domingo, 10 de julho de 2022

A NAÇÃO (2ª edição) - Capítulo XI: Heróis da nação multidão


A NAÇÃO

Como e por que o Flamengo se tornou

o clube com a maior torcida do Brasil



Capítulo XI – Heróis da nação multidão


O Flamengo de todos os tempos, o vermelho e o preto dos sonhos, merecia ser transcrito numa mesa de bar, num encontro informal reunindo arquibancadas do além e de hoje. Numa mesa em cuja cabeceira seria exigida a presença ilustre de Mário Filho, o pai das multidões. Não poderiam faltar as presenças de Ary Barroso e José Lins do Rego para narrar as glórias de outrora e as por eles assistidas depois, em assentos especiais acima do azul celestial. A eles deveriam se juntar rubro-negros de outros tempos, cuja paixão fez pulsar o espírito e a imaginação de uma nação sem pátria e sem estado, desgovernada como a alma que solidificou as raízes rubro-negras num passado distante, mas unida num gigante sonho intenso de amor e de esperança. Que se sentem a esta mesa Wilson Batista, Jorge de Castro, Roberto Silva, Jorge Ben Jor e João Nogueira; e que, em seguida, se juntem Ruy Castro – autor de O vermelho e o negro – e Roberto Assaf – um dos autores de Almanaque do Flamengo. Daí para a frente, que outros flamenguistas ilustres fossem chegando para se sentar, para reviver o eterno espírito do Café Rio Branco.

A conversa talvez pudesse confundir outras multidões, afinal teria que misturar o papo de gente que viu futebol sem tática a outros que viram a força muscular do preparo físico fielmente seguidor de um padrão tático de jogo. Com certeza, entretanto, não confundiria aos flamenguistas. Estes falaram por décadas o linguajar das multidões, que se faz entender através do tempo, ignorando as distinções entre o tradicional e o moderno, fazendo de tudo um só, como uma massa única dentro da qual o homem perde qualquer sentimento de sua própria identidade e torna-se multidão. Tudo em torno a uma tradição de amor e paixão por uma combinação de cores, por um estandarte.

Ao encontro não poderia faltar muito debate, pois com certeza haveria muitas convicções distintas de qual teria sido a melhor era, os maiores dias, o melhor jogo, os maiores craques, os melhores tempos. Seriam citados nomes de jogadores de futebol que receberam tratamento sentimental semelhante ao de reis, príncipes e heróis clássicos. Muito se argumentaria de qual sistema foi o mais vitorioso, o mais vistoso.

As posições em campo mesmo gerariam controvérsias. Bom, com certeza, teriam sido aqueles dias em que só havia uns responsáveis por proteger o sistema defensivo e outros por atacar a meta adversária, como num jogo inocente de garotos que começam a aprender a jogar futebol. Assim eram os dias na era amadora, em que cada time tinha defensores e atacantes, e só.

Até que da Europa chegou o sistema de jogo WM, em alusão à posição dos homens pelo campo. A letra W formava o sistema defensivo. As duas bases da letra eram os beques, protetores do goleiro e da área. À sua frente, um sistema de contenção com os três vértices superiores do W; dois laterais protegendo as investidas dos pontas adversários e um cabeça de área, que tentava diminuir a exposição dos zagueiros. O M era o sistema de ataque: dois pontas bem abertos e um ponta de lança, os três municiando os dois jogadores de área, que jogavam enfiados na defesa adversária. Esta distribuição no campo de futebol durou pelos anos 30 e 40.

Nos anos 50, o sistema de jogo migrou para o 4-2-4 (revolução apresentada pela seleção brasileira ao mundo na Copa de 1958). Os dois laterais recuaram para fechar a defesa junto a dois zagueiros centrais. O ponta de lança recuou para o meio do campo, equilibrando junto a um único cabeça de área a função de ligação entre defesa e ataque. Na frente, quatro homens: dois pontas bem abertos, um pela direita e outro pela esquerda, e dois centroavantes, um dos quais, vez por outra, saindo mais da área para ajudar o ponta de lança.

Só na virada dos anos 60 para 70, a distribuição mudou novamente, passando a um 4-3-3, no qual efetivamente o meio de campo tinha um cabeça de área na contenção e dois meias-armadores para munir ao ataque. Mais duas décadas e o 4-3-3 mudava para 4-4-2, na virada dos 1980 para os 1990. Acabavam-se os pontas e reforçava-se a marcação. O meio de campo ganhava ainda mais importância num time de futebol.

