sábado, 28 de maio de 2022

A NAÇÃO (2ª edição) - Capítulo VII: O centenário do clube (1995)


A NAÇÃO

Como e por que o Flamengo se tornou

o clube com a maior torcida do Brasil



Capítulo VII – O centenário do clube (1995)


O Clube de Regatas do Flamengo completou cem anos em 15 de novembro de 1995. Decidiu-se então pela realização de uma grande celebração para o Ano do Centenário. O novo presidente do clube, o ex-radialista e então empresário Kléber Leite, prometia um ano de muitas glórias.

Quem dê uma folheada nos jornais cariocas dos anos 1920, encontrará mais de uma vez a menção ao Flamengo como "o clube vanguardista" ou "a turma da vanguarda". Aquele grupo da praia do Flamengo tinha um espírito inovador. Não eram necessariamente pioneiros, mas quando decidiam que era hora de se envolver nas tendências, entravam fazendo a moda. Este espírito jovem e refrescante com uma propensão para ditar tendências sempre esteve vivo na alma flamenguista.

Até 1995, nenhuma comemoração de centenário de um clube havia agitado tanto a vida do futebol. Mas naquele ano, quando comemorava seus cem anos, a turma, que já era a da Gávea, decidiu balançar os alicerces do futebol brasileiro. E quando o Flamengo decide que é hora de uma novidade, não há quem deixe de perceber.

Natural para o senhor das multidões. Ainda mais porque o Flamengo não agita somente a seu povo, que é a maior entre todas as torcidas do Brasil, mas também porque move muitos sentimentos nos enciumados corações de todos aqueles que aspiram ser seus rivais. Assim, não há como passar desapercebido aos olhos da ampla maioria. Isto é moda. Afinal é como a estatística define: moda é a distribuição de probabilidade no qual a massa populacional atinge seu valor de densidade máximo, em outras palavras, é aquilo que proporciona reações majoritárias diferenciadas. É a plena descrição das reações que o Flamengo causa. E o centenário rubro-negro foi mais uma evidência desta capacidade diferenciada de vanguarda do espírito dos flamengos.

Daquele ano em diante, todos os clubes também quiseram comemorar seus respectivos centenários, tentando passar tão desapercebidos quanto a turma do Flamengo. Ninguém chegou perto da badalação em torno daquele ano de 1995. As duas grandes cartadas que pretendiam dar ao Flamengo um ano de grandes conquistas foram as contratações do atacante Romário, do Barcelona, da Espanha, eleito melhor jogador do mundo pela FIFA em dezembro de 1994, e do técnico Vanderlei Luxemburgo, do Palmeiras, então detentor dos títulos de bicampeão brasileiro e bicampeão paulista, em 1993 e 1994. Também houve contratações numa escala que o Brasil jamais havia visto antes. Uma legião de novos contratados: o goleiro Emerson, do Grêmio; o lateral-direito Gustavo, do Guarani; os zagueiros Agnaldo Liz, do Grêmio, Jorge Luís, do Guarani (ex-Corinthians e Vasco) e Válber, do São Paulo (ex-Fluminense e Botafogo); o veterano lateral-esquerdo Branco, campeão mundial com o Brasil em 1994; o meia Willian, ex-Vasco, e o atacante Mazinho Oliveira, ex-Bragantino e seleção brasileira, que estava jogando no Bayern de Munique, da Alemanha. Foram dez contratações de uma vez! Coisa que jamais ocorrera até ali no futebol brasileiro, mas algo que se tornou corriqueiro.

A chegada de Romário, em especial, eleito pela FIFA como Melhor Jogador do Mundo em 1994, gerou um alvoroço no futebol brasileiro. Criou-se uma expectativa imensa de resultados positivos e de futebol espetáculo, como se bastasse colocar umas feras juntas e elas já gerassem uma intimidade de grupo de velhos conhecidos. Por tudo o que foi feito e alardeado, grande parte da torcida ficou muito ansiosa. A contratação de Romário gerou tamanha expectativa e tamanha inquietação que já não bastava vencer com folga, era inadmissível qualquer tropeço ou atuação que não fosse nota 10.

Antes de sua estreia no Maracanã, num Fla-Flu, o primeiro jogo de Romário pelo Flamengo foi na partida oficial de celebração do Ano do Centenário, frente à Seleção do Uruguai, no estádio Serra Dourada, em Goiânia, em 27 de janeiro de 1995, num empate por 1 a 1.

Tudo estava montado naquele ano para uma grande festa rubro-negra. A cultura popular, como não poderia deixar de ser, também celebrava o vermelho e preto. No Carnaval de 1995, a escola de samba Estácio de Sá desfilou pela Marquês de Sapucaí cantando exaltação aos cem anos do clube. Assim cantava a escola: “O céu rasgou na noite que reluzia/ Um show de estrelas brilhou nos olhos de um novo dia/ A poesia, enfeitada de luar/ Encantou Estácio, oh paixão/ Paixão que arde sem parar/ Eh tengo, tengo/ No meu quengo é só Flamengo/ Uh Tererê/ Sou Flamengo até morrer/ Seis jovens remadores fundam um Grupo de Regatas/ Campeão no seu destino, ô/ É ganhar em terra e mar/ Fazendo sol, pode queimar, pode chover/ Vou ver Fla-Flu, Fla-Vas vou ver/ Diamante Negro, Fio Maravilha/ Domingos da Guia, Zizinho, Pavão/ Gazela Negra, corre o tempo no olhar/ Será que você lembra como eu lembro o Mundial, que o Zico foi buscar/ Só amor, na alegria e na dor, ô ô/ Parabéns para essa galera/ Cem anos de primavera/ Cobra-coral, Papagaio-vintém/ Vesti rubro-negro/ Não tem pra ninguém”.

A pressão sobre o time diminuiu um pouco depois que ele conseguiu conquistar a Taça Guanabara, num confronto inesquecível frente ao Botafogo. Romário fez dois gols, abrindo 2 a 0 no primeiro tempo. O Botafogo reagiu no segundo tempo e empatou. Então, a pouco menos de quinze minutos do fim do jogo, o zagueiro botafoguense Márcio Theodoro errou na tentativa de recuar a bola de cabeça para o goleiro Wagner e deixou Romário cara a cara. Ele, certeiro como de costume, não desperdiçou a oportunidade. Flamengo 3 a 2, campeão da Taça Guanabara de 1995. E a torcida do Flamengo, com a criatividade que lhe é peculiar, logo entoou o coro: “Márcio te adoro! Márcio te adoro”.

