sexta-feira, 1 de abril de 2022

A NAÇÃO (1ª edição) - Capítulo IX: Anos de martírio (2002-2005)


A NAÇÃO

Como e por que o Flamengo se tornou

o clube com a maior torcida do Brasil



Capítulo IX – Anos de martírio (2002-2005)


Foi preciso muito coração para aguentar tantos martírios como os que estavam por se seguir na história rubro-negra. A alma flamenguista se lamuriava como se fora aquele antigo samba de Max Bulhões e Milton de Oliveira, que explodiu como maior sucesso do Carnaval de 1938, na voz de Patrício Teixeira: “Quero chorar, não tenho lágrimas/ Que me rolem na face, para me socorrer/ Se eu chorasse talvez desabafasse o que sinto no peito e não posso dizer/ Só porque não sei chorar, eu vivo triste a sofrer”.

Crises são crises, sejam elas numa economia em escala global, numa empresa de grande porte, numa cidade, no comércio da esquina ou na vida pessoal de qualquer indivíduo. Embora a natureza de cada crise seja distinta e envolva diferentes ciências para estudá-las, todas têm uma particularidade em comum: deixam marcas.

A psicologia define que crises podem ser benéficas ou maléficas, dependendo dos fatores que a formem e das consequências que fiquem gravadas no inconsciente. Toda crise é um momento de vulnerabilidade, mas nem sempre é uma situação de risco. Não existem crises iguais. E é por conta disso que por mais que elas sejam estudadas, pelos mais diferentes enfoques e utilizando diferentes ciências, no final, depois de identificados os sintomas, aplicados os remédios e corrigidos os males, todos voltam a ficar expostos a elas. Crises só são positivas se houver a compreensão dos erros cometidos e de quais lições podem ser aprendidas a partir deles.

Por detrás da profunda crise que afundou o Flamengo entre 2002 e 2005 ao estado de semifalência, havia um pano de fundo que dificultava ainda mais o quadro. O futebol carioca vivia uma crise total, não era só uma particularidade rubro-negra. A cidade do Rio de Janeiro também vivia a mais grave crise de sua história.

Nos anos 60, a cidade havia atingido seu ápice, como resultado final de todo o projeto de arquitetura de uma utopia visando postergar a unidade territorial brasileira e ser capaz de servir de ferramenta de sustentação a um país que emergia fagueiro no começo do século XX, com ordem, e na busca de progresso. Na virada do século XX para o XXI, a cidade chegou ao “vale”, num processo de colapso quase contínuo desde que fora caprichosamente desmontada pela transferência da capital federal para Brasília e pelo extremamente malfeito processo de fusão de duas unidades federativas que mais pareciam água e azeite, de tão distintas.

Os dados econômicos mostraram o tamanho da agonia sob a qual sucumbia a cidade do Rio de Janeiro. No intervalo de 1996 a 2003, no ápice da crise econômica que atingiu o município, a renda da cidade encolheu 35%. Para efeito de comparação, quando a economia da Argentina quebrou, em 2001, o país viveu uma retração de 10,9% naquele ano. O Rio de Janeiro empobreceu três vezes mais do que isto num intervalo de oito anos! São dados que contam uma história pouco documentada da maior retração econômica da história do Brasil, porém consumida em doses homeopáticas.

Se entre 1989 e 1992 uma depressão profunda causara a perda de 190 mil postos de trabalho na Região Metropolitana do Rio, de 1997 a 2002 houve a perda de 240 mil vagas. Explodia o desemprego e, junto, o mercado informal, inflado por cidadãos que, à margem do mercado laboral, lutavam por sua subsistência.

O declive econômico da cidade do Rio foi, em parte, camuflado pelo dinamismo do estado depois da descoberta de petróleo no norte fluminense, no final dos anos 90. O crescimento do estado, então, puxado pelos municípios beneficiados pela exploração do petróleo, voltou a crescer acima da média nacional, como não acontecia desde a primeira metade dos anos 70.

