quarta-feira, 25 de maio de 2022

A NAÇÃO (2ª edição) - Capítulo VI: Anos de sombra (1984-1994)


A NAÇÃO

Como e por que o Flamengo se tornou

o clube com a maior torcida do Brasil



Capítulo VI – Anos de sombra (1984-1994)


A fase rubro-negra que se seguiu após os Anos Dourados evoluía ao ritmo da antiga música de Cartola, um dos maiores mestres do samba: “Bate outra vez/ Com esperanças o meu coração/ Pois já vai terminando o verão, enfim/ Volto ao jardim, com a certeza que devo chorar/ Pois bem sei que não queres voltar, para mim/ Queixo-me às rosas/ Mas que bobagem, as rosas não falam/ Simplesmente as rosas exalam/ O perfume que roubam de ti/ Devias vir para ver os meus olhos tristonhos/ E quem sabe sonhavas os meus sonhos, por fim”.

Os rubro-negros viveram dias nos quais andavam sempre sonhando com um passado que fazia todos os corações flamenguistas ficarem lamuriados, constantemente buscando no jardim as flores daqueles felizes dias de outrora. Esperava-se a chegada de um novo Zico. Cada ano que entrava, vinha sob a expectativa de que se voltaria a ter dias como aqueles, nos quais o rubro-negro vencia, vencia e vencia, e levantava troféus com uma frequência que fazia parecer que aquilo não acabaria nunca. Era campeão de quase tudo. Dava a impressão de que sua hegemonia no futebol brasileiro jamais seria desbancada.

Na temporada de 1984, buscando manter-se no topo, o Flamengo contratou reforços, o ponta-esquerda João Paulo, um dos destaques da campanha do Santos no vice-campeonato brasileiro de 83, e o goleiro Fillol, titular da seleção da Argentina nas Copas de 1978 e 1982. E a renovação no comando de ataque surgiu nos pés do jovem Bebeto, trazido do Vitória, da Bahia, em 1983 para a equipe de juniores. Com uma base forte, que tinha Fillol, Leandro, Figueiredo, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Tita; Bebeto, Edmar e João Paulo, o rubro-negro apostava fazer uma boa campanha na Libertadores. O Flamengo pegou um grupo difícil, com Santos e os colombianos América de Cali e Atlético Junior de Barranquilla. Só o primeiro colocado do grupo passava à segunda fase. O time despachou o Santos com duas goleadas: 4 a 1 no Maracanã, e 5 a 0 no Morumbi. Superou também os colombianos e terminou a fase inicial em primeiro, com cinco vitórias e um empate.

Porém, antes do início da segunda fase da Libertadores, Júnior se despediu do Flamengo, sendo vendido ao Torino, da Itália. O Flamengo sentiu muito a sua falta. Logo na estreia na segunda fase, foi goleado pelo Grêmio por 5 a 1, em Porto Alegre. Ainda assim esteve, mais uma vez, bem perto de jogar uma final sul-americana. Depois de goleado no estádio Olímpico, o time rubro-negro venceu por 3 a 1 no Maracanã. A regra pedia uma partida de desempate, em campo neutro, cujo vencedor se classificaria à final. Pelo melhor saldo de gols nos dois confrontos, o Grêmio tinha a vantagem do empate. O jogo, no Pacaembu, em São Paulo, ficou em 0 a 0 e os gremistas avançaram à final, na qual foram derrotados pelo Peñarol.

Nos quatro anos consecutivos em que fez suas primeiras apresentações na Libertadores, o clube foi uma vez campeão e duas vezes esteve muito próximo da final, caindo na semifinal. Em 1982, jogou por um empate contra o Peñarol dentro do Maracanã, mas perdeu por 1 a 0. Em 1984, foi eliminado na semifinal pelo Grêmio, que fora também o seu algoz, só que logo na primeira fase, na Libertadores de 1983.

Mas as glórias insistiam em não ter continuidade. No Carioca de 1984, Flamengo, Fluminense e Vasco decidiram o título num triangular. O Flu venceu o Vasco no primeiro jogo, e, em seguida, foi a vez de o Flamengo vencê-lo. O Fla-Flu decisivo valia o título e a chance de bicampeonato do Fluminense. O Flamengo ainda estava traumatizado com o gol de Assis aos 45 minutos do segundo tempo que decidira o campeonato no ano anterior. Em 1983, Assis foi penetrando pelo lado direito da zaga, até meter a bola entre Raul e a trave: 1 a 0 e Flu campeão. Em 1984, o resultado foi 1 a 0, Fluminense outra vez. Gol de Assis, de novo! Desta vez, aos trinta minutos do segundo tempo, escorando um cruzamento de cabeça, sozinho na linha da pequena área, sem dar chances a Fillol. No ano seguinte, o Fluminense seria tricampeão depois de um triangular final contra Flamengo e Bangu.

O Bangu também vivia uma época forte. Em 1985, foi vice-campeão carioca e brasileiro. O time era financiado pelo contraventor do jogo do bicho Castor de Andrade, filho do Seu Euzébio, patrono banguense nos anos 60. Nestes anos, passaram pelo Bangu o zagueiro Márcio Rossini (ex-Santos), o lateral-esquerdo Pedrinho (ex-Vasco, Palmeiras e seleção brasileira), o meia Arthurzinho (ex-Vasco e Corinthians), o atacante Cláudio Adão e o técnico Zagallo. O craque do time era o ponta-direita Marinho que, jogando pelo Bangu, chegou à seleção brasileira. Depois foi jogar no Botafogo, onde não repetiu o sucesso.

Lutando para dar continuidade a uma era de muitas conquistas, o Flamengo se esforçava e trabalhava para tentar reencontrar o equilíbrio de seu elenco sem Zico. Mas o destino também lhe pregava peças e o atrapalhava. Foi assim em dezembro de 84, quando o zagueiro Figueiredo acabou morrendo prematuramente, aos 24 anos, num acidente de avião, no qual Bebeto também perdeu um irmão, presente no mesmo voo. Após Cláudio Coutinho, mais uma vez aquela geração rubro-negra se colocava de luto.

O clube mantinha sua esperança nas pratas da casa, imaginando repetir o sucesso que levou à formação de sua geração de ouro. A seleção brasileira bicampeã do Mundial Sub-20 (1983 e 1985) e medalha de prata nas Olimpíadas de Los Angeles de 1984 (sub-23) tinha vários representantes rubro-negros: o goleiro Hugo, o lateral-direito Heitor, o camisa 10 Gilmar e o atacante Bebeto. Junto a eles, emergiram, também dos juniores nomes como o meia Valtinho, o meia-atacante Vinícius e o centroavante Wallace. De todos estes nomes, o único que realmente vingou e virou craque foi Bebeto. Havia grandes esperanças sobre Gilmar Popoca, que foi o primeiro “novo Zico” a emergir no Flamengo. Mas ele não conseguiu manter uma regularidade de boas atuações.

No Campeonato Brasileiro de 1985, o time rubro-negro parecia ter potencial para conquistar mais uma vez o título. Terminou o primeiro turno na liderança do campeonato, e parecia que daria para brigar pelo campeonato, mas não deu. O Flamengo acabou eliminado pelo Brasil de Pelotas. O grupo na segunda fase tinha quatro equipes: Flamengo, Bahia, Ceará e Brasil, modesta equipe do Rio Grande do Sul; o primeiro colocado passava à semifinal. Nos jogos de ida, o rubro-negro empatou com Ceará e Bahia, e venceu o time de Pelotas no Maracanã. No jogo seguinte, com a vitória sobre o Bahia no Rio de Janeiro, o Flamengo chegou a seis pontos na tabela (naquele tempo a vitória ainda valia dois pontos). Em segundo lugar estava o Brasil de Pelotas, com cinco pontos.

Líder e vice-líder se enfrentavam em Pelotas. Um empate deixava o Flamengo em ótimas condições para conseguir a vaga, a vitória significaria a classificação antecipada. E eis que o Brasil venceu o Flamengo por 2 a 0, gols de Bira e Júnior Brasília (jogador revelado nas categorias de base rubro-negras). A última esperança era o jogo na rodada final, quando os gaúchos enfrentariam o Bahia na Fonte Nova, em Salvador, enquanto o rubro-negro jogaria contra o Ceará, no Maracanã. Só que o Brasil venceu o Bahia por 3 a 2 e confirmou a vaga na semifinal. Os confrontos que definiriam os finalistas naquele ano foram Atlético Mineiro x Coritiba; e Bangu x Brasil de Pelotas. Coritibanos e banguenses passaram à final, e o título foi parar no Paraná. O Flamengo desperdiçou uma oportunidade de ouro de conquistar mais um título.

Os frutos da nova aposta no investimento em iniciantes demoraram a aparecer, mas surgiram com a geração que subiu para o time principal no ano seguinte e conquistou o Campeonato Carioca de 1986. Um time que contava com vários recém-promovidos dos juniores: o goleiro Zé Carlos, o zagueiro Aldair, o cabeça de área Ailton e o ponta-esquerda Zinho, todos quatro titulares na equipe que, sob o comando de Sebastião Lazaroni, levantou o título daquele ano com uma vitória por 2 a 0 sobre o Vasco, gols de Bebeto e Júlio César Barbosa.

Eram dias nos quais se vivia à sombra da montanha de títulos conquistados em seus Anos Dourados, com uma certa ilusão de que tais dias não haveriam de terminar nunca. O rubro-negro ainda seguia forte, levantando troféus, mas nada era suficiente aos corações de seus torcedores, que haviam vivenciado uma odisseia de títulos subsequentes, e, tendo provado o sabor de tamanho sucesso, queriam manter aquele gosto na garganta. Tudo era pequeno diante daquela geração que venceu quase tudo que disputou entre 1978 e 1983.

Assim como o Flamengo, o Brasil e o Rio de Janeiro também viviam à sombra do apogeu de suas sociedades e economias. O sentimento nacional também era o de reviver as glórias de seu passado recente, mas o país já se via afundado em uma situação econômica bastante grave. Do início do século XX até a metade dos anos 30, o Brasil viveu três décadas de integração ampla, sustentada pelas exportações de produtos primários, especialmente o café, e altamente absorvedora de mão de obra imigrante. O país entrava num ciclo de ampla modernização e de ensaio da industrialização. Depois disso, de meados dos anos 30 a fins dos 70, veio a colheita dos frutos, tendo havido quarenta anos de expansão quase ininterrupta e crescente. O crescimento não só era maior, como a taxa média ia aumentando na direção dos 10% ao ano, patamar sustentado durante os anos do milagre econômico brasileiro. A partir de 1978, então, houve uma total inversão, apresentando quase duas décadas de demolição da prosperidade alcançada nas décadas anteriores. O país viveu a perda da unidade de propósitos e objetivos permanentes que soube cultivar tão bem desde a Proclamação da República, com um projeto de grandeza nacional.

