segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Flamengo, Campeão Carioca de 1921

 
Mais uma maravilhosa história contada com maestria e envolvente narrativa por Emmanuel do Valle em seu blog Flamengo Alternativo:


Após vencer o Campeonato Carioca de 1920 invicto e nadando de braçadas, o Flamengo teve mais trabalho para levantar o bi no ano seguinte, num torneio muito equilibrado e repleto de reviravoltas. Em 4 de setembro de 1921, o time bateu o América na prorrogação de um dramático jogo extra. Mas foi preciso esperar mais três dias para que o título fosse confirmado devido a uma bizarrice do regulamento, modificado naquela temporada. A torcida rubro-negra não quis nem saber e festejou duas vezes. Afinal agora, além do "colosso" Júlio Kunz sob as traves, ela ganhava outro ídolo para aplaudir: o goleador Nonô.

O Campeonato Carioca de 1921 esteve envolto em grande polêmica antes mesmo de começar: o Fluminense pressionou os outros principais clubes da época – Flamengo, América, Botafogo e São Cristóvão – a aprovarem uma nova fórmula de disputa do torneio, sob o pretexto de reduzir o número de jogos. O certame principal do ano anterior contara com nove clubes e se estendera de abril até a virada do ano. A proposta tricolor previa uma primeira divisão com 12 clubes, porém divididos em duas Séries, A e B.

Mesmo na época, a real intenção por trás da proposta foi percebida: enxugar a categoria principal para apenas seis clubes, excluindo dela não apenas o Mangueira, lanterna do certame de 1920, como também o Villa Isabel e o Palmeiras, sétimo e oitavo colocados, respectivamente. Porém, para não ferir de todo as suscetibilidades, os tricolores incluíram na proposta um argumento um tanto engenhoso: ao campeão desta Série B seria dada a chance de disputar o título da cidade, numa intrincada série de confrontos.

Ao fim da disputa normal, de pontos corridos, caberia ao campeão da Série B enfrentar o lanterna da Série A – o que, por si só, já dá a entender que se considerava o desnível técnico entre os dois grupos. Caso este campeão da Série B vencesse o jogo (e só se vencesse), não apenas rebaixaria o perdedor ao grupo B do ano seguinte como deveria enfrentar em seguida o primeiro colocado da Série A pelo título de campeão carioca. A proposta acabou acatada, mas com sete clubes em cada uma das Séries, em vez de seis.

Diante disso, o Flamengo teria como adversários apenas América, Andarahy, Bangu, Botafogo, Fluminense e São Cristóvão em sua empreitada para defender o título invicto levantado em 1920. A nova edição do torneio tinha pontapé inicial marcado para o começo de abril, devendo terminar antes da disputa do Campeonato Sul-Americano a ser realizado na Argentina em outubro, para evitar o que havia acontecido no ano anterior, quando a competição de seleções forçou uma interrupção bem no meio do Carioca.

O Flamengo também trazia novidades para a temporada 1921. A começar pelo escudo, que enfim ganhava o desenho conhecido até hoje – salvo algumas pequenas alterações, como no desenho das letras CRF. Na edição de 24 de janeiro do jornal O Imparcial, o novo emblema era descrito como "um escudo heráldico de forma ogival" com oito listras horizontais (quatro pretas e quatro vermelhas alternadas) e tendo ainda no ângulo superior esquerdo um retângulo com as letras do monograma em branco e entrelaçadas.


Aquela temporada também seria a primeira em que a equipe de futebol contaria com um técnico de verdade, em vez de ser dirigida por um "ground comittee", grupo de jogadores e cartolas que se reuniam para deliberar sobre a escalação. O escolhido foi o uruguaio Ramón Platero, que havia passado pelo comando da seleção uruguaia nos Sul-Americanos de 1917 e 1919 (este, disputado no Rio de Janeiro) e também pelo Fluminense. A primeira experiência rubro-negra, no entanto, teve vida curta, como veremos.