No período entre 1999 e 2003, a Bacia de Campos fez o estado ter seu melhor desempenho em crescimento. O município de Campos cresceu neste intervalo ao admirável ritmo de 26% ao ano, e Macaé ainda mais: 36% ao ano! A Região dos Lagos, cujas prefeituras foram beneficiadas pela concessão de royalties do petróleo, também teve crescimento impressionante: a renda em Rio das Ostras se expandiu 48% ao ano; em Cabo Frio, 23% ao ano; em Búzios, 19% ao ano.

Enquanto isso, a cidade do Rio de Janeiro perdeu renda per capita e riqueza a um ritmo assombroso. A agonia carioca teve um profundo reflexo na autoestima daquela cidade que agonizava e não encontrava forças para reagir. A população da cidade do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense viveu um estreitamento brutal de seu mercado de trabalho. Como consequência direta, a violência viveu seu momento mais gritante e assombroso, com conflitos armados generalizados, e por todas as partes, entre a polícia e os traficantes de drogas. A economia da cidade só voltou a crescer a partir de 2004, guinchada pela volta da expansão econômica do Brasil, que se recuperava, já que, desde 1979, vinha afundado em uma profunda crise econômica.

Os problemas estruturais do futebol carioca e a profunda crise econômica vivida pela cidade só dificultavam ainda mais a conjuntura na qual o Flamengo estava imerso. Entretanto, muitas oportunidades se abriram diante do clube. Foi devido a todas as falhas de gestão ocorridas no final da década de 1990 que o vermelho e o preto perderam, temporariamente, grandeza e prestígio.

Em estado de semifalência, depois do fracasso da parceria multimilionária com a ISL, o Flamengo enxugou custos e tentou, para 2002, o sucesso com uma política ao estilo bom, bonito e barato. No primeiro semestre, ainda apostou na contratação dos meias Juninho Paulista e Leonardo (que voltava para encerrar a carreira no clube). Não foi suficiente, principalmente com uma dupla de ataque composta pelos ex-juniores Andrezinho e Roma. Carente de experiência, a dupla foi incapaz de marcar os gols de que o time tanto necessitava.

No primeiro semestre, o time fez péssima campanha no Torneio Rio–São Paulo e foi eliminado na primeira fase da Taça Libertadores da América (num grupo que não estava entre os mais difíceis, com Olímpia, do Paraguai, Universidad Católica, do Chile, e Once Caldas, da Colômbia).

Mantendo a rotina de salários atrasados e de clima hostil com as torcidas organizadas, que chegaram a invadir um treinamento para tentar agredir aos jogadores, o Flamengo não conseguiu aspirar à briga por nenhum título. A situação estava tão ruim que se conseguiu algo que não acontecia desde 1967: terminar uma temporada com mais derrotas do que vitórias, e com saldo de gols negativo.

Durante o Campeonato Brasileiro, o fantasma do rebaixamento rondou a equipe o tempo inteiro, embora no final o time tenha conseguido escapar até com certa folga, com seis rodadas de antecedência. Sua campanha o colocou em 18º lugar entre 26 participantes. O “salvador” foi o atacante Liédson, contratado na metade do ano ao Coritiba, e que havia chegado completamente desacreditado, desprestigiado por torcedores e críticos, que desejavam um goleador de maior renome. Ele fez muitos gols e conseguiu tornar-se o artilheiro do time na temporada.

Liédson ficou apenas seis meses vestindo a camisa rubro-negra, depois se transferiu para o Corinthians, onde seus empresários acreditavam que ele teria mais projeção naquele momento. Também não ficou muito tempo no Parque São Jorge; sete meses depois, sob o mesmo discurso de seus empresários, de busca por mais projeção, foi transferido para o Sporting, de Portugal.

Nestes dias de escassez, sem dinheiro para investir, a aposta rubro-negra para a base do elenco recaía sobre um grupo formado por jogadores oriundos da geração que emergiu dos juniores entre 2001 e 2003. Nele constavam o goleiro Júlio César, o lateral-direito Alessandro, os zagueiros André Bahia e Fernando, o lateral-esquerdo Cássio, o meia Felipe Melo e os atacantes Andrezinho e Roma.