O Brasil colheu as consequências de um modelo econômico altamente sustentado pelo crédito externo. Enquanto os ventos internacionais sopraram a favor, a prosperidade foi intensa. A coisa começou a inverter em 1974, quando a crise do petróleo enxugou a bonança e brecou a pujança do forte ciclo de expansão mundial vivido desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Aquele fora, porém, apenas um primeiro aviso. A deterioração definitiva das condições econômicas ocorreu após a segunda crise do petróleo, em 1979, que devastou a economia internacional. O enfraquecimento do dólar como moeda forte mundial fez os Estados Unidos elevarem abruptamente sua taxa de juros, causando o estouro do valor das dívidas dos países emergentes. As economias da América Latina entraram em colapso. Os anos 80 seriam duros para todo o mundo, mas, seguramente, muito mais para aqueles que estavam excessivamente endividados. E, neste caso, o Brasil andava na linha de frente.

O país viveu tempos difíceis, e a cidade do Rio de Janeiro ainda mais, pois teve que lidar com os efeitos do desastroso processo de fusão pelo qual havia passado. Ambos, país e cidade, andavam à sombra de um passado que se havia desmanchado. Entretanto, a crise brasileira impedia a cidade de perceber a diferença entre as causas impostas pela desaceleração de renda nacional e os problemas exclusivamente seus, uma consequência direta do malfeito processo de fusão em 1974.

Os resultados do duplo golpe sofrido pela cidade eram inevitáveis. A capital federal havia permanecido no Rio de Janeiro durante os sessenta primeiros anos do século XX, depois de ter sido capital do império português e sede do Reino e da antiga colônia do Brasil por outros 150 anos. Isso dera à cidade e sua região limítrofe uma condição excepcionalmente próxima ao poder instituído e aos recursos dele alcançáveis. Por outro lado, o Rio de Janeiro, como polo cultural, aproximou-se do resto do Brasil e, simbioticamente, adquiriu uma condição de “nação em miniatura” que exercia com absoluta naturalidade, até porque a cidade a todos absorvia como cidadãos a ela pertencentes.

Muita coisa foi sacada do Rio de Janeiro na transferência política do Distrito Federal para Brasília. Esse processo significou para o Rio uma concreta descapitalização. Saiu a capital, começou a se evadir o capital. Primeiro, pela transferência forçada de boa parte dos servidores federais, levando consigo a oferta de serviços mais variados e, a seguir, pela evasão lenta do capital industrial e, principalmente, financeiro, o qual se tornou patente com o término dos negócios naquela que havia sido, até então, a principal bolsa do país, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A rápida lembrança das principais rupturas políticas sofridas pela cidade, em período de apenas quinze anos, serve para constatar o grau de confisco de recursos políticos e financeiros exercido.

Os serviços públicos se mudaram para Brasília; as sedes de empresas e bancos, para São Paulo. A cidade sofreu uma perda econômica expressiva, com forte saída de recursos. Eram inevitáveis os efeitos da expressiva diminuição dos postos de trabalho. A dinâmica é conhecida para sociólogos e economistas: menos empregos, mais roubos e assaltos. Formou-se então um ciclo vicioso. Foram-se as vagas de emprego para outros estados e, com isso, aumentou a violência; a explosão do crime chegou a tal ponto que o medo expulsou mais empresas, deixando ainda menos oportunidades laborais disponíveis aos cidadãos cariocas. Entre 1989 e 1992, a depressão profunda da economia da cidade causou uma perda de 190 mil postos de trabalho na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, levando os cidadãos que se encontravam à margem da empregabilidade à luta por sua subsistência, forjando oportunidades na informalidade.

Os números da violência demonstram a intensidade do agravamento. Em 1982, dados da Secretaria de Segurança registravam pouco mais de 2.100 homicídios na cidade do Rio de Janeiro. Quatro anos depois, em 1986, o número de registros foi de pouco mais de 4.100 casos. Duplicou! E não parou de crescer até meados dos anos 90, quando passou a sustentar um mesmo patamar. Em 1991, foram registrados 7.518 homicídios na cidade. A taxa quadruplicou em uma década. Foi um período crítico para a sociedade carioca e brasileira. A população assistia pelos telejornais à escalada da hiperinflação e do crime organizado.

Mas essa realidade estava distante para grande parte da população da Zona Sul do Rio. O crime e os homicídios explodiam nas favelas do subúrbio e da Zona Norte. As madrugadas a sul da cidade, em meados dos anos 80, seguiam iguais. Por volta das cinco horas da madrugada, os bares começavam a se esvaziar. Ao longe, ouviam-se os primeiros galos cantando, assim como o horizonte começava a ganhar um brilho diferente, com a aproximação do nascer do sol. A rua ainda mal tinha movimento de carros. O cheiro inconfundível da maresia revigorava a alma. A névoa levantada pela quebra das ondas do mar acalmava o espírito. Ao fundo, a silhueta do morro Dois Irmãos surgia em meio às primeiras luzes de sol da manhã e mostravam a imagem de cartão postal. Uns poucos corpos cansados esticavam os últimos minutos de seus goles de cerveja, entre um bocejo e outro. Alguns curtiam a brisa das primeiras horas da manhã e iam caminhando pelo calçadão, do Leblon até o Leme, cruzando Ipanema e Copacabana inteiras, para lá, então, ficar à calçada esperando os primeiros ônibus que cruzariam para Botafogo. A ameaça de assaltos e roubos era remotíssima. O auge dos anos boêmios da cidade se aproximava do fim. A explosão de violência na periferia, naturalmente, levaria seu cartão de visitas até lá, jamais ficaria geograficamente restrita a uma área da cidade.

Ainda com toda uma conjuntura desfavorável, tanto para o Brasil quanto para o Rio de Janeiro, o sonho de dar continuidade à Era de Ouro das cores rubro-negras se mantinha vivo. Materializou-se por completo quando o clube trouxe seu maior ídolo de volta, em 1985. Depois de duas temporadas na Itália (1983/84 e 1984/85), Zico voltou para vestir a camisa vermelha e preta. Ele brilhou no futebol italiano intensamente, tanto que em uma sondagem realizada em novembro de 2006 pelo jornal italiano La Repubblica, Zico apareceu em primeiro na lista que apontou os dez brasileiros que mais marcaram o campeonato italiano. Foram eles, em ordem: Zico, Falcão, Kaká, Careca, Júnior, Ronaldo, Cerezo, Aldair, Cafu e Emerson.

Mas Zico sentiu falta do Rio de Janeiro e decidiu, aos 32 anos, voltar para sua terra natal. Reestreou pelo Flamengo num amistoso festivo contra um time de Amigos de Zico. Depois disputou uma série de amistosos preparatórios para o Campeonato Carioca. Quisera aquele campeonato não houvesse começado. Depois de uma estreia goleando por 5 a 0 o Bonsucesso, veio a fatídica segunda rodada, quando o Flamengo empatou por 0 a 0 com o Bangu no Maracanã, partida na qual uma entrada desleal do lateral-direito Márcio Nunes acertou com os dois pés o joelho esquerdo de Zico, provocando fratura de ossos e o rompimento dos ligamentos cruzados.

O maior jogador da história do Flamengo teve que se submeter a diversas operações e não voltou mais a jogar em 1985. Voltou na abertura do Carioca de 1986, e brilhando. O Flamengo venceu o Fluminense por 4 a 1, com três gols de Zico e um de Bebeto. Esse jogo encheu a torcida rubro-negra de esperança, mas, poucos jogos depois, o Galinho voltou a sentir a contusão e a ficar parado.

Zico fez uma intensa série de sessões de fisioterapia para disputar a Copa do Mundo de 1986, que jogou à meia-bomba. Daí para a frente o Flamengo teria que se acostumar a uma série de lesões, intercaladas a períodos em que Zico ainda conseguiu fazer uma sequência de jogos. Ele seguiu jogando e mostrando genialidades para decidir jogos até 1989, quando, com mais de 36 anos, decidiu parar.

Voltaria a jogar futebol um ano e meio depois, pelo Sumitomo Metals, do Japão, tendo sido o grande responsável pela profissionalização do futebol japonês a partir dos anos 90. Quando chegou, os jogos de futebol eram disputados em campos que sequer tinham arquibancada. O público via os jogos parado na beira do campo. Zico ajudou a organizar a J-League. Sua equipe se estruturou, trocando o nome de Sumitomo para Kashima Anthlers, e com Zico assumindo múltiplas funções no clube. Quando se despediu dos gramados, seu time já tinha um belo e grandioso estádio, que, completamente lotado, reverenciou-o e deu adeus a seu grande ídolo.

Quando Zico voltou da Itália, em 1985, o Flamengo sonhou voltar às grandes conquistas. Imaginava que poderia contar com a recuperação de Zico. Para jogar a seu lado, e dar experiência a uma equipe cuja média de idade era baixa, contratou ainda o meia Sócrates à Fiorentina, da Itália. O Magrão, depois de brilhar por Corinthians, Fiorentina e seleção brasileira (Copa de 1982), chegava para vestir as cores vermelha e preta aos 32 anos, recém-completados.

Mas o meio-campo de sonhos com Andrade, Adílio, Sócrates e Zico praticamente não jogou junto, até porque seguidas lesões também comprometeram a participação de Sócrates durante todo aquele ano. Os dois constam como campeões cariocas de 1986, mas participaram apenas de alguns jogos durante a campanha daquela conquista, que acabou sendo erguida por um jovem time, forma do nas divisões de base.