Mas não seria um título de turno que atenderia aos anseios de grandiosidade esperados. A Taça Rio foi levantada pelo Fluminense, e a final seria um Fla-Flu. O Flamengo, com melhor campanha na soma de pontos dos dois turnos, jogava com a vantagem do empate. O Fluminense abriu 2 a 0 no primeiro tempo. No segundo, com gols de Romário e Fabinho, o rubro-negro empatou. Até que, a dez minutos do fim do jogo, numa desatenção da defesa, o ex-rubro-negro Ailton penetrou livre pela direita de ataque e bateu para o meio. A bola encontrou Renato Gaúcho no meio da pequena área, bateu na barriga dele e entrou. O Fluminense jogava água no chope da festa do Centenário rubro-negro.

Depois da perda do título carioca de 1995, houve uma completa reformulação do elenco. O anseio era por glórias. Já antes da final, o Flamengo já havia acertado a contratação do ídolo do Vasco, Edmundo (que defendeu a cruz de malta em 1992, quando subiu dos juniores em São Januário), e que era, naquele momento, o principal jogador do Palmeiras, que sustentava os títulos de bicampeão brasileiro e bicampeão paulista. Edmundo era um grande amigo de Romário, parceiro de peladas nas praias e de noitadas nas madrugadas do Rio. A expectativa para ver os dois juntos, lado a lado, era enorme. Ainda mais com Sávio, o garoto-revelação rubro-negro, que vinha brilhando na seleção brasileira sub-23. Estava montado aquele que ficou batizado como o “Melhor Ataque do Mundo”.

A luz forte dos holofotes que se voltaram para o Flamengo naquele ano de seu Centenário também iluminou os problemas que emergiram durante o ano. Assim como na situação vivida anos antes pelos desentendimentos Renato x Telê, o Flamengo ficou novamente numa encruzilhada na reta final do campeonato carioca de 1995 por problemas de relacionamento entre técnico e estrela do time. O problema desta vez era: Romário x Vanderlei Luxemburgo. O relacionamento entre os dois estava no limite. Após a derrota para o Fluminense na final, era um ou outro. Assim como seis anos antes havia sido Renato, desta vez a escolha foi por Romário, ainda mais depois de tudo que ele custara aos cofres do clube: o Flamengo o contratou ao Barcelona por US$ 6 milhões. A maior transação do futebol mundial àquela altura havia sido por US$ 9,5 milhões, na Inglaterra.

A escolha mais equivocada, no entanto, com certeza foi a de se fazer uma completa reformulação do elenco. Se seis meses antes o pacote de contratações envolveu dez jogadores ao mesmo tempo mais um treinador, agora a opção fora por se desfazer de dez e do treinador, e de se contratar outros dez e outro técnico. Já estava chegando Edmundo. O Flamengo, após o Carioca, ainda roubou o tripé principal do time campeão com o Fluminense: o lateral-esquerdo Lira, o cabeça de área Márcio Costa e o meia Djair. Contratou também o zagueiro Cláudio, que chegava com fama de grande revelação do futebol paulista, por US$ 1,2 milhão pago ao Guarani (uma aberração de valor para a época). Outro contratado do Guarani foi o meia Uéslei. Ainda chegaram à Gávea, neste pacote, o veterano goleiro Paulo César, destaque do campeonato paulista pela Portuguesa de Desportos e que antes teve bons momentos no Cruzeiro, mais o zagueiro Ronaldão – ex-São Paulo e seleção brasileira, que estava defendendo o Shimizu S-Pulse, do Japão –, além do cabeça de área Pingo, do Cruzeiro, e do veterano lateral-direito Luís Carlos Winck. O escolhido para comandar o time foi o ex-jogador Edinho, mas ele durou muito pouco no cargo.

A tentativa de se contratar um time inteiro de uma só vez, colocar para jogar junto e esperar colher frutos a curto prazo mostrou-se um equívoco. Esta fase do Flamengo, sobretudo com as apostas feitas no ano de seu Centenário, comprova bem isto. Demora um pouco até um time ganhar entrosamento e se conhecer, por mais que se estejam juntando, quando é o caso, craques.

A Máquina Tricolor montada pelo Fluminense nos anos 70 foi uma experiência bastante diferente. Lá se focou na contratação de quatro ou cinco craques, de altíssimo nível, padrão seleção brasileira, que eram misturados a uma base forte, experiente, e que já vinha jogando junta. Assim, ficava mais viável colherem-se frutos a curto prazo.

Depois do Flamengo de 1995, o futebol brasileiro mostrou em outras oportunidades que é preciso dar tempo para a formação de uma equipe. Em 2005, por exemplo, o Corinthians fez uma parceria milionária com um grupo de investidores russos, através de uma empresa chamada MSI, e cujo gestor era o iraniano Kia Joorabchian. Contratou quatro argentinos: o técnico Daniel Passarela e três jogadores – o zagueiro Sebá, o cabeça de área Mascherano e o atacante Carlitos Tévez. Junto a eles chegaram os meias Roger e Carlos Alberto, o atacante Nilmar, o lateral-esquerdo Gustavo Nery, o cabeça de área Marcelo Mattos e mais uns dois ou três jogadores. Um time inteiro, que custou caríssimo. O Corinthians passou em branco no primeiro semestre, perdendo os títulos do campeonato paulista e da Copa do Brasil, mas manteve o time, e com mais tempo, no fim do ano, conquistou o Campeonato Brasileiro.

O Fluminense passou por experiências similares quando fez parceria com a Unimed, empresa da área de saúde. Em 2004, contratou os atacantes Romário e Edmundo, os meias Ramon e Roger, os laterais Leonardo Moura e Juan, o zagueiro Odvan, o goleiro Danrlei e mais uns dois ou três. Perdeu o título carioca para o Flamengo e desfez-se de todo o investimento antes de vê-lo trazer resultados. Em 2006, repetiu um altíssimo investimento, contratando os meias Petkovic, Felipe e Pedrinho e mais uma meia dúzia de jogadores. Não conquistou um campeonato em seis meses e se desfez de todo o investimento. Em 2007, foi ainda mais longe, contratando dezessete jogadores de uma vez para a disputa do campeonato carioca, e também não levantou o título. A fórmula “contratar onze de uma vez” é complicada, demora a trazer resultados. Mas na cultura brasileira, na maioria das vezes, não há paciência para esperar a árvore crescer.

