sexta-feira, 1 de julho de 2022

A NAÇÃO (1ª edição) - Capítulo X: Anos de reconstrução (2006-2012)


A NAÇÃO

Como e por que o Flamengo se tornou

o clube com a maior torcida do Brasil



Capítulo X – Anos de reconstrução (2006-2012)


Em 3 de maio de 2012 completa-se o Centenário do futebol do Flamengo. Cem anos desde quando o emblema rubro-negro foi ostentado pela primeira vez em camisas de futebol à altura do coração. Cem anos de que Flamengo e Mangueira entraram em campo, no antigo estádio do América, na rua Campos Salles, próximo à praça Afonso Pena. Foi lá que tudo começou, humildemente. Apesar das muitas glórias, os anos antecedentes ao centenário precisaram ser de reconstrução das égides de grandeza do clube, que buscava, com enorme esforço, reerguer-se de seus anos de martírio.

O espírito da multidão sempre foi o de se superar sempre. Após todo o martírio vivido pelo Rio de Janeiro e pelo seu principal clube de futebol, era necessário haver muito brio para levantar e sacudir a poeira, reerguendo-se, recuperando o orgulho e a autoestima feridos. Na cidade do Rio, qualquer égide de reconstrução tem de ser erguida ao ritmo de samba e bossa nova. Era preciso que fossem invocadas todas as almas e os espíritos de grandeza que pairam sobre as curvas de sua geografia, e que servem de cimento à união das massas.

Pegando emprestada a letra de Ivan Lins, que mescla o samba e a bossa tipicamente cariocas, era preciso se saber que: “Desesperar jamais, aprendemos muito nestes anos/ Nada de correr da raia, nada de morrer na praia/ No balanço de perdas e danos, já tive muitos desenganos, já tivemos muito que chorar/ Mas agora chegou a hora de valer o dito popular: desesperar jamais!” Era hora de “levantar a mão sedenta e recomeçar a andar”.

Mas para se reerguer de crise tão profunda, não basta boa vontade e predisposição. Estes são pré-requisitos sem os quais, sem dúvida, não há como sustentar qualquer retomada. Mas é preciso ir além. Primeiro, com a superação de interesses que não sejam os coletivos. Todas as forças têm de estar remando na mesma direção, ainda que sustentados pontos de vistas e opiniões distintos. Tem de existir um objetivo comum, buscado em consenso democrático, e na direção para alcançá-lo todos devem se mover.

Ainda assim, o sucesso não será alcançado se não houver estratégia: o alvo tem de estar no lugar certo. Como já foi citado no contexto referente ao princípio Anna Karenina: o sucesso nada mais é do uma sucessão de escolhas certas.

Resumindo-se assim – todo um conceito numa única e simples frase – pode parecer fácil conseguir o sucesso. Definitivamente não é! Uma boa estratégia depende de uma boa capacidade de observação para capturar oportunidades e neutralizar as ameaças (cada um dos possíveis fracassos que podem atrapalhar as vitórias). Um processo que consiste em se ter competência, atitude preventiva e eficiente monitoramento da saúde da instituição. Para isso, é preciso estar preparado para construir e proteger caminhos, equacionar crises, atentar a detalhes, saber sustentar posições conquistadas e ter focos claros. Mais difícil ainda é reerguer-se após um longo martírio. Só com muita força de caráter, principalmente porque a autoestima se destroça após longos períodos de humilhantes derrotas e insucessos. Mas sem a reconstrução, o futuro desta paixão nacional e da identidade da multidão com o vermelho e o preto poderia estar ameaçado.

Antes de qualquer coisa, para se moldar uma boa estratégia é preciso ter um conceito claro de aonde se quer chegar. O passo seguinte é definir como conseguir isto. É preciso rumar nesta direção de forma permanente, insistente e persistente. Os objetivos, quando individuais, são mais fáceis de serem administrados, porque podem ser perseguidos silenciosamente. Uma vez que seja preciso externá-los, como no caso de qualquer grande instituição, são necessários cuidados especiais.

Para alcançar o sucesso é preciso equilibrar ambição e humildade. Objetivos que não tenham alguma ambição sempre levam a resultados aquém dos possíveis, tornando o sucesso algo ocasional ou esporádico. Objetivos demasiadamente ambiciosos são tão perigosos quanto, pois não se aproximando deles, todos tenderão a apontar o resultado final como um absoluto fracasso. É o fator psicológico em ação. Quando se anuncia aos quatro ventos aonde se quer chegar, se for a montanha mais alta do mundo, e se a caminhada for interrompida a poucos quilômetros do objetivo final, não interessará que se tenha alcançado lugares aonde pouquíssimos chegaram, pois a psicologia coletiva – ao formar a expectativa de que sucesso é atingir o cume da montanha – estará pronta para dizer que tudo foi um fracasso. E isso pode fazer com que todo o esforço para ir adiante vá por terra.

É fundamental estar preparado e enfrentar estes fatos. Partindo da velha máxima de que comunicação não é o que alguém diz, mas o que o outro entende, da mesma forma, sucesso pode não ser o que você alcança, mas o que a multidão consegue visualizar que você alcançou. Lidar com a psicologia da multidão é um dos maiores desafios, senão o maior, para o qual qualquer grande instituição tem que estar preparada. Imagine quando se trata da multidão das multidões, de uma nação dentro da nação. Mas neste caso, a empatia entre o Flamengo e a massa joga a favor, pois quando a multidão vai junto, em sincronia com os onze que estão em campo, é muito difícil parar o vermelho e o preto com aquele CRF no peito.

A missão de reconstrução do clube era ainda mais difícil pelas condições de decadência do Rio de Janeiro. A cidade andava tomada por grupos armados, ora de traficantes ora de milicianos. Os grupos fortemente armados de poder paralelo expulsavam aleatoriamente as pessoas de suas casas nas comunidades, condenavam e executavam seus próprios réus e impunham restrições ao direito de ir e vir de muitos cidadãos. Os que estavam fora da comunidade, mas moravam nos arredores de áreas de risco, sofriam com os intensos tiroteios e queimas de fogos intimidadoras durante a noite. Nesses tempos, o risco estava por toda a parte, podendo estar na curva da próxima esquina, à mercê de uma bandidagem descontrolada e desenfreada.

Mais do que nunca, pessoas e empresas desejavam se afastar da cidade, e com elas se iam as oportunidades. Sob um desanimador quadro de falência econômica, moral, social e de desesperança instalada, era preciso encontrar forças – daquelas que se sabe lá de onde vêm – para se levantar, sacudir a poeira e encontrar razões que valessem para dar a volta por cima. Na primeira década do Século XXI, até trazer jogadores de outros estados esteve difícil, pois suas famílias desaprovavam a mudança, por medo da violência.

Ainda que sob todas estas dificuldades, o Clube de Regatas do Flamengo se mantinha como o Senhor das Multidões. Apesar de tudo, a paixão pelo vermelho e o preto continuava capturando corações por todo o país. Apesar do tempo, os fatores que levaram vários a se tornarem flamenguistas, nas terras mais longínquas ao Rio de Janeiro, mantinham a unidade e a sinergia do sentimento por aquelas cores. Mesmo com tantos martírios, mesmo com a distância dos tempos em que houve o sonho de construir a identidade nacional em torno do Rio, mesmo em dias nos quais as ondas do rádio já representavam uma tecnologia do passado na arte de mexer com os sentimentos da multidão, mesmo quando aquelas cores já não tinham mais os gigantes colonizadores e aristocratas contra os quais lutar; apesar de tudo isto, o Flamengo ainda tinha forças para representar uma nação à parte dentro daquele sofrido país batizado pelos portugueses como Brasil.

Ao começo do século XXI, a nação rubro-negra tinha mais de 35 milhões de almas para empurrar o clube, o triplo dos 11 milhões de habitantes da cidade do Rio de Janeiro, quase um quinto dos 185 milhões de pessoas que habitavam o Brasil, algo muito maior do que a população de países inteiros. Deles vinha a força para viabilizar um reerguimento. O primeiro grande passo para se ter um Flamengo à altura de sua tradição foi dado com a aproximação e a união de todas as correntes políticas dissidentes dentro do clube em torno de um objetivo comum: tirar o clube do atoleiro antes que fosse tarde. A força democrática da multidão flamenguista, uma tradição desde as origens do vermelho e do preto, fez valer as tradições do clube. Isso foi muito importante, mas faltava ainda fazer as escolhas certas. O que não é algo que emerge da noite para o dia.

Após conseguir uma 11ª posição no Brasileirão 2006, o Flamengo se planejou como há muito não fazia para a Libertadores de 2007. Sob a coordenação do técnico Ney Franco e as lideranças do presidente Márcio Braga e do vice-presidente de futebol Kléber Leite, foram definidos todos os reforços antes da virada do ano e formou-se um elenco com trinta jogadores. Cumprida esta fase, realizou-se uma pré-temporada de vinte dias antes do início das competições oficiais, para deixar o grupo fisicamente bem preparado e competitivo durante o decorrer do ano. Embora isto fosse apenas o básico, o mínimo de planejamento para encarar uma temporada altamente competitiva, essas ações já foram um salto de eficiência, pois frente ao completo abandono de planejamento vivido no clube nos anos anteriores, fazer o básico já era padrão de qualidade.

