terça-feira, 30 de julho de 2019

Apontador Tático de Jorge Jesus no Flamengo


O tema de treinador estrangeiro no futebol brasileiro sempre foi um tabu, e não é difícil entender as razões: um campeonato nacional extremamente equilibrado tecnicamente, com uma ampla quantidade de clubes aspirando a ponta da tabela, e uma pressão imeadiatista por resultado, são dois fatores que raramente propiciam possibilidade de sucesso a um treinador que não conheça os pormenores da cultura futebolística brasileira. Como definiu Jorge Jesus em entrevista publicada pelo jornal português A BOLA em 24 de julho de 2019 (data do aniversário de 65 anos do treinador), no futebol brasileiro todas as equipes da Série A entram em campo aspirando a vitória.

Talvez as únicas excessões de algum sucesso de um treinador estrangeiro no Brasil - ainda que ambos não tenham sido campeões - sejam os colombianos Juan Carlos Osório no São Paulo e Reinaldo Rueda no Flamengo. Osório colocou o time sãopaulino na 4ª colocação do Brasileirão 2015, e Rueda obteve os Vice-campeonatos da Copa do Brasil e da Copa Sul-Americana, e colocou o time rubro-negro como 6º lugar no Brasileirão 2017. O uruguaio Diego Aguirre, com passagem por Internacional, Atlético Mineiro e São Paulo entre 2016 e 2018, também chegou perto de obter sucesso, ao menos teve seu trabalho elogiado. As demais experiências foram retumbantes fracassos, com destaque para as passagens relâmpago do português Paulo Bento pelo Cruzeiro em 2016, e, dez anos antes, do alemão Lottar Mattaus pelo Athlético Paranaense em 2006, clube que em 2014 também teve ao espanhol Miguel Ángel Portugal como técnico.

O técnico Jorge Jesus chegou ao Flamengo durante o recesso para disputa da Copa América de 2019. Teve três semanas de trabalhos intensos no Centro de Treinamento Ninho do Urubu para preparar o elenco e ajustar seus métodos. O elenco a sua disposição tinha os goleiros Diego Alves, César, Gabriel Batista e Hugo Moura, os laterais-direitos Pará, Rodinei e João Lucas, o lateral-esquerdo Renê, os meis de contenção Piris da Motta, Willian Arão, Ronaldo e Hugo Moura, os meias de armação Diego Ribas, Éverton Ribeiro e Vitinho; os pontas Bruno Henrique, Orlando Berrío e Lucas Silva, e os centroavantes Gabriel Barbosa (Gabigol) e Lincoln. Durante os treinamentos ele não tinha à sua disposição três jogadores que estavam a serviço de suas respectivas seleções na Copa América: o lateral-esquerdo Miguel Trauco, do Peru, o meia de contenção Gustavo Cuéllar, da Colômbia, e o meia de armação Giorgian De Arrascaeta, do Uruguai. O diagnóstico de reforços da diretoria era da necessidade de contratação de um lateral-direito, um zagueiro e um lateral-esquerdo. O treinador J.J. adicionou à lista um meia e um centroavante. Para a lateral-direita chegou o veterano Rafinha, do Bayern Munique, e para a zaga o espanhol Pablo Marí, do Deportivo La Coruña. Posteriormente chegou o meia Gérson, da Roma. Em 24 de julho desembarcou no Rio de Janeiro o lateral-esquerdo Filipe Luís, do Atlético de Madrid e da Seleção Brasileira. Só não houve a contratação de um centroavante.

29-06-2019 - Jogo Treino contra o Madureira
JJ apresenta como principal mudança tática a montagem do time só com 1 volante, usando Willan Arão, até então 2º volante. Indica que tenderia a usar 2 centroavantes (Bruno Henrique e Gabigol), Diego recuado fazendo papel de 2º volante, e dois pontas abertos, que no jogo treino foram Lucas Silva e Vitinho. Éverton Ribeiro não participou da atividade por um desconforto muscular. O Flamengo sem muito esforço, num calor forte de um jogo-treino realizado às 10:30h da manhã, fez 3-0, e num erro individual de Piris da Motta, no 2º tempo, quando todos os jogadores haviam sido trocados, o placar final foi 3-1. Havia um esboço de um conceito tático novo. O time parecia que iria atuar num 4-2-4 similar ao utilizado no Brasil nos Anos 1950 e 1960, embora muitos analistas classificassem o esquema como um 4-2-3-1.