Mas muita coisa poderia ter sido diferente naquela história se aquele gol de barriga não houvesse entrado. A expectativa por se conquistar o título carioca no ano do Centenário era enorme. O Fluminense, com um time mais modesto que o do Flamengo, chegou à final embalado, porém a vantagem do empate era rubro-negra. Depois de estar em desvantagem por 2 a 0 no placar. A equipe treinada por Vanderlei Luxemburgo conseguiu buscar o empate. A quinze minutos do fim, a torcida rubro-negra começou a comemorar e festejar, acreditando que a conquista estava selada. No entanto, quando Ailton penetrou livre e, já dentro da área, deu um corte seco em Charles Guerreiro e bateu para o meio, encontrando a barriga de Renato Gaúcho no meio do caminho, foi o fim do delírio flamenguista. Talvez se aquele gol não tivesse entrado, teria havido paciência para se encontrar o entrosamento e a maturidade daquele grupo. Mas na história não há como voltar para constatar como teria sido se os fatos fossem diferentes.

No segundo semestre do ano do Centenário, apesar do fracasso do “Melhor Ataque do Mundo” e de uma campanha muito ruim no Campeonato Brasileiro, o Flamengo quase levantou um troféu de bastante expressão, o da Supercopa dos Campeões da Libertadores. O Flamengo fez uma campanha linda, mas viu o título escapar na final, com um Maracanã absolutamente lotado! Não perdeu nem empatou sequer um jogo nas fases eliminatórias. Já na estreia, uma vitória inesquecível sobre o então detentor dos títulos de campeão argentino e campeão da Taça Libertadores da América, ocorrida dentro de Buenos Aires, e da forma heroica. O time perdia por 2 a 1 para o Velez Sarsfield, do lendário goleiro-artilheiro paraguaio Jose Luiz Chilavert, até os 44 minutos do segundo tempo, quando Sávio empatou o jogo. Ainda houve tempo para a virada, aos 46 minutos, com gol de Rodrigo Mendes. Eram as estreias do Flamengo na Supercopa de 1995 e do radialista Washington Rodrigues, o Apolinho, como técnico do Flamengo, em substituição a Edinho.

Foi a arrancada de uma campanha linda, em que o Flamengo eliminou Velez Sarsfield, Nacional de Montevidéu e Cruzeiro sem sequer empatar, vencendo todas as partidas, em casa e fora. Contra o Velez, foi 3 a 2 em Buenos Aires e 3 a 0 no Brasil (partida que terminou em pancadaria generalizada e que, no ano do Centenário, foi a centésima vitória rubro-negra sobre adversários sul-americanos em sua história). Depois veio o Nacional: 1 a 0 no Uruguai e 1 a 0 no Brasil. Contra o Cruzeiro, deu 1 a 0 no Mineirão e 3 a 1 no Maracanã. O vermelho e o preto chegaram à final contra o Independiente, da Argentina, que detinha o título da competição e lutava pelo bicampeonato. Um clube com muitíssimas tradições em nível sul-americano, pois já detinha sete títulos da Libertadores, sendo o recordista de títulos no continente. O Flamengo perdeu o primeiro jogo da final por 2 a 0 no estádio de Avellaneda, em Buenos Aires. Venceu o segundo só por 1 a 0 no Maracanã, e, assim, ficou sem o título pelo saldo de gols. Aquela seria uma belíssima conquista para coroar o Centenário.

A grande expectativa no primeiro semestre do ano do Centenário era pelo espetáculo a ser proporcionado pelo melhor jogador do mundo. Já no segundo semestre, tudo girou em torno do “ataque dos sonhos”: Edmundo, Romário e Sávio. A má campanha no Campeonato Brasileiro, com míseras cinco vitórias, diante de nove empates e nove derrotas, bastou para que o ataque dos sonhos ficasse eternizado como de pesadelo e fracasso. Nem a bela campanha na Supercopa salvou.

Um número a mais para se tornar uma ironia no ano da comemoração do centenário rubro-negro: em 1995, o Flamengo jogou 87 vezes, venceu 44 (51%), empatou 20 (23%) e perdeu 23 (26%). Fez 156 gols e sofreu – eis a ironia – 100.

A perda do Campeonato Carioca, mesmo com uma campanha recheada de bons resultados (6 a 0 no Friburguense, 6 a 0 no Entrerriense, 4 a 2 no Vasco, 4 a 0 no Bangu), e a pífia campanha no Campeonato Brasileiro, mesmo com uma bela campanha na Supercopa, eram razões mais que suficientes, tamanho o investimento, e tamanha a expectativa criada, para considerar o ano um fracasso. Até mesmo a chegada de Romário foi dita como um insucesso, apesar dos 42 gols que ele fez naquele ano – desde Zico, em 1982, um jogador não fazia mais de quarenta gols em uma temporada com a camisa rubro-negra.

As enciumadas torcidas adversárias diziam que Romário, que chegou ao Flamengo com 30 anos, já estava velho. A ironia é que ele estava velho o suficiente para fazer, nos cinco anos em que jogou pelo clube, 204 gols com a camisa do Flamengo e tornar-se o quinto maior artilheiro da história do clube. Ele saiu ao fim de 1999, foi para o Vasco e fez 75 gols numa única temporada. Em seguida, ele ainda foi para o Fluminense, voltou ao Vasco e só encerrou a carreira em 2008, com 42 anos, ainda tendo se consagrado, às vésperas de cumprir 40 anos, artilheiro do Campeonato Brasileiro de 2005.

O ano de 1995 não celebrava os cem anos do futebol do Flamengo, mas da fundação do Clube de Regatas do Flamengo. Era o centenário do remo rubro-negro, embrião do clube que só dezessete anos depois se tornou também de futebol. Assim, falar do Centenário é muito mais do que falar do futebol rubro-negro, há de se exaltar a mística olímpica e a enorme contribuição que o Flamengo deu para o desporte brasileiro. A maior dada no Brasil por um clube de futebol. Nenhum clube de tradição futebolística no Brasil tem tantas conquistas em tantos esportes diferentes como o Flamengo. Remo, basquete, natação, ginástica, vôlei, judô, etc. Suar a camisa por este clube é algo que vai muito, mas muito mais além do que apenas o suor dado pelos jogadores de futebol. Não há entre os clubes de futebol no Brasil nenhum outro com maior tradição nos esportes olímpicos do que o Flamengo. Por tudo o que a tradição rubro-negra nestes esportes olímpicos representa para o desporto nacional, o centenário rubro-negro merece ser dedicado a eles.

Primeiro no remo, depois no futebol, mas logo a galeria de ídolos rubro-negros começou a se estender para novas modalidades, quando o Flamengo começou a fazer história em dois outros esportes que marcaram sua tradicional caminhada: a natação e o basquete.