Mas para montar uma equipe forte e que voltasse a ser competitiva, era preciso ir além. O sucesso na vida depende sempre de continuidade. E os ventos na Gávea sinalizavam que lições foram aprendidas. A base que vinha de 2006 foi mantida, o núcleo duro tinha o goleiro Bruno, os laterais Leonardo Moura e Juan, um meio-campo com Paulinho, Renato Abreu e Renato Augusto, e ainda o atacante Obina. O Flamengo tinha o Campeonato Carioca, a Taça Libertadores e o primeiro turno do Campeonato Brasileiro no primeiro semestre para disputar.

O trabalho bem-feito deu os primeiros frutos com a conquista do Campeonato Carioca de 2007. O time, comandado por Ney Franco, foi campeão jogando com: Bruno, Leonardo Moura, Irineu, Ronaldo Angelim e Juan; Paulinho, Clayton, Renato e Renato Augusto; Roni e Souza.

O objetivo principal, no entanto, não foi alcançado: a conquista da Taça Libertadores. O Flamengo pegou um grupo relativamente fácil na primeira fase, com Paraná, Unión Maracaibo, da Venezuela, e Real Potosi, da Bolívia. Perdeu pontos só na estreia, num heroico empate por 2 a 2 em Potosi, jogando a 4 mil metros de altitude, e depois de estar perdendo por 2 a 0. Na sequência, venceu as cinco partidas restantes e se classificou com a segunda melhor campanha dentre todas. Nas oitavas de final, enfrentou o Defensor Sporting, do Uruguai. Perdeu por 3 a 0 em Montevidéu e aí selou seu destino, pois ficou muito difícil reverter a desvantagem.

No jogo de volta, disputado no Maracanã três dias após a vitória sobre o Botafogo, nos pênaltis, que lhe deu o título carioca, o time rubro-negro conseguiu fazer 2 a 0 ainda com três minutos do segundo tempo. Empurrado pelos 65 mil torcedores presentes no estádio, o time lutou muito, mas não conseguiu fazer o terceiro gol, que levaria a disputa para as penalidades. Mesmo assim, terminou o jogo aplaudido pelo público presente, em reconhecimento ao esforço. Entretanto, a realidade da eliminação foi dura, e custou caro aos cofres do clube, que perdeu o direito a receber os prêmios de participação nas fases seguintes.

Aquele time tinha algumas deficiências técnicas, mas sua determinação e seu alto poder de reação e superação compensavam a carência. Foi assim em Potosi, quando reagiu e empatou depois de ver o adversário com vantagem de dois gols, e num ambiente insólito, sem oxigênio para respirar. Assim foi também no primeiro jogo da final do Carioca, cujo primeiro tempo terminou 2 a 0 para o Botafogo, e o time foi buscar o empate. E foi assim também no segundo jogo contra o Botafogo, em que abriu o placar já no segundo tempo, viu o adversário virar e, quando a disputa já parecia perdida, foi buscar um novo empate por 2 a 2, com um golaço, em chute de longe de Renato Augusto. A disputa foi então para os pênaltis. O goleiro Bruno defendeu dois e o Mengão foi campeão!

Na Libertadores, a missão de virar uma adversidade de 3 a 0 era dificílima. Mas não faltou luta. Quase deu, mas o 2 a 0 foi insuficiente. Aquele time não foi adiante na Libertadores por um destes detalhes e caprichos do futebol. Teve quarenta e poucos minutos para conseguir o gol que levaria a disputa às penalidades. Mas não o fez.

Nas quartas de final, o Defensor quase repetiu a dose contra o Grêmio. Venceu por 2 a 0 o primeiro jogo em Montevidéu, mesmo atuando todo o segundo tempo com um jogador a menos do que os gaúchos (detalhe que poderia ter selado a sorte gremista). Depois, em Porto Alegre, o Grêmio venceu por 2 a 0 (mesmo placar da vitória rubro-negra no Maracanã). Porém, como sofrera um gol a menos fora de casa, foi suficiente para levar a disputa para os pênaltis. Se o rubro-negro carioca também tivesse conseguido levar às penalidades, teria grandes chances de também ter avançado, pois tinha um goleiro especialista em penalidades, que já havia garantido a conquista do Carioca daquele ano. Se o Flamengo tivesse passado adiante, o duelo contra o Grêmio seria equilibradíssimo; qualquer um dos dois poderia sair vencedor. E os gremistas acabaram vice-campeões do torneio, perdendo a final para o Boca Juniors. Mas em história não existe se, só existem fatos consumados.

Continuidade alinhada à eficiência é um dos principais fatores a garantir o sucesso de uma empreitada. Seja no futebol ou em qualquer empreendimento na vida, seja ele pessoal ou profissional. A continuidade dada a Ney Franco como técnico foi um importante fator nesta reconstrução dos pilares rubro-negros. Desde Cláudio Coutinho, técnico do Flamengo durante quatro temporadas (setembro de 1976 até dezembro de 1980), poucos foram os nomes a se manter por um longo período no cargo.

Com a saída de Coutinho, foram testados na Gávea dois nomes antes da chegada de Carpegiani ao posto: um ex-jogador rubro-negro, o paraguaio Modesto Bria, e o paulista Dino Sani. Carpegiani assumiu em julho de 1981, alguns meses antes de conquistar os maiores títulos da história do clube, e permaneceu no cargo até março de 1983. Depois que saiu, Carlinhos assumiu como interino durante cinco jogos, até a contratação de Carlos Alberto Torres. Em seguida, foi a vez de Cláudio Garcia, que esteve oito meses no cargo. Deu lugar a Zagallo, que ficou um ano (o segundo semestre de 1984 e o primeiro de 1985).

Em seguida, assumiu Sebastião Lazaroni, que ficou um ano e meio no cargo, sendo campeão carioca de 1986. No início de 1987, ele trocou o Flamengo pelo Vasco. O rubro-negro, para o seu lugar, pegou o demitido técnico vascaíno Antônio Lopes, que depois de quatro meses cedeu o lugar a Carlinhos, que pela primeira vez assumia efetivamente o time profissional. Entre 1987 e 1990, passaram cinco técnicos pela Gávea: Carlinhos, Candinho, Telê Santana, Valdir Espinoza e Jair Pereira. Nenhum deles chegou a permanecer um ano inteiro à frente da equipe.

Em 1991, o Flamengo foi buscar Vanderlei Luxemburgo, campeão paulista de 1990 com o Bragantino. Porém, a eliminação na Libertadores e uma campanha bastante instável no Brasileiro o mantiveram por apenas sete meses no cargo. Carlinhos voltou para assumir pela segunda vez como efetivo. Como em sua primeira passagem, novamente deu um título brasileiro ao Flamengo, tendo permanecido como técnico do time de setembro de 1991 a março de 1993 (um ano e meio).

Depois dele, num período de pouco mais de um ano e meio, houve cinco técnicos: Jair Pereira (pela segunda vez), Evaristo de Macedo, Júnior, Carlinhos (pela terceira vez) e Edinho. Vanderlei Luxemburgo volta em 1995, ficando seis meses no cargo. No segundo semestre, primeiro houve a volta de Edinho, e, logo depois, assumiu uma dupla: o radialista Washington Rodrigues como técnico, e o “técnico de carreira” Arthur Bernardes, como seu auxiliar.

Para 1996, vida nova e recomeço de trabalho, depois do fracassado ano do Centenário, Joel Santana assumiu como treinador e permaneceu um ano inteiro no cargo. Em 1997, foram três treinadores: Júnior (na sua segunda passagem como técnico), Sebastião Rocha e Paulo Autuori. Em 1998, o trabalho foi iniciado por Autuori, depois passaram pelo cargo: Joel Santana (segunda vez), Toninho Barroso e Evaristo de Macedo (segunda vez). Em 1999, o Flamengo voltou a ser campeão nas mãos de Carlinhos, que ficou todo o ano à frente do time e faturou o Campeonato Carioca e a Copa Mercosul.

Apesar do título sul-americano, o Flamengo trocou Carlinhos por Paulo César Carpegiani para iniciar os trabalhos em 2000. Depois de um longo período afastado das cores rubro-negras, ele só voltou porque vinha badalado pelo sucesso com a seleção do Paraguai na Copa de 1998 e por colocar o São Paulo entre os primeiros do Brasileirão de 1999. Mas só durou três meses no cargo. Durante o ano de 2000, outros três treinadores dirigiram o Flamengo: Carlos César, Carlinhos (sua quarta passagem efetiva, além de uma como interino) e Zagallo.

Durante quase todo o ano de 2001, Mário Jorge Lobo Zagallo foi o treinador rubro-negro; ficou à frente da equipe de outubro de 2000 a novembro de 2001, sendo mais um a conseguir se manter no cargo além de doze meses.

Desde Coutinho (1976/80), poucos técnicos haviam permanecido um ano ou mais à frente da equipe. Foram eles: Carpegiani (1981/83), Zagallo (1984/85), Lazaroni (1985/86), Carlinhos (1991/93), Joel Santana (1996) e Zagallo (2000/2001). E só.