Mas daí já vinham outras variâncias e o sistema tático passou a ficar tão ou mais destacado do que o talento dos jogadores que o executavam dentro das quatro linhas. Um time podia se organizar em 3-4-3, com três zagueiros centrais e os laterais avançando para a função de alas, com menos responsabilidade de marcação. Ou então em um esquema 3-5-2, menos voltado para o ataque. Daí teve treinador criando 3-6-1, 4-3-1-2, 4-1-4-1, e toda uma saraivada de numerologias para explicar como suas peças seriam distribuídas pelo tabuleiro gramado dos estádios. Mas mesmo diante de tanta variância, a mesa imaginária de rubro-negros conseguiria construir consensos em torno das maiores figuras a trajarem o vermelho e o preto.


Maiores goleiros

O primeiro grande arqueiro da história rubro-negra foi Kuntz, titular do Flamengo e da seleção brasileira entre 1920 e 1922. Depois dele, o grande nome a defender os postes nos treinos na rua Paissandu foi Amado, goleiro rubro-negro titular entre 1923 e 1930, depois reserva entre 1931 e 1934.

Daí para a frente, na era profissional, destacaram-se como titulares do gol rubro-negro: Yustrich (1937/41), Jurandir (1942/45), Luís Borracha (1946/49), o paraguaio Garcia (1950/54) e o argentino Chamorro (1955/56). Entre o final dos anos 50 e o início dos 70, nomes como Ari, Fernando, Mauro, Marcial, Valdomiro, Franz, Marco Aurélio, o argentino Dominguez, Sidnei, Adão, Ubirajara Alcântara e Ubirajara Motta vestiram a camisa número um do rubro-negro.

Foi então que o Flamengo voltou a ter um goleiro na seleção brasileira: Renato, titular entre 1972 e 1974. Em seguida, a titularidade foi de Cantarelli, entre 1975 e 1978, que ficou na Gávea até 1989, quando se aposentou, tendo sido o goleiro a vestir rubro-negro mais vezes na história do clube. De 1978 a 1983, o grande defensor da meta rubro-negra foi Raul. Entre 1984 e 1985, a camisa um foi do argentino Fillol. Depois recaiu sobre outro goleiro de seleção brasileira: Zé Carlos, titular de 1986 a 1990.

De 1991 a 1994, o dono da posição foi Gilmar. Com a saída deste, entre 1995 e 1997, houve uma grande sucessão de nomes: Roger, Emerson, Adriano, Sérgio, Paulo César e novamente Zé Carlos passaram por lá. A posição voltou a ter um titular absoluto nas mãos de Clemer, entre 1997 e 2000. Seu sucessor foi Júlio César, arqueiro e ídolo da torcida entre 2001 e 2004. Em seguida, Diego foi titular por um ano e meio, até ser barrado por Bruno, que ficou um longo período defendendo o gol rubro-negro.

Entre tantos grandes nomes, quem a mesa no bar rubro-negro teria escolhido como o maior da história do clube?


Maiores zagueiros

O grande defensor da história rubro-negra foi Domingos da Guia, dono absoluto da área do Flamengo entre 1936 e 1943. Seu grande companheiro de zaga foi Nilton Canegal, titular entre 1941 e 1949. Esta era a dupla de zaga do primeiro tri: clássica, fria, com toque de bola refinado e elegância.

Depois deles, era difícil manter o mesmo nível. Norival e Juvenal atuaram muitos anos tentando repetir este padrão. Até que ali chegou Pavão, beque de força e presença física, titular absoluto entre 1951 e 1957. Ao seu lado jogou Jadir.

Em seguida, defenderam a retaguarda vermelha e preta nomes como Joubert, Milton Copolillo e Bolero. Na década de 1960, os donos do pedaço central da defesa foram Ananias e Luís Carlos Freitas, titulares entre 1963 e 1964. Em seguida, as duplas que mais resistiram ao teste do tempo foram: Jaime e Ditão (1965/67), Onça e Manicera (1968/69), Washington e Reyes (1970/72), Chiquinho Pastor e Reyes (1973), Luís Carlos e Jaime (1974/75) e Dequinha e Rondinelli (1977/78).

O Deus da Raça, Rondinelli, viveu o auge de sua virilidade defensiva entre 1978 e 1979, quando formou a dupla de zaga com a intimidante figura de Manguito. Na clássica mesa de rubro-negros ilustres, certamente a voz de Jorge Ben Jor exaltaria: “Ai que saudades de Manguito e Rondinelli”, a dupla de zaga do terceiro tri.

Maior, provavelmente, seria a saudade dos zagueiros daquele time que ganhou tudo que se podia imaginar entre 1980 e 1983: Marinho e Mozer, alternando-se com Figueiredo. As zagas seguintes, depois que Leandro trocou a posição de lateral-direito pela de zagueiro central, também foram para deixar saudade. Primeiro com Leandro e Mozer, entre 1984 e 1985, depois Leandro e Aldair, em 1986, e por fim, Leandro e Edinho, em 1987.

