domingo, 28 de julho de 2019

O Histórico Flamengo vs Honved de 1957


Ferenc Puskas e Evaristo de Macedo


Jogos Inesquecíveis: 19/01/1957 - Flamengo 6 x 4 Honved

A vitória por 6 a 4 sobre o poderoso Honved, da Hungria, time-base da Seleção Húngara que encantou o mundo nos anos 50, capitaneada por Ferenc Puskas, ocorreu em um Maracanã absolutamente lotado. Além de Puskas, astros da seleção húngara como o goleiro Grocsis, os meias Boszik e Lantos, e os atacantes Kocsis e Czibor, estavam lá. O Mengo realizou 5 partidas consecutivas contra o Honved. As duas primeiras, no Maracanã, terminaram com um 6 a 4 para cada lado. Com o sucesso, o Honved convidou o Flamengo para excursionar com ele pela América do Sul. O terceiro jogo foi em São Paulo, no Pacaembu, com nova vitória húngara, desta vez por 3 a 2. Os dois últimos confrontos foram em Caracas, na Venezuela. O Mengo fez 5 a 3, conseguindo sua segunda vitória. Na última partida empate em 1 a 1. Duas vitórias para cada lado e um empate. 18 gols do Flamengo e 17 do Honved, um tremendo espetáculo!



Mais uma maravilhosa história contada com maestria e envolvente narrativa por Emmanuel do Valle em seu blog Flamengo Alternativo:

Os cerca de 120 mil torcedores presentes ao Maracanã naquela noite de sábado, 19 de janeiro de 1957 assistiram a uma das páginas mais memoráveis do futebol do Flamengo, bem como a um momento histórico da trajetória repleta de feitos grandiosos do futebol brasileiro. Naquela ocasião, em exibição primorosa, o time rubro-negro venceu o lendário esquadrão húngaro do Honved, o time mais famoso do mundo na época, no qual brilhava, entre outros astros, o meia-esquerda Ferenc Puskás, pelo elástico placar de 6 a 4 na primeira de uma série de partidas da equipe magiar no Brasil, a convite do próprio clube da Gávea.

A iniciativa de trazer o respeitado time do Honved já era uma vitória por si só quando concretizada na assinatura do contrato para os jogos. Mas ganhou ares de batalha diplomática internacional quando o Fla precisou sobrepujar a resistência de dirigentes húngaros em meio a um conturbado contexto político naquele país, e até a ameaça de punição por parte da Fifa. Felizmente para o público brasileiro, o Flamengo conseguiu seu objetivo, trouxe Puskás e cia para o Maracanã e conquistou um triunfo memorável para sua história e a do futebol brasileiro, um ano e meio antes da conquista de sua primeira Copa do Mundo na Suécia.


O CAMPEÃO ANDARILHO

Cinco vezes campeão húngaro entre 1949 e 1955, o Honved formava a base dos Mágicos Magiares, a fabulosa seleção da Hungria que encantou o mundo na Copa de 1954, embora não tivesse conquistado a taça. Em meados de 1956, depois de já ter enfrentado vários dos principais clubes europeus em amistosos lendários, o clube se via às vésperas de disputar pela primeira vez a recém-criada Copa dos Campeões europeia. A estreia, todavia, acabou cercada pelo caos, fruto da delicada situação política vivida na Hungria.

Em outubro daquele ano, estudantes húngaros saíram às ruas pedindo reformas dentro do regime socialista instaurado no país após a Segunda Guerra Mundial. Mas no dia 23, o barril de pólvora estourou. Cerca de 20 mil manifestantes se reuniram para o lançamento de um manifesto elaborado pela união local dos escritores, e a tentativa de invasão da Rádio Budapeste terminou em repressão pela polícia estatal e mortes. A revolta se espalhou entre a população e, no dia seguinte, tanques soviéticos entraram em Budapeste.

Durante os dias mais violentos, surgiu mesmo a notícia de que o craque maior do país, Ferenc Puskás havia morrido, o que não passava de um rumor. Em meio a um breve período de trégua, a equipe pôde deixar a Hungria a salvo. Em 1º de novembro, o primeiro-ministro Imre Nagy, o vice-ministro dos esportes Gustav Sebes e a federação magiar concederam permissão oficial para que a equipe excursionasse pelo exterior até o dia 31 de março do ano seguinte.