O período de 2002 a 2006 foi o mais intenso em troca de treinadores, justificando esta como a pior fase da história do futebol do clube. Depois de uma rápida passagem de Carlos Alberto Torres no final de 2001, que durou um mês e serviu para salvar o Flamengo do rebaixamento no Brasileiro, em 2002 houve quatro treinadores: João Carlos, Carlos César, Lula Pereira e Evaristo de Macedo.

Já em 2003, o trabalho começou nas mãos de Evaristo, que depois foi sucedido, respectivamente, por: Nelsinho Baptista, Oswaldo de Oliveira e Waldemar Lemos (irmão de Oswaldo e estreante como treinador). Em 2004, Abel Braga dirigiu o time por sete meses, e foi campeão carioca. Deu lugar a uma passagem-relâmpago (de quinze dias) de Paulo César Gusmão. O ano fechou sob a coordenação de Ricardo Gomes.

Em 2005, houve cinco treinadores no Flamengo, um recorde para uma única temporada no clube: Júlio César Leal, Cuca, Andrade, Celso Roth e Joel Santana. Em 2006, o trabalho começou nas mãos de Valdir Espinoza, logo substituído por Waldemar Lemos. E aí veio a aposta ousada da diretoria no mineiro Ney Franco, técnico do modesto Ipatinga, campeão mineiro de 2005, vice-campeão mineiro de 2006 e semifinalista da Copa do Brasil de 2006, tendo eliminado Palmeiras e Santos antes de sair do torneio pelo confronto frente ao Flamengo.

Ney Franco permaneceu mais de um ano à frente do Flamengo, o que muitos outros não haviam conseguido em vários anos. Para isto, obteve uma ligeira melhora nos resultados rubro-negros, voltando a aproximar o time da Gávea de um desempenho mais alinhado ao que teve até o final dos anos 90. De 1985 a 2000, o Flamengo venceu 51% dos jogos e perdeu 23%. Entre 2001 e 2006, em 404 jogos, venceu 39%, empatou 25% e perdeu 36%. Quando Ney Franco completou um ano à frente do comando técnico da equipe rubro-negra, em 64 jogos, havia vencido 32 (50%) e perdido vinte (36%). Ainda perdia muito, como no intervalo 2001/06, mas vencia bem mais do que seus antecessores, em patamar nivelado à média do período entre 1985 e 2000. Portanto, empatando pouco, conseguiu manter certa longevidade no cargo, favorecido pelas conquistas da Copa do Brasil de 2006 e do Campeonato Carioca de 2007. Depois de quatorze meses no Flamengo, e com um mau desempenho nas quinze primeiras rodadas do Brasileirão, acabou demitido, num momento em que o Flamengo amargurava a penúltima colocação da tabela.

O seu lugar no banco de reservas foi ocupado por Joel Santana, que voltou para mais uma passagem, a quinta, à frente da equipe rubro-negra. Em sua primeira, ele conquistara o título invicto do Campeonato Carioca de 1996, e na anterior despediu-se invicto do clube, salvando o time do rebaixamento à Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. Agora chegava para assumir uma equipe que, novamente, estava na zona de rebaixamento. Os dois confrontos que Joel tinha pela frente em seus dois primeiros jogos comandando o time eram muito difíceis: Santos e Atlético Paranaense, equipes que ocupavam as primeiras posições da tabela, e ambos fora de casa. O Flamengo perdeu a primeira por 3 a 0 e a seguinte por 2 a 0, caindo para a 19ª e penúltima colocação do certame.

Além da chegada de Joel, o clube reforçou o grupo. Foram contratados seis jogadores: o veterano zagueiro Fábio Luciano, que estava no Fenerbahce, da Turquia; o cabeça de área Cristian, do Atlético Paranaense, trocado por Clayton; o meia-armador Ibson, que voltou ao clube emprestado pelo Porto, de Portugal; o experiente meia Roger, ex-Fluminense, que estava jogando no Corinthians; e, para terminar, dois argentinos, o cabeça de área Hugo Colace, do Estudiantes de La Plata, com passagem pela seleção da Argentina sub-17, e o atacante Maxi Biancucchi, contratado ao Sportivo Luqueño, do Paraguai, e que era primo de sangue do atacante Lionel Messi, titular absoluto do Barcelona, da Espanha, e da seleção da Argentina.

Em compensação, com a janela de transações para o exterior aberta entre julho e agosto, deixaram o clube o cabeça de área Paulinho, que foi jogar no Maccabi Haifa, de Israel, e o meia Renato Abreu, que foi para o Al Nassr, dos Emirados Árabes. Entretanto, o Flamengo conseguiu contornar os assédios a Leonardo Moura e Renato Augusto. Com isso, a base campeã carioca no primeiro semestre estava mantida.

Depois das derrotas nos dois primeiros jogos de Joel, o time se acertou, e aí se materializou a maior arrancada já vista no futebol. Nos 24 jogos que restavam até o fim do torneio, o rubro-negro venceu quinze, empatou quatro e perdeu apenas cinco. Saltou da 19ª para a terceira posição, conseguindo uma gloriosa classificação para jogar a Taça Libertadores do ano seguinte. Por muito pouco o time não terminou como vice-campeão. Teve a chance de ultrapassar o Santos na última rodada, mas se acomodou e perdeu para o Náutico, em Recife. O time que sacramentou o milagre formava com: Bruno, Leonardo Moura, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim e Juan; Jaílton, Cristian, Ibson e Toró; Renato Augusto e Souza. No banco: Roger, Maxi e Obina.

Como não poderia deixar de ser, a arrancada foi empurrada pelo grito que vinha da arquibancada. A melodia que empurrou este estupendo arranque das últimas às primeiras colocações assim entoava: “Tu és time de tradição/ Raça, amor e paixão/ Oh meu Mengo!/ Eu sempre te amarei/ Onde estiveres, estarei/ Oh meu Mengo!” Empurrado por este grito e com o time correspondendo às expectativas dentro de campo, o Flamengo obteve oito dos dez maiores públicos do campeonato. Teve uma média de 33 mil torcedores nos jogos disputados no Maracanã. Sua média de público no cômputo geral (incluindo as partidas jogadas fora de casa) só perdeu para a de 32,5 mil torcedores por jogo obtida no Campeonato Brasileiro de 1992, recorde mundial de média de público de um clube em uma competição.

A partida que sacramentou a classificação matemática para a Libertadores, uma vitória por 2 a 0 sobre o Atlético Paranaense, no Maracanã, foi comemorada pelos jogadores e torcedores com uma festa digna da conquista de um título. A reconstrução da grandeza do Flamengo ali se materializava, como não poderia deixar de ser, sob uma perfeita sincronia entre o campo e a arquibancada, entre jogadores, torcedores, comissão técnica e dirigentes. O espírito da multidão se materializava e vinha relembrar aos cariocas e aos brasileiros o porquê daquele clube ser tão grande, tão amado, tão invejado, tão celebrado. Os anos de martírio haviam feito algumas pessoas esquecerem que ter a maior torcida do Brasil não é algo que se obtém da noite para a manhã, de um ano para outro. Muitas foram as vozes que trataram de humilhar e menosprezar o vermelho e o preto enquanto estas cores viveram seus dias de martírio. Mas a multidão voltou a tomar o Flamengo nos braços e, assim, reconquistou-se uma grandeza com cem anos de multidão.

Mas a reconstrução, naturalmente, ainda não fora de todo concretizada. Havia-se aliviado o martírio, o que já era um grande passo, mas faltava solidificar nos anos seguintes as bases de sustentação. As escolhas feitas diriam se o futuro conseguiria ou não espelhar a grandeza de seu passado.

Para a temporada de 2008, repetiu-se a fórmula de planejamento usada em 2009: manutenção do técnico e de uma base, definição de reforços antes do fim do ano, realização de uma adequada pré-temporada e montagem de um grupo forte, com peças de reposição para todas as funções. O fantasma dos atrasos salariais ainda não havia desaparecido, mas o Flamengo se recompôs financeiramente, equilibrando seu orçamento e buscando reconstruir a responsabilidade perdida, que havia levado consigo a imagem do clube, sujando-a para potenciais parceiros e financiadores.

O único jogador a sair dentre os que haviam participado da arrancada no Brasileirão de 2007 foi o meia Roger, que na avaliação da diretoria rendera abaixo do esperado. O grupo ainda ganhou reforços, pois o grande objetivo era voltar a conquistar a Libertadores. Chegaram ao clube mais seis jogadores: o meia Kléberson, campeão com a seleção brasileira da Copa do Mundo de 2002; o zagueiro Rodrigo, ex-São Paulo; o cabeça de área paraguaio Gavilán, ex-Internacional e Grêmio; o meia-armador Jônatas, que voltava ao clube, emprestado pelo Espanyol; o meia-atacante Marcinho, do Atlético Mineiro; e o atacante Diego Tardelli, contratado ao São Paulo.