Depois disso, passaram por lá: Zé Carlos Segundo, Márcio Rossini, Fernando, André Cruz, Vítor Hugo e Adílson. Mas só mesmo a dupla Wilson Gottardo e Júnior Baiano teve a estabilidade apresentada por outras de outrora. Em seguida, passaram pela Gávea: Jorge Luís, Válber, Cláudio e Ronaldão. Houve esperanças na jovem dupla Juan e Luiz Alberto. Os já veteranos Ricardo Rocha e Célio Silva também se meteram por seis meses cada. Ainda jogou por ali Fabão. Até que o Flamengo voltou a ter uma dupla de zaga clássica com Juan e Gamarra. A dupla do quarto tri.

Daí para a frente: André Bahia, Fernando, André Dias, Henrique, novamente Júnior Baiano, Fabiano, Renato Silva e Irineu. E muito pouca segurança no sistema defensivo. Esta só voltou com a dupla Fábio Luciano e Ronaldo Angelim. A dupla do quinto tri.

Falar de zagueiro, na roda rubro-negra, certamente dá margem a muitas críticas e angústias. Mas sem dúvida emergiriam nomes de consenso.


Maiores laterais

E pelas laterais? A posição praticamente só surgiu no futebol nos anos 40, e a dupla a cumprir a função no Flamengo era considerada nesta época a melhor da América do Sul: Biguá pela direita e Jayme de Almeida pela esquerda.

Nos anos 50, estiveram Leone, Marinho e Tomires pelo lado direito e Jordan pelo lado esquerdo. Na década seguinte, a função estava a cargo de Murilo na direita e Paulo Henrique na esquerda. O primeiro foi titular rubro-negro de 1963 a 1971, e o segundo, de 1963 a 1970.

Nos anos 70, a lateral-direita teve uma variação maior de nomes. Pelo lado direito passaram Aloísio, Moreira, Júnior, Sérgio Ramirez e Toninho Baiano. Este último, titular da seleção brasileira na Copa de 1978, foi o nome absoluto do Flamengo nessa posição entre 1976 e 1979. Do lado esquerdo, teve Rodrigues Neto entre 1972 e 1975 e, em seguida, Júnior, titular absoluto da posição de 1976 a 1984.

No início dos anos 80, um dos maiores segredos do maior time rubro-negro de todos os tempos estava exatamente nas laterais, com Leandro pela direita e Júnior pela esquerda. Sem dúvida os maiores na posição na história do clube e seguramente entre os maiores na história do Brasil, titulares absolutos na seleção brasileira que disputou a Copa de 1982.

Seus sucessores também ocuparam a posição mantendo o carimbo tipo seleção brasileira: Jorginho na lateral direita e Leonardo na lateral-esquerda. Depois deles, a posição penou muito para encontrar nomes à altura. Pelo lado direito passaram peças como Charles Guerreiro, Fabinho, Henrique, Rivera e Fábio Baiano. A maioria deles improvisados na função. Quem durou mais tempo foi Pimentel, titular entre 1998 e 1999. Depois, mais revezamento, com: Maurinho, Alessandro, Reginaldo Araújo, Luciano Baiano, Rafael, China e Ricardo Lopes, até a chegada de Leonardo Moura, em 2005, para interromper o período sucessório e se firmar como titular absoluto por um longo período.

Pelo lado esquerdo, após a saída de Leonardo, por lá jogaram: Dida, Piá, Marcos Adriano, Branco (já veterano), Lira, Leonardo Inácio, Zé Roberto, Gilberto e Athirson. Este último ganhou uma acirrada disputa com Gilberto e conseguiu manter sua titularidade na posição por um período mais longo, entre 1997 e 2000. Depois dele, vieram Cássio, Anderson, Roger (jogador que em 2008 se naturalizou polonês e disputou a Eurocopa daquele ano pela seleção da Polônia) e André Santos. Até que chegou Juan, em 2006, para se tornar o dono do pedaço. Foi com Leonardo Moura e Juan, entre 2006 e 2010, que o rubro-negro voltou a ter uma dupla de padrão verde e amarelo.


Maiores meias de contenção

A posição de contenção também não é das mais gloriosas num jogo de futebol. É comumente chamada de carregador de piano. Assim como no caso dos zagueiros, certamente geraria muito debate e discordâncias na mesa dos ilustres rubro-negros de todos os tempos.