A fabulosa seleção húngara que marcou época na primeira metade dos anos 50.
O fabuloso esquadrão húngaro que marcou época na primeira metade dos anos 50 e encantou na Copa do Mundo da Suíça, em 1954.

O elenco então viajou para enfrentar o Athletic Bilbao, adversário das oitavas de final da Copa dos Campeões. Mas com a notícia da retomada dos conflitos – encerrados no dia 10 de novembro deixando milhares de mortos, além da prisão de Imre Nagy, deposto pelo novo governo de János Kádár, aliado dos soviéticos –, a equipe jogou desconcentrada e abatida, perdendo por 3 a 2.

Diante da permissão especial, mesmo com as transformações no poder, o Honved seguiu excursionando pela Europa, disputando amistosos na Espanha, na Itália e em Portugal. Bateu Milan e Barcelona, além de empatar por 5 a 5 com um combinado de Madri formado por jogadores de Real e Atlético. No entanto, acabariam eliminados da Copa dos Campeões, ao empatarem em 3 a 3 com o Athletic Bilbao no campo neutro de Bruxelas. A potência húngara tinha agora futuro incerto.


A NEGOCIAÇÃO DA VINDA

A ideia do Flamengo de trazer o Honved ao Brasil começou a ser desenhada no fim de 1956, quando do planejamento da pré-temporada seguinte. O clube havia convidado o AIK da Suécia para um amistoso no Maracanã abrindo a temporada internacional do estádio. Para aumentar o potencial de renda, pensou em organizar um torneio com outros clubes do exterior, até que surgiu, por meio dos mesmos agentes que trariam os suecos, a possibilidade de receber o famoso time do Honved para partidas no Rio de Janeiro.

O primeiro contato foi feito em Bruxelas entre o agente Osvaldo Corckus e Emil Osterreicher, secretário-geral do clube húngaro. Emil trocou vários telegramas com o presidente do Flamengo, José Alves de Morais e, com tudo acertado, o contrato para a excursão brasileira do Honved foi assinado em Amsterdã no dia 29 de dezembro. O clube carioca havia declinado uma oferta de excursionar pela América do Sul para trazer os magiares ao Brasil e não poupou esforços financeiros na divulgação da temporada e no pagamento de passagens de ida e volta Rio-Milão-Rio.

Até ali, havia apenas um impasse: a data do primeiro jogo. O Flamengo queria fazer a primeira partida no Maracanã no dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro da capital carioca – e na época, ainda a do país, sede do Distrito Federal. A Confederação Brasileira de Futebol (CBD), no entanto, já havia marcado para a mesma data e local a partida entre as seleções carioca e paraense, pelo Campeonato Brasileiro, e não abria mão da data. O calendário estipulou inicialmente que o Honved enfrentaria a seleção carioca no dia 16, e em seguida o Flamengo no dia 23 e o Vasco no dia 27.


ENQUANTO ISSO, NA HUNGRIA

O novo governo da Hungria só veio a interferir na vida do Honved dez dias depois da desclassificação na Copa dos Campeões. Afinal, não foi só o poder central que passou por mudanças naquelas semanas, com a posse de János Kádar como primeiro-ministro. A chefia da Federação também foi inteiramente destituída, passada ao comando de novos dirigentes interinos. Foram eles que, em 30 de dezembro de 1956, decidiram em reunião extraordinária proibir todos os jogos do Honved em outros países.

Os jogadores, que se encontravam em Casablanca (Marrocos), vindos de Paris, fecharam questão em não acatar a ordem do novo comando da Federação e prosseguir com sua excursão – ainda que alguns integrantes manifestassem a intenção de retornar ao país ao fim da viagem. Emil Osterreicher, por sua vez, afirmou que a Federação não tinha o direito de cancelar os jogos, já que os contratos haviam sido assinados e ratificados. E confirmou que a próxima parada seria na Itália, onde os jogadores descansariam, encontrariam suas famílias e jogariam mais algumas partidas, antes de cruzar o Atlântico rumo à América do Sul.