O Flamengo conquistou o bicampeonato carioca vencendo o Botafogo na final, como ocorrera no ano anterior. O grande objetivo, no entanto, era a Taça Libertadores. O grupo do rubro-negro na primeira fase não estava entre os mais difíceis, tinha o Nacional de Montevidéu, do Uruguai, e dois clubes peruanos, o Cienciano, de Cuzco, e o Coronel Bolognesi, de Tacna. Sem fazer uma campanha muito brilhante, o time conseguiu garantir a primeira posição no grupo, e a segunda melhor campanha no geral, atrás apenas da feita pelo Fluminense. A vitória no último jogo, que garantiu a primeira posição, foi duríssima, conquistada sobre o Bolognesi, no Maracanã, após um gol de falta convertido pelo goleiro Bruno, já nos minutos finais da partida. Ele foi o terceiro goleiro na história rubro-negra a fazer um gol; Ubirajara Alcântara, nos anos 70, com um chute que atravessou o campo, e Zé Carlos, no final dos anos 90, em uma cobrança de pênalti, foram os outros dois. Tudo rumava bem, dentro dos planos.

As coisas começaram a mudar quando Joel Santana recebeu uma proposta para ir treinar a seleção da África do Sul. Os sul-africanos já estavam classificados para a Copa do Mundo, como país-sede do torneio de 2010. Nem tanto pela recompensa salarial, pois semanas antes ele havia rejeitado uma nova investida do futebol japonês; Joel ia atrás do sonho de participar de uma Copa. Ele sairia após o fim do Campeonato Carioca. Entre os dois jogos da final, no primeiro confronto pelas oitavas de final da Libertadores, o rubro-negro venceu o América do México por 4 a 2 em pleno estádio Azteca. No domingo seguinte, derrotou os botafoguenses por 3 a 1 e faturou o bi do Estadual. Preparou-se então a festa de despedida para o treinador na partida de volta contra o América, no Maracanã.

Acreditando que a classificação estava sacramentada e que os mexicanos seriam presas fáceis, o time se excedeu nas comemorações antes do jogo, promovendo uma esbanjada festa na concentração. O futebol é imperdoável com aqueles que desprezam e menosprezam seus adversários e, como reza a gíria futebolística, entram em campo de salto alto. O preço pago pela arrogância foi altíssimo: América 3 a 0, sob o ritmo do atacante paraguaio Cabañas. Pelo segundo ano consecutivo, o sonho do título sul-americano naufragou nas oitavas de final. Talvez esta fosse a maior oportunidade de vencer o título continental a desenhar-se desde o título de 1981, e, por preciosismo, o Flamengo a desperdiçou. Mas a reconstrução do clube estava em curso, e nem um tropeço tão doído como este foi capaz de revertê-la.

Um ponto fundamental para que o Flamengo conseguisse se reerguer, após anos tão difíceis, foi a reestruturação do trabalho nas divisões de base, na formação de talentos. O Flamengo detém, de longe, a maior quantidade de títulos do Campeonato Carioca de Juniores (sub-20), mas vinha tendo dificuldades em continuar a produzir jovens talentos em escala suficiente. A expertise de gerar talentos foi fundamental para o reerguimento. Quando o rubro-negro vence muito e levanta troféus nas suas categorias de base é sinal de que uma nova geração vem chegando para brilhar no profissional.

Assim aconteceu quando o clube foi tricampeão carioca de juniores em 1956/57/58, e em 1959 revelava craques como Carlinhos e Gérson. A partir daí, conquistas em sequência ocorreram quando o clube foi bicampeão de juniores em 1972/73, 1979/80, 1985/86, 1989/90 e 1993/94. Cada um destes períodos teve em sequência o surgimento de uma geração vencedora. Da primeira geração bicampeã emergiram Zico, Júnior, Geraldo e Rondinelli. Da segunda, Leandro, Andrade, Vítor e Tita. Na seguinte, subiram Zinho, Aldair, Ailton e Leonardo. A geração bicampeã em 1989/90 foi a que revelou Djalminha, Paulo Nunes, Marcelinho Carioca, Júnior Baiano e Nélio; e na de 1993/94, emergiu Sávio.

As divisões de base rubro-negras voltaram a tempos de grandes vitórias quando o Flamengo conquistou novamente um tricampeonato carioca nos juniores entre 2005 e 2007. Isto não acontecia desde 1959. Durante o período deste tricampeonato, ainda foi campeão da Copa Cultura de 2005, que foi um “Torneio Rio–São Paulo de juniores”, organizado para comemorar o aniversário da TV Cultura, canal educativo paulista. Essa competição durou quase todo o segundo semestre daquele ano. Ela foi definida num quadrangular final entre Flamengo, Fluminense, São Paulo e Santos. O Mengão garantiu o troféu com uma vitória por 2 a 1 sobre o Santos na Vila Belmiro. O gol do título, marcado pelo cabeça de área Rômulo, saiu aos 38 minutos do segundo tempo. Felipe Dias havia aberto o placar no primeiro tempo, e um empate daria o título ao São Paulo, que na véspera vencera o Fluminense. Com o resultado final, o Flamengo somou doze pontos, seguido pelo São Paulo com onze, o Santos fez sete e o Fluminense apenas três.

O Flamengo sempre conservou uma longa tradição de manter ex-jogadores como responsáveis pela formação de novos craques nas categorias sub-17 e sub-20. Foi assim entre os anos 50 e 1980, quando estiveram cuidando do time de juniores nomes como Jaime de Almeida, Modesto Bria, Nilton Canegal, Joubert, Jaime Valente e Carlinhos. Esta tradição foi interrompida nos anos 90, quando o time sub-20 foi dirigido por técnicos como Ernesto Paulo, Sebastião Rocha, Toninho Barroso, Carlos César e Marcos Paquetá. Nos anos 2000, voltou-se a ela, com Andrade e Adílio comandando a garotada.

Adílio merece menção especial, pois foi com este técnico que o clube conquistou o tricampeonato carioca de juniores (2005-2007), a Copa Cultura, o Torneio Octavio Pinto Guimarães de 2006, e ainda, em 2007, ganhou pela terceira vez em sua história a Taça Belo Horizonte de Juniores (1986, 2003 e 2007).

As divisões de base da Gávea têm um longo histórico de formação de craques para a seleção brasileira: Zico, Júnior, Leandro, Mozer, Bebeto, Zé Carlos, Zinho, Aldair, Leonardo, Marcelinho Carioca, Júnior Baiano, Djalminha, Paulo Nunes, Sávio, Juan, Athirson, Júlio César e Adriano estão entre algumas das grandes contribuições do clube.

Desde 1995, o ritmo de formação tinha diminuído um pouco. Entre 1995 e 1996, haviam emergido nomes como o goleiro Fábio Noronha, o zagueiro Fabiano, o lateral-esquerdo Leonardo Inácio e o centroavante Aloísio Chulapa. De 1997 a 1999, surgiu uma nova geração, da qual constavam os nomes do goleiro Júlio César, os zagueiros Luiz Alberto e Juan (este, titular do Brasil na Copa do Mundo de 2006) e o lateral-esquerdo Athirson. A geração seguinte ainda revelaria o meia Lê e os atacantes Reinaldo e Adriano (também titular do Brasil na Copa de 2006). A geração que emergiu entre 2001 e 2002 pagou o preço da má situação econômica do clube. No grupo promovido nesse período estavam nomes como o lateral-direito Alessandro, os zagueiros André Bahia e Fernando, o lateral-esquerdo Cássio, os meias Fabiano Cabral e Felipe Melo, e os atacantes Andrezinho e Roma. Algo parecido aconteceu com aqueles que subiram dos juniores entre 2003 e 2004, como o zagueiro Henrique, o lateral-esquerdo Anderson, os meias-armadores Ibson e Jônatas, e o atacante Jean. A geração seguinte chegou dos juniores entre 2004 e 2007, e tinha promessas como: Felipe Gabriel, Renato Augusto, Vinícius Pacheco, Fabiano Oliveira, Paulo Sérgio e Bruno Mezenga.

Embalada pela sequência de troféus levantados pelo clube no sub-20 entre 2005 e 2007, a garotada do Flamengo embarcou em agosto de 2007 para a Malásia, para disputar o Mundial Sub-19 de Clubes (The Championship Youth Cup), organizado pelo G-14 (grupo dos quatorze clubes de futebol mais ricos do mundo) e jogado em Kuala Lampur.

O Flamengo caiu no grupo A do torneio, junto a Milan, da Itália; Ajax, da Holanda; e Arsenal, da Inglaterra. O grupo B tinha Juventus, da Itália; Barcelona, da Espanha; Paris St-Germain, da França; e seleção do Qatar. O grupo C tinha Manchester United, da Inglaterra; Porto, de Portugal; Internazionale, da Itália; e Boca Juniors, da Argentina. E o grupo D era formado por Chelsea, da Inglaterra; Bayern de Munique, da Alemanha; PSV Eindhoven, da Holanda; e seleção da Malásia.

Na estreia, o rubro-negro carioca enfrentou os rubro-negros milaneses e empatou por 1 a 1, gols de Pedro Beda para o Flamengo e de Pierre Aubameyang para o Milan. Na segunda partida, o adversário foi o Arsenal; vitória rubro-negra: 2 a 1, de virada, com dois gols do atacante Kayke. No terceiro jogo, duelo com mais um gigante europeu, o Ajax, de Amsterdã; e mais uma vitória, 1 a 0, gol de Kayke. O Flamengo terminou a primeira fase em primeiro lugar no grupo; o Milan ficou em segundo, e ambos avançaram às quartas de final. Arsenal e Ajax voltaram para casa, eliminados.

