domingo, 22 de maio de 2022

A NAÇÃO (2ª edição) - Capítulo V: Anos dourados (1974-1983)


A NAÇÃO

Como e por que o Flamengo se tornou

o clube com a maior torcida do Brasil



Capítulo V – Anos dourados (1974-1983)


Naqueles tempos, já se sabia quem era o clube mais popular do Brasil, ainda que nunca houvesse sido feita uma métrica desta popularidade a nível nacional, já que todas as mensurações até então tinham sido restritas ao Rio de Janeiro, nas quais a torcida rubro-negra aparecia bem a frente, representando de 40% a 45% da paixão futebolística da cidade. Quando se buscou a primeira medição nacional, constatou-se o que institivamente o brasileiro já sabia, tanto que a revista Placar em sua edição 682, de 1983, apresentava o resultado iniciando a matéria com os dizeres: “A vitória rubro-negra (na pesquisa) serve para confirmar o que sempre se suspeitou. E o mesmo se pode dizer do segundo lugar conseguido pelo Corinthians”.

Nos quatro primeiros capítulos, o maior esforço foi o de buscar explicar as razões que levaram o Flamengo a se diferenciar dos demais clubes de futebol do Brasil, conquistando as multidões. Foram muitas as razões que deram ao vermelho e ao preto uma escala de grandeza diferenciada. O Flamengo se tornou a maior torcida do Brasil porque construiu uma sinergia com o perfil emergente, os sonhos de grandeza e as esperanças daquela sociedade nascente e recém libertada que buscava, na primeira metade do Século XX, construir sua identidade própria. Foi por ser vanguarda e estar naquele Rio de Janeiro que já não existe mais como símbolo, mas cujas marcas ficaram na essência da brasilidade. Mas não foi apenas por estar na capital federal. Foi por conquistar a alma daquele Rio, o que foi seu diferencial dentro do que a capital representou naquele momento específico da história do Brasil. O rádio foi o catalisador, a ferramenta, o megafone. Porém, não foi apenas por causa do rádio, foi pela proliferação de um sonho de brasilidade. Mas só se mantém grandioso quem constrói epopeias. Neste capítulo, serão mostrados os caminhos que levaram à montagem de seu maior time de futebol em todos os tempos, a maior de todas as epopeias sob estas cores.

Explicar as razões que levaram o Flamengo a viver seus Anos Dourados entre 1974 e 1983 é simples e ao mesmo tempo extremamente complexo. Talvez, não dê para ser diferente. Explicar o sucesso é sempre falar de uma simplicidade extremamente complicada. Em Anna Karenina, por exemplo, romance de 1875, Tolstoi abre a obra dizendo que “todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz a seu próprio modo”. Em resumo, o que ele quis dizer é que há diversos aspectos essenciais para se conseguir o sucesso e se galgar conquistas, e basta o fracasso em um destes aspectos para impedir uma experiência de ser vitoriosa.

A sociedade, de um modo geral, tende a buscar explicações fáceis para o sucesso, por isso a felicidade de Tolstoi parece sempre igual. Mas as coisas não são simples assim. Um casamento, uma família, uma amizade, a montagem de uma equipe, o sucesso nos negócios, tudo isso exige a superação de pequenas barreiras de fracasso. Uma relação amorosa, por exemplo, envolve aspectos diversos: atração sexual, harmonia na divisão do dinheiro, disciplina na criação dos filhos, crenças religiosas e sociais distintas, relação com os parentes do cônjuge, desejos e ambições divergentes, e toda sorte de outras questões tão fundamentais quanto estas. O fracasso em qualquer um desses aspectos essenciais pode arruinar os laços de união. Montar uma grande equipe é tão árduo quanto sustentar um bom casamento. Por isso, o sucesso exige que muitas causas específicas de cada um dos fracassos sejam dribladas. Os campeões, a olhos poucos atentos, sempre se parecem, enquanto cada um que perde tem uma razão diferente para justificar os porquês de sua derrota.

A razão central a resumir o sucesso desta Era de Ouro foi um apurado trabalho de formação de jovens atletas nas escolinhas do clube. Pela primeira vez na história do Flamengo emergiram, juntas, gerações inteiras da categoria de juniores. Esses garotos foram conquistando espaço no time titular do Flamengo e dando-lhe uma identidade própria.

O clube sempre teve um histórico de revelar craques. Desta vez revelou uma geração inteira. Na verdade, revelou três gerações fora de série consecutivas que se juntaram e formaram um timaço nota dez em harmonia, fantasia, enredo, conjunto, evolução e alegorias. Aqui serão narrados os fatos, deixando espaço para que cada um possa, livremente, chegar a suas próprias conclusões.

Do mesmo time de juniores, todos nascidos entre 1953 e 1955, anos do segundo tricampeonato, emergiram para a equipe principal o goleiro Cantareli, os zagueiros Rondinelli e Jayme, o lateral Júnior, o cabeça de área Merica, o meia-atacante Zico e o centroavante Rui Rei. Pouco depois, ainda emergiu o meia-armador Geraldo, este nascido em 1956, alguns anos mais jovem que a maioria dos nomes desta geração citada. Cantareli ficou no Flamengo de 1974 a 1989; em alguns momentos como titular (entre 1975 e 1979), mas na maior parte do tempo na reserva, ora de Renato, ora de Raul, ora de Fillol e, por fim, de Zé Carlos. Jayme, filho do ex-craque Jaime de Almeida, foi titular durante boa parte dos anos 70. Rondinelli, Júnior e Zico tiveram um longo histórico de sucesso em vermelho e preto. Merica foi titular em 1976 e 1977, depois passou pelo América e terminou a carreira no Sport Recife. Rui Rei fez mais sucesso fora do Flamengo, em 1977 foi jogar na Ponte Preta, tendo, depois, ainda defendido ao Corinthians, tendo sido um personagem especial do confronto Corinthians-Ponte que marcou o futebol paulista no final dos anos 70. Já Geraldo foi um dos maiores meio-campistas da história rubro-negra, mas morreu jovem, aos 22 anos, em 1976, de choque anafilático, durante uma cirurgia simples de redução de amídalas. Daí para frente, vingou o jargão “Craque, o Flamengo faz em casa”. E, de fato, não parou mais de fazer em larga escala.

Na temporada de 1974, a sua segunda como titular do Flamengo, Zico já mostrou o quanto era diferenciado. Bateu uma marca histórica, superando os 46 gols de Dida na temporada de 1959. Ele fez 49 gols naquele ano, a maior marca já vista na Gávea até aquele momento na história do clube. Por isso, entre outras razões, caiu de imediato nas graças da torcida, ainda tendo o Flamengo sido o campeão carioca daquele ano.

O bicampeonato não veio porque em 1975 o Fluminense montou a Máquina Tricolor, arquitetada por seu presidente Francisco Horta, que, a propósito, também foi o único dirigente a ter sido presidente de outro clube e depois prestado serviços ao Flamengo. Em 1988, ele foi contratado como manager do futebol do Flamengo, numa tentativa da diretoria rubro-negra de dar um choque de gestão no futebol do clube, adequando o departamento às novas necessidades impostas por uma nova dinâmica do profissionalismo frente a uma nova realidade: o forte fluxo de jogadores para a Europa.

Na gestão de Francisco Horta, no Fluminense, pela primeira vez montou-se um time de futebol, com a aquisição financeira de várias peças. Somente em 1995, no ano do Centenário do Flamengo, com Kléber Leite como presidente, voltou-se a ver tentativa tão ousada de se montar um time inteiro, contratando-se uma penca de jogadores de uma vez para todas as posições.

Em 1975, o Fluminense tinha um time já forte, com o veterano Félix, titular do Brasil na Copa de 1970, no gol; Toninho Baiano na lateral-direita e o experiente Marco Antônio na esquerda. Ainda tinha o habilidoso Carlos Alberto Pintinho na cabeça de área, o jovem curinga Rubens Gálaxie, da seleção olímpica, que atuava tanto de meia quanto de lateral, e o velocíssimo e driblador Cafuringa na ponta-direita. As engrenagens que chegaram para fazer a primeira versão da máquina foram: Rivellino, Paulo César Caju e Zé Mário. Rivellino, a grande contratação, foi tirado a peso de ouro do Corinthians, cuja torcida tinha nele seu grande ídolo. Paulo César chegava repatriado do Olimpique de Marselha, onde permaneceu por menos de um ano depois de deixar o Flamengo. E Zé Mário foi roubado ao elenco do próprio Flamengo. A primeira versão da Máquina Tricolor tinha: Félix, Toninho, Silveira, Edinho e Marco Antônio; Carlos Alberto Pintinho, Zé Mário e Rivellino; Cafuringa, Manfrini e Paulo César Caju. O time tricolor foi campeão carioca sob o comando do jovem Carlos Alberto Parreira. Depois, no Campeonato Brasileiro, a Máquina Tricolor teve como técnico Didi, quando então caiu na semifinal, eliminado pelo Internacional, de Manga, Figueroa, Falcão e Carpegiani, time que faturaria o título nacional daquele ano.

Em 1976, foi montada a segunda versão da Máquina Tricolor. Novamente, o elenco do Flamengo seria alvo das investidas de Horta. Desta vez com um troca-troca que fez história no futebol carioca. O Flamengo cedeu o goleiro Renato, o lateral-esquerdo Rodrigues Neto e o atacante argentino Doval, em troca recebeu o goleiro Roberto, o lateral-direito Toninho Baiano e o ponta Zé Roberto. Dos três, só Toninho vingou de titular. Roberto foi reserva de Cantareli (como já era reserva no Fluminense) e Zé Roberto acabou na reserva de Luís Paulo.