A diretoria pensou então em investimentos maiores para 1987. Os veteranos Sócrates e Adílio saíram – o primeiro para o Santos e o segundo para o Coritiba –, e apostou-se em jovens revelações. Já havia uma base pronta, com Zé Carlos, Jorginho, Aldair, Ailton, Bebeto e Zinho, além do mais novo sucessor de Zico, o meia Zé Ricardo. Mesclada a esta juventude, havia a experiência de Leandro, Andrade e Zico, este último, ainda que mais ausente do que presente. Durante o ano, emergiria ainda, dos juniores, o jovem lateral-esquerdo Leonardo. O Flamengo reforçou esta base com a contratação do ponta-direita Renato Gaúcho, ídolo do Grêmio e herói nas conquistas do tricolor gaúcho da Taça Libertadores da América e do Mundial Interclubes de 1983. Junto a ele, chegaram dois veteranos, Edinho e Nunes. O primeiro, contratado à Udinese da Itália, chegava ao clube aos 32 anos para fazer dupla de zaga com Leandro, 29 anos, e colocar o jovem Aldair no banco. O outro vinha do Santos, para mais uma passagem pelo rubro-negro, desta vez para brigar por posição com Bebeto e Kita, este último contratado como goleador e revelação do Internacional de Limeira.

Apesar do esforço para se fortalecer, o Flamengo acabou perdendo o Campeonato Carioca para o Vasco, numa derrota por 1 a 0 com um gol do ex-rubro-negro Tita, que o Vasco acabara de contratar ao Internacional. Depois, no segundo semestre de 87, houve o famoso episódio no qual os clubes mais tradicionais do Brasil se rebelaram, cansados da forma não lucrativa do Campeonato Brasileiro, que reunia mais de quarenta equipes. As maiores agremiações futebolísticas do país fundaram o Clube dos 13. Sob as mãos lavadas da CBF, organizaram a Copa União. Essa foi a primeira e maior revolução na história do futebol brasileiro! A iniciativa foi bem-sucedida, levada adiante pelos principais clubes do país contra os desmandos de uma Confederação Brasileira arcaica e sustentada por interesses feudalistas e clientelistas. O Clube dos 13 formou-se com Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo, São Paulo, Palmeiras, Santos, Corinthians, Atlético Mineiro, Cruzeiro, Grêmio, Internacional e Bahia. Eram os treze clubes de maior torcida no Brasil. Eles organizaram seu próprio campeonato e convidaram Santa Cruz, Goiás e Coritiba para estruturar um torneio com dezesseis times. Foram organizadas quatro divisões, com dezesseis clubes cada, batizadas como Módulos Verde, Amarelo, Azul e Branco, em alusão às cores da bandeira nacional.

A Confederação Brasileira de Futebol teve de engolir e viu a Copa União iniciar-se e transformar-se em um sucesso absoluto de público. Mas a CBF não assistiu quieta por muito tempo; quando o torneio já passava da metade, com várias rodadas disputadas, a CBF resolveu que só aceitaria o torneio se houvesse um cruzamento entre os dois primeiros colocados dos módulos verde e amarelo. O vencedor de um quadrangular entre estas quatro equipes seria declarado campeão nacional. Os dezesseis clubes que disputavam o Módulo Verde prontamente se recusaram a aceitar tal imposição e firmaram acordo de que não cumpririam tal determinação.

Havia muitos clubes insatisfeitos por terem sido relegados na escolha dos dezesseis que fariam parte da Primeira Divisão (Módulo Verde). Por pressão de clubes como Bangu, América, Guarani, Portuguesa, Atlético Paranaense, Sport Recife e Náutico, a CBF inventou aquele cruzamento esdrúxulo. O Clube dos 13 não aceitou a interferência, sob a alegação de que a CBF havia consentido na fórmula inicialmente acordada. Os treze clubes revoltosos firmaram então um documento, no qual se comprometiam a não disputar tal quadrangular sugerido pela confederação. E assim foi. Flamengo e Internacional foram, respectivamente, campeão e vice do Módulo Verde. Sport e Guarani dividiram o título do Módulo Amarelo (na final, a decisão por pênaltis terminou empatada por 11 a 11). Como Fla e Inter se negaram a jogar o quadrangular, Sport e Guarani fizeram um jogo, vencido pelo primeiro, que foi declarado campeão nacional pela CBF, tendo os dois disputado a Taça Libertadores de 1988.

Nesta vida, há coisas que são e que não são, não importa o que seja dito. Um time que é declarado campeão em uma competição na qual não se defrontou com nenhuma das treze maiores forças do país, jamais será considerado um campeão de verdade. Não há nada forjável que assim o faça ser, independentemente das conjecturas oficiais e políticas.

A confusão foi grande. Em janeiro de 1988, o presidente do Conselho Nacional de Desportes, Manoel Tubino, foi a público manifestar que o campeão nacional legítimo era o Flamengo. Seu discurso bateu de frente com o do comando da CBF, que era presidida por Otávio Pinto Guimarães, e tinha Nabi Abi Chedid como vice-presidente. Essa dupla era inimiga pública e notória do então presidente do Flamengo, Márcio Braga.

O Clube dos 13, os torcedores e a imprensa sempre consideraram o Flamengo campeão, com raríssimas exceções. Afinal, não havia dúvida sobre quem vencera na elite do futebol brasileiro e podia ser visto como o mais forte do Brasil naquele momento. Mas a política, suja como sempre, lançou sombras sobre uma conquista brilhante e maravilhosa. Flamengo, campeão da Copa União de 1987!

O Flamengo tinha um timaço, com: Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Ailton e Zico; Renato Gaúcho, Bebeto e Zinho. Um time no qual, até aquele momento, só três jogadores não haviam vestido a camisa da seleção brasileira (Leonardo, Ailton e Zinho – porém, dois deles vieram a vestir depois: Leonardo e Zinho). O time ainda tinha Aldair, que viria a ser titular do Brasil nas Copas do Mundo de 1994 e 1998, no banco de reservas.

A campanha, entretanto, demorou a engrenar, parecia que o quarto título brasileiro não sairia. Nos primeiros onze jogos, foram três vitórias, quatro empates e quatro derrotas. O time só engrenou depois de uma sequência de duas vitórias sobre Palmeiras, no Maracanã e Bahia, na Fonte Nova, ambas por 2 a 0. Daí para a frente, venceu quase tudo. Classificado às semifinais em quarto lugar, o rubro-negro enfrentou o Atlético Mineiro, que terminara a primeira fase com a melhor campanha. Venceu por 1 a 0 no Maracanã e foi para Belo Horizonte tentar buscar um resultado que parecia improvável.

Com trinta minutos do primeiro tempo, o Flamengo vencia por 2 a 0, gols de Bebeto e Zico. No segundo tempo, o Atlético empatou, e parecia que iria virar. Até que, com pouco menos de quinze minutos para o término do jogo, Zico enfiou uma bola para Renato Gaúcho, que penetrou livre pela intermediária, driblou o goleiro João Leite e sacramentou um heroico 3 a 2. Mengão na final contra o Internacional.

A final seria entre as duas equipes que mais haviam conquistado títulos nacionais até então, cada uma com três troféus. Dali sairia o primeiro clube do Brasil a sustentar quatro títulos nacionais. O primeiro jogo, em Porto Alegre, terminou com um empate por 1 a 1. O duelo final foi no Maracanã, diante de 125 mil torcedores. Bebeto fez, aos dezessete minutos do primeiro tempo, o gol que deu uma vitória magra, por 1 a 0, para o manto vermelho e preto. Mengão tetracampeão!!!!

O período entre os anos de 1972 a 1992 foi a Era de Ouro do futebol carioca. No Flamengo, emergiu a geração de Zico, Geraldo, Júnior e Rondinelli. Foram montadas as Máquinas Tricolores de 1975 e 1976. Houve os históricos duelos entre o Flamengo de Zico e o Vasco de Roberto Dinamite. O auge deste período foi a hegemonia carioca no Campeonato Brasileiro entre 1980 e 1989. Neste período, em dez edições do campeonato nacional, o Rio de Janeiro faturou o título seis vezes, com as outras quatro edições indo cada uma para um estado diferente: o Grêmio, campeão de 1981; o Coritiba, de 1985; o São Paulo, de 1986; e o Bahia, de 1988.

Entre 1980 e 1983, em quatro edições, três títulos rubro-negros. Depois, em 1984, aconteceu uma inédita final carioca entre Fluminense (campeão) e Vasco. Logo em seguida, houve o vice-campeonato do Bangu em 1985, que perdeu o título nacional para o Coritiba. No Campeonato Brasileiro de 86, o América, capitaneado por Luisinho Lemos, foi semifinalista, só tendo sido batido pelo campeão São Paulo. Em 1987, novo título do Flamengo. E em 1989, o campeão foi o Vasco da Gama.

Esta era de tantas glórias cariocas terminou no final do primeiro semestre de 1992, com a final do Campeonato Brasileiro entre Flamengo e Botafogo – campeonato no qual o Vasco ainda terminou em terceiro lugar, com três cariocas nas três primeiras posições. Neste jogo, por alguns segundos, o Gigante ficou mudo, em silêncio absoluto: minutos antes de começar a partida, a plateia assustada viu parte da grade da arquibancada despencar, um episódio no qual morreram três torcedores e cerca de noventa saíram com ferimentos.

Esta tragédia forçou o fechamento do estádio por seis meses. Os jogos do Campeonato Carioca de 1992 foram disputados em São Januário, estádio do Vasco. Depois de reaberto, o estádio teve uma significativa redução em sua capacidade, e o menor poder de faturamento através da arrecadação junto ao público pagante mexeu com as finanças dos clubes cariocas.

Mas não só a queda de arrecadação prejudicou o futebol do Rio de Janeiro. Muitas trapalhadas administrativas fizeram o futebol carioca viver um longo período fora das primeiras posições em nível nacional (a exceção foi o Vasco, entre 1997 e 2000). O longo período longe do primeiro batalhão do futebol brasileiro encerrou-se em 2006, quando Flamengo e Vasco fizeram uma inédita final de Copa do Brasil, na primeira vez em que dois times do mesmo estado faziam a final desta competição, num ensaio de recuperação da força do futebol do Rio. Ainda assim, a realidade esteve longe de voltar a ser a mesma após isto.

Na Era de Ouro do futebol carioca, as forças estiveram bastante equilibradas entre Flamengo, Vasco e Fluminense. A exceção durante esse período foi o Botafogo, que viveu dias nada dourados, passando por um jejum de 21 anos sem título, entre as conquistas dos Cariocas de 1968 e 1989. O Campeonato Estadual no período (1980-1992) foi conquistado oito vezes pelo Flamengo, sete pelo Fluminense, quatro pelo Vasco e duas vezes pelo Botafogo.