Nas quartas de final, as partidas foram: Flamengo x PSV Eindhoven; Bayern Munique x Milan; Internazionale x Juventus; e Barcelona x Manchester United. Em seu duelo frente aos holandeses, o Flamengo venceu por 1 a 0, gol do meia Erick Flores no último minuto. Os confrontos semifinais comprovavam a dureza da competição: Flamengo x Manchester United e Milan x Juventus.

A garotada rubro-negra encarou os Diabos Vermelhos ingleses com uma melhor campanha até ali. O time enfiou três bolas na trave, mas acabou derrotado: 2 a 1 Manchester, com Hewson abrindo o placar para os ingleses, Kayke, de pênalti, empatando no fim do primeiro tempo, e Hewson fazendo de novo, a dez minutos do fim. O Manchester acabou campeão, batendo a Juve na final por 1 a 0. O Flamengo decidiu o terceiro lugar contra o Milan, e venceu! Vander abriu o placar após grande jogada de Vinícius Colombiano. O atacante francês Pierre Aubameyang, que foi o artilheiro da competição com seis gols, empatou com o Milan; o zagueiro Wellington desempatou e Kayke, que com cinco gols no torneio foi o vice-artilheiro, fechou o placar: 3 a 1. Flamengo, terceiro colocado no Mundial Sub-19 de Clubes.

Reconstruído o trabalho na base, faltavam sinais mais sólidos de reerguimento no time profissional. Era necessária a certeza de que a recuperação não se esvairia e seria resumida à brilhante arrancada no Campeonato Brasileiro de 2007. Os sinais da reconstrução pela qual passava o Flamengo ficaram ainda mais nítidos a partir de 2008. O rubro-negro carioca contratou, para o lugar de Joel Santana, o técnico Caio Júnior. Ele havia conseguido terminar o Brasileiro de 2006, dirigindo o Paraná, na 5ª colocação, e o Brasileiro de 2007, dirigindo o Palmeiras, em sétimo lugar, mas figurou o campeonato inteiro nas primeiras posições. Com ele, o Flamengo se manteve na liderança até a 13ª rodada. A equipe era a mesma que faturara o bi carioca, escalada com: Bruno, Leonardo Moura, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim e Juan; Cristian, Toró, Ibson e Renato Augusto (Kléberson); Marcinho e Souza. Na reserva ainda tinha nomes fortes, como: Jônatas, Diego Tardelli, Maxi e Obina.

Até aquele momento, o desempenho da equipe no ano era fantástico. Em 39 jogos disputados, incluindo Carioca, Libertadores e Brasileiro, haviam sido conquistadas 28 vitórias (72%), cinco empates e seis derrotas (apenas 15% das partidas jogadas). Era um desempenho de altíssimo padrão dentro da própria história do clube. Só em 1979, o time rubro-negro havia vencido mais de 72% das vezes em que entrou em campo. Uma única vez nos cem anos de futebol do clube. Perder só 15% dos jogos era padrão equivalente ao alcançado na Era de Ouro do Flamengo, entre 1978 e 1983. Se desde 2001, com Edílson, a Gávea não via um jogador fazer mais do que vinte gols na temporada, neste ano de 2008, Marcinho já fizera dezessete até ali, e estava muito próximo de bater esta marca. As coisas até ali estavam funcionando muito bem.

Mas o clube tinha que quebrar um tabu para conseguir ser campeão. Desde que o Campeonato Brasileiro passou a ser disputado em turno e returno por pontos corridos, a partir de 2003, só no primeiro ano o líder nas dez primeiras rodadas manteve a liderança até o final e sagrou-se campeão. E pior, entre 2004 e 2007, por quatro edições consecutivas, quem liderou até aí terminou o ano, no melhor dos casos, em 15º lugar. Os adversários nessa briga também eram fortes: Grêmio, Cruzeiro, Palmeiras, São Paulo, Vitória e Internacional vinham na cola do Flamengo.

Para os mais supersticiosos, o clube também tinha um tabu a seu favor: nas cinco vezes em que conseguira conquistar o título de campeão brasileiro, o time rubro-negro tinha um treinador cujo nome se iniciava com a letra C: Cláudio Coutinho em 1980, Carpegiani em 1982, Carlos Alberto Torres em 1983, e Carlinhos, duas vezes, em 1987 e 1992. Levaria Caio Júnior esta tradição adiante?

Só que, a partir da 11ª rodada, a base que conquistara o bicampeonato carioca sofreu sérios desfalques. Naquele momento, o time rubro-negro liderava com folga a competição, tendo cinco pontos de vantagem para o vice-líder. O que deixou as coisas mais difíceis foi a abertura da janela de transferências para o exterior, entre julho e agosto. Líder do campeonato, o assédio aos profissionais rubro-negros foi grande.

Por um lado, o clube conseguiu manter Caio Júnior no comando, mesmo com ele tendo recebido uma pomposa proposta do Qatar. A segunda vitória foi a prorrogação do empréstimo de Ibson por mais um ano junto ao Porto. Mas a pressão foi grande e as perdas eram inevitáveis. Renato Augusto foi contratado pelo Bayer Leverkusen, da Alemanha. Marcinho, artilheiro do time, seduzido pelos dólares oferecidos pelo Qatar Sport Club, foi para o Oriente Médio; e Souza, para o Panathinaikos, da Grécia. O ataque foi inteiramente desmontado, já que vinha dando certo e sendo o mais positivo do campeonato, jogando com Renato Augusto, Marcinho e Souza, e vez por outra com Kléberson fazendo a armação, quando Renato Abreu ou Marcinho não jogavam. Para piorar, este último sofreu séria luxação no ombro durante um treinamento coletivo, na Gávea. O Flamengo perdia, assim, quatro importantes peças de seu conjunto.

A saída de Marcinho e Renato Augusto ocorreu logo após a 11ª rodada. O time sentiu a queda de qualidade. Nos dois jogos seguintes, duas derrotas, para Coritiba e Vitória, e o clube viu sua liderança ameaçada. Em seguida, dois empates, com Portuguesa de Desportos e Botafogo. O rubro-negro estava com ampla folga, e foram necessários quatro jogos sem vencer para que ele fosse ultrapassado. Após duas derrotas e dois empates, o Flamengo terminou a 15ª rodada na vice-liderança, um ponto atrás do Grêmio.

Vieram então dois duelos contra adversários diretos na luta pelo título: Palmeiras e Cruzeiro, o primeiro em São Paulo e o segundo no Maracanã. No primeiro, o rubro-negro caiu diante do Palmeiras e, com a derrota, passou à quarta colocação. Àquela altura, o Campeonato Brasileiro vivia o perfeito momento que permite a visualização do quão diferenciada uma equipe precisa ser para vencê-lo: jogadas dezesseis rodadas, a diferença entre o primeiro e o sétimo colocado na tabela era de apenas cinco pontos.

A parada seguinte do time dirigido por Caio Júnior era contra o Cruzeiro. Só restava vencer, para não arruinar o moral e a autoestima da tropa. Mas o Flamengo caiu mais uma vez: Cruzeiro 2 a 1, de virada. Com o resultado, o rubro-negro desceu para a sexta colocação na tabela e, pela primeira vez em dezessete rodadas, estava fora da zona de classificação para a Libertadores, que incluía as quatro primeiras posições. E se já não bastasse a perda de quatro jogadores de frente, neste confronto com o Cruzeiro o atacante Diego Tardelli fraturou o braço. Tendo perdido Marcinho, Renato Augusto, Souza e Tardelli, e estando por um mês sem o lesionado Kléberson, eram necessárias peças de reposição. Nas duas últimas rodadas do turno, uma vitória e uma derrota, e o time terminou a primeira metade do torneio na sétima posição.

O Flamengo voltou então à sua tradição de buscar talentos nas bandas do Rio da Prata. Tentou contratar o centroavante uruguaio Richard Morales, do Nacional de Montevidéu, porém o negócio não vingou. Morales, que na Libertadores havia enfrentado o time rubro-negro, e feito dois gols na vitória de 3 a 0 do Nacional, no Uruguai, foi perfeito ao sintetizar, durante as negociações, as razões que faziam o Flamengo ser um clube diferente dos demais: “O que mais me impressiona no Flamengo é a gente que o acompanha”.

Ele não assinou com o clube, mas o esforço para repor as perdas foi feito. Para lutar por se manter na disputa pelo título foram contratados, na virada do primeiro para o segundo turno, nove jogadores, principalmente nas posições que demonstravam mais carência: chegaram à Gávea quatro meias-armadores e quatro atacantes.

Depois de acumular sete rodadas sem vencer, o que lhe custou sete posições na tabela, o time, reforçado, começou a se recuperar. Nas seis rodadas seguintes não perdeu, venceu três jogos e empatou três, saltando para o quinto lugar. Na sétima rodada voltou a perder, para o São Paulo, no Morumbi. Daí para a frente, faltavam treze jogos, dos quais nove seriam jogados no Maracanã.