Para 1976, o Fluminense perdeu Paulo César, Cafuringa e Zé Mário. Chegaram os três do Flamengo, mas os carros-chefes no pacote de contratações foram: Carlos Alberto Torres (agora zagueiro e não mais lateral-direito), comprado ao Santos; o ponta-esquerda Dirceu, titular da seleção brasileira, comprado ao Botafogo; e Gil, contratado ao Cruzeiro, e que viria a ser o titular do Brasil na Copa de 1978. A segunda versão da Máquina Tricolor estava pronta: Renato, Rubens Gálaxie, Carlos Alberto Torres, Edinho e Rodrigues Neto; Carlos Alberto Pintinho, Cléber e Rivellino; Gil, Doval e Dirceu. Com Mário Travaglini (campeão brasileiro de 1974 com o Vasco) como técnico, o time faturou o bicampeonato carioca e caiu, novamente, na semifinal do Campeonato Brasileiro, desta vez batido pelo Corinthians, numa decisão por pênaltis dentro do Maracanã.

Mesmo diante de toda esta ousadia do rival das Laranjeiras, o início da Era de Ouro do Flamengo foi marcado pela política de incentivar jogadores formados nas divisões de base. Dentre as poucas apostas mais ousadas, Luisinho Lemos, irmão de César Maluco e Caio Cambalhota, chegou e fez sucesso. Na temporada de 1975, ele brigou gol a gol com Zico pela artilharia do time na temporada. Dos três irmãos da família Lemos, Luisinho foi o que mais se destacou no Flamengo, fez 193 partidas e 82 gols com a camisa rubro-negra. César jogou 58 vezes pelo Flamengo, e fez 38 gols; e Caio jogou 134 vezes e fez 48 gols. Depois do Flamengo, onde esteve de 1975 a 1977, Luisinho vestiu as camisas de Internacional, Botafogo e Palmeiras. Em 1982, voltou ao América, num ano em que o Mequinha novamente quase foi campeão carioca, como na última vez que Luisinho vestira sua camisa, em 1974. O América foi campeão da Taça Rio de 1982, mas acabou batido na final do Estadual pelo Vasco. Luisinho ficou no América até 1987, quando se aposentou. Em 1986, ainda levou o América à semifinal do Campeonato Brasileiro, só sendo batido pelo São Paulo, campeão naquele ano.

A temporada de 1975 mostrou um Flamengo muito instável. No Campeonato Carioca, uma campanha cheia de goleadas, só no Bangu foram três por 5 a 0, uma em cada turno. O Mengo ainda arrasou com Portuguesa (5 a 0), Campo Grande (5 a 1), Madureira (5 a 0) e Botafogo (4 a 0). Porém, empates como os com Bonsucesso e Campo Grande em 0 a 0, e uma derrota catastrófica de 3 a 2 para o São Cristóvão, depois de terminar o primeiro tempo vencendo por 2 a 0 – estas três partidas disputadas no Maracanã – impediram o bicampeonato rubro-negro.

Esta instabilidade continuou durante o Campeonato Brasileiro, quando o time conseguiu não ser batido pelo campeão daquele ano, o Internacional, tendo vencido por 1 a 0 no Maracanã e empatado em 1 a 1 em Porto Alegre. Em compensação, perdeu para o Remo (2 a 1) e o Santa Cruz (3 a 1) em pleno Maracanã, e ainda tropeçou no Tiradentes, do Piauí (3 a 2), jogando em Teresina. Insatisfeita com o time, no final da temporada, a diretoria realizou o famoso troca-troca dos três pra lá e três pra cá com o Fluminense, mandando embora o goleador argentino Doval.

Mas as coisas não andavam de todo tão ruins. A temporada de 1975 foi para não deixar mais dúvida: definitivamente estava nascendo um fenômeno. Se em 1974, com 21 anos apenas, Zico já conseguira bater a marca histórica de 49 gols em um ano (superando a marca anterior de Dida, com 46), sua segunda temporada como titular absoluto foi para bater seu próprio recorde. Ele fez 51 gols ao longo do ano de 1975, e, com apenas 22 anos, superava a marca de cem gols com a camisa do Flamengo, feito que, até aquele momento, somente doze jogadores haviam conseguido na história do clube. Ele não pararia mais de bater recordes. Na temporada de 1976, ele fez 56 gols, voltando a bater sua marca, e tornou-se, ainda jovem, com 23 anos, o quarto maior artilheiro da história do clube, atrás somente de Dida, Henrique e Pirilo.

O Rio de Janeiro, em meados dos anos 70, passava por um momento de intensas mudanças. O ano de 1974 foi um marco para a cidade. Em 1960, a capital federal havia sido transferida do Rio de Janeiro para Brasília. O município carioca havia deixado de ser Distrito Federal, como era desde 1763, e tornou-se Estado da Guanabara. O Estado do Rio de Janeiro, cuja capital era Niterói, do outro lado da baía de Guanabara, de frente para a cidade do Rio de Janeiro, tinha outro governador. Em 1974, houve a fusão entre os dois estados, num processo político que foi bastante complexo, confuso e complicado; ainda mais por ter acontecido durante a ditadura militar.

O Estado da Guanabara, ainda que menor territorialmente, concentrava população e renda três vezes maiores que o antigo Estado do Rio. Isto, por si só, já era um ponto complexo no processo de fusão. O governador do novo Estado do Rio de Janeiro, em tese, teria menos poder político do que o prefeito da cidade do Rio de Janeiro. Outro agravante a complicar ainda mais o processo era o fato de estar na cidade o principal centro no país de oposição à ditadura militar. Não convinha concentrar poder político nas mãos de opositores do governo militar, muito pelo contrário, a intenção seria esvaziá-lo e isolá-lo. Por tudo isto, o modelo como o processo de fusão foi conduzido deixou marcas graves de ineficiência administrativa nas décadas seguintes.

A questão não foi a fusão em si, mas a forma como esta foi feita. Todo o processo de fusão começou errado. O primeiro princípio desrespeitado foi legal: a Constituição de 1946 previa que qualquer modificação de território só poderia ocorrer após decisão popular, referendada por um plebiscito. Isso nunca aconteceu, uma vez que os moradores dos dois estados não foram consultados. Na biografia do general Ernesto Geisel, que ocupava a presidência da República em 1974, as razões para que não tenha havido consulta estão claramente explicitadas. O texto editado pela Fundação Getúlio Vargas, sob a organização de Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, traz o seguinte depoimento de Geisel: “Reclamam de eu não ter feito um plebiscito. Ia ser dispendioso e eu não pretendia mudar minha decisão”. As palavras do então Presidente deixam claro que a população seria contrária à fusão. Ainda assim, o resultado poderia ter sido positivo se o caminho traçado fosse o de construção administrativa. Porém, ao contrário, todo o processo visava, propositalmente, desmontar a força política da cidade do Rio de Janeiro, principal foco de oposição à ditadura.

Levou rápidos cinco meses a criação de uma só estrutura administrativa, legislativa e judiciária para duas unidades sociais e políticas que em comum tinham apenas a fronteira que as separava. Num regime democrático, seria impossível gestação tão curta. No governo militar, mandava quem podia e obedecia quem tinha juízo.

Qualquer processo político complexo em âmbito público, tanto no caso de uma transferência de capital federal, que implica mover-se toda a máquina pública, quanto na fusão entre estruturas administrativas públicas distintas, como as do antigo Estado do Rio e da Guanabara, geralmente tem de ser acompanhado por compensações financeiras que drenem as perdas econômicas associadas ao processo. Como o maior centro de resistência à ditadura estava em solo carioca, não houve interesse político em se compensar nada e ninguém. Isto tornou o processo ainda mais doído e traumático. E com um agravante ainda maior: para evitar o descompasso de poder político entre o governador do novo estado e a prefeitura, pastas inteiras da administração municipal foram transferidas e alçadas à administração estadual. Isto gerou uma série de incongruências, dificultando uma melhor administração em ambas as escalas.

A saúde, por exemplo, é o caso mais clássico do malefício que o processo de fusão, pela forma como foi feito, representou para a cidade. O Rio de Janeiro ficou diferente de todas as outras principais capitais. Em São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, a rede de hospitais no perímetro municipal é administrada pela prefeitura, e nos municípios da periferia metropolitana é administrada pelo governo do estado.

No Rio pós-fusão, como a rede de hospitais estava toda no antigo Estado da Guanabara, ela foi, sumariamente, dividida entre a alçada estadual e a municipal. Isto impediu o desenvolvimento de uma rede de suporte aos municípios da periferia metropolitana, sobretudo na Baixada Fluminense. As prefeituras destes municípios, ao invés de usufruírem de uma rede de hospitais, investiam em ambulâncias (o que era bem mais barato do que construir um hospital) para levar seus pacientes à rede de hospitais estaduais, localizados dentro da cidade do Rio de Janeiro.

Naturalmente, a consequência não poderia ser outra que não a geração de uma sobrecarga na rede de saúde, a qual jamais pôde ser corrigida, comprometendo a qualidade do serviço prestado. Se não bastasse isto como malefício, havia uma outra consequência direta ainda pior: como quase sempre os governos na esfera estadual e municipal eram de oposição um ao outro, não havia qualquer cooperação entre a rede de saúde das duas esferas, ambas localizadas dentro do perímetro da cidade. Toda vez que se chegava a um gargalo na capacidade de atendimento, a solução empregada não era investir em ampliação, mas em empurrar problemas para os hospitais administrados pela outra esfera de governo, pois sempre havia um no bairro ao lado. Já em São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e outras capitais, como as esferas administrativas sempre estiveram divididas em perímetros separados, as responsabilidades do que era gestão estadual e municipal sempre ficaram mais claras. Mesmo em casos de oposição entre os partidos dos gestores públicos do estado e da capital deste estado, as responsabilidades estavam bem definidas: a prefeitura respondia pelos hospitais da capital, e o governo do estado pelos hospitais nos municípios da periferia da metrópole. A saúde pública não é o único, mas é, provavelmente, o caso mais explícito das confusões administrativas impostas ao Rio de Janeiro pelas barbeiragens cometidas no processo de fusão, em 1974.

