domingo, 15 de julho de 2012

Maiores Jogos da História do Flamengo: 23/11/81 - Flamengo 2 x 0 Cobreloa




Jogos Inesquecíveis: 
23/11/1981 - Flamengo 2 x 0 Cobreloa

O Flamengo conquista a América. Na sua primeira participação na Taça Libertadores, em 1981, o time de Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior, Andrade, Adílio e Zico, Tita, Nunes e Lico, comandados pelo treinador Paulo César Carpegiani é Campeão Sul-Americano de Futebol.

jogo 1, no Maracanã

"Foi uma pedreira, literalmente, porque com pedras na mão, o zagueiro chileno Mario Soto (que em 1977 havia jogado no Palmeiras) provocou cortes no supercílio de três rubro-negros na segunda partida da final, em território chileno. O Flamengo venceu a primeira, por 2 a 1, no Maracanã. Perdeu por 1 a 0 em Santiago. O terceiro jogo, de desempate, em campo neutro, foi no estádio Centenário, em Montevidéu. Deu Mengão 2 a 0. Campeão da América!

jogo 2, em Santiago

Desde 1968, com o Estudiantes de La Plata, da Argentina, o título não era conquistado por um estreante na competição. E depois da conquista rubro-negra em 1981, isso só veio a ocorrer uma vez, com o Argentinos Juniors, que foi debutante e campeão na Taça Libertadores da América de 1985". (A NAÇÃO, pg. 130)

jogo 3, em Montevidéu

Dias mágicos para os corações rubro-negros: duas semanas após a goleada de 6 a 0 no Botafogo, veio o degrau máximo do futebol sul-americano. E derramando sangue! Três dias antes, em Santiago, na derrota por 1 a 0 no segundo jogo da final, Mario Soto fizera três rubro-negros sangrarem. A revanche veio na bola, em campo neutro, e com dois gols de Zico. Mengão campeão da Libertadores de 1981.





Ficha Técnica
23/11/1981 - Flamengo 2 x 0 Cobreloa
Local: Estádio Centenário, Montevidéu (Público: 30.200 (estimado))
Gols: Zico (18'1T) e (32'2T)
Fla: Raul, Nei Dias, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Leandro, Nunes (Anselmo) e Tita.
Téc: Paulo César Carpegiani
Cobreloa: Oscar Wirth, Hugo Tabilo, Juan Páez (Óscar Muñoz), Mario Soto e Enzo Escobar; Eduardo Jiménez, Armando Alarcón e Victor Merello; Héctor Puebla, Jorge Luis Siviero e Washington Olivera.
Téc: Vicente Cantatore




A História do Jogo

A final da 22ª edição da Copa Libertadores da América, em 1981, foi disputada entre o Flamengo e o Cobreloa, do Chile. Os jogos foram verdadeiras batalhas, que em diversos momentos fugiram do âmbito esportivo. O primeiro jogo foi o mais tranquilo, no Maracanã, com uma vitória do Flamengo por 2 a 1, com os dois gols rubro-negros marcados por Zico. A segunda partida foi no Estádio Nacional, em Santiago, no Chile, e o empate daria o título ao Flamengo. Um jogo no qual aconteceu de tudo, e que terminou com uma vitória do Cobreloa por 1 a 0, com o gol marcado nos minutos finais, quando Merello cobrou falta, a bola desviou em Leandro, enganou ao goleiro Raul, e entrou. Aquele jogo, apesar de ter terminado sem expulsões, foi extremamente violento e repleto de fatos lamentáveis.

O Cobreloa era um clube jovem, fundado apenas quatro anos antes, em janeiro de 1977, com a profissionalização de um clube amador chamado Deportes El Loa, da cidade de Calama, clube que existiu por 28 anos, de 1948 a 1976. A profissionalização foi financiada pela indústria de extração de cobre do norte do Chile, da região de Antofagasta, com o clube recebendo aportes financeiros da empresa CODELCO. O novo clube reunia no nome o cobre, principal produto da região, e o nome Loa, do clube amador do qual se originou. Em 1977 ele ingressou na 2ª Divisão, e logo em sua primeira temporada conseguiu terminar entre os quatro primeiros colocados, ascendendo à 1ª Divisão. Em 1978 e 1979 foi duas vezes seguidas o vice-campeão chileno, e em 1980 foi pela primeira vez em sua história o campeão chileno, tendo por isso disputado a Libertadores de 81. E chegava com moral à final contra o Flamengo, pois no triangular semi-final eliminou ao Peñarol e ao Nacional de Montevidéu.