Os dois jogos seguintes foram em casa, contra Ipatinga e Sport: duas vitórias duríssimas. A onze rodadas do fim, o campeonato estava em aberto: Grêmio e Palmeiras dividiam a liderança com cinquenta pontos cada. Em seguida, três clubes na cola com 46 pontos: Flamengo, Cruzeiro e São Paulo. O sexto colocado era o Botafogo, com 43.

Na rodada seguinte, o time rubro-negro foi a Recife e superou o Náutico. Seguiam-se então três jogos consecutivos no Maracanã. A esperança de encostar nos líderes e arrancar para o título crescia. No jogo seguinte, frente ao Atlético Mineiro, a multidão se fez presente: 78 mil pessoas e recorde de público no campeonato. Só que o time não aproveitou a oportunidade.

Perdeu por 3 a 0, desperdiçando pontos que iriam lhe custar caro. Nos dois jogos que vieram em sequência, o time venceu duas vezes; primeiro bateu o Vasco e, depois, goleou o Coritiba por 5 a 0. Com isso, manteve-se vivo na luta para conquistar seu sexto título de Campeonato Brasileiro. Na rodada seguinte, o Flamengo foi a Salvador enfrentar o Vitória, décimo colocado na tabela. Voltou da capital baiana com um empate sem gols. Se vencesse, teria se metido no bolo que dividia a liderança. Continuava acirradíssima a luta entre as cinco equipes que brigavam por levantar a taça do campeonato mais disputado do mundo. Ao fim desta, que foi a 32ª rodada do campeonato, Grêmio e São Paulo dividiam a liderança com 59 pontos. Atrás vinham Palmeiras e Cruzeiro, com 58. O Flamengo tinha 56, ocupando a quinta colocação.

Faltavam apenas seis jogos para a definição do campeão nacional, e mais uma vez o rubro-negro carioca tinha uma sequência de três jogos a disputar no Rio de Janeiro. Parecia ser a última oportunidade para saltar sobre os líderes. Os adversários eram a Portuguesa de Desportos, que brigava para não cair para a Segunda Divisão; o Botafogo, sexto colocado no torneio, e o Palmeiras, adversário direto na luta pelo título.

Pelas posições que cada um dos três adversários ocupava na tabela, tudo sugeria que o primeiro destes três confrontos seria o mais fácil. Porém, por uma destas grandes ironias do futebol, foi logo neste que a equipe rubro-negra, ao empatar, deu adeus à luta pelo título. O São Paulo assumiu a liderança nesta rodada e se distanciou cinco pontos na tabela. Restava à turma da Gávea lutar para tentar disputar, pelo terceiro ano consecutivo, a participação na Taça Libertadores da América. Para isso, era preciso terminar entre os quatro primeiros.

Nos dois confrontos seguintes, o sonho do título ainda permaneceu aceso, depois de uma vitória simples sobre o Botafogo e uma implacável goleada por 5 a 2 sobre o Palmeiras. Com as duas vitórias, o Flamengo subiu para a terceira posição, três pontos atrás do vice-líder Grêmio, e cinco atrás dos são-paulinos, então detentores da ponta. Porém, as chances matemáticas ruíram por terra após a derrota por 3 a 2 para o Cruzeiro no Mineirão, na 36ª rodada.

O São Paulo Futebol Clube acabou garantindo o título nesta acirradíssima disputa. Conquistou, assim, seu sexto título nacional, superando o Flamengo, a quem se havia igualado em número de títulos brasileiros no ano anterior, para se tornar o maior ganhador de troféus na Primeira Divisão. E mais, sagrou-se tricampeão, conquistando o campeonato pelo terceiro ano consecutivo, algo que até então nenhum clube havia conseguido na história do Campeonato Brasileiro.

O ano de 2008 foi o de desperdício de grandes oportunidades na Gávea. O Flamengo perdeu uma incrível oportunidade de estar entre os finalistas da Taça Libertadores na derrota por 3 a 0 para o América do México, em pleno Maracanã. No Campeonato Brasileiro, ficou fora da luta pelo título após ser derrotado, também em casa, pelo Atlético Mineiro por outros 3 a 0. Porém, a oportunidade mais incrível dentre as desperdiçadas foi a de voltar à Libertadores. Em pleno Maracanã, após abrir 3 a 0 sobre o Goiás na penúltima rodada, o time rubro-negro permitiu o empate aos goianos. A vitória o teria deixado na terceira colocação, o empate o manteve em quinto. Na última rodada, derrota para o Atlético Paranaense em Curitiba e a possibilidade de disputar pela terceira vez consecutiva o torneio sul-americano naufragou. Por dois pontos, o Flamengo perdeu a última vaga para o Palmeiras, que também saiu derrotado na última rodada.

Dois pontos que poderiam ter sido aqueles desperdiçados em uma cobrança de pênalti malfeita por Ibson no último minuto de jogo contra a Portuguesa, ainda no primeiro turno, ou nas derrotas para Vitória, Cruzeiro e Atlético Mineiro em pleno Maracanã, ou ainda no novo empate contra a Portuguesa no returno, e, claro, no desastroso empate com o Goiás.

Apesar das oportunidades incríveis desperdiçadas pela turma da Gávea, a temporada do Flamengo foi a melhor em muitos anos. Então bicampeão carioca, com seis títulos nas dez últimas competições disputadas até aí, o clube esboçava certa hegemonia no futebol carioca que só teve similar, em toda sua história, na virada dos anos 1970 para 80. Tendo terminado o Campeonato Brasileiro com um terceiro lugar em 2007 e com uma quinta colocação em 2008, o rubro-negro quebrou outro tabu, pois desde o biênio 1987/88 não conseguia terminar dois campeonatos consecutivos entre os seis primeiros colocados. No conjunto da temporada, das 66 partidas jogadas, venceu 38 (58%) e perdeu quinze (23%). Desde a temporada de 1984, não vencia mais do que 57% dos jogos disputados, e desde 1996 não perdia proporcionalmente tão pouco. Seus atacantes marcaram 126 gols no ano de 2008, o melhor desempenho em oito anos. O time terminou o Campeonato Brasileiro com o melhor ataque da competição e com a segunda melhor defesa. Deixou de ser campeão ao pecar em inconsistência e instabilidade. Após ter dado certa longevidade (dentro dos padrões brasileiros) para Ney Franco e Joel Santana no comando técnico da equipe, o Flamengo começou e terminou o campeonato nacional de 2008 com o mesmo treinador: Caio Júnior. Desde Carlinhos, um técnico não dirigia o time rubro-negro da primeira à última rodada do Brasileirão. As coisas pareciam estar entrando nos eixos na Gávea. Mas um projeto de reconstrução jamais é linear, ainda mais depois de tão longo período sob tão intenso martírio.

Para o início da temporada de 2009, a base do time rubro-negro foi mantida. Saíram Diego Tardelli, comprado pelo Atlético Mineiro, e Jaílton, negociado ao Fluminense, e foram contratados o cabeça de área Willians, do Santo André, e o meia-atacante Zé Roberto – ex-Botafogo – emprestado pelo Schalke 04, da Alemanha. A coisa começou mal, o time acabou eliminado na semifinal da Taça Guanabara pelo modesto Resende em pleno Maracanã. Mas o grupo se recuperou e venceu o segundo turno, postulando-se para a final do Campeonato Carioca, na qual, novamente, Flamengo e Botafogo se encontravam para decidir, pelo terceiro ano consecutivo, quem levaria a taça.

Assim como em 2007, os treinadores Ney Franco e Cuca se encontravam, só que desta vez sob camisas opostas: agora Ney era o treinador botafoguense e Cuca, o flamenguista. Em 2007, as finais foram decididas nos pênaltis, após dois empates seguidos por 2 a 2. Em 2009, a história se repetiu, com os mesmos dois placares. No primeiro jogo, rubro-negros abriram o placar, os alvinegros viraram, mas um gol de Willians, a seis minutos do final, selou o empate. No segundo jogo, o primeiro tempo terminou 2 a 0, com gols de Kléberson, e parecia que a sorte estava selada e o tri assegurado. Mas o Botafogo empatou o jogo com menos de vinte minutos do segundo tempo. Novo empate por 2 a 2. Assim como em 2007, nas mãos do goleiro Bruno, que pegou três pênaltis, o título foi assegurado. Flamengo tricampeão carioca!!! Botafogo, trivice-campeão!!! O time tricampeão jogava com: Bruno, Leonardo Moura, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim e Juan; Airton, Willians, Kléberson e Ibson; Emerson e Josiel.

Motivado pela conquista do penta-tri, o Flamengo se encheu ainda mais de esperanças para a disputa do Campeonato Brasileiro de 2009 após acertar com o atacante Adriano, o Imperador. Mas os primeiros resultados no torneio não foram muito animadores, principalmente pelas derrotas por 4 a 2 para o Sport e por 5 a 0 para o Coritiba. O grupo se redimiu goleando o Internacional por 4 a 0 no Maracanã e escapou de vorazes críticas.