Voltando aos primórdios do futebol rubro-negro, os primeiros a se destacar de forma mais contundente na cabeça de área foram dois estrangeiros, o argentino Volante (1938-1942) e o paraguaio Modesto Bria (1943-1953). Em seguida veio Dequinha, titular de 1954 a 1959, depois Carlinhos, nos anos 60. Entre 1969 e 1975, o dono da cabeça da área foi o voluntarioso Liminha.

Depois passaram Merica e Tadeu, até a posição repousar por longo período sobre a titularidade de Carpegiani. Mas, como quem não quer nada, chegou um garoto das divisões de base que, de mansinho, conquistou seu espaço, mantendo-se não só como titular absoluto entre 1981 e 1988, como reunindo todas as características juntas que os clássicos nomes daquela posição no clube até ali tinham carregado. Andrade era a encarnação de Volante, Bria, Dequinha, Carlinhos, Liminha e Carpegiani, todos em um só. Nunca mais surgiria no Flamengo um cabeça de área como aquele: eficiente, refinado, inteligente, aguerrido e elegante.

Felizmente para a torcida, no início dos anos 90, o ex-lateral esquerdo e ex-zagueiro Júnior resolveu tornar-se cabeça de área, e, ao exercer a função, o fez com a mesma autoridade de seu companheiro do time da Era de Ouro do clube.

Ademais, passaram pela função: Ailton, Delacir, Uidemar, Fabinho, Marquinhos, o argentino Mancuso, Márcio Costa, Pingo, Jamir e Bruno Quadros. À altura dos maiores da história rubro-negra esteve Marcos Assunção, em 1998, mas sua passagem pela Gávea foi lamentavelmente curta, de apenas um ano. Quem conseguiu recuperar parte da grandeza do passado que a função teve sob o manto vermelho e preto foi Leandro Ávila, titular entre 1999 e 2001, na conquista do quarto tri.

Foram titulares do Flamengo a partir daí: Jorginho (não aquele da lateral-direita), Rocha, Mozart, André Gomes, Da Silva, Douglas Silva, Ibson, Jônatas, Augusto Recife, Léo, Paulinho, Léo Medeiros, Clayton, Jailton, Cristian, Airton e Willians.


Maiores meias de armação

Falar em armador na história rubro-negra é gerar uma associação imediata à camisa de número dez. E não há como fugir da comparação com o maior da Gávea: Zico.

Mas a função tem uma tradição e uma história muito mais antigas dentro do clube, e que não nos levam necessariamente a um único armador. Basta fazer alusão ao grande parceiro do Galinho de Quintino nos anos dourados do vermelho e do preto, que vestia a camiseta de número oito: Adílio.

O primeiro grande meia-armador a vestir esta camisa foi Zizinho, entre 1940 e 1950. Depois dele vieram Tião, Neca, Adãozinho e Hermes, até o surgimento de Rubens, que atuou entre 1954 e 1955. A função teve padrão de seleção brasileira no final dos anos 50, com Moacir, entre 1957 e 1960. Tinha ele a companhia, para reger o meio de campo, do ídolo da torcida Dida, o craque do time entre 1957 e 1963. No início dos anos 60, o time rubro-negro tinha uma grande dupla de armação, com Nelsinho e Gérson. Depois vieram Fefeu, Nélson, Américo e Amorim.

No início dos anos 70, Zanata foi uma espécie de antecessor de Adílio. A seu lado, na armação, jogaram Samarone, Rogério, Zé Mário e Afonsinho. Ninguém à altura da dupla que vinha chegando das categorias de base: Geraldo e Zico.

Depois houve o trágico falecimento de Geraldo, e por ali passaram Tadeu e Carpegiani, ambos que muitas vezes também faziam o papel de contenção. Até que surgiu Adílio, que, ao lado de Zico, foi o dono do meio de campo rubro-negro por muitos anos.

Depois da saída da maior dupla de meio-campistas da história do Flamengo, jogaram ali Sócrates, Gilmar Popoca, Valtinho, Zé Ricardo, Renato Carioca, Djalminha, Marco Antônio Boiadeiro, Nélio, Djair, Iranildo, Evandro, Rodrigo Mendes e Beto. À altura da camisa dez, depois disto, só esteve o sérvio Dejan Petkovic. Um craque e autêntico meia-armador e camisa dez, um verdadeiro regente do meio de campo. Ele a vestiu primeiro entre 2000 e 2001, depois voltou em 2009.

Depois a função passou por Juninho Paulista, pelo ex-lateral-esquerdo Leonardo, que voltou ao clube em 2002 para encerrar a carreira, e pelo jovem Felipe Melo. Encontrou um novo dono à altura de sua tradição no Flamengo em Felipe, ex-jogador do Vasco, que exerceu com brilhantismo a função, destacando-se, entre 2004 e 2005, por sua técnica refinada. Depois, entre 2006 e 2007, a função foi de Renato Abreu. A seu lado estiveram presentes na armação Felipe Gabriel, Vinícius Pacheco, Diego Souza e Renato Augusto.