A Federação Húngara logo enviou telegrama à Fifa, lembrando sua nova orientação de proibir o Honved de disputar partidas no exterior. O motivo alegado foi o “cansaço” dos jogadores após os jogos que já haviam feito. Mas tratava-se de uma tentativa de impedir que se concretizasse a intenção de parte da delegação de não retornar mais ao país. A entidade maior do futebol não declarava posição. Apenas transmitia a suas filiadas a decisão da Federação Húngara. O Artigo 9º do Regulamento da Fifa previa a suspensão de três meses a um ano para o clube que disputasse partidas internacionais sem permissão das federações nacionais.

Seleção da Hungria da Copa do Mundo de 1954


A REAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, a CBD, presidida por Sílvio Pacheco, embora considerasse louváveis a intenção e o esforço do Flamengo, tinha dois temores: que uma eventual punição da Fifa aos clubes envolvidos respingasse em outros e até na Seleção Brasileira, podendo resultar na expulsão do Brasil das Eliminatórias para a Copa do Mundo da Suécia, e que a vinda dos húngaros ofuscasse o Brasileiro de Seleções, que começaria a ser realizado naquele mês. Mesmo assim, enviou à Fifa um pedido do Flamengo para que a Federação Húngara reconsiderasse a decisão, o que foi negado pela entidade magiar.

Vasco e Santos, que inicialmente manifestaram interesse em enfrentar os húngaros, acabaram demovidos de suas intenções pelas respectivas federações. Havia também, de ambas as partes, o temor de punições por parte da Fifa. Por outro lado, o clube cruzmaltino, entretanto, também divulgou nota expressando simpatia à causa defendida pelo Flamengo, que no dia 7 de janeiro enviou à delegação húngara as passagens para o Rio, confirmando o desejo de receber o Honved.

A Federação Paulista, que previa pena de suspensão de 100 a 365 dias aos seus filiados, caso descumprissem sua ordem, chegou a enviar circular, assinada por seu presidente Mendonça Falcão, na qual proibia qualquer exibição do Honved na capital ou no estado de São Paulo.

Na verdade, até a Fifa temia: bastante impopular no continente americano, evitava um envolvimento mais profundo e taxativo no caso com receio de que essa atitude motivasse uma insurreição liderada não só pelos brasileiros, como também por argentinos, uruguaios e colombianos – todos partidários do Flamengo e interessados na vinda do Honved – que poderia rachar a entidade. Assim, agia apenas como um garoto de recados, transmitindo de uma parte a outra as decisões tomadas.

A imprensa brasileira (em sua maior parte favorável à vinda do Honved, ao qual se referiu como “o time proibido”) seguiu atentamente o andamento do caso. Alguns cronistas chegaram a contestar a legitimidade da nova diretoria da Federação Húngara, colocada no poder após a destituição da anterior pelo regime de Kádar, para tomar a atitude de proibir a excursão dos craques magiares. Em sua coluna no Jornal do Brasil, o poeta Manuel Bandeira, pernambucano radicado no Rio e um dos maiores nomes da literatura brasileira em todos os tempos, escrevia cerrando fileiras com o Flamengo:

“Já fui muitas vezes interrogado por jornalistas ou amigos que queriam saber “qual era meu club”, isto é, porque club de foot-ball eu torcia. Respondi sempre que não tinha nenhuma preferência: torcia pelo conjunto que estivesse jogando melhor ou mais limpamente. Mas fui notando que esta minha disponibilidade escandalizava um pouco e acabei me definindo vagamente pelo Flamengo. ‘Por que?’, interrogou ainda um repórter mais minucioso. ‘Porque acho o nome bonito e é o club do Zé Lins (nota: o escritor paraibano e rubro-negro honorário José Lins do Rego)’. Bem, agora, meus amigos e meus inimigos, sou do Flamengo e rasgado, depois da atitude por êle assumida no caso da equipe húngara”.


ENFIM, O DESENLACE

A questão passou então ao Conselho Nacional do Desporto (CND), que se eximiu de analisa-la por não julgar ser de sua alçada. Entrou em cena a primeira-dama Sarah Kubitschek, que intercedeu junto ao Ministério das Relações Exteriores, o qual autorizou o consulado brasileiro em Milão a conceder o visto de entrada no Brasil à delegação do Honved. Os húngaros viriam mesmo.

Sem ter meios de fazer valer seu veto à excursão, restou à Federação Húngara uma medida um tanto extremada: decidiu pela eliminação de todos os integrantes da delegação e os proibiu de usar o nome “Honved” nas partidas que disputasse, ao que Emil Osterreicher rebateu: “Não reconhecemos a Federação Húngara de Futebol se esta, por sua vez, não nos reconhecer como o clube Honved. Rechaçamos totalmente a decisão parcial determinada por motivos políticos”.