O time campeão de 1920 mudou pouco, mas teve chegadas e saídas importantes. O centromédio gaúcho Sisson, capitão da conquista anterior, foi a maior baixa ao decidir se aposentar do futebol. Voltou a seu estado, casando-se em Porto Alegre e passando a trabalhar como médico. Por outro lado, além de promover das categorias de base o ponta-direita Álvaro Galvão Bueno, o Galvão, o Flamengo buscou dois reforços no Palmeiras Athletico Clube, equipe da Quinta da Boa Vista que havia sido uma das relegadas à Série B.

Um deles seria o ponta-esquerda Orlando Torres, que permaneceria no clube até o começo do certame de 1923. O outro, porém, não só ficaria bem mais tempo como entraria para a história rubro-negra de várias formas. Era Claudionor Gonçalves da Silva, o Nonô, centroavante não muito técnico, mas com faro de gol impressionante: foi o primeiro a balançar as redes 100 vezes pelo clube. Além disso, com seus traços físicos nitidamente afrodescendentes, ele é considerado hoje o primeiro ídolo não-branco do Flamengo.

O campeonato teve início em 3 de abril com o empate em 1 a 1 entre Andarahy e Bangu no campo dos alviverdes. Exatamente uma semana depois, o Flamengo estrearia contra o São Cristóvão na Rua Paissandu. O time rubro-negro dominou as ações no primeiro tempo, mas a partida foi para o intervalo sem gols. Na volta, os visitantes abriram o placar num erro grotesco da arbitragem, que inverteu uma falta clara do ataque cadete no goleiro Júlio Kunz e ainda permitiu a cobrança irregular do "sobrepasso" por Bahiano.

Mesmo assim os rubro-negros não se deram por vencidos. Orlando e Candiota acertaram a trave do goleiro Carnaval pouco antes do gol de empate, marcado por Pereira Lima, centroavante dos "segundos quadros" (uma espécie de time de aspirantes da época), após mais um sensacional passe de Candiota. Apesar da pressão contínua, no entanto, a virada não veio e o Fla teve de se contentar com o 1 a 1. E só voltaria a campo dali a duas semanas, no dia 24, enfrentando o Bangu no campo alvirrubro da Rua Ferrer.

O ataque rubro-negro teve início de jogo fulminante na partida na Zona Oeste. Nonô marcou o primeiro gol com apenas um minuto e meio de bola rolando e repetiu a dose com uma cabeçada dois minutos depois. Só que a grande atuação parou por aí. Aos poucos os donos da casa se refizeram do abafa inicial, descontaram ainda no primeiro tempo e viraram o placar para 4 a 2 na etapa final. Com Candiota jogando gripado e Carregal muito tímido na ponta-direita, o Fla não teve como reagir e perdeu a invencibilidade.

O resultado conduziu o Bangu (que uma semana antes já havia derrotado o Botafogo por 3 a 1) à liderança da classificação, posição em que permaneceria por boa parte da competição. Mas o Fla se recuperaria do revés diante do America na Rua Paissandu, no fim de semana seguinte. Vindo de vencer bem o Fluminense por 5 a 3, o time rubro era o favorito mesmo jogando no campo do adversário. E nem mesmo o forte temporal que caiu sobre o Rio naquele domingo afastou o público e prejudicou o andamento da partida.

Mesmo desfalcado do médio Dino, adoentado, e do ponta Carregal, que se demitiu do clube após a má atuação contra o Bangu, o Flamengo se mostrou à altura do desafio numa luta "empolgante e renhida", como escreveu O Imparcial. O primeiro gol veio logo na saída de bola: Candiota tocou para Nonô que do meio-campo surpreendeu o goleiro americano Mirim. E ainda no primeiro tempo, o Fla ampliou num chute cruzado de Sydney Pullen e foi para o intervalo com a vantagem de 2 a 0 contra um adversário difícil.

O primeiro gol despertou curiosidade, mas Nonô afirmou ao Supplemento Sportivo de O Imparcial que não era novidade para ele marcar daquela maneira: "Possuindo um 'bico' forte e certeiro para os 'kiks' ao 'goal' de longe, venho há muito me habilitando para de vez em quando surprehender os arqueiros com esse 'goal' rápido que quasi sempre, quando o arqueiro é, já não digo 'peneira', mas distrahido dá resultado", explicou, lembrando que em 1920, pelo Palmeiras, quase marcara assim contra o Fla, mas Kunz salvou.