Em termos de jejum, o maior da história do Flamengo durou onze anos, entre 1928 e 1939. Na era profissional, os maiores jejuns do Flamengo foram de oito anos (1945-1953), sete anos (1956-1963) e seis anos (1966-1972). O maior jejum da história do Vasco foi de onze anos (1959-1970), e o do Fluminense, de nove anos (1986-1995). No futebol paulista, os grandes jejuns foram de 22 anos sem título do Corinthians (1955-1977), seguido por 21 anos do Santos (1985-2006), dezesseis anos do Palmeiras (1977-1993) e doze anos do São Paulo (1958-1970).

Naquele final dos anos 80, as coisas estavam prestes a mudar bastante para o futebol carioca. Alguns dos sintomas já estavam lá, mas o otimismo ainda prevalecia. E talvez não pudesse deixar de ser assim, afinal os cariocas seguiam bastante fortes no cenário nacional. O Flamengo, com seus quatro canecos, não tinha por que não crer que um quinto, um sexto, um sétimo estariam por vir.

Os times do Rio de Janeiro estavam competitivos, mas as mudanças pelas quais a cidade tendia a passar se escondiam à sombra, e tinham um cunho sociológico e antropológico em grande medida associado às perdas econômicas dos anos 80, mas com seu caráter próprio. A violência, cuja explosão nas periferias da cidade já relatamos, viria a cobrar sua conta, e o futebol, como maior manifestação cultural da gente carioca, não passaria ileso a seus efeitos destrutivos.

As tardes de domingo no Maracanã estavam prestes a se inclinar numa direção que as faria jamais voltar a ser as mesmas. Os indícios dessas mudanças ainda eram muito sutis. É verdade que já não dava mais para manter as torcidas misturadas nas arquibancadas, como era comum nos anos 70, ou acabava em confusão e brigas, mas as barreiras ainda eram tênues.

As arquibancadas do Maracanã, até 1999, eram de cimento, sem cadeiras. A plateia se sentava diretamente no concreto, construído em forma de escada, para que assim servissem de acento. O anel superior da arquibancada era contínuo, interrompido somente pela área das cadeiras especiais, acima das cabines de rádio. Nessa área havia cadeiras de metais, vendidas ao triplo do preço das arquibancadas, e com direito a estacionamento e elevadores de acesso.

Desde a construção do estádio já foi estabelecida a divisão das torcidas. À esquerda das cabines de rádio, a área era cativa para as torcidas do Flamengo e do Fluminense, sendo que em dia de Fla-Flu, os tricolores ficavam ao lado direito das cabines, área cativa para as torcidas de Vasco e Botafogo. Este último, assim como os tricolores que mudavam de lado nos Fla-Flus, nos dias de confronto contra o time cruzmaltino passava para o lado esquerdo das cabines. Desde os primórdios do estádio, isto funcionou assim.

No lado oposto ao das cadeiras especiais ficava a área onde as torcidas se encontravam. Até os anos 70, ali sequer tinha divisão, sendo comum ser uma área mista, na qual torcedores com as camisas de clubes rivais assistiam aos jogos lado a lado. Brigas eram coisas pontuais, entre dois torcedores que se haviam desentendido por qualquer razão, muitas vezes entre os que vestiam camisa de mesmo time, mas não haviam gostado de um comentário ou outro, ou por qualquer razão estúpida que levasse um a desferir um tapa em outro.

Nos anos 80, começaram a aumentar os conflitos entre torcidas rivais, então se forçou a colocação de uma divisória humana composta por policiais enfileirados verticalmente desde a parte superior da arquibancada até a inferior. Porém, o clima ainda era bastante pacífico nos jogos de futebol. As tardes de domingo rumo ao Maracanã ainda eram mágicas para a criançada que começava a curtir as idas ao estádio.

Havia dois corredores principais pelos quais escoavam os veículos levando torcedores para ver jogos de futebol. A rua Marechal Rondon trazia carros e ônibus com torcida vinda da Zona Norte e do subúrbio. O elevado Paulo de Frontin, sobreposto desde a saída do túnel Rebouças, levava a torcida oriunda da Zona Sul. Por estes dois corredores eram vistas bandeiras estiradas nas janelas de edifícios. Os carros, em grande quantidade, exibiam bandeiras pelas janelas. Os ônibus iam lotados de torcedores rivais, todos devidamente uniformizados. Era uma festa de cores e alegria. Todos seguiam para o templo do futebol. Os carros com gente vestida com a camisa do clube de coração trocavam buzinadas provocativas e piadas com outros, guiados por quem usava camisa do rival. As provocações também fluíam alegremente entre carros e ônibus. Não havia ódio ao torcedor rival, muito menos clima de guerra. Não havia o espírito de humilhar o adversário. Eram minoria absoluta as manifestações que não esbanjassem alegria e confraternização. O problema é que o que era exceção foi aumentando e se tornando rotina. Isto gerou grandes mudanças para o futebol, e a principal delas foi o efeito de esvaziamento nos estádios.

Se bastava uma fileira de policiais para separar as torcidas rivais e minimizar conflitos dentro do estádio, na saída dos grandes clássicos a preocupação costumava ser ainda menor. O escoamento das torcidas pela rampa externa era conjunto. Os torcedores se encontravam na saída dos anéis, no alto da rampa. A torcida derrotada, naturalmente, mais cabisbaixa, e a vencedora ecoando cantos de vitória. A preocupação dos policiais do lado de fora do estádio se limitava a conter os batedores de carteiras, que aproveitavam para agir em meio ao grande aglomerado de gente.

Com o passar dos anos, a fileira de guardas já se fazia insuficiente para evitar os conflitos. Deu-se para atirar coisas de uma torcida à outra. Criaram-se duas fileiras, com um espaço vazio no meio. Depois de mais alguns anos, já não se podia sair do estádio civilizadamente. A prática imbecil de se atacar os rivais se impôs e a polícia foi obrigada a fazer com que cada torcida saísse por um dos lados do estádio, em rampas diferentes.

Durante todo este processo de brutalização, famílias no estádio foram se tornando fato raro. Era mais prudente deixar as crianças para torcer pela televisão ou pelo rádio. No final dos anos 80, se deu o caldeirão de onde emergiram as primeiras mudanças do clima do estádio que marcariam para sempre a ida a um jogo de futebol e as formas de torcer pelo clube do coração.

Em 1988, em meio a dias cada vez mais confusos, houve a 2ª Copa União, agora não mais com dezesseis, mas com 24 times, e a inserção dos insatisfeitos, que não aceitaram ter ficado fora do Módulo Verde de 1987 (América, Bangu, Atlético Paranaense, Guarani, Portuguesa de Desportos, Sport, Vitória e Criciúma). O torneio foi novamente organizado pelo Clube dos 13, sem que desta vez houvesse conflito político com a CBF. E o torneio trouxe uma inovação. Naquele ano, a vitória passou a valer três pontos, e não mais dois, como definia a regra do futebol até então.

No Brasil, inovou-se, e no campeonato daquele ano todo jogo que terminasse empate era decidido por pênaltis, dando-se um ponto de bônus ao vencedor na disputa de penalidades. Logo, empate seguido de vitória nos pênaltis valia dois pontos. O Flamengo até então, em jogos oficiais, só tinha disputado pênaltis duas vezes, e perdido ambas para o Vasco, nos Campeonatos Cariocas de 1976 e 1977. Nesta Copa União de 1988, em sete disputas, venceu três e perdeu quatro. E viveu uma situação inusitada. Numa das últimas rodadas, perdia por 1 a 0 para o Palmeiras no Maracanã até que, dez minutos antes do fim do jogo, o goleiro palmeirense Zetti se chocou com Bebeto e, por infelicidade, fraturou a perna. O Palmeiras já tinha feito todas as alterações, assim, o centroavante Gaúcho foi para o gol. Nos minutos finais, o Flamengo empatou, com gol de Bebeto, e a disputa foi para os pênaltis. Aconteceu o que parecia impossível, o Flamengo perdeu nos pênaltis. Gaúcho, jogador que tinha sido dos juniores do Flamengo em 1986 e que voltou a jogar no rubro-negro em 1990, defendeu as cobranças de Zinho e Aldair, e o Palmeiras fez 5 a 4, faturando o ponto de bonificação. O time dirigido por Candinho foi muito criticado por haver terminado o Brasileiro na 6ª colocação, algo que naquela década, para um time do Rio de Janeiro, era um desempenho visto como péssimo.

Aquele ano não foi de boas recordações para o clube. No Carioca, num intervalo de dez dias, Flamengo e Vasco se enfrentaram três vezes, e os vascaínos venceram as três. A primeira, pela final do terceiro turno, foi 3 a 1. Depois, no primeiro jogo da final, vitória por 2 a 1. No segundo jogo da final, o Flamengo tinha que vencer para forçar um terceiro confronto. O empate dava o título ao Vasco. O empate perdurou até os 46 minutos do segundo tempo, quando o lateral-direito reserva Cocada (que jogou no Flamengo em 1981, também na reserva) fez o gol que sacramentou de vez a conquista.

Para a temporada de 1989, sem Edinho, vendido ao Grêmio, nem Andrade e Renato Gaúcho, vendidos à Roma, da Itália, a aposta rubro-negra voltou a ser na garotada, sob a direção do técnico Telê Santana. Quase deu certo! O Flamengo fez uma excelente campanha, com muitas vitórias expressivas: 4 a 2 no Bangu, 4 a 0 na Cabofriense, 4 a 0 no Fluminense, 8 a 1 no Nova Cidade e 3 a 1 no Vasco. O time venceu a Taça Guanabara e estava colado no Botafogo, líder da Taça Rio, até o confronto entre eles. No primeiro tempo, fez 3 a 1, em noite inspiradíssima de Zico, Bebeto e Alcindo. Porém, aos 35 minutos do segundo tempo, o jovem zagueiro Gonçalves, recém-promovido dos juniores, tentou recuar uma bola para o goleiro Zé Carlos e o encobriu, fazendo gol contra. Os alvinegros, motivados, partiram para o ataque, pressionando muito para conseguir o empate, que veio cinco minutos depois. O Botafogo, com o empate por 3 a 3, manteve-se na liderança do returno até o final. Conquistou assim a Taça Rio, forçando uma decisão.

