenho que deixar o açaí por um tempo, eu vou fazer. No San Lorenzo, espero ter o mesmo sucesso que tive no Flamengo. Estou indo para o atual campeão argentino e meu pensamento é o mesmo de sempre, continuar ganhando".


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