O América voltou disposto a reagir no placar, mas tanto a defesa quando a linha média rubro-negras cumpriram excelente atuação. E o ataque desta vez se mostrou letal: aos 20 minutos, um novo passe de Candiota encontrou Nonô, que finalizou "em bello estylo" e anotou o terceiro do time na partida e o quarto do goleador no campeonato em apenas três jogos. No fim do jogo, com a defesa americana já cansada e entregue, o Flamengo chegou à goleada de 4 a 0 quando Orlando Torres deixou Candiota na cara do gol.

Seria um ótimo resultado para fazer os rubro-negros embalarem no campeonato. Mas a partida seguinte pelo certame só viria dali a 28 dias. Nesse interim, os resultados muito ruins obtidos em amistosos levaram à saída de Ramón Platero do comando do time. Do Fla-Flu em Laranjeiras no dia 29 de maio em diante, o zagueiro José de Almeida Netto, o Telefone, passaria a exercer dupla função como jogador e treinador. Com ele, a equipe prosseguiria sua reação no campeonato e chegaria a mais uma vitória.

Diante de cerca de 15 mil torcedores em Laranjeiras, o Flamengo abriu o placar aos dez minutos em espetacular jogada individual de Junqueira, que passou driblando por toda a defesa tricolor. Mas três minutos depois, Machado recebeu de Welfare em posição irregular e empatou para os donos da casa. Os rubro-negros, no entanto, continuaram dominando: depois de duas ótimas chances em escanteios, voltaram à frente no placar perto do fim da primeira etapa, novamente com o meia-esquerda Junqueira.

No segundo tempo, o Fla ampliou a vantagem aos seis minutos num chutaço de Nonô. Machado ainda tentou recolocar o Fluminense no jogo, diminuindo novamente o placar, mas dez minutos depois, após uma bem-combinada troca de passes, Orlando cruzou da esquerda para Candiota, que anotou o quarto gol rubro-negro no jogo. Perto do fim do jogo, Machado ainda voltou a descontar para os tricolores num lance em que Kunz estava fora do gol, porém não conseguiu evitar a vitória do Flamengo por 4 a 3.

Naquela partida atuaria completa pela primeira vez a escalação-base do Flamengo na campanha do título. O extraordinário Júlio Kunz era o goleiro, à frente dos zagueiros Burgos e Telefone. Na linha média, Rodrigo e Dino ladeavam o central Sydney Pullen, que recuara do ataque para a nova posição naquela temporada. Na frente, da direita para a esquerda, vinham o ponteiro Galvão, o meia Candiota (o "Príncipe dos Passes"), o centroavante Nonô, o meia-esquerda Junqueira e o outro ponteiro, Orlando Torres.

Orlando, porém, seria desfalque no jogo seguinte, diante do Botafogo em General Severiano. Mas seu substituto, o polivalente Japonês, teria atuação fundamental fazendo o passe para Junqueira marcar o primeiro gol da partida e, no segundo tempo, anotando ele próprio o tento do empate em 2 a 2, depois que os alvinegros chegaram a virar o placar ainda na etapa inicial. O resultado obtido na casa do rival foi importante para que o Flamengo seguisse na perseguição ao Bangu, ainda líder perto do fim do turno.

A campanha rubro-negra na primeira metade do certame concluiria com a visita ao Andarahy no estádio da Rua Prefeito Serzedello Corrêa, atual Barão de São Francisco – o mesmo que décadas depois passaria à posse do América, antes de ser extinto para dar lugar a um shopping center. No jogo, o Fla abriu o placar num chute de fora da área de Sydney Pullen, cedeu o empate num escanteio que Waldemar escorou de cabeça para a chegada de João, mas passou de novo à frente no fim da etapa inicial com Junqueira.

No segundo tempo, os rubro-negros ampliaram para 3 a 1 com Nonô, que chegou a marcar mais um, mas este acabou anulado (incorretamente, segundo crônica do jornal O Paiz). Porém, o time da casa logo depois iniciou sua reação, descontando com Betinho numa rebatida de um escanteio afastado por Júlio Kunz e, por fim, empatando com Waldemar de cabeça. Com o resultado de 3 a 3, o Flamengo perdia a chance de empatar com o Bangu na liderança. Por sorte, ainda havia um turno inteiro do certame pela frente.