Como capital do país, a cidade do Rio tinha ainda um vasto patrimônio imobiliário pertencente à União. Nas décadas seguintes à transferência da capital para Brasília, isto dificultou e até impediu a revitalização de áreas importantes para a cidade. Um grande exemplo é o Porto do Rio de Janeiro, que, pelas falhas do processo de fusão, ficou com sua administração dividida em partes, sob responsabilidade das três esferas de poder público: municipal, estadual e federal. Com um partido político diferente em cada uma destas esferas, a impossibilidade de falar-se a mesma língua jamais permitiu que um processo de revitalização fosse adiante. Imbróglios patrimoniais como este se arrastaram por muitas décadas e representaram um fator significativo de deterioração do patrimônio imobiliário da cidade. Há muitos outros casos – alguns até estapafúrdios, como o Teatro Municipal e o estádio municipal do Maracanã, ambos no coração da cidade do Rio, mas que de municipais só tinham o nome, pois ambos, após a fusão, ficaram sob administração estadual.

Após a confusão administrativa gerada pela fusão malfeita em 1974, o Rio submergiu num processo de fuga de capitais e desaceleração econômica, que passou pelo fechamento da Bolsa de Valores, pelo deslocamento do sistema financeiro para São Paulo, junto à transferência de sedes e unidades operacionais de grandes empresas, assim como pela diminuição substancial da realização de eventos esportivos, importantes convenções e feiras nacionais, voos nacionais e internacionais, todos com impacto significativo na geração de riqueza da cidade. A favelização acelerou-se, bem como a desordem e a violência urbanas, inibindo novos investimentos. O Rio de Janeiro ficou desde então sem vocação econômica, ainda mais porque, como não poderia ser diferente, esse ciclo de decadência econômica e explosão de violência, mais perceptível a partir da metade dos anos 80, levou à redução do fluxo de turistas para a cidade.

No futebol também houve traumas. Até 1975, o Campeonato Carioca, primeiro do Distrito Federal e depois do Estado da Guanabara, era disputado apenas por times da cidade do Rio de Janeiro. Os quatro grandes e de maior tradição, Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo; três outros sobreviventes da era amadora, América, Bangu e São Cristóvão; os emergentes do final dos anos 30, Madureira, Bonsucesso, Portuguesa e Olaria; e o mais jovem, que só entrou no cenário nos anos 60, o Campo Grande. Um clube fechado, que teve até um penetra, o Canto do Rio, que, apesar de ser de Niterói, jogou o Campeonato Carioca e não o Campeonato Fluminense entre 1941 e 1964. Então, no Campeonato Carioca de 1976 houve, pela primeira vez, a participação de times do antigo estado do Rio de Janeiro.

Já o Campeonato Fluminense foi disputado entre 1958 e 1978, e seus maiores campeões foram os rivais de Campos: Americano e Goytacaz (cinco títulos cada). Também foram campeões o Fonseca, de Niterói (três vezes), o Central, de Barra do Piraí (duas vezes), o Barbará, de Barra Mansa (duas vezes), o Manufatora, de Niterói (duas vezes) e o Sapucaia, de Campos (uma vez).

No Campeonato Carioca de 1976 participaram, pela primeira vez, Americano, Goytacaz e Volta Redonda. Entretanto, apesar da presença de times do antigo Estado do Rio na competição, ainda havia duas federações: a Federação Fluminense de Desportos e a Federação Carioca de Futebol. A FFD seguiu organizando seu campeonato até 1978. Preparava-se para organizar o de 1979 quando, logo após o término do Campeonato Carioca, no primeiro semestre, chegou-se a um acordo político para a fusão entre a FFD e a FCF, que formaram a FERJ (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro).

A pré-condição para o acordo, imposta pela FFD, que não havia ainda organizado seu campeonato naquele ano, é que se realizasse um estadual. O último campeonato carioca organizado pela Federação Carioca de Futebol teve a participação de Americano, Goytacaz e Volta Redonda, que já vinham participando desde 1976. O primeiro campeonato estadual organizado pela FERJ teve, como representantes do antigo Estado do Rio, além destes três, outros três times: o Serrano, de Petrópolis; o ADN, de Niterói, antes chamado de Manufatora; e o Fluminense de Friburgo, que anos depois passaria a se chamar Friburguense. Foi assim que, em 1979, houve dois campeonatos, ambos vencidos pelo Flamengo. O único clube do mundo a ser bicampeão em um único ano e a ser tricampeão em apenas dois. Particularidades propiciadas por estes confusos dias de desestruturação política.

O Flamengo sempre foi um clube diferente dos demais. As multidões que o acompanhavam sempre deram um espírito diferente às cores vermelha e preta, forjando um folclore particular. Todo o espírito em torno destas cores se manifestou por muitas diferentes facetas. Eis um exemplo passado em 1977. O lateral uruguaio Sérgio Ramirez chegou ao clube naquele ano depois de um jogo no Maracanã no qual colocou o maior ídolo do Fluminense, Rivellino, para correr, fugindo da briga. Em 28 de abril de 1976, numa partida na qual o Brasil venceu o Uruguai por 2 a 1 no Maracanã, com gols de Rivellino e Zico, houve um desentendimento entre os jogadores no final da partida, antes de seu encerramento. Nos minutos finais, o lateral uruguaio Ramirez prometeu pegar Rivellino. Com a partida aproximando-se do fim, o brasileiro não saía da lateral do campo, das proximidades do vestiário. Foi soar a apito do árbitro, e Ramirez partiu em disparada na direção de Rivellino, que fugiu para dentro do vestiário. Em pânico, o brasileiro escorregou na entrada do túnel e desceu a escadaria deslizando de bunda. Ramirez, impávido, tentou alcançá-lo de todas as formas; acabou impedido pelos jogadores reservas do Brasil, que, em ampla maioria, deram-lhe uma surra. Pela coragem, e por ter posto o ídolo do rival para correr, o lateral uruguaio foi contratado pelo Flamengo para jogar a temporada de 1977, permanecendo no clube até 1979.

O tempo da mística dos estrangeiros na Gávea havia ficado no passado, o negócio havia passado a ser a garotada. Mas a linha de aposta nas divisões de base, que ganhou importância nos anos 70, no entanto, jamais foi unanimidade. Ela também esteve sob questionamento. Apesar de sempre na briga pelos títulos, o fato de passar duas temporadas seguidas sem levantar um troféu (1975 e 1976) levou o Flamengo a repensar a aposta exclusiva nos jogadores formados nas divisões de base. Em 1977, o clube voltou a investir mais ousadamente na busca por reforços. Quem capitaneou a escolha dos nomes foi Cláudio Coutinho, que havia assumido a equipe em setembro de 1976, substituindo a Carlos Froner.

Foram cinco contratações para a temporada de 1977. Começou por Carlos Alberto Torres para a zaga. Ele chegava ao Flamengo já aos 33 anos, depois de tornar-se ídolo em todos os clubes que defendera até então: Fluminense em 1963/64, Santos de 1965 a 1970, Botafogo em 1971, novamente no Santos entre 1971 e 1975, e novamente no Fluminense em 1976. A segunda aposta era buscar um nome de peso para substituir Geraldo, que havia falecido no ano anterior. O clube foi buscar Carpegiani, bicampeão brasileiro em 1975 e 1976 pelo Internacional. O terceiro nome a chegar naquele ano foi Cláudio Adão, uma aposta pessoal de Coutinho. Adão foi contratado ao Santos, onde teve um início de carreira brilhante, levando a mídia a defini-lo como o novo Pelé. Na seleção olímpica, em 1974, ele fez quatorze gols, mas logo depois sofreu uma grave lesão e passou um longo tempo parado; quando voltou não conseguiu reconquistar seu espaço no time do Santos. Coutinho indicou-o à diretoria acreditando no seu potencial, e deu certo, ele ressurgiu para o futebol. O quarto nome foi o ponta-direita Osni (um baixinho, de 1,56 metro), que no início da carreira jogou em Corinthians e Santos, e depois se tornou ídolo do Vitória, onde esteve de 1971 a 1976, e onde o Flamengo foi buscá-lo. Ele jogou duas temporadas no rubro-negro carioca e foi vendido ao Bahia, maior rival do Vitória, onde também foi ídolo. O quinto nome foi o uruguaio Ramirez, já citado.

Apesar das contratações, a aposta nas divisões de base continuava. Uma nova geração inteira emergiu dos juniores e ganhou espaço entre os titulares. Depois da primeira geração, nascida entre 1953 e 1955, que revelou Cantareli, Júnior, Jayme, Rondinelli, Merica, Geraldo, Zico e Rui Rei, emergiu a geração nascida entre 1956 e 1958. O ataque e o meio de campo da equipe sub-20 desta geração, todo ele foi aproveitado no time profissional. O meio tinha Andrade, Adílio e Renato Evangelista, e o ataque Tita, Júnior Brasília e Júlio César. Quatro deles, em especial, fizeram história no clube: Andrade, Adílio, Tita e Júlio César “Uri Geller”.

Andrade havia estado emprestado ao ULA Mérida, da Venezuela, entre 1977 e 1978. No início de 1979, de férias, foi treinar na Gávea. Chamou a atenção de Cláudio Coutinho, que perguntou à diretoria quem era aquele garoto. Disseram-lhe que ele era dos juniores do Flamengo e estava emprestado na Venezuela. A resposta foi direta: “O que ele está fazendo na Venezuela? Traz ele de volta imediatamente, eu o quero incorporado ao grupo”.

