sábado, 9 de março de 2019

O "11 dos Sonhos do Flamengo" jogou pouquíssimo junto


A escalação que todo torcedor do Flamengo passou a ressonar como verso a partir de 1981, quase num poema rimado de exaltação máxima à presença de deuses na Terra: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Os 11 que entraram em campo diante do Liverpool na final do Mundial Interclubes e deram uma aula de futebol aos ingleses.

Lendo a obra "Escola Brasileira de Futebol", do jornalista esportivo Paulo Vinícius Coelho, o PVC, está lá escrito: "O melhor Palmeiras que Brandão dirigiu foi o time bicampeão brasileiro de 1972 e 1973. Leão, Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu, Leivinha, César e Nei jogaram juntos apenas dezesseis partidas. O advérbio "apenas" talvez esteja mal empregado, pois as grandes formações de times famosos não foram a campo mais que essa equipe. O Santos de Pelé, em sua formação clássica, disputou só dez partidas: Gilmar, Lima, Mauro e Dalvo; Zito e Calvet; Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Foram nove vitórias e uma derrota para o Botafogo em 1963, em jogo válido pela Taça Brasil de 1962. Já o Flamengo de Zico jogou apenas quatro partidas com seu time completo: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Foram três vitórias e uma derrota".

A afirmação foi suspreendente! Será mesmo? É certo que Figueiredo e Baroninho eram titulares, e que Marinho e Lico só entraram no time nos momentos finais da Libertadores. Mas este time era praticamente o mesmo na campanha do título do Brasileiro de 1982. A formação mais clássica da história do Flamengo só teria jogado 4 partidas junto? O Blog A Nação foi investigar...

A investigação começa com um resumo das histórias de cada um dos membros do "11 dos Sonhos" com a camisa rubro-negra:

Raul: 227 jogos pelo Flamengo, o primeiro em 11/08/1978 e o último em 17/12/1983
Leandro: 415 jogos e 14 gols, o primeiro jogo em 22/03/1978 e o último em 07/03/1990
Marinho: 218 jogos e 6 gols, o primeiro jogo em 26/01/1980 e o último em 24/03/1984
Mozer: 292 jogos e 21 gols, o primeiro jogo em 13/07/1980 e o último em 26/06/1987
Júnior: 876 jogos e 78 gols, o primeiro jogo em 06/11/1974 e o último em 19/08/1993
Andrade: 568 jogos e 29 gols, o primeiro jogo em 31/01/1979 e o último em 05/08/1988
Adílio: 616 jogos e 129 gols, o primeiro jogo em 27/04/1975 e o último em 08/06/1987
Zico: 732 jogos e 508 gols, o primeiro jogo em 07/08/1971 e o último em 06/02/1990
Tita: 389 jogos e 136 gols, o primeiro jogo em 28/01/1977 e o último em 15/09/1985
Nunes: 212 jogos e 99 gols, o primeiro jogo em 30/03/1980 e o último em 18/10/1987
Lico: 128 jogos e 17 gols, o primeiro jogo em 22/08/1980 e o último em 28/07/1984


Quem menos vestiu o manto vermelho e preto na carreira, dentre estes onze jogadores, foi Lico, que também foi o último a fazer sua estreia (no fim de agosto de 1980). Raul atuou até dezembro de 1983 mas no 2º semestre de 1983 Tita e Nunes haviam sido emprestados e já não estavam mais na Gávea. Porém, fica assim definido o intervalo de pesquisa: todos os jogos disputados entre 22/08/1980 e 17/12/1983.

É impactante ver o que este grupo de jogadores representou para a história do clube: 6 destes 11 jogadores fizeram mais de 300 jogos em vermelho e preto, 10 dos 11 fizeram mais de 200 jogos, só 1 deles (Lico) não atingiu a expressiva marca de 200 partidas vestindo rubro-negro. Com tantas vezes que entraram em campo, será que é realmente factível que os 11 só tenham entrado juntos em campo apenas 4 vezes? Parece difícil de acreditar, mas é preciso seguir a investigação para se ter certeza.

O ponto de largada então é a primeira partida de Lico, em 22 de agosto de 1980. Desta data até o fim daquele ano, Lico jogou apenas 7 jogos, sendo que iniciou titular só em 3 deles. Na lateral-direita jogava Carlos Alberto, na zaga estavam Rondinelli e Luís Pereira, no meio tinha Carpegiani, e na ponta-esquerda Júlio César. Nenhuma vez sequer o "11 dos Sonhos" atuou junto em 1980.

Em 1981, Lico só atuou pela primeira vez em maio, pelo Campeonato Carioca. Só jogou 4 jogos no 1º semestre inteiro, tendo em todos entrando só no 2º tempo. O titular da ponta-esquerda era Baroninho, na ponta-direira estava jogando Chiquinho, Rondinelli ainda estava na zaga e Carpegiani no meio. O time que entrou em campo para enfrentar o Liverpool em Tóquio no fim daquele ano ainda não havia atuado junto nenhuma vez até então.

Foi só no mês de outubro que Lico começou a jogar mais. Só em outubro jogou 5 jogos, e no último trimestre de 1981 jogou 15 vezes. Nos 5 jogos em outubro, entrou sempre no 2º tempo, sendo que em um deles o Flamengo atuou só com reservas, contra o Campo Grande, pelo Carioca. Dos outros quatro jogos, três foram pela Libertadores, um contra o Deportivo Cali, e dois contra o Jorge Wilsterman. A zaga titular tinha Figueiredo, e a ponta-esquerda ainda era de Baroninho.