Em seguida, depois da saída de Renato para o futebol árabe, a armação de jogo do time rubro-negro passou por Toró, Kléberson e Marcinho, nenhum deles exercendo exclusivamente esta função, os dois primeiros cumprindo um papel mais de terceiros cabeças de área e o último com uma inclinação mais ofensiva, mais para atacante que para meia de armação.


Maiores atacantes

Os grandes goleadores da história do Clube de Regatas do Flamengo sempre tiveram, como não poderia deixar de ser, laços com a massa muito próximos a sentimentos tão antagônicos como o amor e o ódio. Afinal eles são os responsáveis por aquilo que diferencia a vitória da derrota: o gol. Os que mais fizeram gols foram reverenciados. Os que perderam gols incríveis foram perseguidos. Muitos dos exaltados acabaram perseguidos posteriormente. Alguns dos odiados depois conseguiram ser amados.

Para encontrar o primeiro grande goleador rubro-negro é preciso voltar a um passado distante, nos primórdios do futebol do clube, quando o centroavante Riemer foi artilheiro da equipe por três temporadas consecutivas, entre 1914 e 1916. Mas o primeiro grande ídolo dos flamenguistas, entretanto, foi Nonô, artilheiro do time por cinco anos consecutivos, entre 1921 e 1925. Não menos importante era o vice-artilheiro destas temporadas, Junqueira.

Muitos goleadores vestiram vermelho e preto antes da chegada daquele que veio a representar novamente um ícone dentro do Flamengo. Balançaram muitas vezes as redes adversárias: Fragoso, Angenor, Vicentino, Rolinha, Nélson e Alfredo. Aí chegou Leônidas da Silva. Ele foi o artilheiro rubro-negro por quatro temporadas consecutivas.

Em seguida, apareceu Pirilo, artilheiro por seis temporadas entre 1941 e 1947, só deixando de ser o principal goleador do time em 1946, quando foi superado por seu companheiro de ataque: Perácio. Na geração anterior a capitanear o comando de ataque rubro-negro, eram alguns argentinos os que faziam muitos gols, como Alfredo González, Agustín Cosso e Valido. Já na geração seguinte de atacantes destacaram- se: Jair da Rosa Pinto, Tião, Durval, Lero, Hermes e Neca. Uma dupla de ataque que marcou época foi Índio e Benítez. Logo em seguida, chegou também Evaristo. Depois teve ainda Paulinho, Henrique, Paulo Alves, Airton e Amauri.

Isto sem citar os pontas, que marcaram época no ataque do Flamengo. O primeiro grande ponta-direita a passar pelo clube foi Joel, titular absoluto entre 1951 e 1962. Depois dele, atuaram pela direita do ataque: Espanhol, Carlos Alberto, Gildo, Arílson, Paulinho Carioca e Reinaldo, até chegar a Tita. O último grande ponta-direita ao estilo clássico foi Renato Gaúcho.

O primeiro grande ponta-esquerda foi Jarbas, que chegara à seleção brasileira vestindo a camisa do modesto Carioca, do Jardim Botânico. Contratado pelo Flamengo, foi titular entre 1933 e 1940, sendo sucedido por Vevé, dono da posição entre 1941 e 1948. Em seguida apareceram Esquerdinha, titular entre 1949 e 1953, Zagallo, de 1954 a 1959, e Babá, de 1958 a 1961. Depois desta longa tradição de grandes pontas-esquerdas, passaram por lá: Germano, Miranda, Osvaldo, Osvaldo Ponte-Aérea, Rodrigues, João Daniel e Caldeira. Nos anos 70, a posição foi de Paulo César Caju, Édson, Luís Paulo e Carlos Henrique. Mais tarde, vieram Júlio César, Lico, João Paulo e Marquinho. O último ponta-esquerda foi Zinho, que já foi responsável pela transição da função para a posição de “quarto homem de meio de campo”.

Voltando aos grandes goleadores, nos anos 60 o comando de ataque teve Silva, Almir Pernambuquinho, Ademar Pantera, Fio, César Lemos, Dionísio, Bianchini, Doval e Caio. Depois vieram Luisinho Lemos, Cláudio Adão e Reinaldo. Até que se chegou a Nunes. Em seguida, passaram pela camisa nove: Baltazar, Edmar, Chiquinho, Vinícius e Kita.