Na natação, surgiu no Flamengo uma figura que virou um mito: Maria Lenk. Primeira sul-americana a disputar uma Olimpíada, em 1932, ela foi recordista mundial das provas de 200 metros e 400 metros nado borboleta. E tudo numa época na qual os atletas rubro-negros, pioneiros, tinham que treinar no mar em vez de nas piscinas, pois era muita escassa a estrutura para o esporte no país.

Entretanto, depois do futebol e do remo, o esporte de maior tradição no clube sempre foi, sem dúvida, o basquete. O Flamengo foi campeão do primeiro torneio oficial de basquete realizado no Brasil, o Campeonato Carioca de 1919, ainda em sua fase amadora. E quando o esporte entrou no Rio de Janeiro em sua era profissional, também foi a camisa vermelha e preta quem conquistou os primeiros títulos, com o tetracampeonato carioca conquistado em 1932-1933-1934-1935, com uma equipe que reunia Pedro Martinez, Manoel Leite Pitanga, Haroldo Lobo e Waldemar Coroa.

A marca rubro-negra também se fez presente nos Jogos Olímpicos de 1948, quando o basquete brasileiro alcançou seu primeiro grande resultado internacional, conquistando a Medalha de Bronze. A estrutura principal da seleção brasileira tinha um trio de jogadores rubro-negros: Alfredo da Motta, Algodão e Affonso Évora, bicampeões cariocas em 1948 e 1949, tendo os dois primeiros sido os maiores pontuadores da equipe que regressou ao Brasil com o bronze no peito.

Nos Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952, nada menos do que cinco jogadores da seleção brasileira (quase a metade do grupo que representou o Brasil) eram atletas do Flamengo: Algodão, Alfredo da Motta, Godinho, Mário Hermes e Tião Gimenez. Destes cinco, quatro formavam a equipe titular que jogou as Olimpíadas de 1952 e que, um ano antes, havia conquistado uma medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos.

Foi esta base que levou para a Gávea a primeira grande série de conquistas do basquete do Flamengo em sua história, o decacampeonato Carioca, de 1951 a 1960. A equipe comandada por Togo Renan Soares, o Kanela, era liderada dentro de quadra por Alfredo da Motta e Zenny de Azevedo, o Algodão. Durante estes dez anos de conquistas ininterruptas, além deles e dos demais atletas já citados, participaram do decacampeonato nomes como Ardelum, Gedeão, Guguta, Fernando Bro Bro e Waldir Boccardo. Mas só Kanela e Algodão participaram de todos os 10 títulos do decacampeonato.

Eles foram os dois grandes nomes desta geração espetacular do basquetebol rubro-negro. Togo Renan Soares, o Kanela, em especial, foi um dos maiores nomes da história do basquete no Brasil. Ele foi técnico do Flamengo de 1948 a 1970 e treinador da seleção brasileira de 1951 a 1971. Kanela conquistou dois títulos do Campeonato Mundial para o Brasil, em 1959 e 1963, e ainda ganhou uma medalha de bronze nas Olimpíadas de 1960.

Esta geração do basquete rubro-negro venceu quatorze campeonatos cariocas em dezessete anos. Depois de ser bicampeão em 1948/49, o Flamengo perdeu o título de 1950 para o Grajaú Country Clube. Em 1951, voltou a ser campeão, iniciando a série do decacampeonato, que só foi interrompida em 1961 pelo Fluminense. Depois, o Flamengo ainda voltou a conquistar o título em 1962 e 1964, tendo como principal destaque a Waldir Boccardo, que defendeu o clube de 1958 a 1973.

O maior título desta geração foi conquistado em 1953, quando o time de basquete rubro-negro venceu o Torneio de Campeões Sul-Americanos, disputado em Antofagasta, norte do Chile, região que no século XIX pertencia à Bolívia. O quinteto rubro-negro, comandado por Algodão, superou sete adversários: Antofagasta e Palestino, ambos do Chile, Bílis, do Peru, Universidad, do Equador, Olímpia de Montevidéu e Paysandu, ambos do Uruguai, e Santa Fé, da Argentina. Foi o primeiro título internacional de um clube brasileiro na história do basquetebol do país.

As emoções que esta geração de basquete proporcionou acabaram por incluir um mártir na história do clube. Na final do Campeonato Carioca de 1955, entre o Flamengo e o Sírio-Libanês, uma cesta do jogador Guguta, no último segundo, deu a vitória e o título para o Flamengo, com um placar de 45 a 44. O presidente Gilberto Cardoso passou mal diante de tanta emoção, no hospital não resistiu e faleceu. Assim narrou o Jornal dos Sports: “As vibrações chegaram ao transbordamento quando nos derradeiros segundos surgiu a cesta que seria a do espetacular triunfo. Daí saiu o grande presidente, sozinho, em seu próprio carro, mas batido pelo estado emocional em que se encontrava, não logrou passar do ponto da Avenida Presidente Vargas em frente ao jornal ‘Última Hora’. Conduzido ao pronto-socorro, foi medicado, mas logo sofreu crise mais séria. Os recursos da ciência foram em vão. Chegara o instante fatal. E o Flamengo sofreu todo o peso da dolorosa e inesperada perda”.

Até o início da sequência de dez títulos consecutivos, ocorreram dezoito edições profissionais do Campeonato Carioca de Basquete, com seis títulos do Botafogo e cinco do Flamengo. Tendo dominado completamente a cena nos anos 50, o Flamengo passou a ter quinze títulos no total, contra seis do Botafogo, três do Riachuelo, um do Vasco da Gama, um do Grajaú Tênis Clube, um do Grajaú Country Clube e um do extinto Olímpico.

Nos anos 60, o basquete do Flamengo perdeu a hegemonia absoluta e teve companhias mais à sua altura na disputa pelos títulos. Entre 1961 e 1969, Botafogo e Vasco venceram três campeonatos cada, o Flamengo venceu dois e o Fluminense venceu seu primeiro campeonato, o de 1961, exatamente o que impediu o eneacampeonato rubro-negro. Entre 1965 e 1974, o Flamengo passou pelo maior jejum de títulos de sua história no basquete, não conquistando nenhum título em dez edições do Campeonato Carioca. Nos anos 70, o Flamengo retomou sua força, tendo tido seu ápice em 1977, quando, além de campeão carioca, o time de basquete foi vice-campeão da Taça Brasil. O principal nome rubro-negro era o norte-americano George Thompson. Mas a equipe perdeu o título nacional para o Palmeiras, de Carioquinha, Oscar Schimdt, Ubiratan Maciel e do técnico Cláudio Mortari. No Rio de Janeiro, durante esta década, o Fluminense venceu cinco campeonatos, o Vasco venceu três e o Flamengo dois, em 1975 e 1977.