Na final do campeonato, o Botafogo venceu o Flamengo por 1 a 0, gol do ponta-direita Maurício, e interrompeu um jejum de 21 anos sem conquistar um título. O Flamengo, que perdera a oportunidade de assumir a liderança da Taça Rio e conquistar o título automaticamente pelo título dos dois turnos, tinha um time jovem e muito rápido. Foi uma pena não ter levantado a taça. Foi assim, com a perda deste título, que se encerrou a única passagem do técnico Telê Santana pelo Flamengo.

Insatisfeita com a perda do Campeonato Carioca, a diretoria demitiu Telê e vendeu jovens valores para financiar a contratação de jogadores mais velhos e experientes, saíram Jorginho para o Bayer Leverkusen, da Alemanha, Aldair para o Benfica, de Portugal, e Zé Carlos Segundo, para o Porto, de Portugal. E para piorar, o Flamengo perdeu Bebeto, que vinha aspirando a substituir Zico nos corações rubro-negros. E viu sua maior revelação ir para o maior rival. Bebeto foi jogar no Vasco.

Para o Campeonato Brasileiro, o Flamengo repatriou Renato Gaúcho, de volta da Roma; contratou ao River Plate o atacante Cláudio Daniel Borghi, reserva da Argentina na Copa de 1986; repatriou o ídolo Júnior, comprado ao Pescara, da Itália; contratou o lateral-direito Josimar, do Botafogo, titular do Brasil na Copa de 1986; acertou com o veterano zagueiro Márcio Rossini; contratou, ao Goiás, o cabeça de área Uidemar; mais o zagueiro Fernando, do Vasco; e fechou o pacote com o centroavante Nando, do Bangu. O Flamengo ainda roubou o técnico campeão carioca ao Botafogo, Valdir Espinoza. Foi o maior pacote de reforços apresentados de uma só vez pelo Flamengo até então: oito jogadores e um técnico. Não deu certo. Borghi chegou badalado para ser o substituto de Bebeto. Foi carregado nos braços pela torcida no aeroporto. Jogou só seis partidas e não agradou. E nunca brilhou intensamente como diziam que um dia havia brilhado.

Neste período se aguçou muito a rivalidade entre Flamengo e Vasco. Depois de o Vasco roubar Bebeto do Flamengo, o troco veio com a contratação do zagueiro vascaíno Fernando, que, obviamente, não era uma contratação com o mesmo peso. Os dirigentes dos dois clubes também duelaram para contratar o zagueiro equatoriano Quiñones, destaque de sua seleção na Copa América de 1989. O zagueiro ficou com o Vasco.

Esta rivalidade, em 1989, produziu um clássico inesquecível para a torcida rubro-negra, na 11ª rodada. O Vasco era o líder invicto do Brasileiro e o Flamengo vinha numa campanha extremamente irregular (duas vitórias, quatro empates e quatro derrotas). Os substitutos de Bebeto não tinham tido sucesso: o que vinha jogando de titular, Nando, lesionou-se. Anunciou-se durante a semana que o titular seria o centroavante da equipe sub-20, um garoto chamado Bujica. O apelido incomum gerou várias piadas durante a semana. Todos esperavam uma goleada do Vasco. Só que aquela tarde de domingo demonstrou claramente porque o futebol é o esporte mais popular do mundo. A prática desportiva na qual é, muitas vezes, comum que um Davi vença um Golias. O Flamengo venceu aquele jogo por 2 a 0, acabando com a invencibilidade do Vasco no campeonato, e com dois gols de Bujica!

O ano de 1989 foi marcado também pela despedida de Zico. Seu último jogo oficial pelo Flamengo foi marcante, uma goleada de 5 a 0 sobre o Fluminense, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro, disputada no estádio municipal de Juiz de Fora. Neste jogo, Zico, de falta, fez o primeiro gol do Flamengo.

Em um momento de transição de gerações, em janeiro de 1990 o Flamengo conquistou a Taça São Paulo da categoria de juniores (até 20 anos). Mais uma vez, o clube formava uma geração inteira para o time profissional, tendo deste time só dois jogadores sido pouco aproveitados. A campanha embalou em definitivo após a vitória por 7 a 1 sobre o Corinthians (com cinco gols de Djalminha). Na semifinal, fez 3 a 0 no Internacional de Porto Alegre, e na final bateu ao Juventus paulista. Vitória por 1 a 0, gol do zagueiro Júnior Baiano, aos 28 minutos do primeiro tempo, que, ao receber lançamento de Djalminha, entrou pela intermediária cara a cara com o goleiro, a quem encobriu com um toque sutil.

O camisa 10 daquela equipe, Djalminha, logo recebeu o status de mais um “novo Zico”. Lastro de craque ele tinha: Djalma Dias, seu pai, fora um dos maiores zagueiros da história do futebol brasileiro, tendo defendido o América de 1959 a 1961, e o Palmeiras, de 1961 a 1968. Os sonhos rubro-negros, à sombra das grandes conquistas de sua era de ouro, fizeram que Gilmar Popoca, Zé Ricardo, Bebeto, Djalminha e Sávio, todos interpretassem o papel de um “novo Zico” na imaginação rubro-negra. Nenhum chegou à altura, e jamais haverá outro que chegará. Pelo Flamengo, Zico fez mais de quinhentos gols, foi artilheiro em nove temporadas, bateu recordes e recordes, e levantou taças. É marca demais para que alguém possa igualar, ainda mais em tempos em que o futebol, mais mercantilista, vê jogadores trocarem de camisas com uma frequência enorme. Foram anos demais em que o Galinho de Quintino entrou em campo disposto a ir matando um leão por domingo.

A busca era constante por repetir os grandes feitos. Em 1991, como campeão da Copa do Brasil, o clube sonhou de novo com a Libertadores da América. Chegou às quartas de final, quando enfrentou ao Boca Juniors, do meia Diego Latorre e do atacante Gabriel Batistuta. O rubro-negro venceu a primeira partida por 2 a 1 no Maracanã, mas sua torcida foi para casa nesse dia temerosa, pois sabia-se que a vantagem era pouca para ir a La Bombonera na partida de volta. A coisa lá ficou ainda mais complicada quando o árbitro logo no início marcou um pênalti para o Boca, sem que jamais se tenha entendido exatamente o que foi marcado naquela jogada. Mas o fato é que se fez 1 a 0. Foi o começo da queda. O jogo acabou Boca 3 a 0. Na semifinal, os argentinos acabaram batidos pelo Colo-Colo, que seria o campeão, levando o troféu pela primeira vez na história para o Chile. Para quem havia até ali chegado à semifinal em três das quatro edições que havia disputado, a queda ressoava como fracasso enorme.

No Campeonato Carioca de 91, o time estreou fazendo 5 a 3 no América e encheu a torcida de esperanças. Mas não conseguiu faturar a Taça Guanabara. Na Taça Rio, venceu o Botafogo na final. Na final do Estadual, fez 4 a 2 no Fluminense, voltando a ser campeão carioca. Embalado pela conquista do título, o Flamengo manteve o time campeão carioca para a disputa do Brasileiro de 92.

O Flamengo já largou vencendo bem no início do Brasileiro. Superou ao Palmeiras em São Paulo e fez uma partida memorável no Maracanã contra o São Paulo (encontro dos campeões Carioca e Paulista) vencida por 3 a 2. Só perdeu na sexta rodada, para o Cruzeiro, dentro do Maracanã. Mas foi uma campanha com momentos de apagão também, como nas derrotas para Bragantino e Sport em casa.

Na última rodada, o Flamengo venceu o Internacional por 2 a 0, no Maracanã, e classificou-se em quarto lugar entre os oito que se dividiriam em dois quadrangulares semifinais. O grupo do Flamengo ficou com Santos (8º), São Paulo (5º) e Vasco (1º). Nos confrontos contra o rival do Rio, o favoritismo era todo cruzmaltino. O Flamengo empatou a primeira em 1 a 1 e venceu a segunda por 2 a 0, assumindo a liderança do grupo. Na última rodada, precisava vencer o Santos, no Maracanã (venceu por 3 a 1) e torcer por uma vitória do Vasco sobre o São Paulo, em São Januário. A torcida vibrava com cada gol vascaíno que era anunciado pelo rádio, era uma gritaria como se fosse gol rubro-negro. Mengão na final, frente ao Botafogo, que, com a melhor campanha na primeira fase e a conquista do outro quadrangular, entrava como favorito.

No primeiro jogo da final, o Flamengo arrasou. Com gols de Júnior, Gaúcho e Nélio, fez 3 a 0 logo no primeiro tempo. No segundo jogo, ainda se deu ao luxo de fazer 2 a 0 no primeiro tempo. Depois, cedeu o empate, mas começou a festejar muito antes do apito final. Pela quinta vez, o Flamengo era campeão brasileiro.

Depois daquela histórica final, o Maracanã foi fechado pelo acidente com o desmoronamento após a ruptura de uma das grades, que causou três mortes. Todas as partidas do Carioca de 1992 foram jogadas em São Januário. O Vasco venceu os dois turnos e ficou com o título. Sem o Maracanã, muita coisa mudou, e as finanças dos clubes foram as primeiras a acusar o golpe. E o mais prejudicado foi aquele que tinha o poder de mover as multidões, o Flamengo.

Até os anos 60, o Fla-Flu era, sem dúvida, o clássico que parava o Rio de Janeiro. No campeonato de 1963, foram 177 mil pagantes no Maracanã, recorde mundial para partidas entre clubes. Nos anos subsequentes, o recorde de público do Campeonato Carioca sempre se deu num Fla-Flu. Em 1964, foram 136 mil torcedores; em 1965, 89 mil; em 1966, 69 mil na Taça Guanabara e 60 mil no Carioca. Foi por isso que o escritor e dramaturgo Nélson Rodrigues teve a maravilhosa inspiração afirmando que “o Fla x Flu parece que foi e sempre será eterno. O Fla x Flu foi criado quarenta minutos antes do nada. Deus antes de criar o mundo já havia decidido que existiria o Fla x Flu”.

Na época, os clássicos levavam, em média, 65 mil pagantes por jogo. As partidas dos grandes contra os pequenos levavam em torno de 15 a 20 mil. Mas havia tardes de estádio vazio também. Um Flamengo x Bangu, pelo Torneio Rio–São Paulo de 1966, por exemplo, teve só 2.605 pagantes. No Carioca de 1967, teve um Flamengo x São Cristóvão com 1.875 torcedores na plateia, e um Flamengo x Olaria com 1.669. Este campeonato que, inclusive, teve um Flamengo e Botafogo como o recorde de público da competição: 66 mil. Variava o adversário, mas o recorde de público sempre tinha a presença rubro-negra em campo, o clube era o senhor das multidões!