Curiosa também foi a história de Adílio, que quando garoto foi acompanhar um amigo que tinha teste marcado nas divisões de base rubro-negra. Sem autorização para entrar no clube, ele pulou o muro. Meteu-se no meio dos garotos e recebeu colete para treinar. Terminado o treino foi selecionado, mas, para surpresa geral, ele não estava na relação dos garotos que tinham teste marcado. A quebra de protocolo não foi um empecilho para que ele voltasse nos treinos seguintes.

A essa geração, somaram-se alguns nomes de uma terceira geração seguinte, nascidos entre 1959 e 1960, na qual emergiram o lateral-direito Leandro, os zagueiros Mozer e Figueiredo, e o volante Vítor. A fábrica de craques estava a todo vapor!

Rotina que não mudava era a imposta por Zico, uma sucessão de superações de marcas históricas. Na temporada de 1977, ele superou a marca de 200 gols com a camisa rubro-negra, com tão só 24 anos de idade. Terminou aquele ano com 211 gols pelo Flamengo em sua carreira. Superou Pirilo, que com 207 gols era o terceiro maior artilheiro da história rubro-negra até ali, e se igualou a Henrique Frade, que também havia feito 211 gols pelo clube. Mais do que ele, só havia feito Dida: 263 gols. Ainda com 24 anos, somente cinquenta e dois gols separavam Zico de se tornar o maior artilheiro da história rubro-negra.

Seu sucesso fez com que, no final dos anos 70, o fervoroso torcedor do Flamengo, Jorge Ben, compusesse mais um ritmo em homenagem a um craque rubro-negro. Depois de Fio, desta vez o homenageado era Zico. A música não fez o mesmo sucesso nas paradas das rádios, mas vale aqui o registro. Camisa 10 da Gávea: “É falta na entrada da área/ Adivinha quem vai bater?/ É o camisa 10 da Gávea/ Ele tem uma dinâmica física rica rítmica/ Seus reflexos lúcidos, lançamentos dribles desconcertantes/ Chutes maliciosos são como flashes eletrizantes, estufando a rede num possível gol de placa/ É falta na entrada da área/ Adivinha quem vai bater?/ É o camisa 10 da Gávea/ O galinho de Quintino chegou, ô ô ô/ Com garra fibra e amor, ô ô ô/ Pode não ser um jogador perfeito, mas sua malícia o faz com que seja lembrado/ Pois mesmo quando não está inspirado, ele procura a inspiração/ E cada gol, cada toque, cada jogada, é um deleite para os apaixonados do esporte bretão”.

O clube estava pronto para entrar no apogeu de sua história. No período entre 1978 e 1983, foram inúmeras as conquistas. O time foi pentacampeão da Taça Guanabara em 1978, 79, 80, 81 e 82. Foi, pela terceira vez em sua história, tricampeão carioca. Não conseguiu o tetracampeonato em 1980, mas voltou a vencer o Estadual em 1981, vencendo quatro de cinco edições. As maiores glórias, entretanto, estavam reservadas para o começo da década de 1980. Foram três títulos em quatro edições do Campeonato Brasileiro (1980, 1982 e 1983) e os títulos de campeão sul-americano e campeão mundial, em 1981.

Mas foi em 1978 que começou o ensaio para todas estas glórias. Primeiro, quando o Flamengo conseguiu pela primeira vez em sua história vencer um dos tradicionais torneios quadrangulares de verão da Espanha. Conquistou o Troféu Palma de Mallorca de forma heroica, vencendo ao Real Madrid por 2 a 1 em um jogo no qual jogou quase todo o segundo tempo com três jogadores a menos. E diante do mesmo Real Madrid, para quem, dias antes, havia caído por 2 a 0 na final do Troféu Tereza Herrera.

A sua história disputando Quadrangulares de Verão na Europa havia começado com a disputa do Troféu Tereza Herrera, em 1958. Depois houve a participação nos Troféus Naranja (em Valência) e Cidade de Gijón, ambos em 1964. A seguir, o Troféu Ramón de Carranza (em Cádiz) em 1965, e os Troféus Juan Camper (em Barcelona) e Tereza Herrera (em La Coruña), ambos em 1968. Até que em 1978, perdeu a final do Tereza Herrera para o Real Madrid, mas conquistou o Troféu Palma de Mallorca.

Um fato curioso nesta curta excursão à Europa em 1978 foram os confrontos frente ao Fluminense no estádio Riazor, pelo Tereza Herrera, e frente ao Botafogo no estádio San Siro, em Milão, na Itália. Clássicos cariocas em pleno solo europeu. O mundo demandava o futebol carioca!

Mas durante a Era de Ouro do clube da Gávea também houve apostas inusitadas. Durante o processo de arrancada para o auge do futebol em sua história, o Flamengo fez apostas curiosas, ao menos no que se trata de nomes. Uma das que ficou mais marcada na história rubro-negra aconteceu em 1978, quando o Flamengo contratou o atacante Radar à Portuguesa de Desportos. Ele ficou marcado em uma partida contra o Bangu, em Moça Bonita, pelo Campeonato Brasileiro de 1978, numa vitória por 4 a 1, com quatro gols de Radar. Estaria nascendo um novo craque? A sequência de jogos mostrou que não, havia sido fogo de palha. Ele ainda fez outros seis gols pelo Flamengo, mas suas limitações técnicas o levaram a ser dispensado no final da temporada.

Dois anos antes, em 1976, passou algo similar com o atacante Marciano, contratado no início daquele ano ao Paysandu, do Pará, e com passagem anterior pelo Fortaleza. Ele era reserva de Luisinho Lemos, até que em uma oportunidade, pelo Campeonato Brasileiro de 1976, o Flamengo venceu ao Náutico por 3 a 0, jogando em Recife, com três gols de Marciano. Ele ainda fez outros seis gols naquela temporada, ficou para a temporada de 1977, quando fez mais quatro gols com a camisa rubro-negra. Acabou vendido ao Botafogo de Ribeirão Preto, de São Paulo.

Um terceiro caso aconteceu em 1979. Após o tricampeonato carioca, para a disputa do Campeonato Brasileiro, o Flamengo apostou no centroavante Beijoca, ídolo do Bahia. Ele ficou apenas seis meses no clube. Em tempos áureos de Zico, Adílio, Tita, Nunes, o que seria de um ataque formado por Marciano, Beijoca e Radar?

Mas em meio a muitos talentos emergindo de suas categorias de base, e à chegada de alguns reforços que não se fizeram promissores, para que a engrenagem se movesse na direção da formação do maior time de futebol que o vermelho e o preto já vestiram, também foram necessárias algumas aquisições de jogadores experientes. A fórmula de sucesso mesclou juventude formada no clube com experientes e renomados talentos chegados de fora. Para 1978, o Flamengo apostou na contratação de um goleiro veterano: chegava ao clube, aos 34 anos, Raul Plasmann. Paranaense, Raul começou a carreira no Coritiba, onde esteve por pouco tempo. Depois foi titular absoluto do Cruzeiro entre 1965 e 1978, defendendo tanto a genial geração cruzeirense da segunda metade dos anos 60, com Dirceu Lopes, Tostão e Natal, quanto o time campeão da Taça Libertadores da América de 1976. No Flamengo, ele ficou por cinco anos, até o final de 1983, quando se aposentou. Foi campeão brasileiro de 1980, 1982 e 1983, campeão da Taça Libertadores da América de 1981 e do Mundial Interclubes de 1981, quando então já estava com 37 anos. Aposentou-se às vésperas de cumprir quarenta anos com a faixa de tricampeão brasileiro ainda no peito.

O Flamengo vinha fazendo boas campanhas desde 1976, mas o título não chegava. Passava perto, mas não era conquistado. Em 1976, o Flamengo disputou a final da Taça Guanabara (primeiro turno do Campeonato Carioca) contra o Vasco, empatou por 1 a 1 no tempo normal e, após prorrogação de trinta minutos, perdeu por 5 a 4 a decisão por pênaltis. O Vasco acabaria perdendo o título para o Fluminense. Em 1977, o Vasco conquistara o bicampeonato da Taça Guanabara, e disputou com o Flamengo a final da Taça Rio (segundo turno do Campeonato Carioca). Empataram por 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação, e o Vasco venceu novamente por 5 a 4 na decisão por pênaltis, faturando automaticamente o título carioca daquele ano.

Em 1978, foi o Flamengo quem faturou a Taça Guanabara. A final da Taça Rio foi, novamente, entre os dois rivais, com o Vasco jogando com a vantagem do empate para faturar o segundo turno e forçar a realização de uma final, em dois jogos. O empate por 0 a 0 perdurou até os 45 minutos do segundo tempo, quando um escanteio cobrado por Zico encontrou a cabeça do zagueiro Rondinelli, que entrava correndo pela área por trás da zaga vascaína. Gol do título! Mengão campeão carioca de 1978. Acabava o incômodo jejum de três anos sem um título. Um jogo que ficou marcado na história pelo sofrimento até o último giro do ponteiro do relógio, pela emoção, pelo gol do Deus da Raça. Dava-se início ali a uma era inesquecível, que perdurou até o final do primeiro semestre de 1983.

Nesse período, a disseminação dos aparelhos de televisão teve um importante papel na solidificação da paixão pelo Flamengo a nível nacional. Os primeiros televisores chegaram ao Brasil no final dos anos 40. Em 1950, havia somente cem televisões no país, todas transmitindo imagens em preto e branco. No início da década de 1960, este número saltou para cerca de 600 mil, o que ainda era muito pouco, visto que o Brasil tinha uma população de 70 milhões de habitantes. A quantidade de aparelhos ainda era bem pequena.

Na Copa do Mundo de 1958, além das transmissões de rádio, no dia do jogo só chegavam ao país imagens fotográficas de baixa qualidade de definição. Quatro anos depois, na Copa de 1962, a inovação foi a chegada do videoteipe, que, ainda assim, só chegava ao país dois dias depois da partida. Na Copa de 1966, sem tecnologia para cruzar o Oceano Atlântico, o torcedor brasileiro, novamente, só pode ouvir os jogos pelo rádio, não adiantando nada que já tivessem chegado ao país os primeiros televisores a cores. Só na Copa de 1970 os jogos passaram a ser transmitidos ao vivo, e ainda em preto e branco. A primeira Copa do Mundo vista ao vivo e em cores no Brasil foi a de 1974.