Houve dois períodos de hegemonia de seus rivais, do Fluminense, que foi pentacampeão (1970-1974), e do Vasco, que até então só tinha conquistado quatro títulos cariocas de basquete, e entre 1976 e 1983, em oito campeonatos, venceu seis vezes, com direito a um tetracampeonato entre 1978 e 1981.

Em tempos em que estourava a rivalidade entre Zico e Roberto Dinamite nos campos de futebol, a já histórica rivalidade no remo chegava às quadras de basquete. A disputa se acirrou nos anos 80, quando o Campeonato Carioca de Basquete esteve bipolarizado entre Flamengo e Vasco, tendo havido cinco títulos cruzmaltinos e quatro em vermelho e preto. O Fluminense ficou com um, em 1988.

O time de basquete da Gávea voltou a ser fortemente reforçado em 1984, quando o clube montou um quinteto com Carioquinha, Nilo Guimarães, Marcelo Vido, Germán Filloy e Marquinhos Abdalla, e o técnico era Marcus Vasconcellos. O argentino Filloy, que chegava ao clube depois de ter sido campeão nacional em 1983 com a equipe paulista do Sírio, e os demais jogadores com uma longa história defendendo a seleção brasileira. Esta forte equipe levou o Flamengo a ser, pela segunda vez em sua história, vice-campeão da Taça Brasil, perdendo o título nacional para o Monte Líbano, de São Paulo, onde jogavam Maury, Marcel, Cadum, Pipoka e Israel, sob o comando do técnico Edvar Simões.

Mas o grande investimento do Flamengo no basquete rendeu seus frutos, e o clube foi tricampeão carioca em 1984/85/86. No Campeonato Carioca de 1985, Marquinhos foi jogar pela equipe do banco Bradesco, que era a favorita para levar o título. Mas foi Flamengo, todo reformulado, que levou o título, com uma equipe que contava com Raul Togni, Almir Gerônimo, Pedrinho Ferrer, Germán Filloy e Evandro, comandados por Emmanuel Bonfim. Em 1986, o time perdeu o argentino Filloy, mas para repor a perda foram contratados, da República Dominicana, dois grandes jogadores, Héctor Vinicio Muñoz e Victor Chacón, e o time faturou o tricampeonato.

Disposto a impedir o tetracampeonato rubro-negro, o Vasco investiu pesado no basquete em 1987; tirou da Gávea o craque do time, Vinicio Muñoz, e o técnico, Emanuel Bonfim, e ainda se reforçou com outro dominicano: Evaristo Pérez. O Flamengo, para manter a competitividade de seu time e repor a perda de Muñoz, contratou ao Corinthians o norte-americano Rocky Smith. A final entre Flamengo e Vasco foi eletrizante. O time rubro-negro venceu a primeira partida por 107 a 96, mas perdeu as duas seguintes, em ambas por grandes atuações da dupla Muñoz e Pérez com a camisa do Vasco. A primeira terminou 82 a 80 e a segunda, esfarelando o sonho do tetracampeonato, 75 a 74. Foi eletrizante! Por apenas um ponto de diferença a equipe vascaína acabou campeã. Na partida derradeira, o Flamengo perdeu a seu principal jogador, Rocky Smith, logo no 1º tempo, por lesão. Desestabilizado, o time rubro-negro ficou 21 pontos atrás no marcador já no 2º tempo. Mas se recuperou e diminuiu a diferença para apenas três pontos quando o cronômetro entrou no minuto final. Faltando três segundos, diminuiu a diferença para apenas 1 ponto. Mas o Vasco não vacilou na sua última posse de bola e garantiu seu título, impedindo o milagre da virada e o tetra rubro-negro.

O sonho rubro-negro era voltar a figurar entre os grandes times de basquete no cenário nacional, que, durante muitos e muitos anos, esteve sob a hegemonia dos clubes paulistas. Para a temporada de 1988, o rubro-negro carioca voltou a investir pesado, contratando três jogadores da seleção brasileira que havia vencido o Pan-Americano de 1987 nos Estados Unidos: Maury, Cadum e Paulinho Villas-Boas. Eles formavam a base do time do Monte Líbano, que tinha sido tetracampeã nacional entre 1984 e 1987. Juntamente a eles foi trazido o experiente técnico Zé Boquinha. A eles foram agregados dois norte-americanos, Eddie Smith e John Flowers, na equipe que ainda mantinha o dominicano Victor Chacón. Na Taça Brasil de 1988, no hexagonal final, que decidiu o torneio, o Flamengo enfrentou cinco paulistas - Sirio, Franca, Rio Claro, Pirelli e Monte Líbano – no ginásio Pedrocão, em Franca. A equipe rubro-negra, diante de cinco pesos-pesados do basquete de São Paulo, acabou sucumbindo e terminando em terceiro lugar.

Seguiu-se um período no qual o investimento no basquete rubro-negro foi sensivelmente reduzido. Neste contexto, em 1993, a final do Campeonato Carioca teve, pela primeira vez, a ausência de um dos quatro grandes clubes de futebol da cidade. Foi uma disputa inédita entre Liga Angrense e Tijuca Tênis Clube, e o título acabou indo para Angra dos Reis. O Tijuca não só amargurou aquele vice como foi superado nos três anos seguintes pelo time do Flamengo, que voltou a aumentar sensivelmente o volume de investimentos no basquete. O Tijuca ficou assim, entre 1993 e 1996, sendo, por quatro vezes consecutivas, o vice-campeão carioca de basquete.

O basquete rubro-negro voltou a ter investimentos pesados a partir do segundo semestre de 1994. O projeto foi capitaneado pelo técnico Miguel Ângelo da Luz, campeão mundial com a seleção brasileira feminina naquele mesmo ano de 94 e medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. Com a montagem de um time forte, o Flamengo sagrou-se tricampeão carioca (1994/95/96), tendo participado da campanha jogadores como Alberto, Almir Gerônimo, Alexey, Gema e Olívia, além dos norte-americanos Brent Merritt, Alvin Fredericks, Derrick Johnson e Leon Jones.

O tri rubro-negro levou o Vasco a se mover, novamente, para evitar um tetracampeonato do Flamengo. Em 1997, os vascaínos voltaram a investir pesado e quebraram a hegemonia da Gávea no basquete carioca. Mas os investimentos mantidos pelo Flamengo nestes anos subsequentes se mantiveram grandes. Passaram pelo basquete do clube técnicos de renome nacional, como Ary Vidal, Zé Boquinha e Cláudio Mortari, e jogadores de seleção brasileira, como Fernando Minucci, Ratto, Caio Cazziolato, Pipoka, Vanderlei Mazzuchini, Josuel e Janjão.