Durante o primeiro turno, sem conseguir manter uma consistência, o time rubro-negro oscilava entre a 6ª e a 11ª posições. Apesar de a defesa manter a estrutura dos anos anteriores, a falta de referência pela ausência do capitão Fábio Luciano, que se aposentou após o término do Carioca, era explícita. E, mesmo com um ataque forte de Emerson e Adriano, que vinham fazendo muitos gols, havia uma visível carência criativa no meio de campo. O time não conseguia se firmar e isto custou o emprego do técnico Cuca, finalmente substituído por Andrade.

A insegurança aumentou após a saída do atacante Emerson, que, seduzido pelos dólares do Oriente Médio, foi jogar por um clube do Qatar. O time sentiu de imediato, e seguiram-se três derrotas consecutivas, para Grêmio, Cruzeiro e Avaí, e o posicionamento na tabela caiu para a 14ª colocação, a pior do Flamengo até ali, treze pontos atrás do então líder Palmeiras. Para piorar, Kléberson sofreu novamente um deslocamento no ombro, desta vez em partida defendendo a seleção brasileira, e isto o deixou meses longe dos campos.

A história rubro-negra naquele ano, entretanto, começou a mudar na 22ª rodada, passando por três personagens em especial, contratados ao fim do primeiro turno. O primeiro deles foi o zagueiro Álvaro, contratado ao Internacional, que chegava para tentar suprir a ausência de Fábio Luciano. O segundo foi o cabeça de área chileno Maldonado, ex-jogador de São Paulo, Cruzeiro e Santos, e que estava jogando no Fenerbahce, da Turquia. O terceiro foi o meia sérvio Petkovic, herói do quarto tricampeonato rubro-negro em 2001.

O trio chegava para dar experiência ao grupo. O mais velho dos três era Petkovic, que voltava ao Flamengo aos 37 anos. A mídia esportiva foi unânime em levantar dúvidas sobre a aposta feita nele, já o davam como vencido para o futebol. O zagueiro Álvaro, ex-jogador da seleção brasileira sub-23 e há sete anos jogando no futebol espanhol, chegava para defender as cores rubro-negras aos 31 anos. O mais jovem da turma era Maldonado, que tinha 29 anos, mas que para muitos também não seria capaz de repetir o futebol de outros tempos.

Nas dez rodadas seguintes, com sete vitórias e três empates, o clube saltou nove posições na tabela e chegou ao quinto lugar. Ao final da 31ª rodada, o líder do Brasileirão era o Palmeiras, com 54 pontos. Um ponto atrás estava o Atlético Mineiro, com 53, seguido por São Paulo e Internacional, ambos com 52. O Flamengo tinha 51. Quem vinha uma posição atrás era o Cruzeiro, em sexto lugar, com 48 pontos, e extremamente embalado, já que acumulava naquele momento uma série de nove vitórias em quatorze jogos, sequência que o alçou da 15ª posição, onde se encontrava na 17ª rodada, para o sexto lugar. O time titular arquiteto de tal façanha tinha: Bruno, Leonardo Moura, Álvaro, Ronaldo Angelim e Juan; Maldonado, Aírton, Willians e Petkovic; Zé Roberto e Adriano.

A campanha rubro-negra teve atuações memoráveis da dupla Petkovic e Adriano, que obtiveram resultados gloriosos, dentre os quais o mais reluzente foi a vitória por 2 a 0 sobre o então líder Palmeiras, dentro do Parque Antarctica, em São Paulo, com dois gols do meia sérvio, um dos quais tendo sido um gol olímpico. Uma rodada antes, os rubro-negros já haviam batido os são-paulinos, de virada, por 2 a 1 no Maracanã.

A sequência de bons resultados rubro-negros foi interrompida na 32ª rodada, quando o time foi derrotado por 2 a 0 pelo Barueri em São Paulo. Com a derrota, o time caiu para a sexta posição, não tendo sido poucos aqueles que afirmaram que o resultado tirava o clube da briga por uma vaga na Taça Libertadores do ano seguinte (os quatro primeiros garantiriam presença). O líder Palmeiras estava seis pontos à frente; o vice-líder, São Paulo, quatro.

Na sequência vieram três vitórias rubro-negras para calar os críticos. Na primeira, o time superou o Santos no Maracanã. Em seguida, mais uma atuação épica, contra o Atlético Mineiro, então terceiro colocado, com uma vitória por 3 a 1 em pleno Mineirão lotado, e com direito a novo gol olímpico de Petkovic.

A três rodadas do fim, o time sofreu uma importante baixa, Maldonado teve grave lesão no joelho durante uma partida amistosa entre Chile e Eslováquia e estaria fora do resto da temporada. Ele era considerado um dos principais responsáveis pela estabilidade conquistada pelo time.

Foram várias as perdas por lesão durante a campanha: Kléberson ficou fora do returno por uma luxação no ombro, Juan operou o joelho e ficou várias rodadas ausente, nas quais foi substituído pelo meia Everton. Este, por sua vez, fraturou o pé durante o returno, ficando fora do restante do campeonato. O zagueiro reserva David fraturou o osso da face. O titular da posição, Álvaro, também ficou algumas rodadas fora por causa de uma torção leve no joelho. Agora era Maldonado. Mas o elenco rubro-negro era forte, e quem entrou sempre deu conta do recado. O substituto do cabeça de área chileno nas três últimas rodadas foi Toró.

A briga estava extremamente acirrada. O líder agora era o São Paulo, com 59 pontos, seguido por Palmeiras com 58, Flamengo com 57, Atlético Mineiro com 56, Cruzeiro com 54 e Internacional com 53. Na rodada seguinte, mais uma vitória fora de casa, sobre o Náutico, em Pernambuco, e o Flamengo então ultrapassou o Palmeiras, assumindo a vice-liderança, dois pontos atrás do líder a três rodadas do término da competição. A chance de conquistar o sexto título brasileiro estava muito próxima, como jamais esteve antes.

A chance de alcançar a liderança veio na rodada seguinte. O Palmeiras perdeu para o Grêmio em Porto Alegre. No domingo, o São Paulo enfrentava o Botafogo às 17h no estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, e às 19h30, o Flamengo entrava em campo para enfrentar o Goiás no Maracanã. A situação fazia lembrar a disputa por uma vaga na final no Brasileiro de 1992, quando o Flamengo jogava contra o Santos no Maracanã, mas não bastava que vencesse, pois para ir à final precisava que o Vasco vencesse o São Paulo em São Januário. Os dois resultados se concretizaram e o time rubro-negro foi para a final contra o Botafogo, quando então conquistou seu quinto título nacional.

Os botafoguenses precisavam desesperadamente da vitória sobre os paulistas, ou entrariam na zona do rebaixamento. Assim, mais do que pelas cores da Gávea, eles lutavam por si próprios. E fizeram sua parte, vencendo por 3 a 2. Uma vitória no Maracanã e o vermelho e preto assumiria a liderança do campeonato a duas rodadas do fim.

A ansiedade era enorme. Eram dezessete anos sem a conquista de um título brasileiro. O Maracanã estava com sua lotação máxima de então: 80 mil espectadores, cujos ingressos tinham se esgotado com mais de uma semana de antecedência antes do jogo. Durante aqueles noventa minutos, a cidade parecia congelada. Olhos e ouvidos atentos a cada lance.

Aos 21 minutos do primeiro tempo foi marcada uma falta na entrada da área. Petkovic ajeitou a bola com carinho. A cobrança nem parecia ter saído de seus pés, mas ter sido feita com as mãos. O goleiro Harlei, estático, não teve reação, apenas acompanhou a trajetória da bola com o pescoço. Os corações rubro-negros, por alguns segundos, congelaram. A cada centímetro que a bola se aproximava da meta, os olhos iam se arregalando. A bola parecia ter destino certo: o ângulo direito da meta goiana. Mas ela teimou e não entrou, como se tivesse sido desviada por um sopro do Sobrenatural de Almeida. Triscou a trave e saiu. Naquele lance de segundos a história poderia ter sido escrita de forma muito diferente.

A partida transcorria e a ansiedade era cada vez maior. O time, em campo, mostrava-se afoito. A torcida, na arquibancada, exalava angústia. Pelos bares da cidade, milhões de pessoas viviam a expectativa de ver a rede balançando para colocar aquela nação dentro da nação na liderança do campeonato. Os goles de cerveja buscavam hidratar a secura na garganta pelo grito de gol que bradava por sair. Corações mais nervosos até evitavam assistir à transmissão, mas ficavam mais acelerados a cada vez que o barulho emanado das ruas, de dentro dos bares, indicava uma chance de gol. Só que ele não saiu.

O empate sem gols impediu que o Flamengo assumisse a liderança faltando apenas duas rodadas para o término da competição. O desafio seguinte seria enfrentar o Corinthians no estádio Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas, para onde o encontro entre as duas maiores torcidas do Brasil foi transferido, a pedido da polícia militar de São Paulo, que tinha outro jogo decisivo para cuidar no mesmo horário, entre Palmeiras e Atlético Mineiro. Em Goiânia, o mesmo Goiás que quitara pontos rubro-negros teria pela frente o líder São Paulo, que tinha um ponto de vantagem. A penúltima rodada, no domingo seguinte, prometia fortíssimas emoções. Todos os jogos começariam no mesmo horário, com quatro clubes na luta direta pela glória.