Em 1970, já havia pouco mais de 4 milhões de aparelhos de televisão espalhados pelo país, sendo apenas cerca de 25 mil deles a cores. Durante os anos 70, o ritmo de expansão das vendas de aparelhos televisores cresceu exponencialmente. No início de 1978, às vésperas do início da era mais gloriosa da história do Flamengo, já eram 12 milhões de televisões que estavam espalhadas por todo o território nacional, sendo que destas, o número de TVs coloridas já superava os 3 milhões. Em 1983, quando o Flamengo fechava sua Era de Ouro, havia 20 milhões de televisores espalhados pelo Brasil. As glórias do Flamengo neste período foram disseminadas por todo o território nacional, através do boom daquela grande novidade inovadora para as telecomunicações. Em 1983, a quantidade de televisões no Brasil era mais do que o dobro da verificada em 1974, na arrancada para os dias vitoriosos do clube. Em 1990, o número de televisões superou os 27 milhões. Em 2000, após o sucesso da estabilização econômica do país, esse número superou os 55 milhões. Em 2005, já eram mais de 60 milhões de TVs.

O Brasil inteiro via o apogeu do Flamengo. Aqueles que não tinham condição econômica para ter aquela novidade e ver, ao menos recebiam, com certeza, muito mais informações sobre as glórias daquele time, que, para muitos, era uma paixão geograficamente bem distante. Nestes dias, como nunca antes, ressonava o verso “vencer, vencer, vencer”.

Para a temporada de 1979, o Flamengo manteve o time campeão carioca em 1978. Um único reforço chegou, o ponta Reinaldo, contratado ao América. Naquele ano, como já foi contado, por conta da criação da FERJ, houve dois campeonatos cariocas, um da FCF e outro da FERJ. O Flamengo faturou os dois! O time, ainda sob a direção de Cláudio Coutinho, tinha: Cantareli, Toninho, Manguito, Rondinelli e Júnior; Carpegiani, Adílio e Zico; Tita, Cláudio Adão e Reinaldo.

Era a base que seria campeã nacional, sul-americana e mundial nos dois anos seguintes. Faltavam apenas três peças, que chegaram no início da temporada de 1980, todos três escolhidos a dedo por Coutinho, que, com seu olho clínico, foi “descobri-los”, já não mais tão jovens, jogando em clubes de menor expressão. O zagueiro Marinho foi comprado ao Londrina, do Paraná; o ponta-esquerda Lico, já com 27 anos, contratado ao Joinville, de Santa Catarina, e o centroavante goleador Nunes, que começara a carreira no Santa Cruz, passara em 1978 pelo Fluminense, e estava no Monterrey, do México. Os três chegaram para fechar o time que entraria para a história rubro-negra como o maior de todos os tempos.

A cereja no bolo da maior era de conquistas rubro-negra, para ampliar ainda mais o orgulho do rubro-negro, foi a felicidade de ver Pelé vestindo o Manto Sagrado. Em 6 de abril de 1979, o Flamengo recebia o Atlético Mineiro, em amistoso no Maracanã. Por uma noite, numa confraternização que buscou angariar fundos para as vítimas das enchentes que inundaram o Rio de Janeiro em março de 1979, Zico cedeu a camisa 10. E não foi para qualquer um, foi para Édson Arantes do Nascimento, Pelé, o Atleta do Século.

Pelé jogou o primeiro tempo apenas. E foi no segundo, com ele já substituído por Cláudio Adão, que o Flamengo aplicou uma avassaladora goleada por 5 a 1. Este dia será eternamente lembrado pelas imagens de Pelé trajando rubro-negro. Esse fato acabou ofuscando uma outra marca histórica daquela noite. Com os três gols que fez nesta goleada, Zico tornou-se o maior goleador da história do Flamengo, superando a marca de até então, daquele que até hoje é o segundo maior goleador da história rubro-negra, Dida, com 263 gols. Com os três daquela nostálgica noite, Zico chegou aos 265.

Naquela temporada, Zico estava endiabrado. Só até aquele dia, já tinham sido 28 gols em apenas três meses. Só na vitória de 7 a 1 sobre o Goytacaz foram seis. Pouco depois, desta vitória por 5 a 1 no Atlético Mineiro, na qual fez três, ainda houve um 7 a 1 no ADN, de Niterói, em que foram outros seis gols. Em 11 de julho, numa vitória por 4 a 3 sobre o Goytacaz, Zico fez os quatro. Chegou a sessenta gols naquela temporada ainda na metade do ano, superando seu próprio recorde de gols numa temporada. Dois jogos depois, na vitória sobre o Olaria, ele já era o primeiro jogador a superar a marca de trezentos gols pelo Flamengo. Terminou o ano tendo feito 81 gols só naquela temporada.

Zico não cansava de quebrar recordes no Flamengo. Com 22 anos, já tinha feito mais de cem gols. Com 24, já era o segundo maior artilheiro da história do Flamengo. Em 1979, com 26 anos, bateu vários recordes: superou Dida e tornou-se o maior artilheiro da história rubro-negra, superou os trezentos gols (ele viria a superar os quinhentos) e, além do mais, com 81 gols, tornou-se o recordista máximo de gols numa única temporada.

E, naquele ano, houve mais um recorde: a sexta temporada consecutiva como artilheiro rubro-negro no ano. Cinco vezes consecutivas como artilheiro do Flamengo na temporada, só Nonô, entre 1921 e 1925, e Pirilo, entre 1941 e 1945, tinham conseguido. Silvio Pirilo chegou a uma sexta vez, em 1947 (em 1946, Perácio fez mais que ele). Leônidas da Silva fora por quatro, entre 1937 e 1940. E Dida, apesar de segundo maior artilheiro da história, foi por três, em 1958, 1959 e 1962 (Henrique e Gérson foram, respectivamente, os goleadores máximos em 1959 e 1960). Zico chegou à sua 6ª vez consecutiva, de 1974 a 1979, algo que ninguém havia conseguido na Gávea.

Ele poderia ter se dado por satisfeito, mas, para felicidade rubro-negra, os tempos áureos sequer haviam começado, e ele não parou por aí... como o próprio Zico afirmou em sua biografia, era preciso matar um leão por domingo. Nestes tempos, havia quem afirmasse que ele era craque de laboratório (em alusão ao tratamento para que ele ganhasse massa muscular, feito pelo departamento médico do Flamengo). A imprensa de São Paulo contestava sua presença na seleção brasileira, Zico seria apenas jogador de Maracanã. Só quando ele foi três vezes campeão brasileiro, uma vez da Libertadores e uma vez do Intercontinental, é que estes argumentos foram sendo derrubados. Na Copa do Mundo de 1982, formou um dos maiores meios de campo da história do futebol mundial – Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico – mas não conquistou o Mundial pela seleção. Ele era um craque completo. Os números só confirmam aquilo que os olhos contemporâneos a seus dias de glória tiveram a felicidade de ver ao vivo.

Com Zico arrasador, o Flamengo bateu um recorde no biênio 1978/79 que dificilmente será repetido. Venceu sete turnos consecutivos do Campeonato Carioca. Foi tricampeão sem permitir a realização de uma final em nenhum dos três campeonatos. Em 1978, venceu turno e returno. No último campeonato da FCF, em 1979, também venceu turno e returno, e no primeiro campeonato da FERJ, venceu os três turnos, conquistando, de forma inquestionável, o Estado do Rio de Janeiro; faltava conquistar o Brasil. Para isto, ainda teria que esperar um ano mais, pois no Brasileiro de 1979 acabou eliminado pelo Palmeiras, com uma goleada por 4 a 1. Na temporada de 1979, o time vencera 76% das partidas que jogou (recorde na história rubro-negra) e perdera apenas 8,5% dos 82 jogos disputados naquele ano.

Em 1980, aquela máquina de fazer gols e conquistar vitórias precisou de um ajuste. Nunes chegou para repor o lugar de Cláudio Adão, que logo no início do ano, às vésperas do início do Campeonato Brasileiro, foi dispensado, depois de um amistoso frente ao Atlético Mineiro. Faltando cinco minutos para o fim do jogo, Coutinho o chamou para entrar em campo, mas ele negou-se a fazer o aquecimento. As palavras de Cláudio Coutinho para dispensá-lo foram enfáticas: “Ele poderia ter dito não a qualquer um, menos para mim, que fui mandar buscá-lo no Santos quando ninguém mais lembrava dele e eu o reergui para o futebol”. Depois de três anos no Flamengo, Adão não passou mais de um ano jogando por nenhuma das várias camisas que vestiu.

Feitos todos os ajustes, o Flamengo ganhou então seu primeiro título nacional naquele ano, na décima edição do Campeonato Brasileiro. O torneio daquele ano tinha 44 clubes disputando o título, dentro do perfil inchado que a competição teve entre 1971 e 1986. O auge foi o campeonato do ano anterior, em 1979, que contou com a presença de 94 participantes. Curiosamente, este torneio de 1979, o com maior participação de equipes, também foi o mais curto entre todas as edições, tendo durado só três meses, entre 22 de setembro e 23 de dezembro de 1979.

A edição de 1980 foi disputada logo em seguida, no primeiro semestre. Na primeira fase, os clubes foram divididos em quatro grupos, com dez times cada. Os sete primeiros se classificaram para a segunda fase, à qual entraram outras quatro equipes emergidas da Segunda Divisão. O grupo do Flamengo tinha Santos, Internacional, Ponte Preta, Náutico, Botafogo da Paraíba, Ferroviário (do Ceará), Itabaiana (de Sergipe), Mixto (do Mato Grosso) e São Paulo (do Rio Grande do Sul). O rubro-negro terminou a fase em segundo lugar, atrás do Santos, com cinco vitórias, três empates e uma única derrota, sofrida para o Botafogo da Paraíba, em pleno Maracanã.