A maior estrela para o basquete rubro-negro, entretanto, chegou em 1999. Foi quando o clube fechou contrato com um mito do basquete brasileiro: Oscar Schimdt, o Mão Santa, que jogou cinco Olimpíadas e foi o segundo maior pontuador da história do basquete mundial até então, só superado pelo astro do basquete norte-americano dos anos 80, Kareen Abdul Jabar. Um verdadeiro e autêntico ídolo nacional, que havia comandado a histórica conquista do pan-americano de 1987 em Indianápolis, EUA. Com Oscar no comando do time, o Flamengo voltou a brigar no topo da tabela na Liga Nacional. Em 2000, o time rubro-negro mais uma vez foi vice-campeão brasileiro, perdendo o título desta vez para o rival Vasco, numa inédita final entre clubes cariocas.

O Flamengo havia superado o Vasco na conquista do bicampeonato carioca de 1998 e 1999, mas não teve a mesma sorte na final do campeonato nacional. O time vice-campeão da Liga Nacional era formado por: Ratto, Robyn Davis, Oscar, Pipoka e Josuel. O técnico era Cláudio Mortari, e entre os suplentes estavam Paulinho Villas-Boas e o canadense Greg Newton. O Flamengo perdeu a série final por 3 a 1 para um timaço do Vasco, que tinha Helinho, Charles Byrd, Demetrius, Rogério Klafke, Sandro Varejão e o dominicano Jose Vargas, sob o comando técnico do experiente Hélio Rubens, tricampeão brasileiro com o Franca em 1997/98/99 e bicampeão com o Vasco em 2000/01. Hélio foi, portanto, cinco vezes consecutivas o campeão da Liga Nacional, título que já havia conquistado outras três vezes com o Franca (1990, 1991 e 1993) e que voltou a vencer com o Uberlândia, de Minas Gerais, em 2004. Aquele time do Flamengo não foi batido, portanto, por qualquer um.

Aqueles dias foram para deixar muitas saudades nos amantes do basquete. Após a aposentadoria de Oscar, em 2003, aos 45 anos de idade, o investimento rubro-negro no basquete voltou a se reduzir. Ainda assim, o Flamengo chegou mais uma vez a uma final de Liga Nacional, em 2004. Acabou vencido pelo Uberlândia, que era dirigido por Hélio Rubens, o mesmo treinador que batera o quinteto rubro-negro na final nacional de 2000. O time, em 2004, tinha Marc Brown, Leandro Salgueiro, Olivinha, Mãozão e Gema. Era comandado, mais uma vez, por Emmanuel Bonfim, e ainda tinha como suplentes o jovem Duda Machado e os veteranos Alberto e Olívia.

O Flamengo chegou a interromper as atividades do departamento de basquete no segundo semestre de 2004, quando então, pela primeira vez na história, o Campeonato Carioca de Basquete não contou com a participação de nenhum dos quatro grandes clubes de futebol da cidade. A final neste ano acabou sendo entre as equipes Telemar (empresa de telefonia fixa) e Automóvel Clube de Campos, ficando o título com o primeiro.

Em 2005, no entanto, o Flamengo reabriu o departamento de basquete, sob o comando do técnico Paulo Sampaio, o Paulo Chupeta. Com um time mais modesto, venceu o favorito Telemar/Rio de Janeiro na final do Carioca, iniciando uma série totalmente hegemônica no Rio de Janeiro. Mas era hora de voltar a galgar sonhos maiores. Em 2007, o clube voltou a investir mais alto, contratando os irmãos Marcelinho e Duda Machado, o pivô Alirio, o ala cubano Amiel Vega e o armador Hélio. O grupo venceu o Carioca (tricampeão), disputou a primeira edição da Liga das Américas, e, pela terceira vez, participou da Liga Sul-Americana. Na primeira fase superou ao Libertad Sunchales, da Argentina, campeão sul-americano em 2007, e, depois, na semifinal, fez um duelo histórico contra o Boca Juniors, vencendo a série por 2 a 1. Foi à final com o Regatas Corrientes, também da Argentina. Perdeu os dois primeiros jogos em solo estrangeiro, depois venceu duas vezes seguidas no Maracanãzinho, forçando o quinto e decisivo jogo, a ser realizado em Corrientes. Foi uma batalha, com um clima entre quadra e arquibancada extremamente adverso. A cinco minutos do fim do tempo regulamentar, no último quarto de jogo, o time da Gávea chegou a empatar por 57 a 57. Mas os argentinos, mestres em usar o fator campo (neste caso, quadra) para desestabilizar emocionalmente o adversário, venceram por 73 a 65 e ficaram com o título.

Restava ao Flamengo perseguir o inédito título de campeão nacional, que o clube tanto ansiava havia muitos anos. Dentro da belíssima e longínqua tradição do basquetebol do clube, faltava o troféu máximo nacional na galeria da Gávea. O competitivo time rubro-negro terminou a primeira fase como líder, postulando-se como franco favorito à conquista inédita para o clube. Não perdeu nenhuma partida nem nas quartas nem na semifinal, superando, respectivamente, a Cetaf Vila Velha, do Espírito Santo, e Joinville, de Santa Catarina. Como em 2000 e 2004, o Flamengo estava na final da Liga Nacional de Basquete. O adversário a ser batido desta vez era o time do Universo Brasília, campeão nacional no ano anterior, comandado pelo ex-técnico da seleção brasileira Lula Ferreira.

O time tinha como quinteto titular a Hélio, Marcelinho, Duda, Fernando Coloneze e Alirio, o técnico Paulo Chupeta, e um banco com Fred, Fernando Alvim, Amiel e Wágner. Nos dois primeiros jogos, no Maracanãzinho, o time rubro-negro sobrou em quadra, arrasando o adversário. Venceu o primeiro duelo por 93 a 66, e o segundo por 91 a 76. O terceiro jogo era na capital federal. Ainda assim, a presença maciça de torcedores no ginásio era rubro-negra. O Flamengo passou o jogo quase inteiro atrás no marcador, mas conseguiu a virada nos sete minutos finais, vencendo por 101 a 96. O sonho do basquete rubro-negro estava sacramentado: Mengão campeão nacional!