A delegação húngara – os jogadores, o secretário Emil Osterreicher e os treinadores János Kalmár e Bela Guttmann (ex-treinador do clube, convidado para participar da viagem depois de se encontrar com os jogadores em Viena, cidade onde fez carreira como atleta e viva na época), além de um diretor – desembarcou no Galeão no dia 14 de janeiro e teve recepção digna de astros internacionais, diante da multidão que a aguardava.

De lá, partiram para o Hotel Glória, na época um dos mais luxuosos e de maior prestígio do Rio, onde ficariam hospedados. Durante a estadia no Rio, Puskás, Kocsis, Sandor e Budai ainda seriam entrevistados pelo jornalista Luiz Mendes (o lendário “comentarista da palavra fácil”) e o ex-craque Ademir de Menezes para um programa esportivo da TV Rio. E vários jogadores do elenco participariam de animadas peladas na praia de Copacabana.

Da seleção húngara de 1954, entre os que defendiam o Honved, vieram o goleiro Gyula Grosics (que na época já havia trocado o clube pelo Tatabanya), o centromédio József Bozsik, e o quarteto de atacantes formado por László Budai, Sándor Kocsis, Ferenc Puskás e Zoltán Czibor. Outros jogadores do Honved que viajaram foram os goleiros Faragó e Garamvolgyi, os zagueiros Rakoczi, Dudas, Banyai e Bagoly e o médio Antal Kotász.

O elenco foi ainda reforçado por jogadores de outros clubes, que resolveram se juntar aos dissidentes. Além de Grosics, também viajaram o zagueiro Mihály Lantos, o ponteiro Károly Sándor, o meia-esquerda Szolnok (todos do Vörös Lobogó, o nome do MTK na época), além de atletas mais jovens, surgidos após o Mundial suíço, como o médio Szabo (do Kinizsi, como era chamado o Ferncváros) e o médio-direito Toroczik. Por fim, também fez parte do grupo o veterano atacante Ferenc Szusza (do Ujpest Dozsa), maior jogador surgido no país antes da geração de ouro.

Durante os treinos no estádio da Gávea, novamente acompanhados por uma multidão, os húngaros impressionaram não só pela qualidade técnica como pela potência e precisão de seus chutes – apenas cerca de 25% não atingiam a direção do gol. O calor do verão carioca era forte, mas havia a expectativa de que a aclimatação fosse feita nos dias que antecediam o primeiro jogo, contra o Flamengo no dia 19.



A ESTREIA

Se a temperatura era um problema para os húngaros, o Flamengo, dirigido pelo paraguaio Fleitas Solich, também tinha os seus. Nada menos que quatro titulares desfalcariam a equipe por servirem à seleção carioca naquele mesmo instante: o centromédio Dequinha, os pontas Joel e Zagallo e o centroavante Índio estavam de fora do grande confronto com os húngaros. Além deles, por problemas físicos, o zagueiro Jadir (este afastado há vários meses) e o lateral-esquerdo Jordan também preocupavam. E o ponta-de-lança Dida era dúvida, mas tinha maiores chances de participar.

Solich foi buscar na base alguns dos substitutos: Milton Copolillo entraria na quarta-zaga ao lado de Pavão e Luiz Roberto seria o médio-volante. O ex-banguense Édson ocuparia a lateral-esquerda. No ataque, com o deslocamento de Paulinho da meia para a ponta-direita no lugar de Joel, outro garoto dos aspirantes, Moacir, vestiria a camisa 8. Evaristo seria o centroavante, curiosamente jogando à húngara, recuando até o meio-campo para buscar jogo e abrindo espaço no ataque para as infiltrações de outro jovem, o centroavante Henrique, escalado na ponta-de-lança. Na ponta canhota, no lugar de Zagallo, estava confirmado o miúdo Babá.


A juventude do time rubro-negro, no entanto, acabou ajudando: se a equipe já praticava um futebol de velocidade e intensidade com seus titulares, a disposição e o fôlego dos garotos que entraram foram de grande valia no primeiro confronto. No dia 19 de janeiro, com o presidente Juscelino Kubitschek nas tribunas do Maracanã e quase 120 mil pagantes no estádio, Flamengo e Honved pisaram o gramado para abrir a temporada brasileira de Puskás e cia. O árbitro seria Mário Vianna. E o Ponto Frio, cadeia de lojas de eletrodomésticos, ofereceu uma taça ao vencedor da partida. Foi o acontecimento esportivo do ano.