A missão em vermelho e preto ficou mais inglória quando foi anunciado, no fim da tarde de sexta-feira, que Adriano, o artilheiro do campeonato, estava fora do jogo por causa de uma queimadura no pé sofrida num acidente doméstico.

Iniciada a partida, não tardou a vir a notícia de que havia saído o primeiro gol são-paulino no estádio Serra Dourada. As possibilidades rubro-negras naquele momento pareciam a caminho da ruína. Porém, alguns minutos depois veio o empate do Goiás. As chances ficaram grandes quando Toró fez lançamento para Zé Roberto aos 26 minutos do primeiro tempo; este ganhou do zagueiro, penetrou a área e bateu cruzado à queima-roupa. O Flamengo abria o placar e, naquele momento, tornava-se líder do campeonato, já que levava vantagem sobre o tricolor paulista nos critérios de desempate. Antes ainda do fim do primeiro tempo, a equipe goiana virou o jogo. A vantagem na tabela se ampliava, mas só se sustentaria se o time rubro-negro vencesse o jogo. O primeiro tempo terminou e os primeiros 45 minutos da rodada faziam a torcida sonhar. No decorrer do segundo tempo, mais razões para comemorar, o Goiás fez 3 a 1 em Goiânia. Alguns minutos depois, nova apreensão: 3 a 2. Até que Léo Lima sacramentou 4 a 2. Leonardo Moura ainda fez um segundo gol rubro-negro já nos acréscimos. A uma rodada do fim do Brasileiro, o Flamengo, pela primeira vez na competição, assumia a liderança, e agora dependeria apenas de suas próprias forças para sacramentar o título. No domingo seguinte, o adversário era o Grêmio, no Maracanã.

A 37ª rodada terminou com o líder Flamengo com 64 pontos, seguido por um tríplice empate nos 62 pontos entre Internacional, Palmeiras e São Paulo. A turma da Gávea não podia nem cogitar em empatar, pois estava em desvantagem em relação a Internacional e Palmeiras nos critérios de desempate. Já fora da luta pelo título estavam os rivais de Belo Horizonte, o Cruzeiro com 59 pontos e o Atlético, 56.

A ansiedade daquele confronto de duas semanas antes frente ao Goiás voltaria a se repetir? O Maracanã, lotado, ficou ainda mais tenso e ansioso quando o Grêmio abriu o marcador, aos 21 minutos do primeiro tempo. O time do Flamengo jogava mal e de forma displicente. A torcida tentava empurrar, a equipe se jogava para o ataque. Oito minutos depois do gol gremista, o zagueiro David, que substituía Álvaro, suspenso por ter tomado o terceiro cartão amarelo no jogo anterior, aproveitou bate-rebate na área e empatou o jogo. Mas o resultado ainda não era suficiente porque Internacional e São Paulo goleavam em seus jogos. Só a vitória faria o troféu ir parar na Gávea. Até que, aos 26 minutos do segundo tempo, Petkovic cobrou escanteio e o zagueiro Ronaldo Angelim subiu mais do que todos e testou para as redes: 2 a 1. Mengão hexacampeão!!!!!!

O futebol do clube voltou a bater marcas: nunca em sua história o rubro-negro carioca havia terminado três Campeonatos Brasileiros consecutivos entre os três primeiros colocados. De quebra, voltou a ter o artilheiro da competição, Adriano, com dezenove gols (desde 1982 o artilheiro máximo do Brasil não era rubro-negro). E outra marca histórica: pela primeira vez ganhou um título estadual e um nacional no mesmo ano. Tanto nos anos das outras cinco conquistas de Brasileiro, quanto nos dois anos de conquista de Copa do Brasil, e até na de Rio–São Paulo, o Flamengo não havia faturado o título carioca.

Campeão da Copa do Brasil em 2006. Campeão carioca em 2007. Bicampeão carioca em 2008. Tricampeão carioca em 2009. Campeão brasileiro em 2009. Cinco títulos em quatro anos, dias de intensas comemorações. Só na Era de Ouro, entre 1978 e 1983, o clube havia vencido mais troféus em período similar. E as alegrias não eram só no futebol. Bicampeão brasileiro de basquete em 2008 e 2009. Campeão sul-americano de basquete em 2009. Apesar dos muitos problemas que ainda cercavam a Gávea, os dias de martírio pareciam ser coisa do passado.

O título nacional conquistado naquele Maracanã lotado tinha um sabor ainda mais especial pelas circunstâncias históricas em torno do Rio de Janeiro. Só para citar um exemplo, é válido resgatar um artigo assinado por Humberto Perón, colunista da Folha de S. Paulo, alguns meses antes do título, em 8 de setembro de 2009: “O futebol carioca parou no tempo”. No primeiro parágrafo, o autor colocava: “Não dá para esconder a decadência do futebol carioca. Atualmente, os quatro grandes times do Rio de Janeiro vivem em péssimas situações. O Flamengo, o melhor time do estado no Campeonato Brasileiro, não tem a mínima chance de conquistar o título ou uma vaga na Taça Libertadores”. Os argumentos do autor eram: um futebol praticado em ritmo cadenciado e sem força física, atrasado em relação a outros centros em termo de preparação física, com estilo preguiçoso, que treina pouco e dá regalias a jogadores.

A máxima que dimensiona o tamanho da conquista rubro-negra também está no texto de Perón: “Os times cariocas continuam parados no tempo porque só ganham campeonatos jogados no mata-mata”. O campeonato nacional no formato de pontos corridos só passou a ser disputado a partir de 2003, em pleno ápice da decadência econômica e social do Rio de Janeiro. Antes, a fase final era jogada em play-offs (mata-mata). A primeira edição foi vencida pelo Cruzeiro, mas a partir de 2004 só deu título paulista. Os times de São Paulo conquistaram cinco edições consecutivas. Tendo a cidade a maior concentração de renda do país, e estando o futebol imerso numa conjuntura em que cada vez mais o poder do capital, do marketing e do financiamento empresarial dominava o cenário, não parecia haver equipe capaz de romper esta hegemonia. A sentença foi decretada pela imprensa esportiva: só seria campeão em pontos corridos quem tivesse infraestrutura e organização, por isso, títulos de times do Rio estavam fora de cogitação nesta conjuntura. E desta sentença, nasceu o mito: se sempre houvesse sido em pontos corridos, as equipes cariocas jamais teriam os títulos outrora conquistados. Este troféu, mais do que qualquer outro na história deste arrebatador de multidões, teve uma importância diferenciada. Era questão de honra ser campeão também no formato por pontos corridos.

Mais uma vez bradava-se que o sucesso estaria restrito a um grupo fechado entre aqueles com maior poder e recursos financeiros. Coube novamente à força e à bravura dos flamenguistas a derrubada desta prepotência e arrogância. Brasil afora, em silêncio, de novo ecoava o pensamento: certas coisas só o Flamengo fazia ou era capaz de fazer.

Da mesma forma que em outros tempos, foi a força da gente que apaixonadamente o acompanhou que viabilizou os caminhos para uma nova reconstrução das vigas de sustentação da grandeza rubro-negra, uma marca nestes cem anos de multidão. Como sempre, foi necessário um planejamento adequado e talento sob suas cores dentro das quatro linhas, mas o que sempre fez, de fato, a diferença, foi a grandeza daquela multidão que atravessou gerações compartilhando uma mesma paixão.

Mais uma vez, como já havia acontecido no passado, tinha-se a impressão de que o Flamengo ficaria para trás. O São Paulo era o clube mais rico do Brasil, o Cruzeiro tinha a melhor infraestrutura de treinamento, o Corinthians foi dono da maior parceria da história do futebol brasileiro, o Internacional foi o primeiro a equilibrar suas contas e conseguir ter um fluxo de caixa positivo, o Santos tinha até clínica própria para tratar seus jogadores lesionados. Enquanto isso, o Flamengo seguia com os pés enfiados no lodaçal da crise econômica e social do Rio de Janeiro, sem estádio, carente de infraestrutura física e muito endividado. Entretanto, seu maior ativo jamais se deprecia ou se desvaloriza com o tempo: a força da multidão. E essa, o rubro-negro tinha a seu lado. E com um diferencial em relação aos demais: em escala verdadeiramente nacional e não apenas regional.

Todas as pesquisas de opinião feitas desde o começo dos anos 70, quando a revista Placar pela primeira vez encomendou uma, confirmam o mesmo. Enquetes realizadas pelos mais distintos institutos de pesquisas, encomendadas pelas mais diferentes frentes e realizadas com amostragens distintas dizem o mesmo: a maior paixão do Brasil é o Flamengo, que tem a maior quantidade de torcedores em todas as faixas de idade pesquisadas. O rubro-negro tem, de longe, as maiores torcidas no Rio de Janeiro e em Brasília, tem a quinta maior torcida da cidade de São Paulo (atrás dos locais Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos), a terceira maior na cidade de Belo Horizonte (atrás dos locais Atlético Mineiro e Cruzeiro) e a terceira maior na cidade de Porto Alegre (atrás dos locais Grêmio e Internacional). Uma verdadeira e autêntica paixão nacional, alimentada pelo espírito de heróis que solidificaram o vermelho e o preto no coração das multidões.




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