Complementarmente, contratou-se para adensar o grupo uma legião de jogadores a um custo mais barato. Entre eles, passaram pelo Flamengo em 2002 os atacantes Liédson, ex-Coritiba; Zé Carlos, ex-Botafogo, contratado ao futebol grego; e o atacante Sandro Hiroshi, em baixa no São Paulo. Ainda teve a volta de Iranildo, que também estava jogando na Grécia, e a chegada do meia Marquinhos e do zagueiro André Dias, ambos do Paraná Clube. Para terminar de compor o elenco, foram contratados ao Friburguense o cabeça de área André Gomes e o meia Hugo. Um pacote no qual, por coincidência, três deles nos anos seguintes tiveram passagem pelo grupo do São Paulo que conquistou o tricampeonato brasileiro: André Dias, Marquinhos e Hugo.

A rotina da política de baixo custo se estenderia até 2005, assim como a rotina de campanhas pífias no Campeonato Brasileiro, lutando-se para evitar o descenso à Segunda Divisão. A rotina de goleadas sofridas nesse período foi absolutamente traumática.

Em 2003, o Flamengo ainda conseguiu montar uma equipe um pouco mais competitiva do que a de 2002. Tinha Athirson na lateral-esquerda, Felipe no meio de campo e Edílson no ataque. No primeiro semestre, o time conseguiu o vice-campeonato da Copa do Brasil, perdendo a final para o Cruzeiro, que naquele ano conseguiu a “tríplice coroa”, tendo sido, sob o comando de Vanderlei Luxemburgo, campeão mineiro, campeão da Copa do Brasil e campeão brasileiro.

No segundo semestre, no Brasileirão, o time rubro-negro, apesar de ainda conseguir um 8º lugar, fez uma campanha extremamente instável. Foi goleado quatro vezes: 4 a 1 pelo Atlético Paranaense, 6 a 2 pelo Paraná Clube, 5 a 0 pelo Coritiba e 4 a 1 pelo Fortaleza. A defesa deixou, e muito, a desejar. Além de sofrer as quatro goleadas já citadas, o time ainda levou muitos gols em outros jogos. Foram os casos da derrota por 5 a 3 para o Guarani e por 4 a 3 para o Criciúma.

As participações rubro-negras no Campeonato Brasileiro foram horripilantes nestes anos. Em 2001, terminou como 24º colocado, e, em 2002, ficou em 18º lugar. Em 2003, melhorou um pouco, o time terminou na 8ª colocação. Ao menos, transparecia que o Flamengo estava subindo degraus. Ledo engano.

Para 2004, o ex-jogador e ex-técnico Júnior, um dos maiores ídolos da história rubro-negra, foi escolhido pela diretoria como coordenador técnico. O novo diretor apostou então no técnico Abel Braga para reerguer a tradição do clube. O começo foi promissor. O Flamengo conquistou o Campeonato Carioca, apesar de ter um time tecnicamente bastante limitado. A principal contratação envolveu a volta do veterano meia Zinho. O time acabou conseguindo ser campeão, formando com: Júlio César, Rafael, Henrique, Fabiano Eller e Roger; Da Silva, Ibson, Douglas Silva (Diogo) e Felipe; Zinho e Jean. Na final, venceu o Vasco. Entre tantas tragédias, houve ali uma breve oportunidade de se ter o que comemorar.

Depois dos “vices” vascaínos no tricampeonato rubro-negro de 1999/2000/2001, a torcida rubro-negra fez ecoar nas arquibancadas do Maracanã, com a conquista em 2004, o grito: “Ôôôôô... Vice de Novo!” Aquele brado enlouqueceu aos cruzmaltinos, que já não aguentavam mais cair em finais diante da turma da Gávea.

O Flamengo venceu o adversário por 3 a 1 na finalíssima, com três gols de Jean. Os vascaínos, atordoados, desandaram a dar pontapés nos rubro-negros e quatro de seus jogadores acabaram expulsos de campo antes do término do jogo.

Depois de ser campeão carioca, o Flamengo chegou, pela segunda vez consecutiva, à final da Copa do Brasil. Enfrentava o modesto Santo André, de São Paulo, no duelo final, que valia, além de uma conquista a âmbito nacional, um lugar na Libertadores do ano seguinte.