Dos dez maiores públicos da história do Campeonato Carioca, todos foram em jogos do Flamengo. Dos dez maiores públicos da história do Maracanã, oito tinham o rubro-negro em campo (os outros dois foram da seleção brasileira). Quem foi o clube com maior média de público acumulada nas quatro edições do Torneio Roberto Gomes Pedrosa disputadas entre 1967 e 1970? Primeiro lugar para o Flamengo, com 37.939 torcedores por jogo, seguido por Cruzeiro (34.194), Atlético Mineiro (33.192), Vasco (30.581) e Fluminense (30.570). Quando foi feito o levantamento de quem tinha a maior média de público acumuladas em todas as edições do Campeonato Brasileiro de 1971 a 2017, quem apareceu em primeiro lugar? Foi o Flamengo, com 28.231 torcedores por jogo, seguido por Corinthians (25.581), Atlético Mineiro (22.694), Bahia (22.371), Cruzeiro (20.459) e Palmeiras (20.030). Quem mais vezes terminou o campeonato brasileiro, entre 1967 e 2019, com maior média de público da edição disputada? Flamengo, quatorze vezes. Quais as três edições de Campeonato Brasileiro com maiores médias de público no Brasil no Século XX? As edições de 1980, 1983 e 1987, todas três com o mesmo campeão, o Flamengo.

A época áurea de público no Maracanã foi entre 1968 e 1979. Não por acaso, nos tempos do milagre econômico no Brasil, quando o brasileiro, beneficiado pelo elevado crescimento econômico do país, vivia com bem mais dinheiro no bolso. Nestes anos, a economia brasileira crescia, em média, 9,5% ao ano (é o dado oficial para o período entre 1967 e 1976). Sendo assim, era Maracanã com mais de 100 mil torcedores toda hora. Em 1968, Flamengo e Botafogo levaram 122 mil ao estádio. Em 1969, os dois levaram 116 mil no turno e 149 mil no returno; no mesmo ano, o Fla-Flu levou 106 mil no turno e 172 mil no returno, um Flamengo x América teve 93 mil e o Flamengo x Vasco levou 131 mil. Em 1970, Fla x Vasco puseram 114 mil e o Fla-Flu teve 106 mil. Em 1971, houve um Flamengo x Botafogo com 143 mil e um Flamengo x Olaria com 118 mil.

O Fla-Flu foi desbancado como maior clássico carioca só nos anos 70. Aí ascendeu de vez a rivalidade entre Flamengo e Vasco, passando o confronto a ser chamado de O Clássico dos Milhões. Em 1972, o recorde do campeonato ainda foi num Fla-Flu (138 mil). Daí para a frente... Em 1973, Flamengo x Vasco foi assistido por 160 mil; em 1974, por 165 mil; em 1976, por 174 mil no turno (segundo maior da história em confrontos entre clubes) e por 133 mil no returno. Em 1977, por 135 mil no turno, por 152 mil no returno, e por 120 mil no Campeonato Brasileiro.

Mas os outros clássicos também não ficavam muito atrás. O recorde de público de 1975 foi com 88 mil num Flamengo x Botafogo. No Carioca de 1976, Flamengo e Botafogo colocaram 127 mil no turno e 114 mil no returno. Naquele ano, o Fla-Flu teve 155 mil e 109 mil nos dois turnos.

Ainda em 1976, um amistoso entre Flamengo e seleção brasileira levou 142 mil ao Maracanã. Foi o recorde histórico de público para uma partida amistosa. Nesta modalidade, só em 1979, quando Pelé, por 45 minutos, vestiu a camisa rubro-negra, chegou-se perto de ser vista tanta gente num estádio de futebol (140 mil).

Os dois recordes de público da história do Campeonato Brasileiro também aconteceram em jogos do Flamengo, no Maracanã. A final de 1980 contra o Atlético Mineiro teve 154 mil pagantes, e a final de 1983, contra o Santos, teve 155 mil.

Foram 278 jogos na história do futebol brasileiro que levaram mais de cem mil pessoas ao estádio. Destes, 214 aconteceram no Maracanã. E em 117 vezes era o Flamengo quem estava em campo. O segundo a mais vezes ter levado mais de cem mil ao estádio foi o Vasco, em 72 oportunidades. E foi justamente o clássico entre Flamengo e Vasco aquele que mais vezes levou mais de cem mil pessoas a um estádio de futebol, 44 vezes, seguido pelo Fla-Flu, que em 32 vezes levou mais de cem mil, e o clássico entre Flamengo e Botafogo, que em 21 vezes teve mais de uma centena de milhar de espectadores. Sem o Flamengo em campo, o jogo que mais vez superou a esta marca foi Fluminense e Vasco, em 11 oportunidades, seguido por Cruzeiro e Atlético Mineiro, dez vezes.

Por isso, quando as arquibancadas do estádio entoam o clássico cântico “Domingo eu vou pro Maracanã”, fica fácil compreender qual grito soa mais forte no final: “Domiiiingo, eu vou ao Maracanã/ Vou torcer pro time que sou fã/ Vou levar foguetes e bandeiras, não vai ser de brincadeira, ele vai ser campeão/ Não vou de cadeira numerada, eu vou é de arquibancada pra sentir mais emoção/ Porque meu time, bota pra ferver, e o nome dele só vocês que vão dizer ôoôo/ Oôôôô Oôoôo Oôoôo Oôôô: MENGO !!!”

Historicamente, a distribuição de oportunidades nas quais o Maracanã recebeu um público de mais de cem mil pessoas está assim dispersada: 42 vezes entre 1950 e 1959, 51 vezes entre 1960 e 1969, 105 vezes entre 1970 e 1979, 57 vezes entre 1980 e 1989, e 23 vezes entre 1990 e 1999.

Na segunda metade dos anos 80, com a economia brasileira já bastante debilitada por uma série de crises econômicas, a população andava com menos dinheiro no bolso. Mas, ainda assim, algumas vezes o Maraca ficava lotado. Em 1990, houve um Flamengo x Vasco assistido por 108 mil pessoas. Na despedida de Zico, em jogo amistoso contra os Amigos de Zico, o estádio recebeu 90 mil pagantes. No Campeonato Carioca de 1991, na decisão da Taça Rio, Flamengo e Botafogo puseram 110 mil torcedores no Maracanã. No ano seguinte, na final do Campeonato Brasileiro, foram 122 mil no primeiro jogo e 102 mil no segundo. Após a tragédia do desabamento da arquibancada em 92, houve a reforma que reduziu a capacidade do estádio de 185 mil para 120 mil espectadores.

Mas nos anos 90 ainda houve grandes públicos. O Flamengo x Vasco do quadrangular final do Carioca de 1994 levou 108 mil torcedores ao estádio. O Fla-Flu do gol de barriga, em 1995, teve um público de 109 mil pagantes; superior ao do Fla-Flu da estreia de Romário, que recebeu 95 mil. Na final do Torneio Rio–São Paulo de 1997, entre Flamengo e Santos, 71 mil torcedores foram ao estádio. No mesmo ano, no final da Copa do Brasil, entre Flamengo e Grêmio, 95 mil.

A última vez que o Maracanã recebeu mais de 100 mil pessoas foi numa partida amistosa, um Fla-Flu – logo ele, o clássico criado “quarenta minutos antes do nada” – em comemoração ao dia de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro, em 1999. Foram 106 mil espectadores a assistir a vitória do Flamengo por 5 a 3, no primeiro jogo do time naquela temporada. Naquele ano de 1999, na final do Campeonato Carioca entre Flamengo e Vasco, lá havia 96 mil torcedores. Foram as últimas vezes em que o Maracanã recebeu mais de 80 mil pessoas. No final do ano, o estádio fechou para reformas, para abrigar o primeiro Mundial de Clubes da FIFA. A capacidade foi novamente reduzida, agora para 85 mil torcedores.

Não há dúvida que a redução de público no Maracanã a partir de 1993, depois do acidente, foi marcante para a queda da importância dos clubes cariocas no cenário nacional, mais visível, sobretudo, no período entre 2000 e 2006. Esses clubes também enfrentavam uma dificuldade conjunta aos demais do cenário nacional: a estagnação econômica do país.

Nos anos 90, o Maracanã também abriu suas portas, com muito mais frequência do que antes, para públicos inferiores a 10 mil pagantes. Sendo o estádio do Estado, todas as tarifas e custos de funcionamento fizeram com que, muitas vezes, os clubes do Rio jogassem ali tendo que pagar para fazê-lo, pois a receita sequer cobria os custos mínimos. Ao mesmo tempo, enfrentava-se o desafio da baixa atratividade dos jogos contra clubes de menor expressão. O torcedor, com dinheiro restrito no bolso, guardava para ir aos clássicos.

Já em 1988, houve um Flamengo x Goytacaz, na Gávea, que recebeu só 976 pagantes. Não foram poucas as vezes, nestes anos, em que houve públicos inferiores a mil torcedores. O menor público da história do Flamengo em jogos oficiais foi no Campeonato Carioca de 1997, quando um Flamengo x Bangu foi assistido por apenas 205 pagantes. Aliado à perda de capacidade do Maracanã e às limitações orçamentárias impostas pela economia nacional, tiveram papel crucial na derrocada do futebol carioca a violência nos estádios e as confusões administrativas da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ).

Os indícios de trapalhadas administrativas e antidesportivas já começavam a ser sinalizadas no Carioca de 1990, quando, na cena mais patética da história do estádio, o Maracanã viu duas voltas olímpicas: o Botafogo com a taça nas mãos corria em sentido anti-horário, e o time do Vasco, erguendo a maquete de uma caravela, dava a volta olímpica no sentido horário, pois entendia que, beneficiado por uma decisão da Justiça Desportiva, seria declarado campeão. A justiça, semanas depois, entregou a título, em caráter definitivo, ao Botafogo.