Os 32 times na segunda fase foram arrumados em oito grupos de quatro equipes, com os dois primeiros se classificando para a fase seguinte. O grupo do Flamengo tinha ainda Palmeiras, Santa Cruz e Bangu. Com quatro vitórias e dois empates, e com direito a goleada de 6 a 2 sobre o Palmeiras, o rubro-negro venceu o grupo.

Na terceira fase, os dezesseis remanescentes foram divididos em quatro grupos de quatro. O rubro-negro carioca voltou a enfrentar Santos e Ponte Preta, com os quais já havia duelado na primeira fase. O quarto componente do grupo era a Desportiva, do Espírito Santo. Os confrontos diretos com santistas e pontepretanos na primeira fase já havia sido favorável ao plantel carioca, com uma vitória sobre os primeiros jogando em São Paulo, e um empate frente ao segundo no Maracanã. O Flamengo era visto, assim, como o favorito para vencer o grupo, e correspondeu. Com duas vitórias e um empate, o rubro-negro garantiu passagem à semifinal.

O Flamengo foi para o confronto semifinal contra o Coritiba e venceu os dois jogos. O primeiro, em Curitiba, por 2 a 0, e o segundo, no Rio de Janeiro, por 4 a 3. Com uma bela campanha, com treze vitórias, seis empates e só a derrota para o Botafogo da Paraíba, o time se habilitou para jogar a final contra o Atlético Mineiro.

O Atlético tinha uma equipe fortíssima, com três jogadores que foram titulares absolutos na seleção brasileira na Copa do Mundo de 1982, o zagueiro Luizinho, o cabeça de área Cerezo e o ponta-esquerda Éder. A primeira partida da final, disputada no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, terminou 1 a 0 para os mineiros, que viajaram ao Rio de Janeiro, assim, jogando por um empate para levantar o título. E o Flamengo lutaria pelo título no Maracanã sem dois titulares, o zagueiro Rondinelli e o meia Carpegiani.

O rubro-negro abriu o placar na finalíssima, no dia 28 de maio de 1980, diante de 154 mil torcedores que lotavam o Maracanã, logo aos sete minutos do primeiro tempo, com gol de Nunes. Dada a saída para recomeço de jogo, o Atlético imediatamente empatou, no minuto de jogo seguinte à abertura do placar, através de Reinaldo. Antes do intervalo, Zico fez o segundo gol rubro-negro. Mas no segundo tempo, Reinaldo voltou a pôr números iguais na partida. O empate dava o título nacional ao clube mineiro. Até que, aos 37 minutos do segundo tempo, Nunes é lançado pelo lado esquerdo da área. Já quase na linha de fundo, ele consegue desvencilhar-se do marcador e, quase sem ângulo, toca a bola entre o goleiro e a trave atleticana. Gol do Flamengo! O Maracanã explode de emoção. Pela primeira vez em sua história, a Gávea comemorava o título de campeão nacional.

Depois do título Brasileiro e do título da Taça Guanabara (que naquele ano de 1980, foi jogada, excepcionalmente, de forma independente ao Campeonato Carioca), o Flamengo foi à Europa e faturou o bicampeonato do Troféu Ramon de Carranza, batendo o Dinamo Tbilisi, da União Soviética, e o Real Bétis, da Espanha.

Disposto a manter-se forte para a disputa do Campeonato Carioca, para o segundo semestre foram contratados o veterano zagueiro Luís Pereira, então com 31 anos, e o atacante Fumanchu, ex-Vasco. Luís Pereira foi ídolo no Palmeiras de 1968 a 1975 e titular da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1974; depois jogou no Atlético de Madrid, da Espanha, de 1975 a 1980. Ele disputou pelo Flamengo o Carioca de 1980 e o Brasileiro de 1981 e, então, voltou ao Palmeiras, onde jogou de 1981 a 1985.

Ao ir à Espanha para contratar Luís Pereira, o Flamengo, por pouco, não repatriou Roberto Dinamite, maior ídolo do rival Vasco. Roberto jogou o primeiro semestre daquele ano pelo Barcelona, sem fazer muito sucesso. E há de se reconhecer, Dinamite só não jogou em vermelho e preto porque demonstrou extrema fidelidade e respeito ao Vasco. A proposta rubro-negra era melhor, mas ele deu tempo ao Vasco para conseguir igualar a oferta. Indiscutivelmente, Roberto mostrou-se uma pessoa com caráter e valores à altura do ídolo que representou para uma geração inteira de vascaínos, características que andariam um pouco longe do futebol e da sociedade brasileira nas décadas seguintes.

Depois de ganhar sete turnos consecutivos mais uma Taça Guanabara, o Flamengo terminou o primeiro turno do Campeonato Carioca de 1980 em terceiro lugar. No segundo turno, o Flamengo assumiu a ponta depois de vencer o Vasco por 2 a 0 na sexta rodada, faltando três para o término do turno. Na rodada seguinte, o Flamengo pegava o Serrano, em Petrópolis. Tudo parecia estar sob controle na luta pela disputa do Tetracampeonato Carioca. Mas o Serrano venceu por 1 a 0 e pôs fim ao sonho do tetra. O Vasco reassumiu então a liderança do turno, venceu seus jogos nas duas rodadas seguintes, como o Flamengo também o fez, e foi decidir o campeonato com o Fluminense, campeão do primeiro turno. O tricolor venceu por 1 a 0 e levantou a taça.

Depois desta desilusão, no início de 1981, o Flamengo passou por uma grande metamorfose. A começar pela saída do técnico Cláudio Coutinho, que foi atrás dos dólares como técnico do Los Angeles Aztecs, dos Estados Unidos. Também saíram o lateral-direito Toninho e o ponta-esquerda Júlio César. O meio-campista Paulo César Carpegiani se aposentou e o zagueiro Rondinelli foi para o Corinthians, por quem disputou o Brasileiro de 1981, depois jogaria o Carioca de 1981 pelo Vasco e terminaria a carreira em 82 jogando pelo Bonsucesso.

O treinador passou a ser o ex-jogador Modesto Bria, que depois de alguns meses foi substituído por Dino Sani, que também não deu certo. Para o segundo semestre, quando o Flamengo disputaria o Campeonato Carioca e a Taça Libertadores da América, o técnico passou a ser o recém aposentado Paulo César Carpegiani, que debutava como treinador. Com a perda de quatro jogadores no elenco (um quinto sairia após o Brasileiro, o zagueiro Luís Pereira), o Flamengo contratou três reforços: o lateral-direito Nei Dias (ex-Americano, Botafogo e Atlético Mineiro), o ponta Baroninho, do Palmeiras, e o atacante Peu, do CSA, de Alagoas. Parecia que o elenco havia se enfraquecido. Mas Zico e companhia fariam deste semestre o mais inesquecível de todos na história rubro-negra.

Todas essas glórias neste semestre também foram, mais uma vez, regidas por boa música brasileira. Sob esta regência, chegariam os dois maiores títulos de sua história. O cantor e compositor baiano Moraes Moreira compôs “Vitorioso Flamengo”. Cantava na letra: “A gaitinha vai tocar, como no tempo de Ary Barroso/ Para comemorar mais um gol, desse do meu vitorioso, Flamengo/ Esse Flamengo de agora, faz lembrar até aquele do tri/ Quem conhece a sua história diz, assim eu nunca vi/ Tem quem jogue com a cabeça, usando a intuição/ É bom que sempre aconteça, na hora da decisão/ Tem quem tem intimidade, quem sabe e quem conhece/ Com rara habilidade, dá o trato que ela merece/ Está visando a pelota/ No peito, bota no chão/ Faz o lançamento longo/ Lance de grande emoção/ Tem quem tem raça e tem fé/ Quem mantém a tradição/ Que acima de tudo é rubro-negro de coração/ E a galera canta: Flamengo eu sou teu fã/ Grito de gol, levanta/ Sacode o Maracanã”.

A maior exaltação ao Flamengo, entretanto, não partiu de nenhum compositor famoso, mas emergiu da paixão e exaltação anônima das arquibancadas. Um grito, uma canção, que atravessou gerações. Uma ode daquelas que só a torcida do Flamengo é capaz de criar: “Oh, meu Mengão/ Eu gosto de você/ Quero cantar ao mundo inteiro/ A alegria de ser rubro-negro/ Conte comigo Mengão/ Acima de tudo um rubro-negro”.

A epopeia do Flamengo na disputa de sua primeira Taça Libertadores da América, da qual debutou como campeão, começou tumultuada. O grupo do Flamengo era bastante difícil, com Atlético Mineiro, Olímpia e Cerro Porteño. Na estreia, o Mengo empatou por 2 a 2 com o Atlético no Mineirão, em Belo Horizonte. Em seguida, goleada de 5 a 2 sobre o Cerro Porteño no Maracanã e um tropeço, um empate por 1 a 1 com o Olímpia no Maracanã. Em seguida, mais um empate por 2 a 2 com o Atlético, desta vez no Maracanã. Nas duas últimas rodadas, dois jogos complicados em Assunção, no Defensores del Chaco. O Flamengo voltou a ganhar com folga do Cerro Porteño (4 a 2) e a empatar com o Olímpia (0 a 0). Terminou empatado em primeiro com o Atlético Mineiro, e só o campeão de cada grupo avançava. A partida desempate foi jogada no Serra Dourada, em Goiânia. Este jogo foi marcado por uma grande confusão. O árbitro expulsou três jogadores do Atlético ainda no primeiro tempo. A equipe atleticana simulou, então, contusões, e a partida terminou aos 37 minutos do primeiro tempo, sem que ninguém houvesse mexido no placar. A Confederação Sul-Americana deu a vitória ao Flamengo, que avançou na competição.