Depois de um empate por 2 a 2 no Parque Antarctica, o Flamengo podia até empatar por 0 a 0 ou 1 a 1 no Maracanã para ser campeão. O estádio recebeu um público de quase 70 mil expectadores. Tudo parecia estar desenhado para que o rubro-negro saísse dali campeão. A catastrófica derrota, muito provavelmente a maior frustração da história do futebol do clube, derrubou vários degraus da recuperação rubro-negra de uma só vez.

O time, comandado por Abel Braga, que perdeu por 2 a 0 para o Santo André no Maracanã, e deu adeus à Copa do Brasil de 2004 diante de um Maracanã todo em vermelho e preto, entrou em campo com: Júlio César, Reginaldo Araújo, André Bahia, Fabiano Eller e Roger; Da Silva, Douglas Silva, Róbson e Ibson; Felipe e Jean.

Carente de homens de frente, ao estilo matador, o Flamengo, buscando desesperadamente reerguer-se, ainda tentou, para o Brasileirão de 2004, a contratação de Dimba, artilheiro do torneio em 2003, pelo Goiás. O time havia começado de forma razoável o campeonato, mas após o vice-campeonato da Copa do Brasil, o trabalho desandou. O Flamengo terminou o Campeonato Brasileiro em 17º lugar.

Desde a saída de Edílson, o Flamengo tinha graves problemas para encontrar um goleador. Tentou Fernando Baiano, ex-Corinthians e Internacional, Dimba e outros tantos nomes pouco conhecidos: Diogo, Flávio, Negreiros, Rafael Gaúcho, Whelliton, Marcos Denner e Josafá. Foi o período mais longo da história rubro-negra sem um centroavante nato.

O Flamengo se manteve boa parte do Brasileiro de 2004 na zona de rebaixamento. Só conseguiu escapar, matematicamente, na última rodada, com uma goleada de 6 a 2 sobre o Cruzeiro, adversário que, àquela altura, não tinha mais nem pretensões de chegar à Libertadores nem era ameaçado por queda à Segunda Divisão, o que facilitou a vida rubro-negra.

Seguindo a rotina de goleadas sofridas, no Brasileiro de 2004 o time tomou de 5 a 1 do Vitória e de 6 a 1 do Atlético Mineiro. No Brasileirão seguinte, em 2005, apanhou de 6 a 1 do São Paulo. Em 2006, ainda tomou mais uma: 4 a 1 para o Paraná.

Depois de escapar por pouco em 2001, correr sérios riscos em 2002 e fazer uma campanha um pouco mais digna em 2003, o Flamengo, em 2004, voltou a escapar por pouco da Série B. Mas risco mesmo o vermelho e preto carioca correu em 2005, quando o clube escapou do rebaixamento, se poderia dizer, só por um verdadeiro milagre.

No Campeonato Carioca de 2005, a campanha foi vexatória, o Flamengo conseguiu terminar na 8ª posição, seu pior desempenho desde 1930. No segundo semestre, mais uma campanha bisonha. No Campeonato Brasileiro, o Flamengo já estava praticamente rebaixado à Segunda Divisão. O time, então comandado por Celso Roth, passou o campeonato inteiro nas últimas colocações. Daí, o glorioso São Judas Tadeu talvez tenha decidido intervir nas coisas do futebol para valer, pois o que se materializou em campo foi uma daquelas obras do Sobrenatural de Almeida, personagem que Nélson Rodrigues garantia estar sempre presente nos jogos de futebol.

Tudo ocorreu a partir do momento em que houve a troca de treinador e contratou-se um novo atacante, voltando à velha tradição de buscar a redenção no futebol sul-americano. Joel Santana assumiu o comando técnico e contratou o atacante paraguaio César Ramirez.

Quando Joel chegou, faltavam só nove rodadas para o término do torneio. A partir de sua estreia, o time não perdeu nenhuma das nove partidas seguintes, conseguindo escapar do descenso, ao terminar o campeonato em 15º lugar entre os 22 participantes da disputa.