O Chile vivia sob a Ditadura Militar comandada pelo General Augusto Pinochet, e a presença do Cobreloa na final se tornou um símbolo de ostentação política e louvor ao orgulho nacional do país. A partida, a segunda da final, foi jogada no Estádio Nacional, na capital Santiago, porque o Estádio Zorros del Desierto, em Calama, de propriedade do Cobreloa, tinha capacidade para apenas 12 mil espectadores, o que não atendia às exigências mínimas da Confederação Sul-Americana para a fase final da Taça Libertadores da América.

Apesar da partida ter sido jogada num estádio maior, o clima nele era bélico. Soldados fortemente armados intimidavam à beira do gramado, e a torcida buscava a intimidação dos jogadores desde a arquibancada. Para piorar, o zagueiro chileno Mario Soto, que havia inclusive atuado no futebol brasileiro, tendo defendido ao Palmeiras em 1977, usou algum objeto pontiagudo - não se sabe bem se um anel ou uma pedra - para gerar cortes de supercílio em dois jogadores rubro-negros (Adílio e Lico). Tudo sem qualquer punição do árbitro uruguaio Ramon Barreto.

Após a batalha em Santiago, com uma vitória para cada lado, o regulamento determinava que deveria ser disputada uma terceira partida, em campo neutro, e esta foi realizada no Estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai, três dias após o confronto realizado no Chile. O Flamengo entraria em campo desfalcado do ponta-esquerda Lico, em decorrência da agressão sofrida em Santiago. O treinador, que também tinha o desfalque de Baroninho, titular da posição até a semi-final, improvisou, invertendo Tita de ponta, avançando Leandro para jogar no ataque, como um ponta-direita, e colocando Nei Dias na lateral. Girou os lados do time inteiro para repor uma peça. Era a vantagem de ter em mãos um elenco tão versátil, com diversos jogadores capazes de jogar em mais de uma posição.

Diplomático, o Flamengo entrou no gramado com Zico e Leandro à frente carregando a bandeira do Uruguai. Mas os espíritos estavam mais que armados! Antes do jogo, o treinador argentino do Cobreloa, Cantatore, declarava acreditar no título porque tinha um time mais vibrante: "eles não têm a valentia do Cobreloa. Começamos a ganhar o jogo de Santiago ainda no Rio. Os jogadores do Flamengo são ótimos, mas não têm espírito de decisão".

A partida decisiva começou quase tão violenta como havia terminado a de três dias no Chile. Os jogadores do Cobreloa se revezavam em fazer faltas consecutivas nos rubro-negros. Sem a intimidação do Estádio Nacional, a arbitragem, agora do também uruguaio Roque Cerullo, tratava de advertir aos chilenos, distribuiu cartões amarelos e ameaçou com cartões vermelhos caso insistissem no anti-jogo. Mas sem poder competir com o Flamengo tecnicamente, restava à equipe laranja parar os dribles rubro-negros com faltas.

Só que aos onze minutos, foram os chilenos quem criaram a primeira chance real: Olivera cobrou falta perto da área, e a bola passou perto da trave de Raul. O jogo era nervoso quando, aos dezoito minutos, Zico e Adílio tabelaram na entrada da grande área em meio a vários defensores de laranja. A bola batia nas canelas de um e de outro, até que deste bate-rebate ela sobrou para Andrade, que passou a sobra para Zico, que girou e chutou, surpreendendo ao goleiro Wirth, e colocando a bola dentro do gol: 1 a 0.