Reflexo, em parte, de um torneio com poucos e fortes participantes, aquele Carioca foi marcado por um perde-e-ganha generalizado, sem que nenhum time disparasse ou se mostrasse à prova de tropeços. A própria campanha rubro-negra no primeiro turno, bastante oscilante, não impedia a equipe de terminar aquela etapa apenas um ponto atrás do líder. O equilíbrio era a tônica da competição. Estava tudo em aberto. E o Fla estrearia no returno em 26 de junho, duas semanas depois do empate com o Andarahy.

Apesar de o estádio de Figueira de Mello ser considerado um alçapão, o Flamengo construíra até ali um ótimo retrospecto diante do São Cristóvão na casa do adversário: quatro vitórias e apenas uma derrota nos cinco confrontos anteriores pelo campeonato desde 1916. E num jogo bastante movimentado, especialmente no primeiro tempo, viria o quinto triunfo. Galvão colocou os rubro-negros por duas vezes à frente no placar, aos 10 e aos 20 minutos, mas os cadetes empataram primeiro com Raul e depois com Baiano.

Aos 29, o time da casa teve a chance de passar à frente num pênalti marcado após toque de mão do zagueiro rubro-negro Telefone na área. Mas Júlio Kunz brilhou ao pegar a cobrança do ponta-esquerda Baianinho. O Flamengo então tornaria a se colocar em vantagem aos 37, quando Sydney Pullen driblou o zagueiro Martins e marcou o terceiro. No começo da etapa final, os visitantes ampliariam quando Nonô recebeu ótimo passe de Candiota e driblou o mesmo Martins para anotar o quarto gol rubro-negro.

Dois minutos depois, o São Cristóvão descontou em outro pênalti, convertido por Nesi após toque de mão de Santiago. Mas o Fla logo encerrou a reação dos donos da casa: Galvão marcou o quinto num escanteio batido por Orlando e, aos 25, Sydney Pullen deu números finais à vitória de 6 a 3 marcando após driblar os dois beques alvos. Seguindo com o calendário espaçado, o próximo duelo viria somente dali a três semanas, contra o América em Campos Sales, em jogo que poderia alçar os rubro-negros à liderança.

No clássico de 17 de julho, os dois times exibiram um futebol bastante harmonioso durante todo o primeiro tempo e grande parte do segundo. Mas na reta final, a atuação do árbitro Edgard de Oliveira acabaria estragando o espetáculo. O América foi para o intervalo vencendo por 1 a 0, mas o Fla, no início da etapa complementar, chegou à virada com gols de Junqueira e Nonô em dois cruzamentos perfeitos de Galvão da direita. Até que, aos 23 minutos, o juiz decidiu validar um gol irregular dos rubros.

Em sua crônica do jogo, na qual não poupou críticas ao árbitro, o jornal O Imparcial descreveu a jogada: "Depois de pegar uma pelota no avanço dos locaes, Kunz, o arqueiro flamengo, foi seguro por Gilberto e Chico, que lhe arrancaram até cabello da cabeça. Após esse foul vergonhoso presenciado por todos, Muniz, apoderando-se da bola, metteu-a nas redes flamengas". O árbitro, sem saber o que fazer, interrompeu o jogo, consultou os juízes de linha e os jogadores e decidiu, absurdamente, validar o gol americano.


Após essa decisão do árbitro, atônito ficou o Flamengo. Disso se aproveitou o América para, dali a quatro minutos, voltar a ficar na frente do placar com um gol de Chico. A cinco minutos do fim, porém, o Fla conseguiria novamente o empate: o zagueiro Miranda fez pênalti em Orlando, e o goleiro Tomich defendeu parcialmente a cobrança de Telefone, mas no rebote o zagueiro rubro-negro tocou para as redes, decretando o 3 a 3 e salvando um ponto naquela conturbada visita ao campo de um dos principais adversários.