Mas nessa vida, justamente em momentos conturbados, como aqueles vividos na Gávea, tudo parece conspirar contra. Após a milagrosa escapada do rebaixamento em 2005, o Flamengo perdeu o técnico Joel Santana, que, seduzido pelos dólares do exterior, foi treinar o Vegalta Sendai, do Japão. Sem o líder da reviravolta, transparecia sobrar pouca luz para iluminar os caminhos do futebol do clube no ano seguinte.

Mas a remontagem de um time com padrão competitivo à altura da história rubro-negra havia galgado alguns degraus. Duas peças que foram muito importantes neste processo de retirada do Flamengo do atoleiro – o lateral-direito Leonardo Moura e o meia Renato Abreu – já faziam parte do elenco. Outra peça muito importante chegou ao início da temporada seguinte: o lateral-esquerdo Juan, contratado ao Fluminense.

O clube teve ainda que resistir a um forte assédio por Ramirez, e conseguiu mantê-lo para a disputa do Carioca. Para fechar, buscando dar experiência ao grupo, foi contratado o veterano centroavante Luizão, com histórico de passagens por Guarani, Palmeiras, Vasco, Corinthians, Botafogo e Santos. Só que o desempenho do rubro-negro naquele campeonato foi muito abaixo do que o do ano anterior. O Flamengo terminou o torneio na décima colocação, o pior desempenho de sua história na era profissional, igualando a colocação horripilante obtida no campeonato de 1929.

A coisa aparentava estar cada vez mais preta. Um exemplo clássico das turbulências vividas na Gávea neste tempo era a dança das cadeiras dos treinadores que dirigiam o Flamengo. Só em 2002 por lá haviam passado quatro: João Carlos, Carlos César, Lula Pereira e Evaristo de Macedo (três meses, em média, para cada um). Depois, em 2003, Nelsinho Baptista, Osvaldo de Oliveira e Waldemar Lemos treinaram o time nesta sequência, num ano um pouco “menos ruim”. Em 2004, Abel Braga conseguiu a proeza de durar um pouco mais de tempo no cargo, ficou à frente da equipe por sete meses. Seu substituto, Ricardo Gomes, durou menos de três, com o ex-jogador Andrade fechando o ano à frente do time, interinamente.

Entre janeiro de 2005 e maio de 2006, num intervalo de apenas dezessete meses, o Flamengo teve nada mais nada menos do que sete técnicos: Júlio César Leal, Cuca, Celso Roth, Andrade, Joel Santana, Valdir Espinoza e Waldemar Lemos (em sua segunda passagem). Isto dá uma média de 72 dias de cada um no cargo. A cadeira de treinador estava quentíssima, ninguém aguentava ficar lá sentado por muito tempo.

O marco de virada nestes nebulosos dias de sofrimento em vermelho e preto veio com a conquista da Copa do Brasil em 2006. Um sopro de esperança não só para o rubro-negro como para o futebol carioca, já que a final foi disputada entre dois times do Rio de Janeiro, num feito inédito, pois até então jamais duas equipes do mesmo estado haviam se enfrentado numa final do torneio em dezoito edições da competição.

Em fases tão conturbadas, acontece de tudo. Por sorte, às vezes até dá certo. Um fato inusitado se deu após a semifinal daquela Copa do Brasil. O Flamengo passou pelo Ipatinga, campeão mineiro em 2005 e vice-campeão em 2006. Após eliminar os mineiros e se postular à disputa do título, o clube demitiu seu treinador, Waldemar Lemos, alegando que ele não estaria conseguindo controlar um racha do elenco. Para o seu lugar foi apresentado Ney Franco, que era exatamente o técnico do Ipatinga no biênio 2005/2006. Derrotado nas semifinais, Ney acabou, por obra do destino, disputando a final da competição.

Sob seu comando, e com uma escalação na final diferente da formação que atuou na maior parte do primeiro semestre, o time venceu o Vasco por 2 a 0 e 1 a 0 nos dois jogos da final e levantou, novamente, depois de quinze anos, a taça de uma competição nacional. O time que jogou as finais era formado por: Diego, Renato Silva, Rodrigo Arroz e Fernando; Leonardo Moura e Juan; Jônatas, Toró, Renato, Renato Augusto e Luizão (Obina).