Difícil na Libertadores de 1981 foi passar da primeira fase. A segunda fase, que tinha dois grupos de três times, dos quais o campeão de cada seria um dos finalistas, foi bem mais fácil. O Flamengo encarou o Deportivo Cali, da Colômbia, e o Jorge Wilsterman, da Bolívia, e conseguiu quatro vitórias em quatro jogos: 1 a 0 sobre o Deportivo em Cali, 2 a 1 sobre o Wilsterman em Cochabamba, 3 a 0 sobre o primeiro no Maracanã e 4 a 1 sobre os bolivianos. Mengão na final, contra o Cobreloa, do Chile.

Foi uma pedreira, literalmente, porque com pedras na mão, o zagueiro chileno Mario Soto (que em 1977 havia jogado no Palmeiras) provocou cortes no supercílio de três rubro-negros na segunda partida da final, em território chileno. O Flamengo venceu a primeira, por 2 a 1, no Maracanã. Perdeu por 1 a 0 em Santiago. O terceiro jogo, de desempate, em campo neutro, foi no estádio Centenário, em Montevidéu. Deu Mengão 2 a 0. Campeão da América!

Desde 1968, com o Estudiantes de La Plata, da Argentina, o título não era conquistado por um estreante na competição. E depois da conquista rubro-negra em 1981, isso só veio a ocorrer uma vez, com o Argentinos Juniors, que foi debutante e campeão na Taça Libertadores da América de 1985.

Como campeão da América, o Flamengo foi a Tóquio enfrentar o campeão da Europa pelo título Intercontinental, que no Brasil sempre foi chamado de Mundial Interclubes. O time vinha com experiência em enfrentar e vencer europeus. Em 1978, vencera o Troféu Palma de Mallorca, sobre o Real Madrid, no que foi seu primeiro título levantado em solo europeu. Em 1979, bateu Barcelona e os húngaros do Ujpest e levantou o Troféu Ramon de Carranza, do qual se sagraria bicampeão em 1980, batendo os soviéticos do Dinamo Tbilisi e o Bétis. Naquele mesmo ano de 1981, o clube conquistara seu quarto troféu na Europa, o Torneio de Nápoles, goleando duas equipes italianas, o Avelino por 5 a 1 e o Napoli por 5 a 0.

Foi assim que o rubro-negro chegou ao Japão, vestido de humildes chuteiras com trava de borracha frente às poderosas e mais caras chuteiras de trava de metal dos ingleses do Liverpool, que entrou em campo cheio de empáfia. Os sorrisos irônicos de seus jogadores, destes que fogem pelos cantos da boca, mexeram com os brios rubro-negros. Aos treze minutos do primeiro tempo, Nunes aproveitou lançamento de Zico para fazer 1 a 0, transformando os sorrisos irônicos em olhares preocupados. Aos 36 minutos, Adílio fez 2 a 0. Aos 42, Nunes, de novo, sacramentou o 3 a 0. Os times desceram para o intervalo já com a conquista explicitada. E poderia ter sido de mais, se o Flamengo não houvesse passado o segundo tempo administrando o resultado, esperando o tempo correr, diante de um Liverpool que ainda não conseguia entender muito bem o que se passava, cuja empáfia se transformara em abatimento e desorientação. Mengão campeão do mundo! Coisa que, até então, só o Santos de Pelé havia logrado entre as equipes brasileiras.

Foram quarenta dias de sonho, iniciados em 8 de novembro de 1981, com uma goleada de 6 a 0 no Botafogo, na qual o Flamengo vingava-se, definitivamente, da goleada sofrida em 15 de novembro de 1972. E com o mesmo placar. Por nove anos, em todos os clássicos entre Flamengo e Botafogo, lá estava pendurada, no lado destinado aos botafoguenses, uma faixa em alusão àqueles 6 a 0. Era um trauma... Quando o Mengo fez 5 a 0, se o sexto não tivesse saído, todos os rubro-negros, naquele dia, iriam para casa tristes. A torcida berrava “Queremos 6!” E foi dos pés de Andrade, o camisa 6 rubro-negro, que partiu o chute que estufou a rede a cinco minutos do fim do jogo. Seis!!!!!! O fantasma estava exorcizado!

Na rodada seguinte do Carioca, nova goleada: 6 a 1 no Americano. Então veio a vitória por 2 a 1 sobre o Cobreloa, no primeiro jogo da final da Libertadores. Mais uma vitória num Fla-Flu (3 a 1) e veio a derrota no segundo jogo da final da Libertadores. Três dias depois (23 de novembro), o Flamengo venceu e foi campeão sul-americano, em Montevidéu. Mais uns dias e outra goleada, 5 a 1 no Volta Redonda. Até que veio a final do Campeonato Carioca contra o Vasco. O Flamengo tinha vantagem por ter vencido dois dos três turnos, mas duas vitórias consecutivas do Vasco inverteram a vantagem. No terceiro jogo, o Vasco jogava pelo empate. Em 6 de dezembro, pouco menos de trinta dias após a goleada no Botafogo, o Mengo venceu, com gols de Adílio e Nunes, e faturou o título carioca. Uma semana depois, entrava em campo em Tóquio, frente ao Liverpool, para conquistar o mundo!

Mas tudo na vida parece vir agarrado a um contrapeso. Aqueles pouco mais de trinta dias que separaram a goleada de 6 a 0 sobre o Botafogo da conquista do Mundial Interclubes tinham sido bons demais, um sonho materializado em fatos. Porém, a vida, às vezes, parece nos fazer relembrar que não pode ser tudo somente bom. Tamanha felicidade tem que ser espelhada em uma imensa tristeza. A torcida e os jogadores do Flamengo sorriram muito, mas também choraram. Em 27 de novembro, um dia após o Flamengo golear o Volta Redonda por 5 a 1, morreu no Rio de Janeiro, aos 42 anos, Cláudio Coutinho. Capitão de artilharia do Exército, professor de educação física, introdutor do método de Cooper no Brasil, adepto da pesca submarina, preparador físico do Brasil nas Copas do Mundo de 1970 e 1974, técnico da seleção olímpica do Brasil em 1976, técnico do Brasil na Copa do Mundo de 1978 e técnico do Flamengo de 1976 a 1980, Coutinho trabalhara todo o ano de 1981 no futebol norte-americano. Passando as férias no Rio, saiu com um amigo, de barco, rumo às ilhas Cagarras, em frente à praia de Ipanema. Ele era adepto do mergulho em apneia, sem o uso de equipamentos de oxigênio. Naquela tarde, após um primeiro mergulho, comentou que não se sentia bem, mas que queria voltar para pegar um peixe grande que havia visto. Foi buscá-lo e nunca mais regressou. Prematuramente, aos 42 anos, morreu afogado.

Dois dias depois, abatido com a morte do ex-técnico e grande amigo, o time do Flamengo entrou em campo para enfrentar o Vasco pelo primeiro jogo da final do Campeonato Carioca, do qual acabou campeão, querendo dedicá-lo a Cláudio Coutinho, o homem que formou o time que daria ao Flamengo as maiores glórias de sua história.

O grupo que propiciou o semestre mais vitorioso de história rubro-negra tinha 26 jogadores à disposição do técnico Paulo César Carpegiani. Raul, goleiro titular, tinha Cantareli como reserva imediato, e Luís Alberto como terceiro goleiro. Nas laterais, Leandro e Júnior, titulares absolutos do Brasil na Copa do Mundo de 1982, tinham Carlos Alberto e Nei Dias como laterais reservas. Na zaga, os titulares eram Marinho e Mozer; e o grupo ainda contava com Manguito e Figueiredo. No meio de campo, Andrade, na contenção, tinha a sombra do jovem Vítor, recém promovido dos juniores, da geração que revelou Leandro, Mozer e Figueiredo. Na armação, Adílio e Zico, tinham Fumanchu e Peu como reservas imediatos. No ataque, Tita, pela ponta-direita, tinha a sombra de Reinaldo. No comando de ataque, além do titular Nunes, havia à disposição Ronaldo Marques, Chiquinho e Anselmo. E na ponta-esquerda, Lico, titular, via as sombras de Baroninho e Édson. Esse foi o grupo que deu ao Flamengo a maior de todas as suas glórias. O grupo campeão da Libertadores e Mundial foi mantido para a temporada de 1982 e levantou pela segunda vez a taça do Campeonato Brasileiro.

O mesmo grupo vitorioso, mesclando raça, técnica e muita vontade de vencer, chegou à final do Campeonato Brasileiro de 1982 em desvantagem frente ao Grêmio. O Flamengo fazia o primeiro jogo da final em casa, no Rio de Janeiro, e depois iria disputar a finalíssima no estádio Olímpico, em Porto Alegre. Em caso de dois resultados iguais, o Grêmio ainda tinha a vantagem de ser mandante em um terceiro jogo, que também seria jogado em seu estádio. Os gaúchos, campeões nacionais em 1981, pareciam estar muito próximos de faturar o bicampeonato. O time gremista era muito forte, com Leão no gol, o uruguaio Hugo De Leon liderando a defesa, um meio de campo forte – com Batista na contenção – e criativo – com Paulo Isidoro na armação –, e a jovem revelação Renato Gaúcho levando o ataque para frente. Uma equipe fortíssima. Um confronto acirradíssimo. No primeiro jogo, empate por 1 a 1 no Maracanã. No segundo, novo empate, agora sem gols, no Olímpico. As duas equipes foram para o terceiro jogo, também em Porto Alegre. O Flamengo mostrou a força de seu time, muito aguerrido e cheio de talentos. Vitória por 1 a 0, com um gol de Nunes logo aos dez minutos do primeiro tempo. O vermelho e o preto, mais uma vez, tingiam o troféu máximo do futebol nacional.