O empate serviu para que o Flamengo e o próprio America alcançassem o Bangu na liderança, depois que o alvirrubro da Zona Oeste foi goleado em suas duas partidas anteriores (4 a 0 para o Botafogo e 4 a 1 para o Fluminense), ambas fora de casa. O trio somava dez pontos, mas o Fla, com um jogo a menos, ainda poderia se isolar na ponta. Entretanto, na rodada seguinte dali a uma semana, os rubro-negros teriam como adversário o Andarahy, notória pedra no sapato do Fla quando jogava na Rua Paissandu.

Apesar de ter vencido em seu campo o alviverde da Zona Norte no jogo que valeu o título carioca de 1920, o Flamengo não tinha, nos primeiros seis anos, um bom retrospecto contra o adversário atuando como mandante. Entre o primeiro confronto, em 1916, e esta partida pelo certame de 1921, foram oito embates com quatro vitórias dos visitantes e apenas duas rubro-negras, entre jogos de competição e amistosos. Em janeiro de 1921, o Andarahy já havia vencido o Fla na Rua Paissandu por 1 a 0 num amistoso.

E naquele 24 de julho o Andarahy também sairia vitorioso. Fechado na defesa e explorando os contra-ataques, o time alviverde abriu 3 a 0 ainda no primeiro tempo. Embora dominasse o jogo, o Flamengo só conseguiu marcar perto do fim da etapa inicial com Nonô. E logo após a volta do intervalo, Candiota marcou mais um. Mas mesmo mantendo a pressão, o Fla não conseguiu voltar a furar a retranca do Andarahy e perdeu mesmo por 3 a 2. Como se não bastasse a derrota em casa, os demais resultados não ajudaram.

Com a vitória do Botafogo sobre o Fluminense em General Severiano e o empate entre Bangu e América na Rua Ferrer, o Flamengo desceu da liderança para a quarta posição na classificação por pontos ganhos (ainda que ocupasse o segundo lugar por pontos perdidos, atrás apenas dos alvinegros), faltando apenas três jogos para o fim da campanha. E o primeiro deles seria o Fla-Flu do dia 7 de agosto na Rua Paissandu, no mesmo dia em que o Bangu receberia o São Cristóvão e o líder Botafogo visitaria o Andarahy.

No clássico, os rubro-negros foram ligeiramente superiores aos tricolores num duelo equilibrado de modo geral. Mas precisaram correr atrás do empate após Paulo Vianna abrir a contagem para o Fluminense. Aos 22 minutos do segundo tempo, a igualdade em 1 a 1 veio graças ao gol de Junqueira, que veio coroar a pressão intensa feita então pelo Fla. E a virada só não chegou porque o gol de Candiota, dois minutos depois, acabou anulado (incorretamente, segundo O Imparcial) por uma falta marcada no início da jogada.

Enquanto isso, o Bangu empatava sem gols em casa diante do São Cristóvão e a partida entre o Andarahy e o Botafogo era suspensa faltando 12 minutos para o encerramento com vitória parcial dos alviverdes por 1 a 0, após uma enorme confusão iniciada pela agressão do atacante alvinegro Elviro ao goleiro andaraiense Otto – o desfecho só seria disputado dali a um mês. Uma semana depois, a classificação era novamente remexida, com o América tirando o Botafogo da ponta ao vencer por 1 a 0 em General Severiano.

Na parte de baixo da tabela, o Fluminense encerrava sua campanha de forma melancólica, perdendo para o São Cristóvão por 1 a 0 em Figueira de Mello e caindo para a lanterna ao ser ultrapassado pelos próprios cadetes. Suprema ironia: os tricolores, mentores da virada de mesa para "enxugar" o campeonato no início do ano, agora teriam que jogar sua própria permanência na Série A num jogo extra contra o vencedor do grupo B. Já os alvos, sem chance de título, seriam goleados pelo Andarahy por 5 a 1 na semana seguinte.

No mesmo 21 de agosto, o Flamengo enfrentou o Botafogo na Rua Paissandu num duelo crucial para as chances de ambas as equipes. Em casa, o Fla partiu para cima desde o apito inicial e logo marcou com Junqueira, mas o gol acabou anulado. Embora seguisse martelando, o ataque rubro-negro não conseguiu, porém, tirar o placar o 0 a 0 antes do intervalo. E na volta, seria o Botafogo a equipe a abrir a contagem por volta dos sete minutos. Uma verdadeira ducha de água fria que poderia ter consequências desastrosas.