10-07-2017 - Athlético Paranaense em Curitiba
JJ começa seu primeiro jogo oficial retornando à formação do 1º semestre, com um 4-4-2 variando para um 4-3-3, com Cuéllar, Willian Arão, Arrascaeta e Vitinho no meio-campo, e Diego Ribas e Éverton Ribeiro, titulares de Abel Braga, começando na reserva. Há que se dar um desconto pelo jogo ter sido em gramado de grama sistética, o único utilizado no Brasil. A dinâmica de jogo foi muito intensa. O Flamengo escapou de sofrer uma derrota acachapante, com três gols paranaenses corretamente anulados por impedimento. Mas a distribuição tática trazia uma variação importante: a linha defensiva foi uma "linha alta", avançada, induzinho "linhas de impedimento", que não por acaso provocaram 3 gols anulados por impedimento. Mas os lançamentos nas costas dos laterais foram um pesadelo durante toda a partida. O Flamengo conseguiu um empate por 1-1 não por merecimento.

14-07-2019 - Goiás no Maracanã
JJ foi agressivo e montou uma formação muito ofensiva. Rafinha fez sua estreia na lateral-direita. Na lateral-esquerda ele colocou Trauco, forte no jogo ofensivo, no lugar de Renê, forte no jogo defensivo. O time jogou só com Arão como volante, como foi no jogo-treino contra o Madureira. Diego, Éverton Ribeiro e Arrascaeta montaram uma linha de três, com Bruno Henrique e Gabigol se movimentando pela linha de defesa adversária. O Flamengo começou avassalador, fez um gol e quase marcou outros. Mas acabou sedendo o empate num contra-ataque, e tomou uma bola na trave num contra-ataque seguinte, que poderia ter mudado a história do jogo. Mas no fim do 1º tempo conseguiu três gols e foi para o intervalo com um impactante 4-1. No 2º tempo, mais dois gols (6-1) e uma sequência de chances claríssimas que poderiam ter posto o marcador em 7, 8 ou 9 não fossem boas defesas do goleiro goiano. Ofensivamente tudo certo, mas defensivamente os contra-golpes na linha alta ainda eram um tormento.

17-07-2019 - Athlético Paranaense no Maracanã
Jogo de volta pelas quartas de final da Copa do Brasil. Bruno Henrique, com desconforto muscular, foi sacado do time, para a entrada de Lincoln. Repetiu-se o esquema tático do jogo contra o Goiás, mas com Cuéllar no lugar de Arão. O time começou avassalador ofensivamente, mas logo no início do jogo perdeu Arrascaeta com uma lesão muscular na coxa. O jogador, que não participou dos treinamentos físicos da nova comissão técnica durante as 3 semanas de trabalho, sentiu a exaustão física da sequência de jogos. O time caiu após a saída do uruguaio, mas jogou bem e dominou, e conseguiu o gol no 2º tempo que lhe daria a classificação. Mas num contra-ataque nas costas de Rafinha, numa das pouquíssimas chances athleticanas em toda a partida, sofreu o empate. Novo 1-1. A disputa vai para os pênaltis, o Flamengo perde e é eliminado.

No embarque para São Paulo para enfrentar o Corinthians, pressão de um grupo de torcedores no aeroporto. O alvo era Diego Ribas, que bate-boca e quase briga com alguns destes torcedores. Já em São Paulo, Éverton Ribeiro sofre lesão óssea no pé durante o treinamento na véspera da partida e desfalca o time. Mais um dos jogadores mais técnicos do grupo fica fora de ação.