O Flamengo se reforçou ainda mais, contratando os pivôs Jéfferson Willian e Rafael Araújo, o Baby, este último que chegava para defender o vermelho e o preto com um invejável currículo, tendo se destacado no time da Brigham Young University de Utah e jogado na NBA – liga profissional de basquete dos EUA – onde defendeu a Toronto Raptors e Utah Jazz.

O velho sonho de sagrar-se campeão nacional estava realizado, mas o Flamengo queria mais. E uma conquista maior estava reservada para o ano seguinte. Classificado para o quadrangular final da Liga Sul-Americana, a equipe rubro-negra viajou para Santiago Del Estero, na Argentina, para buscar o título sul-americano. Na estreia, o Flamengo bateu por placar elástico (92 a 72) ao Regatas de Corrientes, para quem havia perdido a final no ano anterior. Depois passou pelo Cúcuta-Norte, da Colômbia, na segunda partida, e foi para o duelo final contra os donos da casa, a equipe local do Quimsa. Numa noite inspiradíssima de Marcelinho Machado, que anotou 41 pontos, o Flamengo venceu por 98 a 96, com um final de jogo absolutamente dramático nos segundos finais.

Nas doze primeiras edições da Liga Sul-Americana, os argentinos haviam levado o título nove vezes. No Brasil, até aquele momento, só Vasco (1999 e 2000) e Uberlândia (2005) haviam conquistado o troféu. O basquete brasileiro já havia perdido oito finais da liga para os argentinos, tendo o Corinthians sido vice-campeão em 1996 e 1997, o Franca perdido as finais de 1998 e 2007, o Vasco perdido a de 2002, o Uberlândia a de 2004, o Ribeirão Preto a de 2006 e o próprio Flamengo perdera em 2008.

Desde 1986 um clube brasileiro não retornava de solo argentino com um troféu na bagagem, quando então o time paulista do Monte Líbano havia vencido ao Ferro Carril e conquistado o Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões. Neste período, só o Vasco havia sido campeão em cima de times argentinos, tendo vencido ao Boca Juniors na final da Liga Sul-Americana de 1999, e ao Atenas de Córdoba na final de 2000, mas em ambas as oportunidades a partida final, que definiu o título, ocorreu no Rio de Janeiro. Eram 23 anos sem que um quinteto de basquetebolistas brasileiros voltasse de solo argentino trazendo um troféu. Foi uma brilhante e heroica conquista do basquete rubro-negro.

O time campeão sul-americano - Hélio, Duda, Marcelinho, Jéfferson Willian e Baby, com Fred, Fernando Alvim, Wagner, Coloneze e Alírio no banco – conquistou, ainda em 2009, o bicampeonato brasileiro, vencendo novamente ao Universo Brasília na série final, desta vez por 3 a 2. A partida que decidiu o título, jogada na Arena Olímpica da Barra da Tijuca diante de mais de 15 mil torcedores, teve vitória rubro-negra por 76 a 68.

A partir dali se iniciou uma fase de muitas glórias para o basquete rubro-negro. Com um time espetacular, que teve a Marcelinho, Vítor Benite, Marquinhos, Olivinha, Shilton, os argentinos Nico Laprovittola e Walter Herrmann, e o pivô norte-americano Jerome Meyinsse, comandados pelo técnico José Neto, o Flamengo foi quatro vezes consecutivas campeão nacional (2013-2014-2015-2016), além de ter se consagrado campeão da Liga das Américas e da Copa Intercontinental em 2014, conquistando o título mundial sobre o Maccabi Tel Aviv, de Israel, naquele que foi o ápice de sua história no esporte da bola laranja.

O Flamengo também sempre teve muita tradição nas piscinas. E seus maiores adversários não eram igualmente camisas fortes do futebol: o Pinheiros, de São Paulo, e o Minas, de Belo Horizonte. Nos anos 80 abrigou nomes de ponta da natação, como Ricardo Prado, Patrícia Amorim e Cristiano Michelena. Ricardo Prado foi recordista mundial dos 400 metros medley e foi medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984. Patrícia Amorim foi inúmeras vezes recordista sul-americana. Com uma geração fantástica nascendo nas piscinas do Complexo Esportivo da Gávea, o Clube de Regatas Flamengo chegou ao octacampeonato do Troféu Brasil de Natação, vencendo ininterruptamente entre 1980 e 1987. Ainda voltou a vencer o Troféu Brasil de 1989 e de 1991. Também foi heptacampeão do Troféu José Finkel entre 1981 e 1987. No total, nesse período, foram dez títulos do Troféu José Finkel e onze títulos do Troféu Brasil.

Na segunda metade da década de 1990, sob o comando de Patrícia Amorim como técnica da equipe, o Flamengo importou para suas piscinas o medalhista olímpico Fernando Scherer, o Xuxa, e Rogério Romero. Scherer, como atleta rubro-negro, ganhou medalha nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996, e ainda foi campeão mundial de piscina curta e eleito, pela Federação Internacional, como melhor nadador do mundo em 1998. Entretanto, ainda assim, o sonho de voltar a ter hegemonia nacional não se concretizou. Porém, levou muitos anos para que alguém ultrapassasse o clube no total de títulos do Troféu Brasil e do Troféu José Finkel. O Pinheiros só conseguiu ultrapassar em 2009.

O Flamengo também se aventurou nas quadras de vôlei. No voleibol masculino, foi vice do Campeonato Nacional de 1978. No voleibol feminino, foi bicampeão brasileiro em 1978 e 1980, e campeão sul-americano em 1981, com um time que revelou três jogadoras que fariam história no vôlei de quadra brasileiro: Ana Lúcia, Isabel e Jacqueline. Três belas e eficientes contribuições do desporte da Gávea para o voleibol brasileiro.

O vôlei do Flamengo voltou a crescer em 1987, quando foi montado um time masculino muito forte, com a contratação de dois jogadores medalhas de prata nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984: Bernard Razjman e Bernardinho. Mas o time não conseguiu superar a supremacia do vôlei paulista, sustentado por grandes empresas e bancos. Um novo projeto, novamente no masculino, foi feito em 1995, com a contratação de um jogador medalha de ouro nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992: Tande. Mas, novamente, foi pouco para vencer a supremacia paulista de equipes financiadas por instituições como Banespa (banco), Suzano (papel e celulose) e Telesp (telefonia).

Um projeto vitorioso só voltou a acontecer no feminino, com a contratação de Leila e Virna, destaques da seleção brasileira. O Flamengo foi campeão da Superliga Nacional, vencendo ao Vasco na final. O time campeão tinha Arlene, Josiane, a norte-americana Tara Cross, Valeskinha, Leila e Virna, e era comandado pelo técnico Luizomar de Moura. Foi o terceiro título da Superliga Nacional de vôlei feminino levantado pelo Flamengo, campeão em 1978, 1980 e 2001.