A tradição de grandes goleadores seguiu com Bebeto, artilheiro da equipe por cinco temporadas consecutivas, entre 1985 e 1989; e depois com Gaúcho, artilheiro nas temporadas de 1990 e 1991. Antes da chegada de um novo homem-gol a marcar época, o ataque rubro-negro teve Nilson, Paulo Nunes, Marcelinho, Casagrande, Valdeir e Charles Baiano. Em 1995, chegou o dono da área: Romário, artilheiro do time por cinco temporadas consecutivas, entre 1995 e 1999. A seu lado, passaram nomes como Sávio, Edmundo, Lúcio, Rodrigo Fabbri, Leandro Machado e Caio.

Após a saída de Romário, o time teve Reinaldo, Tuta e Denílson no ataque. Só reencontrou a figura de um artilheiro em Edílson, e, brevemente, em Liédson. Demorou muito até surgir um novo grande goleador no Flamengo. Nos anos subsequentes, passaram pelo ataque rubro-negro: Roma, Andrezinho, Fernando Baiano, Zé Carlos, Dimba, Jean, Diogo, Flávio, Negreiros, Whelliton, Emerson Geninho, César Ramirez, Luisão, Obina, Roni e Souza.

Foram tempos escassos para a camisa 9. Entre 1940 e 2001, somente em cinco anos o artilheiro do Flamengo na temporada fez menos do que vinte gols no ano. Entre 2002 e 2007, foram seis anos consecutivos em que nenhuma vez o goleador do time na temporada conseguiu fazer mais do que vinte gols. O ataque rubro-negro voltou a estar bem servido em 2009, com a dupla Emerson Sheik e Adriano.


Os maiores da História

Para formar os onze do Flamengo de todos os tempos, alguém na mesa deu a ideia de puxar pela memória aqueles que a cada década tinham sustentado por mais tempo a posição de titular ou que, ainda que em passagens curtas, tivessem dado uma qualidade diferenciada a ponto de justificar sua presença entre os Onze da Década.

Que se começasse por uma seleção da era amadora. Nesse caso, bastava ver quem tinha vestido a camisa da seleção brasileira mais vezes. Formou-se o time: Kuntz, Telephone, Píndaro de Carvalho e Penaforte; Gallo, Alberto Borgerth e Sidney Pullen; Junqueira, Nonô, Candiota e Moderato. Chiaram muito pela ausência de Amado no gol, mas os flamenguistas dos velhos tempos defendiam que Kuntz havia representado mais para a seleção nos anos em que agarrou no gol do Brasil.

Pois bem, que se chegasse então ao time da década de 1930. Os que viram aquela geração jogar não tiveram muita dificuldade para listar: Yustrich, Marin, Domingos da Guia e Otto; Volante e Médio; Sá, Nélson, Leônidas da Silva, Alfredo e Jarbas. Curiosamente, não teve muita discussão não.

Que se seguisse para a seleção dos anos 40. Também não deu ruído: Jurandir, Biguá, Domingos da Guia, Nilton Canegal e Jayme de Almeida; Modesto Bria e Zizinho; Valido, Pirilo, Perácio e Vevé. Todos seguiam degustando suas cervejas sem pestanejar, mas provocativamente aguçados para tentar erguer a primeira polêmica. Não poderia ser tão fácil assim chegar a consensos.

O time dos anos 50 só foi eleito depois de muito debate e desavenças espirituosas. Havia muita discordância sobre quem deveria estar presente na linha de ataque. A formação dos sonhos eleita ficou com: Garcia, Jadir, Pavão e Jordan; Dequinha e Rubens; Joel, Dida, Evaristo, Índio e Zagallo. Muitas vozes argumentavam que Moacir não poderia estar de fora, alguém teria que sair para ele entrar, de preferência o Rubens, que virou a casaca e foi jogar no Vasco. Henrique e Esquerdinha também tinham que entrar no lugar de alguém, bradavam algumas vozes que começavam a dar sinais de maior exaltação. Outros argumentavam que Evaristo e Dida eram da mesma posição, e só tinha espaço para um, neste caso era inquestionável que tinha que ser o Dida. Não dava para fazer rearranjos, pois o Joel era intocável na direita, o homem só tinha o Garrincha para superá-lo no futebol brasileiro pelo lado direito. E como tirar o Índio? Não dava para jogar sem um homem de área nato.

Depois de muita contestação para um lado e para o outro, fechou-se a posição. Quando a mesa se preparava para eleger as feras dos anos 60, alguém lançou uma ideia nova: seria justo eleger a “seleção dos primeiros cinquenta anos do futebol do Flamengo”. Que se elegessem os onze dentre estes quatro times de sonhos inicialmente listados. Imediatamente, topou-se o desafio.