Com o gol rubro-negro, a ansiedade do time diminuiu, e as jogadas começaram a sair com mais naturalidade. Os chilenos, mais limitados tecnicamente, raríssimas vezes conseguiam criar chances efetivas de gol. Aos vinte, Tita chutou forte, e no rebote do goleiro, Zico quase fez o segundo. Dois minutos depois, o camisa 10 rubro-negro obrigou Wirth a fazer boa defesa ao emendar um chute de sem-pulo. Zico jogava avançada, mais próximo de Nunes, como um autêntico ponta de lança dos velhos tempos, quase como se o Flamengo jogasse num 4-2-4, e isso confundia a marcação de Jiménez e Alarcón. Nos minutos seguintes, Tita e Nunes também tiveram chances em seus pés para ampliar, mas desperdiçaram. O Flamengo atuava em velocidade e com qualidade, trocando bola e posições do meio para frente. Ainda eram vinte e cinco do primeiro tempo, e já podia estar 2 a 0. Mas o segundo gol não saía. E os chilenos, perdidos taticamente e sem conseguir recuperar a posse de bola, seguiam fazendo faltas. Até que uma entrada por cima da bola de Alarcón sobre Andrade, levou o árbitro uruguaio a expulsar o chileno ainda no primeiro tempo. O título parecia já muito bem encaminhado.

Os chilenos, com uma menos, parecem ter se decidido a desafiar o árbitro, para descobrir se ele teria coragem de expulsar outro: Puebla entrou duro em Adílio, que deixou o campo de maca, e quando voltou, dois minutos depois, recebeu uma tesoura voadora de Jiménez. Um segundo cartão vermelho já podia haver sido aplicado, mas o árbitro preferiu chamar o capitão, que então era Merello, para conversar e ameaçar que da próxima vez haveria expulsão. Aos trinta e dois, o goleiro saiu jogando errado, e Zico tentou encobri-lo do meio de campo, mas mandou para fora. O jogo era feio, e a vitória parcial no intervalo mantinha um certo clima de apreensão no ar, pois um gol do adversário colocaria tudo a perder. Ainda mais porque se ainda mantinha a vantagem no placar, havia perdido a que havia obtido na linha de jogadores.

Antes do apito de fim do primeiro tempo, Andrade deu entrada dura em Jiménez. Antevendo o que viria, alguns de seus companheiros já colocaram as mãos na cabeça, e ainda se pode escutar um berro de Carpegiani do banco de reservas: "não seja burro". Era a deixa que o jogo violenta precisava para pedir justiça. Andrade recebeu o cartão vermelho, e dali em diante seriam dez contra dez. Por suas próprias palavras depois do jogo: "na jogada, o Zico foi atingido nas costas pelo Mario Soto e caiu gritando de dor, o jogo correu e o Júnior recebeu uma entrada violenta do Jiménez, a bola sobrou e eu entrei correndo e dei um pontapé na barriga dele. Exagerei. Mas é que foi criado um clima de guerra muito grande. Falavam que brasileiro não ganhava Libertadores porque afinava, apanhava calado. Então a gente foi para Montevidéu disposto a ganhar na bola e na porrada". Sem Andrade, Carpegiani recuou Leandro para jogar como cabeça de área.

No segundo tempo, a superioridade em campo continuou sendo amplamente rubro-negra, ainda que suas jogadas de ataque continuassem sendo paradas na maioria das vezes pela ríspida defesa do Cobreloa. A demora em conseguir marcar um segundo gol e liquidar de vez a fatura, fazia com que a ansiedade voltasse a crescer. Ainda mais porque os chilenos passaram a se lançar mais agressivamente ao ataque, querendo conseguir um gol de empate. Zico quase marcou de novo aos dezenove minutos, chutando de longe uma bola que acertou à trave direita de Wirth. No minuto seguinte, o Cobreloa teve chance clara para empatar. Numa rara falha de Mozer, Olivera pegou a bola sozinho dentro da área, mas chutou para fora.

Aos vinte e sete, Zico passou por três, mas seu chute parou nas mãos do goleiro. Até que o relógio chegou aos trinta e um minutos do segundo tempo, e num contra-ataque em velocidade, Tita fez lançamento espetacular para Adílio, o goleiro Wirth foi obrigado a sair da área e colocar a mão na bola (coisa que na época não era advertida com o cartão vermelho ainda, como passou a ser posteriormente). A falta era pela meia-esquerda, e Zico se preparou para a cobrança. Como dizia a canção de Jorge Ben: "Falta na entrada da área. Adivinha quem vai bater? É o camisa 10 da Gávea". A posição era perfeita para ele, de onde o Galinho gostava de cobrar. O arremate fez uma parábola. Ela decaiu, surpreendendo ao arqueiro adversário, e morreu mansa na lateral da rede. Gol de Zico! O relógio marcava 32 minutos e 25 segundos do 2º tempo quando a bola tocou na rede. Enfim: Mengão, Campeão da América!