Neste quadro político desestruturado, em 1993, Flamengo, Fluminense e Botafogo se uniram e ameaçaram desfiliar-se da FERJ, exigindo que fosse construído um modelo novo de disputa, pois o mantido até então era deficitário. Insatisfeitos com a fórmula do Campeonato Carioca, que pelos confrontos com os pequenos vinha, naquela conjuntura, sendo extremamente deficitário, os três se aproximaram dos clubes de Minas Gerais com a intenção de organizar uma Liga Rio-Minas, que trouxesse mais retorno aos cofres dos clubes. Sob ferrenha oposição da FERJ e do Vasco, e sendo ameaçados de desfiliação pela CBF e pela FIFA, os três acabaram cedendo e desistindo da reforma. Ficaram reféns de uma federação constituída com a mesma preocupação com a qual se fez a fusão entre os estados do Rio de Janeiro e da Guanabara.

Como nos anos 70 havia doze clubes na capital (Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo, América, Bangu, São Cristóvão, Madureira, Olaria, Bonsucesso, Portuguesa e Campo Grande) e somente quatro com alguma expressão no antigo estado do Rio de Janeiro (Americano, Goytacaz, Volta Redonda e Serrano), montou-se uma estrutura eleitoral dentro da FERJ para equilibrar forças e esvaziar o poder da antiga Guanabara. Assim, o quadro eleitoral foi composto não só por clubes, mas por todo tipo de associações amadoras espalhadas por diversas cidadezinhas. Estas associações tinham o mesmo poder de voto dos clubes da capital, fazendo com que a maioria dos votos ficasse em poder da antiga Federação Fluminense de Desportos e não da antiga Federação Carioca de Futebol.

Este quadro pouco mudou com o tempo. Com alguns clubes emergindo e outros submergindo no interior, os clubes da capital sempre foram maioria entre os participantes do Campeonato Estadual, por isso, jamais se cogitou mudar o quadro eleitoral, mantendo-se o voto das ligas e associações amadoras. Esta é, sem dúvida, mais uma particularidade do Rio de Janeiro que foi fruto de um processo de fusão (tanto no caso dos estados quanto no das federações de futebol) muito mal elaborado, cheio de distorções políticas criminosas. Este era o capítulo final de um processo cujo embrião escondia-se na transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília.

Ainda à sombra das glórias de pouco antes. Mal-acostumado pelos dias de Zico, deixar de vencer era inaceitável. E em 1993, o Flamengo se deparou com um carrasco em competições sul-americanas: o São Paulo Futebol Clube. E não importava que aquele fosse o maior time são-paulino da história do clube. No primeiro semestre, o time disputou ao mesmo tempo, absurdamente, Campeonato Carioca, Copa do Brasil e Taça Libertadores da América. Havia um acúmulo enorme de partidas em espaços curtos de tempo. Apesar do cansaço consequente, o time estava aguentando bem. Uma sequência de jogos que mostra isso: no início de abril, o time jogou quatro vezes em nove dias, duas pelo Carioca, uma pela Copa do Brasil e uma pela Libertadores. Venceu o América de Três Rios por 5 a 0 pelo Carioca; o Paysandu, de Belém, por 3 a 0 no Maracanã; o Bangu por 3 a 0 em Moça Bonita; e o Minerven, da Venezuela, por 8 a 2 no Maracanã.

Após atropelar aos venezuelanos nas oitavas de final, o Flamengo encarou o São Paulo nas quartas de final. Acabou eliminado por aquele que detinha o título da Libertadores e que, naquele ano, acabou conquistando o bicampeonato. Empate em 1 a 1 no primeiro jogo, no Maracanã, e vitória são-paulina por 2 a 0 no Morumbi. Depois, no segundo semestre, o time esteve muito perto de conquistar novamente um título sul-americano, mas perdeu a final da Supercopa dos Campeões da Libertadores para o São Paulo.

A Supercopa foi um torneio disputado entre 1988 e 1997. Era um torneio seleto, onde todos os clubes campeões da Taça Libertadores se enfrentavam em mata-mata. Eram sete clubes argentinos (Boca Juniors, River Plate, Independiente, Estudiantes, Racing, Velez Sarsfield e Argentinos Juniors), cinco brasileiros (Santos, Cruzeiro, Flamengo, Grêmio e São Paulo), dois uruguaios (Peñarol e Nacional), um paraguaio (Olimpia), um colombiano (Atlético Nacional) e um chileno (Colo-Colo).

As primeiras participações rubro-negras foram muito tímidas, com o clube mal avançando à segunda fase. Até que, em 1992, o Flamengo foi à semifinal, depois de eliminar Grêmio e Estudiantes, mas acabou eliminado pelo Racing. Em 1993, eliminou a Olimpia e River Plate, e chegou novamente à semifinal contra o Nacional, a quem venceu duas vezes, por 2 a 1 no Brasil e por 3 a 0 no estádio Centenário, em Montevidéu. Na final do torneio, empatou com o São Paulo duas vezes por 2 a 2, a primeira no Maracanã e a segunda no Morumbi. Acabou derrotado por 5 a 3 nas cobranças de penalidades, ficando sem o título. Sem títulos, o ano de 1993 foi considerado como de desempenho bem abaixo do esperado.

No Campeonato Carioca de 1994, a conquista mais uma vez ficou no quase. O quadrangular final entre Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo foi emocionante. Os quatro se enfrentavam em turno e returno. O Flamengo venceu as três primeiras partidas: 3 a 1 no Botafogo, 3 a 1 no Fluminense e 2 a 1 no Vasco. No returno, no dia 1º de maio, dia da morte de Ayrton Senna, que emocionou o Brasil, Flamengo e Vasco empataram no Maracanã por 1 a 1. No outro jogo da rodada, o Fluminense venceu o Botafogo por 7 a 1 e voltou a aspirar ao título.

Empolgados por estarem de volta à disputa com aquela goleada, na rodada seguinte os tricolores venceram o Flamengo por 2 a 0. Na última rodada, três times disputavam o título, em especial o Vasco, que lutava para conquistar o primeiro tricampeonato carioca de sua história.

No sábado, o Flamengo venceu ao Botafogo por 1 a 0 e saltou para nove pontos. Vasco e Fluminense jogavam no domingo e tinham sete pontos cada. Talvez esta tenha sido a única partida na história do futebol mundial na qual três clubes podiam terminar campeões após o apito final. Quem vencesse de Flu e Vasco levantava o troféu, o empate fazia com que a taça fosse para a Gávea. O Vasco venceu por 2 a 0, com dois gols de Jardel e foi tricampeão.

Angustiado pela perda de mais um título, encurralado financeiramente pela queda abrupta em suas receitas, o Flamengo teve que se desfez de grande parte do elenco. A aposta da diretoria rubro-negra se concentrou, por necessidade, na geração que subia dos juniores: os zagueiros Gélson Baresi e Índio, os meias Hugo, Fábio Baiano e Rodrigo Mendes e os atacantes Magno e Sávio. Mas não funcionou. O Flamengo fez uma campanha fraca no Brasileiro, e logo às vésperas dos preparativos para os festejos de comemoração de seus cem anos. O clube e seus torcedores tiveram que se contentar com lampejos de grandeza, como na conquista do Torneio de Kuala Lampur, na Malásia. O Flamengo foi campeão depois de um empate com a seleção da Austrália e duas vitórias, sobre Leeds United, da Inglaterra, e sobre o Bayern de Munique, da Alemanha.

Esta conquista levou a diretoria a apostar, frente à escassez de recursos para grandes contratações, na garotada. No Brasileiro, os lampejos vieram na goleada sobre o Corinthians por 5 a 2 (três gols de Magno) e na quebra da invencibilidade do líder Palmeiras com um 2 a 0 (gols de Sávio), ambas as partidas jogadas no Maracanã. Parou nisto. No final do campeonato, o time ficou oito jogos consecutivos sem vencer.

A realidade do Flamengo para celebrar seu centenário estava imersa numa conjuntura de um elenco frágil e na necessidade de se contratar a lote para tentar fortalecê-lo. Mas esse quadro poderia ser muito diferente se o clube tivesse repetido, na segunda metade dos anos 80 e primeira metade dos 90, a fórmula que gerou o time mais forte e vitorioso de toda a sua história.

É relembrar o já citado princípio Anna Karenina: todas as famílias felizes se parecem e cada família infeliz é infeliz a seu próprio modo. Há diversos aspectos essenciais para se conseguir o sucesso e galgar conquistas, e basta o fracasso em um destes aspectos para impedir que uma experiência seja vitoriosa.

O fracasso em qualquer um dos aspectos essenciais para o sucesso já é suficiente para arruinar o caminho da vitória. Os Anos Dourados do futebol rubro-negro demonstram como montar uma grande equipe é um processo árduo. As muitas causas específicas que levaram a cada um dos fracassos não foram devidamente dribladas nos anos de sombra, por isso não foram atingidos os mesmos picos de conquistas. Nenhuma justificativa é plausível, pois cada um tem a sua razão para explicar o fracasso.

É bem verdade que tanto o futebol brasileiro como o mundial, no que se referia às necessidades econômicas e financeiras, já não era o mesmo. O Brasil já não era o mesmo, o Rio de Janeiro já não era o mesmo, o futebol carioca e o Flamengo também não.

Há muitas verdades, mas que não justificam os resultados de uma sucessão de administrações ineficientes. Há uma frase do ex-ministro do Desenvolvimento João Paulo dos Reis Velloso que sintetiza muito bem este processo, e que pode perfeitamente ser aplicada ao Flamengo destes tempos: “Subdesenvolvimento não é destino, é o resultado de uma sequência de escolhas erradas”. Embora existam várias verdades que justificariam a minimização de erros subsequentes, há uma verdade ainda maior que não há como ser ignorada: a sequência de escolhas erradas que foram feitas. O caminho do desenvolvimento é o mesmo para vitórias e conquistas, e passa, necessariamente, pelas escolhas feitas.

Não se consegue entender o sucesso do time campeão da Libertadores e do Mundial em 1981 e três vezes campeão brasileiro, se não se voltar bastante no tempo. Aquele time não começou a ser formado um ou dois anos antes. O embrião talvez seja 1971, quando os garotos Zico e Rondinelli, os primeiros a despontar naquela geração, fazem sua estreia no time principal. Ou talvez tenha sido 1974, quando Zico, Júnior e Rondinelli assumem a posição de titulares do time do Flamengo. De qualquer forma, é evidente que não foi em apenas uma geração que o sucesso se formou. Os anos 70 marcam a ascensão conjunta de gerações inteiras das divisões de base do Flamengo. Foi quando se forjou o lema “Craque, o Flamengo faz em casa”.