Uma derrota naquela partida afastaria de modo inapelável o Flamengo da briga pelo título. Mas o time não se deixaria abater. Em sua crônica, O Imparcial destacou que o gol alvinegro, "ao envez de desanimar os contrários, deu-lhes uma coragem digna de registro e com a qual muito cohesos iniciaram uma bella reacção". Aos 22 minutos, a pressão rubro-negra surtiu efeito: num escanteio cobrado por Junqueira, Candiota cabecearia para empatar o jogo. E oito minutos mais tarde o mesmo Candiota faria o gol da virada.

Imparável, o Flamengo chegou ao terceiro gol apenas três minutos depois: numa arrancada em direção à meta, o ponta Galvão entrou na área alvinegra e recebeu um tranco de Alemão pelas costas. Pênalti que Junqueira converteu com tranquilidade para fechar o placar em 3 a 1. A vitória rubro-negra fazia com que nada menos que cinco dos sete clubes chegassem à última rodada do campeonato com chances matemáticas de título (tendo ainda em aberto a disputa dos minutos derradeiros de Andarahy x Botafogo).

Dos três jogos da rodada de 28 de agosto, dois colocavam frente a frente postulantes ao título: América e Andarahy jogavam em Campos Sales enquanto Flamengo e Bangu mediam forças na Rua Paissandu. Na outra partida, o Botafogo visitava o já eliminado São Cristóvão no alçapão de Figueira de Melo. Flamengo e América lideravam a classificação por pontos ganhos com 13, um a mais que o Bangu, dois à frente do Botafogo e três do Andarahy. Estes dois, porém, ainda com seu confronto direto por concluir.

Para serem campeões naquela data, Flamengo e América precisavam vencer seus jogos e torcer por um tropeço do outro. O Bangu tinha que derrotar os rubro-negros e ficar atento aos outros resultados. Ao Botafogo cabia, além de vencer o São Cristóvão, reverter o resultado parcial de seu jogo com os alviverdes nos 12 minutos a serem jogados – além de "secar" Fla e América. Já o Andarahy, mesmo vencendo seus jogos, não teria como escapar de uma decisão em jogo extra contra rubro-negros ou alvirrubros.

Num jogo em que tinha a necessidade imperiosa da vitória (fosse para levar o caneco de uma vez ou para disputar uma decisão extra contra o América), o Flamengo era apontado pela imprensa como o favorito diante do Bangu, uma equipe que, embora tivesse chegado a liderar o certame em grande parte de seu desenrolar, não obtinha fora de casa os mesmos resultados que quando atuava em seu campo na Rua Ferrer – estava invicta em seus domínios, mas sem nenhuma vitória quando atuava longe da Zona Oeste.

A equipe alvirrubra, entretanto, era boa: na defesa havia o zagueiro Luiz Antônio da Guia, irmão mais velho de Domingos e pilar do clube suburbano por quase 20 anos. O outro zagueiro, Leitão, e o atacante Claudionor, o "Bolão", logo se transfeririam para o Vasco. E o versátil atacante Américo Pastor participaria da campanha do título de 1927 pelo Flamengo. Mas quando a bola começou a rolar na Rua Paissandu, o domínio rubro-negro foi absoluto, ocupando o campo banguense durante quase toda a partida.

Na vitória por 2 a 0, os dois gols rubro-negros – um em cada tempo – nasceram de cruzamentos pelo lado esquerdo. O primeiro surgiu de uma escapada de Junqueira, que centrou na medida para a magistral finalização de Candiota. Já o segundo veio de uma bola rasteira de Orlando para Nonô completar. O Fla ainda acertou a trave do goleiro Mattos por duas vezes. E três outros gols foram anulados durante a partida, dois rubro-negros (por impedimento e toque de mão) e um banguense (também por posição irregular).

Com o resultado, considerado até modesto em vista do predomínio rubro-negro em todo o jogo, o Flamengo chegava aos 15 pontos, soma que também acabou alcançada pelo América, que após sair duas vezes atrás no placar conseguiu, nos minutos finais, uma dramática vitória de virada por 3 a 2 diante do Andarahy nos minutos finais em Campos Sales. Diante disso, pela primeira vez na história o campeonato teria de ser decidido em jogo extra, já que nenhum critério de desempate era estipulado pelo regulamento nesse caso.