Depois de muitas ponderações, os onze maiores das cinco primeiras décadas foram escolhidos: Garcia, Biguá, Domingos da Guia e Nilton Canegal; Dequinha, Zizinho e Dida; Joel, Leônidas da Silva, Pirilo e Vevé. Não deu nem muito trabalho, uma rearrumação aqui outra ali, e chegou-se a um consenso. Rubens e Evaristo de fora? Vocês estão loucos!... Você tiraria quem então?... Fez-se um silêncio de reflexão...

Igualmente rápida foi a votação para eleger os onze principais dos anos 60. Estes não foram dias muito felizes para os rubro-negros, é melhor até passar rápido e ir para a seguinte logo, argumentou alguém. Eis o time dos anos 60: Marcial, Murilo, Ananias, Manicera e Paulo Henrique; Carlinhos e Gérson; Espanhol, Dida, Silva e Almir. Só deu polêmica em torno do nome de Nelsinho, que muitos achavam que deveria estar no lugar do garoto Gérson.

O time dos anos 70 foi outro que não deu trabalho. Foram eleitos: Renato, Toninho, Reyes, Rondinelli e Júnior; Liminha, Carpegiani e Geraldo; Zico, Doval e Paulo César Caju. Cláudio Adão e Luisinho Lemos também foram amplamente citados.

A mais trabalhosa de todas as votações foi a seleção dos anos 80, não por falta, mas por excesso de nomes. Não tinha espaço para botar tanto craque. Foi preciso rearrumar a defesa, para que houvesse espaço para o Leandro e para o Jorginho. Mesmo com todo o esforço, alguns pesos pesados ficaram de fora. Foi o caso do goleiro Zé Carlos, do zagueiro Aldair, do lateral-esquerdo Leonardo e dos pontas Tita e Zinho. O time escolhido foi formado com: Raul, Jorginho, Leandro, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Renato Gaúcho, Nunes e Bebeto.

A escolha referente ao time dos anos 90 também não foi muito trabalhosa, ainda que alguns tenham sido escolhidos meio que a contragosto de uns. Elegeu-se para representar esta década a formação: Gilmar, Charles Guerreiro, Wilson Gottardo, Júnior Baiano e Athirson; Leandro Ávila, Júnior, Nélio e Zinho; Sávio e Romário.

Controvérsia mesmo deu a discussão em torno do time dos anos 2000. Tinha gente querendo botar o time para jogar com dez, e até quem defendesse a escolha de apenas nove. A memória dos anos de martírio era muito viva. A discussão já começava na defesa: Júlio César ou Bruno no gol? Gamarra, apesar da passagem de só um ano pelo clube, mereceria um lugar no time? No meio de campo, foi difícil listar nomes opcionais. No final, o time eleito tinha: Júlio César, Leonardo Moura, Juan “zagueiro”, Fábio Luciano e Juan “lateral”; Ibson, Renato Abreu, Petkovic e Felipe; Edílson e Adriano.

Já que houve uma votação referente aos cinquenta primeiros anos, que se votasse a “seleção dos últimos cinquenta anos do futebol do Flamengo”. O time que misturaria as votações das décadas de 1960 a 2000 foi assim eleito: Raul, Leandro, Reyes, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Bebeto, Doval e Romário.

Como misturar a seleção dos primeiros cinquenta anos com a dos últimos? Seria uma votação muito difícil. A pauta da mesa de bar passou a ser se valeria ou não a pena mesclar. Por que não ter dois times dos sonhos?

Do meio da multidão de corações rubro-negros que assistia ao debate e palpitava, levantou-se uma voz por uma solução democrática. Alguém sugeriu: a imprensa já fez várias eleições assim, cada uma com júris diferentes. Vamos correr atrás destas votações e listar os onze mais citados nelas. Este deve ser o Flamengo dos Sonhos. Como este sempre foi um clube de espírito democrático, que assim fosse feito. E a solução foi aprovada por aclamação.

Pela memória e pelos seus alfarrábios de colecionador, um ou outro foi puxando uma formação aqui outra ali. A primeira a surgir dentre tantos colecionadores foi a revista Grandes clubes brasileiros – Flamengo, da Editora Rio Gráfica, em 1971, e que trazia o seguinte time: Amado, Biguá, Nilton Canegal, Domingos da Guia e Jayme de Almeida; Dequinha, Bria e Zizinho; Valido, Leônidas e Vevé.