A primeira leva trouxe dos juniores o goleiro Cantareli, o lateral Júnior, os zagueiros Rondinelli e Jayme, o cabeça de área Merica, os meias Geraldo e Zico, e o centroavante Rui Rei. Todos eles tiveram momentos como titulares entre 1974 e 1976. Depois veio uma segunda geração, com o cabeça de área Andrade, os meias Adílio e Renato Evangelista, e um ataque com Tita, Júnior Brasília e Júlio César. A geração inteira não foi aproveitada, nem todos fizeram o mesmo sucesso vestindo o vermelho e o preto, mas foram selecionadas as pérolas que mais brilhavam entre aquelas tão refinadas que já haviam sobrevivido à peneira das categorias de base. Tudo levou algum tempo, não foi coisa repentina, de curto prazo.

Equilibrando experiência e juventude, chegaram de fora nomes como Raul, Toninho Baiano, Carpegiani, Cláudio Adão e Nunes. E colocou-se uma pitada de contratações menos badaladas que deram certo, como Marinho e Lico. Por fim, emergiu uma terceira geração dos juniores, com o lateral-direito Leandro, os zagueiros Mozer e Figueiredo, o cabeça de área Vítor, e os atacantes Élder e Júlio César Barbosa. O resultado final começou a ser preparado em 1978 e 1979, mas o prato principal veio entre 1980 e 1983.

A geração seguinte a emergir dos juniores fez muito sucesso nas seleções brasileiras sub-20 e sub-23, mas não conseguiu repetir o êxito no profissional. Dessa geração fizeram parte o goleiro Hugo, o lateral-direito Heitor, o zagueiro Guto, o lateral-esquerdo Adalberto e o meia Gilmar. Apenas um nome que jogou com estes nos juniores despontou: o atacante Bebeto.

O Flamengo voltou a revelar uma geração vencedora de grande potencial entre 1986 e 1987. Neste grupo emergiram nomes como o goleiro Zé Carlos, o zagueiro Aldair, o lateral-esquerdo Leonardo, o cabeça de área Ailton, o meia Zé Ricardo, o centroavante Vinícius e o ponta-esquerda Zinho. Eles levantaram a taça do Campeonato Carioca de 1986.

Poderia ter sido essa uma geração a fazer um papel semelhante, de início de fomento, ao da geração de 1974 e 1975. Ainda mais porque a ela se somavam nomes de enorme potencial, como o lateral-direito Jorginho e o atacante Bebeto. Adicionando experiência à mistura desta geração com a seguinte, que venceu a Taça São Paulo de 1990, seriam somados nomes como Gilmar, Júnior, Wilson Gottardo e o centroavante Gaúcho. E com pitadas de contratações menos badaladas que deram certo, como Uidemar e Charles Guerreiro.

Soma-se a esses nomes a geração seguinte, que revelou os goleiros Roger e Adriano, os zagueiros Júnior Baiano e Rogério, o lateral-esquerdo Piá, os cabeças de área Fabinho e Marquinhos, o meia Djalminha e os atacantes Paulo Nunes, Marcelinho Carioca e Nélio. Essa geração poderia reproduzir o papel aglutinador feito pela geração que chegou entre 1977 e 1979 e se somou à primeira, aquela de 1974 a 1976.

O grupo campeão dos Anos Dourados começou a se formar entre 1974 e 1976. Já o de Junior Baiano e Cia., “potencialmente campeão” dos anos de sombra, entre 1986 e 1988. No grupo campeão, chegou uma segunda geração, entre 1977 e 1979; no “potencialmente”, a segunda geração emergiu entre 1989 e 1991.

O Flamengo conquistou tudo que poderia sonhar entre 1980 e 1983, e quem sabe não poderia ter conquistado tudo que sonhava também entre 1992 e 1995. A realidade do Centenário poderia ter sido muito mais doce. Poderia ter sido formado um time com potencial para glórias talvez até maiores que o da Era de Ouro. Aquele tinha os goleiros Raul e Cantareli, o outro teria Gilmar e Zé Carlos; um teve os laterais Leandro e Júnior, titulares do Brasil na Copa do Mundo de 1982, o outro teria Jorginho e Leonardo, titulares do Brasil na Copa do Mundo de 1994. Na zaga, lá no primeiro estavam Marinho, Rondinelli, Mozer e Figueiredo se revezando, o outro teria Júnior Baiano e Aldair, dupla titular do Brasil na Copa do Mundo de 1998. No meio de campo: na contenção, Uidemar, Charles Guerreiro e Júnior teriam a missão de desempenhar o papel de Andrade e Adilio, e na armação, haveria Djalminha ou Marcelinho Carioca para tentar chegar perto do que significou um Zico. Na frente, se de um lado havia Tita, Nunes (Cláudio Adão) e Lico (Júlio César), de outro haveria Paulo Nunes, Bebeto (Gaúcho), Nélio e Zinho como opções para uma arrumação eficiente. Eis que maravilhoso time potencialmente campeão poderia ter se formado: Gilmar (Zé Carlos), Jorginho, Júnior Baiano, Aldair e Leonardo; Uidemar, Júnior e Djalminha; Marcelinho Carioca (Paulo Nunes), Bebeto (Gaúcho) e Zinho.

E se Cláudio Coutinho chegou para dar a lapidação final à formação do supertime em 1977, três anos após ter despontado a primeira geração (1974), este papel poderia ter sido feito por Telê Santana, que chegou ao Flamengo em 1989, três anos após emergir a primeira geração potencial (1986).

Houve um trabalho muito bem feito por Telê, com um futebol bonito, envolvente e eficiente apresentado no Campeonato Carioca de 1989, mas que não levantou o troféu de campeão. Assim como Cláudio Coutinho não levantou qualquer título em 1977.

Mas Telê Santana acabou demitido, em grande parte pelo insucesso no Campeonato Carioca, mas também porque, no segundo semestre, o Flamengo queria trazer de volta o atacante Renato Gaúcho, grande ídolo da torcida e um dos heróis na conquista do Campeonato Brasileiro de 1987.

Em 1986, às vésperas da Copa do Mundo, o técnico da seleção brasileira, Telê Santana, cortou o ponta-direita Renato Gaúcho, então jogador do Grêmio, da delegação que viajaria para o México. Ele e o lateral-direito do Flamengo, Leandro, tinham chegado alcoolizados ao hotel onde a seleção estava, já de madrugada. Daí para a frente, não se devia mais convidar Telê e Renato para a mesma mesa. Assim, no segundo semestre de 1989, era um ou outro. A diretoria optou por ficar com Renato e dispensar Telê. O técnico foi para o São Paulo, onde montou o time que seria campeão brasileiro de 1991 e bicampeão da Taça Libertadores e do Mundial Interclubes em 1992 e 1993.

Há uma série de fatores a servir de justificativa aos insucessos naquela fase. É um fato que a realidade econômica do futebol da década de 1970 para a de 1980, quando o Flamengo construiu sua Era de Ouro, era muito distinta daquela da virada dos anos 80 para 90, quando o rubro-negro teve a oportunidade de montar outro supertime de iguais proporções, e não conseguiu. O ataque dos ricos clubes europeus a jogadores sul-americanos passou a ser muito maior a partir de meados da década de 1980. Passou a ser muito mais raro que os clubes conseguissem manter seus craques por mais tempo. Entretanto, esta dificuldade não pode camuflar as escolhas erradas que foram feitas.

Na virada para o século XXI, os clubes europeus estavam ainda mais ricos e o fluxo de jogadores para a Europa era ainda maior que o vivenciado uma década antes, e isto não impediu que o Boca Juniors conseguisse construir sua própria Era de Ouro. Entre 2000 e 2007, em oito edições da Taça Libertadores da América, o clube foi quatro vezes campeão.

Em 2000, o Boca foi campeão sul-americano jogando com Oscar Córdoba, Ibarra, Bermúdez, Walter Samuel e Arruabarrena; Traverso, Battaglia, Riquelme e Gustavo Schelotto; Guillermo Schelotto e Martin Palermo. No ano seguinte, faturou o bicampeonato com a mesma base, tendo perdido apenas Samuel, Arruabarrena e Palermo. Em seus lugares estavam Burdisso, Clemente Rodríguez e Marcelo Delgado. Em 2003, voltou a vencer a Libertadores (o terceiro título em quatro anos), e muitos dos que compunham o time bicampeão ainda estavam por lá. Este Boca jogava com: Abbondanzieri, Ibarra, Schiavi, Burdisso e Clemente Rodríguez; Battaglia, Cascini, Javier Villarreal e Diego Cagna; Marcelo Delgado e Carlos Tévez. Tinha, portanto, seis jogadores que haviam participado da campanha do bicampeonato: Ibarra, Burdisso, Rodríguez, Battaglia, Villarreal e Delgado.

O capital europeu levou do clube nomes de peso, como Walter Samuel, Juan Roman Riquelme e Martin Palermo, todos transferidos para equipes de ponta do cenário mundial, mas conservou-se uma base que manteve o futebo do clube muito forte. Nas três edições seguintes da Taça Libertadores, o clube ficou sem o título. Mas, em 2004, esteve presente na final, quando foi derrotado pelo Once Caldas, da Colômbia. A base campeã em 2003 ainda faturou o bicampeonato da Copa Sul-Americana em 2004/05. O fracasso na final da Libertadores de 2004 não impediu a continuidade do trabalho. A organização do clube e as escolhas feitas neste período permitiram que o clube voltasse a ser campeão sul-americano em 2007, e tendo no time uma base com muitos jogadores que haviam participado das conquistas de 2000, 2001 e 2003. À revelia do fortíssimo assédio dos clubes europeus, venceu o trabalho bem-feito e as escolhas equilibradas e acertadas. O time que atropelou o Grêmio e foi campeão, vencendo os dois jogos da finalíssima em 2007, jogava com: Caranta, Ibarra, Daniel Díaz, Cláudio Rodríguez e Clemente Rodríguez; Battaglia, Banega, Neri Cardozo e Riquelme; Rodrigo Palacio e Martin Palermo. Eram, portanto, nada menos do que cinco jogadores da base campeã nos outros anos: Ibarra, Clemente Rodríguez, Battaglia, Riquelme e Palermo.

É a prova de como uma continuidade acertada no trabalho de montagem de uma equipe gera resultados. Demonstra como os resultados não se deram por acaso. São lições como esta que indicam a diferença, muitas vezes tênue, entre o sucesso e o fracasso, entre a ribeira e a glória.




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