O jogo decisivo foi acompanhado por um dos maiores públicos contabilizados no futebol do Rio de Janeiro, incluindo partidas da Seleção, até aquela data.


Os supersticiosos, por sua vez, tinham outro jogo ao qual também deveriam ficar atentos para eventuais presságios: Villa Isabel e Carioca decidiriam o título da Série B e o vencedor poderia confirmar uma curiosa coincidência: nos anos dos títulos americanos (1913 e 1916), o Carioca havia conquistado a divisão de acesso, enquanto que em 1914 e 1915, temporadas de conquistas rubro-negras, o vencedor da segunda divisão havia sido o Villa Isabel. Em 1921, no dia 28 de agosto, o Villa venceria por 1 a 0: ótimo sinal para o Flamengo.

A partida decisiva da Série A aconteceria em 4 de setembro (domingo seguinte à última rodada regular) em Laranjeiras, campo neutro, que recebeu público impressionante conforme relatos da época. "Desde cedo, o que somente encontra parallelo no desempate do campeonato sul-americano, todas as dependências do stadium estiveram ocupadas", escreveu o Jornal de Theatro & Sport, fazendo referência ao jogo em que a Seleção Brasileira derrotou a do Uruguai no mesmo local, sagrando-se campeã sul-americana em 1919.

"Ao approximar-se a hora do grande encontro, ninguém se podia locomover no vasto quadrilongo sem grandes dificuldades. Todos os logares estavam tomados, desde as tribunas especiaes às archibancadas destinadas ao grande público", prosseguiu a publicação. Numa primeira etapa muito disputada, mas que terminou com placar em branco, o herói foi o goleiro Júlio Kunz, que na véspera completara 24 anos de idade. Autor de nada menos que 12 defesas, contra sete do americano Tomich, ele fechou a meta.

No segundo tempo, entretanto, o América abriu o placar logo aos três minutos num gol de cabeça de Chico após um bate-e-rebate na área rubro-negra. Mas aquela etapa seria dominada pelo Flamengo, que empatou aos 22, quando o goleiro Tomich não conseguiu deter o chute fortíssimo e rasteiro de Nonô e aceitou um frangaço por entre as pernas. A pressão rubro-negra, porém, não se traduziu em mais gols, e o tempo normal – na época de 80 minutos – terminou empatado em 1 a 1, levando à prorrogação de 20 minutos.

O tempo extra começou quente: após um ataque rubro-negro pelo meio, Candiota foi agredido por Tomich com um soco. Mas o meio rubro-negro não teria de esperar muito para dar o melhor dos trocos: aos sete minutos, Junqueira fez o cruzamento da esquerda, o goleiro americano hesitou, e o mesmo Candiota apareceu na hora exata para marcar o gol da virada, da vitória, do título. O América se perdeu de vez após o gol e ainda cedeu outras chances, mas ao Fla bastou aquele épico 2 a 1 para levar o título da Série A.

Na época, houve quem tratasse aquela partida como a decisão do campeonato. Alguns jornais chegaram a estampar que o Fla já era o campeão carioca. E uma nota em outra publicação dizia que, antes do jogo contra os rubro-negros, o América chegara a preparar um carro alegórico para comemorar o que, em caso de vitória, seria seu terceiro título carioca. Contudo, ainda era preciso aguardar, num verdadeiro anticlímax, a definição do jogo entre Fluminense e Villa Isabel para saber se já era oficialmente permitido soltar o grito de campeão.

A vitória tricolor por 3 a 1 no dia 7 de setembro, além de evitar o vexame de relegar o Flu à Série B, descartou de vez a necessidade de o Flamengo ainda ter que enfrentar o alvinegro da Zona Norte pela disputa do título. Confusões de regulamento à parte, o que ficou para a história daquele quarto caneco rubro-negro (coincidentemente vindo em outro bi, após o de 1914/15) foram as jornadas memoráveis do time ponteado pelo heroico Júlio Kunz no gol e o oportunista Nonô, artilheiro do time logo em sua primeira temporada com 11 tentos. Para a torcida, era só o que interessava.



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