Só acharam uma votação parecida a esta datada de quinze anos depois. Alguém apareceu com a revista Placar, número 642, de 1986, que trazia os seguintes eleitos por seu júri: Garcia, Biguá, Domingos da Guia, Reyes e Júnior; Dequinha, Zizinho e Zico, Joel, Leônidas e Vevé. Doze anos mais tarde, a Placar número 1.098 trazia, em novembro de 1994, outra escolha: Raul, Leandro, Domingos da Guia, Mozer e Júnior, Dequinha, Zizinho e Zico; Joel, Leônidas e Bebeto.

Em seguida, apresentou-se uma edição do jornal O Globo, de 15 de novembro de 1995, dia em que o Clube de Regatas do Flamengo completava cem anos. A formação escolhida pelos jurados rubro-negros tinha: Raul, Leandro, Domingos da Guia, Mozer e Júnior; Dequinha, Zizinho e Zico; Joel, Leônidas e Dida.

Em 1997, houve três votações do gênero citadas na mesa daquele bar. A Revista do Flamengo nº 15, de edição interna do clube, distribuída em fevereiro, elegeu: Garcia, Leandro, Domingos da Guia, Reyes e Júnior; Dequinha, Zizinho e Zico; Rubens, Leônidas e Dida. O jornal O Dia de 13 de julho daquele ano compôs um júri que escolheu a formação: Raul, Leandro, Domingos da Guia, Mozer e Júnior; Carpegiani, Adílio, Zizinho e Zico; Leônidas e Romário. Uma semana depois, o jornal Extra formou outro grupo de jurados que elegeram: Raul, Leandro, Domingos da Guia, Mozer e Júnior; Dequinha, Adílio, Zizinho e Zico; Dida e Romário.

A última votação citada foi a da revista Placar, edição especial de dezembro de 2006, cujos eleitos foram: Raul, Leandro, Aldair, Domingos da Guia, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio, Zizinho, Zico e Nunes.

Combinando os resultados destas pesquisas, que representam os júris de diferentes gerações de flamenguistas, sintetizando as mais distintas óticas sobre a história do Clube de Regatas do Flamengo, chegou-se à seleção dos onze mais votados. São os jogadores que sintetizam as glórias do futebol do clube e que fazem o torcedor sonhar com um passado vivo na memória, um presente de muita luta e um futuro que sempre poderá ser maior. A égide do que representa a tradição rubro-negra e do que significa vestir o vermelho e o preto. O Time dos Sonhos, que carrega a responsabilidade e o orgulho de representar o tamanho dessa tradição, ficou com a seguinte formação: Raul, Leandro, Domingos da Guia, Mozer e Júnior; Dequinha, Zizinho e Zico; Joel, Leônidas da Silva e Dida.

A grandeza do Flamengo é diferente de qualquer outra. Não pelos títulos. Até também pelos títulos, porque a alma precisa de alegrias para rejuvenescer. Não por estes heróis desta Nação Multidão, mas também porque há heróis desta grandeza em seu passado. Outros clubes de futebol também conquistaram títulos magníficos. Outros também tiveram craques de altíssimo padrão. Não foi só o rubro-negro que muita libra já pesou. Os títulos, as glórias, os heróis, os craques, todos não são nem maiores nem menores do que aqueles de outros grandes clubes de futebol. A diferença se faz pela multidão. Por uma alma própria. A grandeza desse vermelho e desse preto só ele tem. Ela não é imitável. Ela não é fabricável. Ela não é fruto de um ou outro que tenha decidido inventar um mito ou que decidiu criar uma história. Ela é escrita pela multidão. O 12º jogador deste Time dos Sonhos certamente se faria presente para cantar e empurrar.

A mística das arquibancadas uniria poesias de todos os tempos e das mais distintas gerações: “Flamengo, tua glória é lutar. Eu teria um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo. É o meu maior prazer vê-lo brilhar. Quando o Mengo perde eu não quero almoçar, eu não quero jantar. Eu sempre te amarei, onde estiver, estarei. Quero cantar ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro. Flamengo até morrer eu sou, com muito orgulho, com muito amor”.

Grandes clubes há vários; diferenciado, há apenas um. O espírito em sincronia de uma multidão dá a estas cores a dimensão diferenciada que ela tem. O povo, rico ou pobre, preto ou branco, religioso ou ateu, carioca ou não, dá vida própria a estas cores. Dá-lhe alma. Dá-lhe espírito. Como afirmou Ruy Castro em sua obra O vermelho e o negro, “O Flamengo é o cimento que dá coesão nacional, do Oiapoque ao Chuí”. Suas cores materializam e encarnam a máxima de Nélson Rodrigues de que o futebol, e só ele, faz com que um sujeito perca qualquer sentimento de sua própria identidade e torne-se também multidão. Todos nascem flamenguistas, porque todos vêm ao mundo inseridos na massa, depois é que alguns degeneram.


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