O clube andava com toda a força. A impressão que se tinha era a de que mesmo se, por um dia, ninguém aparecesse em suas dependências para trabalhar, tudo iria funcionar do mesmo jeito. Daria tudo certo. O Flamengo mantinha-se como uma máquina de conquistar títulos. Foi bicampeão brasileiro em 1982 no primeiro semestre e pentacampeão da Taça Guanabara no segundo. O objetivo do ano, no entanto, escapou: o bicampeonato da Taça Libertadores da América. Como campeão de 1981, o Flamengo estreou direto na segunda fase, e encarou um grupo dificílimo, cujo primeiro colocado estaria na final. O grupo tinha Flamengo, River Plate e Peñarol.

O time rubro-negro perdeu por 1 a 0 para o Peñarol em Montevidéu. Em seguida, no entanto, não tomou conhecimento do River Plate, vencendo por 3 a 0 no estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, e por 4 a 2 no Maracanã. Estes resultados garantiram-lhe a vantagem do empate no confronto final frente ao Peñarol no Maracanã. Se se classificasse, o Flamengo repetiria a final de 1981 frente ao Cobreloa. A missão parecia estar próxima de ser cumprida. O Maracanã estava absolutamente lotado só de rubro-negros, certos da presença na segunda final de Libertadores consecutiva.

Um duro golpe, entretanto, estava por vir no segundo tempo daquela partida, até aonde o jogo se arrastara em um agitado empate sem gols. O time uruguaio fez um gol numa cobrança de falta do brasileiro Jair, ex-jogador do Internacional de 1974 a 1981. A vitória por 1 a 0 pôs o Peñarol na final, frente ao Cobreloa, do Chile, e os uruguaios levantaram o título sul-americano.

Com a frustração, a diretoria do Flamengo sentiu a necessidade de fazer mudanças para a temporada de 1983. A insatisfação maior, naturalmente, era a eliminação na Taça Libertadores. Mas o Flamengo também perdeu a final do Campeonato Carioca para o Vasco e fez uma campanha muito instável, com derrotas para Campo Grande e Portuguesa. O ataque estava tendo um desempenho insatisfatório, com Nunes não tendo repetido a espetacular temporada que havia feito em 1981. Nunes, aliás, jamais voltou a repetir o desempenho de 1980/81, e saiu no início daquele ano. Voltou ao Flamengo em 1984, mas ficou na reserva. Depois passou por Náutico e Santos em 1985/86; ainda teve mais uma passagem pelo Flamengo em 1987, quando também foi reserva. Ainda jogou no Atlético Mineiro, mas jamais sem repetir a performance como o artilheiro das decisões.

Para o Campeonato Brasileiro de 1983, Tita foi emprestado para o Grêmio e Nunes para o Botafogo. Peu, que seria outra opção na frente, trocou de rubro-negro, indo jogar no Atlético Paranaense. Foram contratados o ponta Robertinho, do Fluminense, e o centroavante Baltazar, o Artilheiro de Deus. Ambos chegavam para tentar diminuir a dependência do time só dos gols de Zico.

Baltazar havia sido revelado pelo Grêmio, onde jogou de 1980 a 1982. Teve uma rápida passagem pelo Palmeiras, e jogou toda a temporada de 1983 no Flamengo. Em 1984, foi para o Botafogo e daí foi para a Espanha, onde encerrou a carreira, depois de defender o Celta de Vigo e o Atlético de Madrid. Mas, no Flamengo, Robertinho e Baltazar não representaram a solução para o comando de ataque esperada pela diretoria. A solução para a frente acabou vindo das categorias de base, mais uma vez, através dos pés de Élder e Júlio César Barbosa. Mais uma vez com soluções caseiras, o Flamengo acabou se rearrumando e voltando a conquistar um título brasileiro, o segundo consecutivo e terceiro em sua história. E com uma formação já bastante alterada em relação ao time que lhe dera tantas glórias entre 1980 e 1982.

O Flamengo começou a embalar rumo ao título na segunda fase, quando venceu o grupo que ainda tinha Corinthians, Guarani e Goiás. Passavam dois às quartas de final. O rubro-negro venceu o grupo e se classificou ao lado dos goianos, e os dois paulistas foram eliminados. Nas quartas de final, eliminou o Vasco com uma vitória por 2 a 1 no primeiro confronto e um empate por 1 a 1 no segundo. O adversário na semifinal foi o Atlético Paranaense. A questão ficou praticamente resolvida logo no primeiro jogo, 3 a 0 no Maracanã. O time estava novamente na final, agora para duelar contra o Santos, de Pita, Paulo Isidoro e Serginho Chulapa.

Na primeira partida, vitória por 2 a 1 dos santistas. A finalíssima era no Maracanã, e o Flamengo precisava vencer por dois gols de diferença. O placar foi inaugurado logo com 50 segundos de jogo, gol de Zico. Aos 39 minutos do primeiro tempo, Leandro ampliou. No segundo tempo, a vitória foi sacramentada com um gol de Adílio, aos 23 minutos. O Maracanã mais uma vez explodia de alegria e emoção. Porém, horas depois de levantada a taça, uma bomba: Zico anunciava que o Flamengo o havia vendido para a Udinese, da Itália. Encerrava-se ali a Era de Ouro.

O Flamengo, entre 1980 e 1983, conquistou uma quantidade de títulos que poucos clubes no Brasil conseguiram num intervalo tão curto. Somente o Santos venceu mais, no período de 1960 a 1965. Em 1962/63, aquele time santista que tinha Gilmar, Lima, Mauro e Dalmo, Zito e Calvet, Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe foi bicampeão mundial e bicampeão da Taça Libertadores da América; foi ainda pentacampeão da Taça Brasil (de 1961-1965), bicampeão do Torneio Rio–São Paulo (1963/64) e campeão paulista cinco vezes em seis anos (1960, 61, 62, 64 e 65).

Outros times que chegaram perto, mas não conquistaram tanto quanto o Flamengo, foram o Palmeiras de 1972/73 e o Internacional de 1975/76. Aquele Mengo venceu três vezes o Campeonato Brasileiro em quatro edições, feito só repetido no Brasil quando o São Paulo se sagrou tricampeão nacional de 2007 a 2009. O time foi ainda campeão da Libertadores e do Mundial em 1981, e pentacampeão da Taça Guanabara (1978-1982). O Palmeiras, com Ademir da Guia brilhando, foi bicampeão brasileiro (1972/73) e campeão paulista em 1972 e 1974. O Inter, com Falcão e Figueroa, foi bicampeão brasileiro (1975/76) e octacampeão gaúcho (1969-1976). O São Paulo de 1991 a 1993, comandado por Telê Santana, foi bicampeão da Taça Libertadores e do Mundial (1992/93), campeão brasileiro (1991) e bicampeão paulista (1991/92). E Palmeiras de 1993/94 foi bicampeão brasileiro e paulista, sob o comando de Vanderlei Luxemburgo, com Roberto Carlos, Rivaldo, Edílson, Zinho, Edmundo e Evair. Estes esquadrões chegaram perto da qualidade que aquele time rubro-negro teve. Mas igual ou maior, na história do futebol brasileiro, só o Santos de Pelé. A saída de Zico marcou o fim da maior era de conquistas da história do Clube de Regatas do Flamengo.

Para o Campeonato Carioca de 1983, o clube contratou, com boa parte do dinheiro da venda de Zico, três jogadores: Lúcio, Edmar e Cléo, todos considerados promessas do futebol brasileiro. O ponta-direita Lúcio destacou-se pela Ponte Preta, onde jogou de 1979 a 1982. Depois, teve rápidas passagens por Palmeiras e Guarani, sem obter o mesmo sucesso, até chegar ao Flamengo. Cléo revelou-se como grande sensação no Internacional de Porto Alegre, onde atuou de 1978 a 1982, quando foi contratado pelo Barcelona, da Espanha. Fracassou no futebol espanhol e foi trazido de volta pelo Palmeiras, onde jogou por seis meses em 1983, sem sucesso, sendo então contratado pelo Flamengo. Estes dois acabaram sendo repassados ao América em 1984, numa troca pelo jovem lateral-direito Jorginho, que viria a ser um dos maiores craques da história rubro-negra. O terceiro reforço foi o goleador Edmar, comprado ao Cruzeiro. Ele jogou por um ano e meio no Flamengo, sem fazer o sucesso que conseguiu depois no Guarani (1985), Palmeiras (1986) e Corinthians (1986-1988). Além dos três, o Flamengo trouxe de volta Tita e Nunes. Assim, só para o comando de ataque, eram três centroavantes disponíveis: Baltazar, Edmar e Nunes. Mas isso não supriu a falta que os gols de Zico faziam.

No Campeonato Carioca, o Flamengo também conseguiu vencer a Taça Rio, depois de ver o Fluminense levar o título da Taça Guanabara, impedindo o rubro-negro de faturar o hexacampeonato. O Bangu fez a melhor campanha na soma dos dois turnos. Assim, Fla, Flu e Bangu se enfrentaram num triangular final. No primeiro jogo, Bangu e Fluminense empataram em 1 a 1. Depois veio um fatídico Fla-Flu para os corações rubro-negros, aquele em que o Fluminense venceu por 1 a 0 com um gol de Assis aos 45 minutos do segundo tempo, gol que deu o título ao tricolor. Na última partida, o Flamengo bateu o Bangu por 2 a 0 e ficou com o vice-campeonato. A ausência de uma peça fazia com que aquele time não fosse mais o mesmo. Exatamente aquela peça que andava jogando bola em gramados italianos, lá pelos lados de Udine, e que levaria a modesta Udinese ao vice-campeonato italiano da temporada 1983/84, sendo ele o vice-artilheiro do campeonato, um gol atrás de Michel Platini, da campeã Juventus.




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