O começo do time carioca foi arrasador: aos 24 minutos Paulinho bate falta na trave e Moacir apanha o rebote para abrir o placar. Quatro minutos depois, Evaristo recebe de Moacir e serve de primeira para Henrique, descendo pelo lado direito, bater cruzado e rasteiro. Mais quatro minutos e vem o terceiro gol: Kotasz bate lateral para Lantos, que tenta driblar Evaristo e perde a bola. O camisa 9 rubro-negro invade a área e enche o pé. No fim do primeiro tempo o Honved desconta com Kocsis, recebendo cobrança de falta rápida de Puskás, limpando a jogada e tirando do goleiro Ari.


O Flamengo voltou com Dida no lugar de Henrique, mas o ritmo intenso não caiu: logo aos nove minutos o garoto alagoano sofre pênalti do goleiro Faragó (substituto de Grosics no intervalo). Paulinho cobra e amplia. Aos 25, em nova falha de Lantos, Evaristo toma a bola e passa de calcanhar a Dida, que avança e bate para marcar o quinto. O Honved desconta logo na saída de bola, com Budai se aproveitando da indecisão entre Milton e Ari. Mas Evaristo volta a ampliar (6 a 2) dois minutos mais tarde em jogada individual, descendo pela ponta direita, invadindo a área e disparando um petardo que explode na trave de Faragó e entra.


O Honved ainda descontaria mais duas vezes. A primeira logo no minuto seguinte – o jogo era lá e cá – depois que Bozsik lança Kocsis, e este tabela com Puskás e vê o Major Galopante chutar forte. O último gol da tarde sai de pênalti, após falta de Pavão sobre a linha da área, que Puskás converte. Nos vestiários, os húngaros aceitaram o resultado e se recusaram a minimizar a derrota: “Não temos justificativas. Perdemos porque o adversário foi sempre melhor. Jogou com alma, com técnica e com objetividade. O Flamengo foi monstruoso e nós, sinceramente, só temos a admirar sua bela vitória. Um triunfo insofismável”, disse o chefe da delegação, Emil Osterreicher.

Na noite de quarta-feira, dia 23, veio a partida contra o Botafogo – aliado de última hora do Fla, já com os húngaros no Rio. Ao contrário dos rubro-negros, os botafoguenses fizeram questão de trazer seus jogadores da seleção carioca (Pampolini, Didi, Nilton Santos e Garrincha), o que inclusive gerou atrito com a Federação Metropolitana de Futebol (que comandava o futebol do Rio na época). Mesmo completo, porém, o time alvinegro não resistiu ao Honved. Encontrando no Botafogo um adversário ligeiramente mais técnico, mas praticante de um jogo mais lento, cadenciado e menos direto e objetivo que o do Flamengo, a equipe magiar não teve dificuldades para vencer por 4 a 2.




FICHA TÉCNICA
19/01/1957 - FLAMENGO 6 x 4 HONVED
Gols: Evaristo (2), Henrique, Paulinho, Dida e Duca pelo Flamengo; Puskas (2), Szusza e Budai pelo Honved

Fla: Ari, Tomires e Pavão; Milton, Luiz Roberto, e Edson (Jordan); Paulinho, Moacir, Henrique, Evaristo e Babá.

Honved: Groczis, Rackosczy, Baniay e Bosizk; Kotasz e Lantos; Budai, Koczis, Szusza, Puskas e Czibor





OS HÚNGAROS EM SÃO PAULO

O terceiro jogo seria a revanche do Honved contra o Flamengo, marcada para o sábado à noite no Pacaembu. Apesar da proibição da Federação Paulista de Futebol de que a equipe húngara atuasse na capital paulista, os dirigentes do Flamengo pensaram numa estratégia bastante engenhosa para levar o time de Puskás ao público de São Paulo: trataram do caso diretamente com o prefeito Wladimir de Toledo Piza e pediram a cessão do estádio municipal, concedida sem maiores problemas. Para não envolver a FPF, não haveria cobrança de ingressos: o jogo seria realizado com portões abertos.