21-07-2019 - Corinthians em São Paulo
Rafinha é poupado na lateral-direita, entrando Rodinei. O time volta a ter 2 volantes, com Cuéllar e Willian Arão juntos. Diego, Vitinho e o estreante Gérson formam a linha de armação, com Gabigol sozinho no centro de ataque. Desta vez sim, usando um esquema 4-2-3-1. O time tem uma péssima atuação ofensivamente, quase sem conseguir criar chances de gol. Também sofre poucos riscos. Porém, mais uma vez num lance de contra-ataque, o Corinthisans tem um pênalti que converte em gol. No fim, o time consegue o empate em 1-1. Ofensivamente foi a pior atuação. Defensivamente seguiu mostrando a vulnerabilidade aos contra-golpes, mesmo com Cuéllar e Arão juntos. Vitinho sofre lesão traumática no joelho, passa por cirurgia, com prazo de 1 mês e meio fora de atividade. Por outro lado, Bruno Henrique voltou, entrando durante o jogo.

24-07-2019 - Emelec em Guaiaquil
No jogo mais importante da sequência, pelas oitavas de final da Libertadores, JJ volta a optar por Arão como único volante de contenção. Sem ter Arrascaeta, Éverton Ribeiro e Vitinho, JJ opta por lançar Rafinha e Rodinei juntos. Diego e Gérson (ainda fisicamente longe do ideal e se readaptando ao futebol brasileiro) no meio, e Bruno Henrique a Gabigol fazendo papel de uma dupla de centroavantes. Escalação caótica e confusa. É justamente pelo lado direito, onde Rodinei e Rafinha não se ajustavam no posicionamento, que o Emelec consegue um gol logo aos 10 minutos. Superior tecnicamente, a partir de então o domínio rubro-negro é amplo, mas sem conseguir furar a fechada retranca equatoriana. No 2º tempo, quando consegue furar, Rafinha recebe um chute violentíssimo e o lateral do Emelec é expulso. O Flamengo coloca mais um centroavante, com Lincoln entrando no lugar do lateral Rodinei. Com um a mais em campo, JJ tenta ser ainda mais ousado, troca Arão por Cuéllar e coloca seu 4-2-4 em ação, com Cuéllar e Diego no meio, e Lucas Silva, Bruno Henrique, Lincoln e Gabigol fomando uma linha de 4 atacantes. O time fica desorganizado. Para piorar, Diego sofre fratura do tornozelo em entrada violenta, com previsão de ficar cinco meses fora de atividade. Só com Cuéllar no meio, e 4 atacantes, o esquema tático fica uma bagunça. O caos se materializa quando o Emelec, num lance de muita sorte, com a bola desviando em Renê, faz 2-0, complicando a reversão de resultado uma semana depois no Maracanã. JJ errou gravemente na escalação, e errou gravemente nas mudanças feitas no decorrer do jogo. Ficava explícita a dificuldade de adaptação do técnico português ao futebol sul-americano.

Charge de Mário Alberto publicada em 25-07-2019 no GloboEsporte.com

28-07-2019 - Botafogo no Maracanã
Sem seus quatro jogadores mais técnicos, já que Diego, Arrascaeta, Éverton Ribeiro e Vitinho se machucaram, e ainda tendo perdido Léo Duarte, vendido ao Milan, da Itália, na véspera do jogo, JJ montou o time próximo a seu 4-2-4 desejado. O zagueiro espanhol Pablo Mari fez sua estreia na zaga. Trauco, mais ofensivo do que Renê, foi lançado na lateral-esquerda. Com Cuéllar e Willian Arão juntos no meio, o time perdeu em criação no centro do campo, e todas suas jogadas fluíam pelas laterais do campo, principalmente pelas triangulações entre Rafinha, Gérson e Gabriel Barbosa pelo lado direito. Logo aos 12 minutos de jogo, o time ainda perdeu Rodrigo Caio, com uma distensão muscular, mesmo motivo que tiraria Lincoln já no 2º tempo. Efeitos da falta de conhecimento de um técnico europeu no Brasil, sem estar preparado para o calendário apertado e as longas viagens, tudo indicava que a sobrecarga de trabalho muscular exauriu o elenco além da conta. O Flamengo saiu atrás, e na base da individualidade virou o jogo, com dois golaços de Gérson e Gabigol. Voltou a sofrer um empate, mas se superou e buscou a vitória, com Rafinha como o grande homem em campo. Uma importante vitória por 3-2.