A final foi um capítulo a mais na rivalidade entre Flamengo e Vasco, tremendamente acirrada entre 1976 e 2004, pela grande quantidade de vezes que os dois clubes decidiram o Campeonato Carioca neste período. São os clubes do Rio de Janeiro que mais se enfrentaram em final no futebol. Até aquele momento, haviam sido quinze duelos entre os dois, na história, por decisões do Carioca (contando, além das finais propriamente ditas, os confrontos em última rodada em que ambos disputavam diretamente o título). O Flamengo levou a melhor nas finais de 1944, 1974, 1978, 1981, 1986, 1996, 1999, 2000, 2001 e 2004, e o Vasco em 1958, 1977, 1982, 1987 e 1988. As cinco vezes em que flamenguistas superaram vascaínos entre 1996 e 2004 desequilibraram a conta, até então nivelada. Em finais de Taça Guanabara, o Flamengo levou o título em 1973, 1982, 1996 e 1999, e o Vasco em 1976, 1986, 1992, 1998, 2000 e 2003, deixando bastante claro como estes duelos eram acirrados e equilibrados.

Apesar de tudo, o eco nas arquibancadas do “Ôôôôô... Vice de novo!” – bradados após o tricampeonato de 1999/2000/2001 conquistado em cima do Vasco, e, depois também, no Carioca de 2004 – ganhou um tom ainda mais agudo com a vitória rubro-negra sobre o time da cruz de malta na final da Copa do Brasil de 2006.

Após o título, sob a tutela de Ney Franco, o Flamengo buscou se reestruturar. Começou modestamente, fazendo uma parceria com o Ipatinga para receber jogadores. A primeira leva chegou ao clube com o meia Walter Minhoca, o meia-armador Léo Medeiros e o atacante Diego Silva. Logo em seguida também chegou à Gávea o cabeça de área Paulinho. Dos quatro, Paulinho e Léo Medeiros foram aprovados, os outros dois foram devolvidos após o Brasileirão de 2006. No ano seguinte, chegou uma segunda leva na qual constavam o lateral-direito Luizinho, o cabeça de área Jaílton e o meia-armador Leandro Salino, que foram reservas na campanha do título de campeão carioca de 2007. Aos trancos e barrancos, os cacos iam sendo juntados no clube, voltando a se estabelecer algum planejamento.

A passagem de Ney Franco como técnico do Flamengo durou exatos um ano e quatro dias. Tudo levava à crença de que os dias de vida curta para técnicos na Gávea ficariam no passado. E foi a partir deste trabalho que se voltou a ver alguma continuidade na formação do elenco rubro-negro.

No Brasileirão de 2006, o Flamengo conseguiu, ao menos, voltar a respirar mais aliviado, mantendo-se longe da luta para não ser rebaixado. Mas o time esteve longe da briga pelo título, terminando a competição na 11ª colocação entre vinte participantes. Só por se manter toda a campanha com uma distância saudável da zona de rebaixamento, a nação rubro-negra já se sentia, de certa forma, conformada. Mas era hora de voltar a pensar grande.

Ainda tendo problemas financeiros e dificuldades para pagar o salário de seus jogadores em dia, o Flamengo começava a se reestruturar, recuperando parte da sua capacidade de manter e atrair jogadores. Ainda que não pudesse considerar-se solvente, o clube recuperou parte da saúde financeira: venceu a Copa do Brasil e garantiu a volta à Taça Libertadores da América. Pela primeira vez em muito tempo, conseguiu-se manter uma base e dar continuidade a um trabalho. A estrutura do time que disputou o Brasileiro de 2006 foi mantida para o Carioca e a Libertadores de 2007.

Refletir sobre os anos de martírio em vermelho e preto serve para tirar lições de que, num mundo de alta competitividade, na maior parte do tempo é preciso correr para se continuar no mesmo lugar. Não basta estar correndo. Quem não corre o suficiente, fica impiedosamente para trás. E só há um caminho para se voltar para a frente: acelerar mais do que os demais. Para isso, o vermelho e o preto sempre tiveram uma força distinta da dos demais: o coração da multidão.




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