Disposto a desfazer a má impressão da derrota no primeiro confronto, o Honved teve grande atuação. Puskás abriu o placar cobrando pênalti aos 13 minutos. Moacir empatou para o Fla no minuto seguinte e de novo Puskás em nova penalidade recolocou os húngaros na frente aos 40. Na etapa final, logo de início, o Honved marcou quatro vezes em dez minutos: Budai aos 3, Puskás aos 9 e 10 e Sandor aos 13. O Fla reagiu no final para diminuir o placar e evitar a goleada, marcando com Evaristo aos 24, Dida aos 36 e novamente Evaristo aos 44. Estavam devolvidos os 6 a 4 do Maracanã.

No quarto jogo da excursão – terceiro contra o Flamengo – os húngaros voltariam a vencer, num resultado que surpreendeu até o próprio Puskás, dado o amplo domínio das ações por parte dos rubro-negros. A maior precisão nas finalizações, no entanto, deu a vitória ao Honved por 3 a 2: Budai e Sandor abriram dois gols de vantagem no início do primeiro tempo, Henrique e Evaristo empataram antes do intervalo, mas Szusza, cobrando falta, marcaria o terceiro para os magiares na etapa final.

No dia seguinte ao confronto, um fato curioso chegou ao noticiário: os jogadores do Honved comemoraram a vitória até altas horas em uma festa no apartamento de um húngaro naturalizado brasileiro na rua Hilário de Gouveia, em Copacabana, ao som do rock ‘n’ roll.


COMBINADO BOTA-FLA LAVA A ALMA

No dia 7 de fevereiro, o último jogo dos húngaros no Brasil, diante de um combinado Flamengo-Botafogo. Como os jogadores do Fla a serviço da seleção carioca ainda estavam de fora, a defesa do time foi formada em sua maioria por atletas alvinegros, com apenas o zagueiro central Pavão de rubro-negro, além do lateral Tomires, que entrou no decorrer do jogo.

No ataque, porém, a presença de jogadores do Flamengo era maior: Paulinho na ponta-direita, Evaristo como centroavante e Dida na ponta-de-lança, com Didi na meia-direita e Garrincha na ponta-esquerda completando o time inicial. Durante o jogo, Dida seria substituído por Moacir e Paulinho daria lugar ao botafoguense Cañete, com Garrincha retornando à direita.

Na despedida dos húngaros, a exibição dos brasileiros – assim como tinha sido a do Flamengo no primeiro jogo – foi de lavar a alma. O primeiro gol, aos 22 minutos, começou em jogada de Paulinho, passando a Evaristo, que cruzou. A bola chegou a Garrincha na esquerda, e o ponta, na linha de fundo, cortou para dentro e bateu entre o goleiro e dois zagueiros. O empate do Honved, aos 35, também veio em jogada fabulosa: Budai lançou Puskás e este passou rasteiro a Kocsis. O centroavante entrou na área, deu um drible desconcertante em Nilton Santos e chutou forte vencendo Amaury.

Três minutos depois, Dida recebeu lançamento de Paulinho e soltou um petardo da entrada da área para recolocar o Combinado em vantagem. Houve ainda na primeira etapa a chance de ampliar o marcador numa penalidade, desperdiçada por Didi. Mas o meia se reabilitaria logo no primeiro minuto da etapa final com um lançamento para Evaristo, que acabou encobrindo o goleiro Faragó, numa saída errada. O centroavante acompanhou a trajetória da bola até a linha de fundo, viu o goleiro voltar e driblou-o, caminhando com a bola até o gol vazio.

Aos 16, após escanteio cobrado com efeito, à meia altura, por Didi, dois zagueiros do Honved furam a cabeçada e a bola sobra para Dida escorar. É o quarto gol. O Honved desconta com Puskás cobrando pênalti de Amaury em Budai aos 30. Mas um novo pênalti, desta vez a favor do Combinado, vem após toque de mão de Kotasz em jogada individual de Dida. A cobrança de Didi é perfeita, 5 a 2. O sexto e último gol vem já nos descontos, numa linha de passe: Garrincha para Didi, Didi para Moacir, Moacir para Evaristo, que invade a área, passa por dois zagueiros e pelo goleiro Faragó e toca para as redes diante de um Maracanã em êxtase.