31-07-2019 - Emelec no Maracanã
Precisando de gols para reverter a derrota sofrida em Guaiaquil, o Flamengo começou avassalador, e fez 2-0 nos primeiros 19 minutos de jogo. O Departamento Médico foi extremamente eficiente, e colocou Éverton Ribeiro e Arrascaeta em condições de jogo em tempo recorde. Acuado pelos desfalques, JJ teve que recuar em suas convicções e deixar o time mais com cara de 4-4-2. Sem Rodrigo Caio, Thuler e Pablo Mari formaram a zaga. Cuéllar e Arão jogaram juntos na contenção do meio. Éverton Ribeiro e Gérson faziam a armação, caíam pelas pontas, mas desta vez faziam a bola circular bastante pelo meio. Bruno Henrique e Gabigol se movimentavam no ataque. Após o ritmo intenso do começo de jogo, o time não manteve a pressão. Como definiu JJ após o jogo, respondendo ao jornalista que lhe questionou sobre o porquê do ritmo ter caído: "Como queres que uma equipe, seja no Brasil, na China ou na Europa, tenha o mesmo comportamento que a equipe do Flamengo teve em 105 metros, constantemente a pressionar a posse de bola do Emelec, para recuperar a bola perto da área do adversário, e que chegue ao 2º tempo e os jogadores tenham a mesma capacidade física para o fazer? Sabe onde isso acontece? Só no PlayStation". Thuler perdeu uma chance inacreditável no 2º tempo que teria evitado os pênaltis. Na disputa na marca do cal, o Flamengo venceu e avançou às quartas de final para enfrentar ao Internacional de Porto Alegre. Foi a primeira vez com JJ que o time rubro-negro não sofreu gol em uma partida. E mais um problema físico: Gabigol teve que sair com lesão muscular na coxa.

04-08-2019 - Bahia em Salvador
Sem Rodrigo Caio, Diego, Vitinho, Gabriel Barbosa e Lincoln, todos machucados, além de Cuéllar que precisou ser poupado por um desconforto muscular, JJ ajustou seu esquema tático para um 4-2-3-1. Enfim parecia ter notado que Willian Arão não tinha as características de último homem de contenção. Assim Piris da Motta (o homem do "trabalho sujo" no lugar de Cuéllar) e Arão faziam um "2" no meio para a ligação, com Gérson, Arrecaeta e Éverton Ribeiro fazendo a armação, para um Bruno Henrique jogando de "falso 9". Taticamente, o time criou pouco, apesar de ter um % de posse de bola muito superior. Defensivamente, a linha alta de marcação cobrou seu preço: o Bahia fez três gols no 1º tempo, dois em contra-ataque explorando a linha de impedimento, e outro num erro de saída de bola de Diego Alves. Em resumo, a derrota se deu pela falha de posicionamento defensivo, ponto fraco do esquema tático do treinador português desde o começo.

10-08-2019 - Grêmio no Maracanã
Ainda com os mesmos 5 desfalques por lesão, mas com a volta de Cuéllar, JJ mudou a estrutura para um 4-3-3 alternando para um 4-2-4. Bruno Henrique como "falso 9", Gérson e Orlando Berrío abertos pelas pontas, e Arrascaeta armando no meio, e Éverton Ribeiro poupado, no banco, para ser usado no 2º tempo. Mas a formação de JJ teve uma importante variante durante o jogo: o falso nove Bruno Henrique recuava e abria espaço no meio para a penetração de trás de Arão e Arrascaeta, ora um ora outro chegando como elemento surpresa na área, variação tática que surgiu pela primeira vez com a Hungria dos Anos 1950. Funcionou! Os dois primeiros gols saíram de penetrações de Willian Arão e De Arrascaeta entrando na área no espaço aberto pelo recúo do "falso 9". Flamengo 3-1. O time vinha impecável em casa, mas não vencia fora. Precisava de ajustes para reverter esta situação.


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