A cobrança magistral pela descrição genial de seu autor: "Não corri antes do apito, não. Mas eu estava sempre esperto, de olho no árbitro, para também nisso surpreender o goleiro. Quanto mais rápido a gente bater na bola, melhor. Senti que o juiz iria apitar e fui para a bola. Já tinha batido uma falta nele, no Maracanã, e vi que ele tinha saído antes da bola. Pensei, então, em bater no canto dele, que não haveria como ele voltar se saísse antes". Precisão pura! O jogo estava decidido!

Mas para o Flamengo não só a vitória e o inédito título da Libertadores bastavam, queria-se vingança às agressões sofridas em Santiago. Com o jogo ganho, o técnico Paulo César Carpegiani tirou Nunes, aos 42 minutos do 2º tempo, e colocou em campo ao jovem atacante Anselmo com apenas uma finalidade: vingar seus companheiros. O alvo era Mario Soto, capitão do Cobreloa. Na transmissão da televisão, quando Anselmo, com a camisa de número 25, está à beira do campo esperando para entrar, o repórter de campo da TV Globo, Raul Quadros, dá seu testemunho a todos os que assistiam a partida no Brasil: "Os dirigentes do Flamengo pedem a Anselmo que entre em campo e dê no Mario Soto". Ânimos à flor da pele!

Assim que entrou em campo, Anselmo correu em direção a Soto e lhe deu um soco, que lançou o adversário ao chão. Sua estada em campo durou, para ser exato, apenas 29 segundos. Formou-se uma grande confusão, tendo Anselmo que ser protegido pelos policiais uruguaios para conseguir deixar o campo de jogo. Ele recebeu o cartão vermelho imediatamente. Na confusão que se sucedeu, o árbitro também acabou expulsando a Mario Soto e Jiménez, do Cobreloa. Dado que já tinha havido duas no primeiro tempo, se no Chile não havia tido expulsões, no Uruguai foram cinco!

Pelo relato de Paulo César Carpegiani: "Houve um lance na lateral esquerda nossa, que a TV não pegou, em que o Tita levou um soco na boca. Todo mundo que estava fora de campo, inclusive o Anselmo, viu. Só dei aquela ordem por tudo o que vinha acontecendo durante o jogo. Não foi nada premeditado". Passado o calor do jogo, em nova entrevista, o treinador rubro-negro refletiu: "Na mesma hora mandei o Anselmo entrar para dar o troco. Nosso preparador físico queria aquecê-lo. Falei para ele: 'Não vai aquecer, não! Sai o Nunes e você entra lá, Anselmo, deixa a bola ficar do outro lado, dá no meio dele e pode sair'. Ele cumpriu sua missão. Hoje, me arrependo. Sou contra a violência. Não faria isso de novo".

Depois de cinco minutos de paralisação, a partida foi reiniciada após a confusão, os chilenos espumavam tanto de raiva que nem queriam mais saber de jogar futebol. Ainda assim, tiveram duas oportunidades de gol nos acréscimos nas quais poderiam ter diminuído. Quando o árbitro apitou o fim de jogo, a festa era totalmente rubro-negra! Zico recebeu a taça das mãos do então vice-presidente da Confederação Sul-Americana, o paraguaio Nicolas Leóz (que viria a presidi-la de 1986 e 2013), e ergueu o troféu. A volta olímpica era rubro-negra! E a festa também, nas arquibancadas para os milhares de aficionados que viajaram do Rio de Janeiro a Montevidéu, e no Brasil para todos aqueles que acompanharam as narrações ou de Luciano do Vale na TV Globo ou de Jorge Cury na Rádio Globo. A explosão incontida se alastrou por todo os lados. Pela primeira vez em sua história, o Flamengo era Campeão da Taça Libertadores da América. E levaria 38 anos para que o clube voltasse a conquistá-la novamente. Com o título, ainda obteve o direito de enfrentar ao Liverpool, em Tóquio, pela Copa Intercontinental.

Revista El Gráfico, da Argentina





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