Os húngaros não pouparam elogios: “Foi excelente a exibição do combinado”, disse Puskás após o jogo. Emil Osterreicher, por sua vez, declarou-se surpreso com o alto nível técnico da partida: “Sempre soube, por informação e por ter visto na Europa, ser (o brasileiro) um grande futebol. Mas nunca pensei que fosse tão bom assim como mostrou hoje esse combinado Botafogo-Flamengo”, afirmou ao jornal carioca Última Hora, antes de definir o balanço da temporada no Brasil como “ótimo, melhor do que se previa”.


APÓS A VISITA

Na noite de 12 de fevereiro os húngaros embarcavam no Galeão, deixando o Rio rumo a Caracas, na Venezuela, onde fariam mais dois amistosos contra o Flamengo. No primeiro jogo, dia 16, vitória rubro-negra por 5 a 3: Moacir abriu o placar, Puskás empatou, o Fla marcou mais três vezes com Evaristo (dois) e Dida, antes de Budai descontar. Evaristo voltou a ampliar o placar e novamente Budai deu números finais ao jogo.

No segundo, dia 19, empate em 1 a 1, com nada menos que cinco bolas rubro-negras acertando a trave húngara. Marcaram Puskás para o Honved e Evaristo para o Flamengo. No balanço final dos cinco jogos entre o time carioca e os magiares, duas vitórias para cada lado e um empate. Puskás balançou as redes oito vezes. Evaristo, nove.

Depois desses jogos, O Honved partiria para Viena, onde se dissolveria. Alguns jogadores retornaram a Budapeste, mas vários dos principais astros da equipe aceitaram propostas de clubes da Europa Ocidental – mesmo que tivessem de cumprir uma suspensão de um ano, de acordo com a legislação da Fifa. Kocsis e Czibor logo acertaram com o Barcelona (onde reencontrariam o brasileiro Evaristo, negociado pelo Flamengo com o clube catalão). Puskás, depois de flertar com a Inter de Milão, teve como destino o Real Madrid.

Da comissão técnica húngara, Bela Guttmann logo aceitaria proposta do São Paulo, permanecendo no Brasil e trabalhando ao lado do futuro técnico da Seleção Brasileira Vicente Feola. O treinador János Kálmár seria sondado pelo America, mas preferiria migrar para a Áustria, onde dirigiria o Wacker de Viena – ainda naquele ano, entretanto, os rubros contratariam outro técnico húngaro, Gyula Mandi. Emil Osterreicher, por sua vez, seria convidado pelo presidente do Real Madrid, Santiago Bernabéu, para exercer no clube merengue o posto de secretário-geral, o qual aceitaria.

No começo de maio, para dar uma satisfação à Fifa, a CBD puniu Flamengo e Botafogo de maneira protocolar: suspendeu ambos por 45 dias no âmbito internacional, após o fim do Torneio Rio-São Paulo (ou seja, ficariam proibidos de excursionar ao exterior neste período). A punição não durou muito. No dia 8 daquele mês, a entidade nacional recebeu ofício da Federação Húngara endereçado ao presidente da Federação Metropolitana, no qual se lia:

“Os membros da equipe que fizeram uma excursão pela América do Sul retornaram à Hungria. Nossos jogadores foram punidos e não poderão jogar até uma determinada data. Da nossa parte, o assunto está encerrado. (…) Agradecemos vosso empenho e zelo, e temos a certeza que de vossa parte tudo foi feito para impedir a temporada. Rogamos esquecer esse caso e ficamos satisfeitos que nem o Botafogo e nem o Flamengo sejam punidos por essa razão”.

A CBD se decidiu então pelo indulto aos clubes. Apesar dos grandes resultados contra os húngaros, o Fla teria um ano de reestruturação: com a saída de Paulinho para o Palmeiras em abril e de Evaristo para o Barcelona e de Índio para o Corinthians após defenderem o Brasil nas Eliminatórias, um novo ataque precisava ser formado. Foi quando Solich efetivou de vez Moacir, Henrique e Dida para as posições centrais da linha ofensiva, em outra formação clássica.

Mas esta já é outra história. O que ficou de lição daqueles intensos dias de janeiro e fevereiro no Maracanã (e no Pacaembu) era a de que o Flamengo havia mostrado que sim, o brasileiro podia jogar de igual para igual com as mais decantadas potências europeias. E vencer.



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