Veio então o mês de novembro e os "40 Dias de Sonho" entre a goleada de 6 x 0 no Botafogo e a vitória por 3 x 0 no Liverpool. Em meio a este período, o "11 dos Sonhos" da história rubro-negra foi montado. Em 8 de novembro, na histórica goleada por 6 x 0 sobre o Botafogo, Lico assumiu a posição de titular. O "11 dos Sonhos" estava quase pronto, mas Figueiredo jogava na zaga e não Marinho. Isto se repetiu na goleada por 6 x 1 no Americano, na vitória sobre o Cobreloa no primeiro jogo da final da Libertadores, na vitória sobre o Fluminense, e no segundo jogo contra o Cobreloa. No jogo decisivo da Libertadores, a zaga enfim foi formada por Marinho e Mozer, porém Lico não jogou neste dia, com Nei Dias entrando na lateral-direita, Leandro sendo avançado para a ponta-direita, e Tita deslocado para a ponta-esquerda.

No jogo seguinte, em 25 de novembro, no Estádio Raulino de Oliveira, em Volta Redonda, pelo Carioca, o Flamengo entrou em campo pela primeira vez em sua história com a formação que viria a entrar em campo contra o Liverpool: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico.

A formação se repetiu no primeiro jogo da final do Carioca, uma derrota por 2 x 0 para o Vasco, no primeiro jogo depois da morte de Cláudio Coutinho, técnico deste time entre 1978 e 1980. No segundo jogo da final, Cantareli e Reinaldo Potiguar jogaram nos lugares de Raul e Nunes. No terceiro jogo, que valeu o título do Carioca de 81, Nei Dias jogou no lugar de Tita, com Leandro mais uma vez sendo adiantado para jogar no ataque.
   
O time que entrou em campo e venceu ao Liverpool em 13 de dezembro, jogava, portanto, apenas pela terceira vez na história junto. Enfrentou Volta Redonda e Vasco, e agora enfrentava ao Liverpool. Assim, até o fim de 1981, o "11 dos Sonhos" só jogou três jogos juntos. Começa a parecer que a informação de Paulo Vinícius Coelho estava realmente precisa. Mas é necessário averiguar as escalações de 1982 para se ter certeza... sigamos investigando...

Nos primeiros jogos de 1982 a base era a mesma, mas o time não se repetiu. Nos primeiros jogos Tita não jogou, entrando Chiquinho; depois quem saiu foi Lico, entrando Vítor no meio e com Adílio sendo avançado para a ponta-esquerda. Lico voltou em 13 de fevereiro, mas só para entrar no 2º tempo, e no lugar de Leandro. Três dias depois, na vitória por 4 x 3 sobre o São Paulo no Morumbi, o Flamengo voltou a começar um jogo com a escalação que jogou contra o Liverpool. Era a 4ª vez que o "11 dos Sonhos" atuava junto na história.

Nos jogos seguintes, Cantareli entrou no gol no lugar de Raul. Quando Raul voltou ao time, quem saiu foi Nunes. No jogo que o centroavante voltou ao time, no início de abril, Figueiredo estava em campo no lugar de Mozer. Durante todo o mês de abril, até a final e a conquista do título brasileiro diante do Grêmio, o time jogou com a mesma base da final do Mundial, mas com Figueiredo como titular. Portanto, terminado o Campeonato Brasileiro de 1982, de fato a "escalação do imaginário perfeito rubro-negro" só tinha jogado quatro jogos junto.

Em 14 de agosto, a escalação esteve perto de ser repetida, na vitória por 3 x 0 sobre o Botafogo pelo Campeonato Carioca, mas Cantareli e Wilsinho ocupavam as vagas de Raul e Nunes. Quando Nunes voltou ao time, quem saiu para ele entrar foi Tita. Em 2 de novembro, na vitória por 4 x 2 sobre o River Plate no Maracanã pela Libertadores, o time quase voltou a ser o mesmo de novo, mas Cantareli e Figueiredo ocupavam as posições de Raul e Mozer. A mesma formação que em 16 de novembro entrou em campo contra o Peñarol pela semi-final da Libertadores no Maracanã, jogo que o Flamengo perdeu por 1 x 0 e que o impediu de disputar a sua segunda final de Libertadores seguida (o adversário teria sido novamente o Cobreloa).

Em 5 de dezembro, na final do Carioca contra o Vasco, Raul voltou ao gol, e dez dos onze que enfrentaram o Liverpool começaram jogando, a única diferença era Figueiredo no lugar de Mozer (o Vasco venceu por 1 x 0, gol do ponta-esquerda Marquinho, e ficou com o título).

Levando a investigação até o fim de 1982, e a informação de Paulo Vinícius Coelho já pode ser praticamente considerada como certa.

Para fechar a investigação, a informação final: Tita foi emprestado no 1º semestre de 1983 ao Grêmio e só voltou a atuar pelo Flamengo em 24 de setembro daquele ano; e Nunes esteve todo o ano de 1983 emprestado ao Botafogo, só voltando a jogar pelo Flamengo em 28 de janeiro de 1984, quando Raul já havia se aposentado e já não defendia mais o gol rubro-negro. Portanto, é cem por cento seguro que o "11 dos Songos" não entrou em campo junto nenhuma vez ao longo de 1983!

Paulo Vinícius Coelho estava certo: "o Flamengo de Zico jogou apenas quatro partidas com seu time completo: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Foram três vitórias e uma derrota".

Foram 4 vezes: em 25 de novembro de 1981 contra o Volta Redonda, em 29 de novembro de 1981 contra o Vasco, em 13 de dezembro de 1981 contra o Liverpool, e em 16 de fevereiro de 1982 contra o São Paulo. E só, e nada mais! E mais um detalhe, só uma única vez no Maracanã, no único jogo no qual estes onze saíram derrotados!



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