A tradição do Flamengo nos esportes olímpicos também teve um belo capítulo com a ginástica artística. A partir de 1987, o rubro-negro carioca conquistou uma hegemonia absoluta no esporte, só passando a ter um concorrente em 1998, com o início do projeto da prefeitura de Curitiba. Nesta era, sob o comando da técnica Georgette Vidor, a Gávea produziu as maiores ginastas brasileiras. A primeira a brilhar foi Tatiana Figueiredo. Em seguida, entre 1987 e 1992, quem brilhou, bateu recordes e se tornou símbolo da ginástica olímpica nacional foi Luísa Parente, hexacampeã brasileira e campeã pan-americana. Depois de Luísa vieram outras contribuições rubro-negras ao desporte nacional, como: Soraya Carvalho, bicampeã brasileira de 1994/95, que chegou a figurar entre as quinze melhores do mundo (algo até então inédito); Daniele Hipólito, uma das maiores ginastas da história do esporte no Brasil; seu irmão Diego Hipólito, o primeiro brasileiro a ter destaque no masculino e a ganhar medalha de ouro em campeonatos mundiais; e ainda Jade Barbosa, medalhista, como os irmãos Hipólito, em Jogos Pan-Americanos. Estes nomes garantiram o Flamengo disputando todas as edições de Jogos Olímpicos entre 1984 e 2008.

Estes três últimos atletas – Daniele, Diego e Jade – conquistaram medalhas em etapas da Copa do Mundo e, ao lado da gaúcha Daiane dos Santos e de Laís de Sousa, paranaense de erradicação e paulista de nascimento, compuseram a seleção brasileira que, sob o comando do ucraniano Oleg Ostapenko, conseguiu colocar-se entre as melhores equipes do mundo.

É o peso de nomes como Maria Lenk, Kanela, Algodão, Buck, Isabel, Jacqueline, Marquinhos Abdalla, Carioquinha, Ricardo Prado, Patrícia Amorim, Luísa Parente, Bernard, Tande, Pipoka, Ratto, Josuel, Oscar Schmidt, Fernando Scherer, Daniele Hipólito, Virna, Leila, Jade Barbosa, Diego Hipólito, Marcelinho Machado, Olivinha e tantos outros que faz os flamenguistas terem orgulho desta maravilhosa tradição como clube multiesportivo, e não só de futebol. Assim como no remo, no basquete, no vôlei, na natação e na ginástica, o Flamengo também conquistou títulos nacionais no polo aquático e com sua equipe de nado sincronizado.

Toda uma tradição iniciada nas regatas de remo em 1895. O grande herói da história do remo rubro-negro foi o técnico Guilherme Augusto do Eirado Silva, o Buck, o homem que revolucionou este esporte no Brasil. Com Buck no comando, o Flamengo conquistou 31 títulos cariocas em 33 competições disputadas entre 1965 e 1997, além de haver sido dez vezes campeão do Troféu Brasil.

É em torno de Buck, indiretamente, que gira uma divertidíssima história, contada por João Máximo, autor da biografia sobre João Saldanha na série “Perfis do Rio”. Uma história de um botafoguense (fanático pelo alvinegro, como Saldanha era), mas que, com o típico espírito da República Paz e Amor, dá um título a mais para a galeria das grandes personalidades rubro-negras.

O jornalista João Saldanha havia dirigido a seleção brasileira durante as eliminatórias para a Copa de 1970, classificando a equipe para o Mundial do México. Entretanto, por um contratempo com o governo militar, que mantinha a ditadura no Brasil desde 1964, acabou deposto do cargo antes da Copa, sendo substituído por Zagallo. Esta era uma importante razão a mais para que o ex-militante comunista tivesse total aversão ao regime militar, que entrou no poder para sustentar a política capitalista. Essa, mais do que uma razão ideológica, era uma razão pessoal para João Saldanha ter raiva do governo do presidente Médici.

Em 1971, sob o auspício da ditadura militar, organizou-se o troféu Golfinho de Ouro, a ser entregue ao desportista do ano. Os concorrentes eram Mequinho, enxadrista campeão mundial, e Buck, técnico de remo do Flamengo. O favoritíssimo era Mequinho. Como terminou o prêmio? Atentemos à narrativa de João Máximo... Eis a magistral história, contada pelo autor: em 22 de dezembro de 1971, os conselheiros de esporte do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro se reuniram para eleger os ganhadores dos prêmios Estácio de Sá e Golfinho de Ouro daquele ano. De um modo geral, nunca foram muito claros os critérios que distinguiam um do outro. No entendimento dos conselheiros, funcionava assim: o Estácio de Sá ia para um dirigente, um administrador, um burocrata, no máximo para um treinador; o Golfinho de Ouro era conferido a um atleta. Os prêmios chegaram a ter certo prestígio. Em 1969, foram concedidos a Tostão e João Saldanha, destaques da seleção brasileira classificada para a fase final da Copa do Mundo. Em 1970, foram para o goleiro Félix e o presidente da República, o general Ernesto Garrastazu Médici; este, eleito por aclamação, foi reconhecido pelos conselheiros como torcedor número um do Brasil na conquista da Copa do Mundo. Em 1971, ampliou-se o número de conselheiros, um dos nomeados foi Saldanha, premiado em 1969 e demitido por pressões políticas do comando técnico da seleção às vésperas da Copa de 1970. Anunciaram-se os candidatos: para o Estácio de Sá, o brigadeiro Jerônimo Bastos; e para o Golfinho de Ouro, Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, garoto de 18 anos, campeão mundial de xadrez e desafiante do soviético Boris Spassky, cujas viagens eram bancadas pelo ministro da Educação, Jarbas Passarinho. Mequinho, a cada vitória, dedicava-a ao ministro Passarinho e ao presidente Médici. João Saldanha não podia permitir que, naquele dia, o bom menino Mequinho, “garoto dos militares”, levasse o Golfinho de Ouro para casa.

O candidato que mais o ameaçava era Augusto Einado Silva, o técnico Buck, destaque por liderar o bom desempenho brasileiro nos Jogos Pan-Americanos de 1971. No dia da eleição, Saldanha chegou pensando como demover os conselheiros de eleger Mequinho, líder disparado nas enquetes. Ele pediu a palavra: “Meus amigos. Mequinho é um bom nome para o Golfinho de Ouro. Poderíamos até elegê-lo se... (e fez-se um longo silêncio)... se Mequinho fosse elegível”. Espanto geral! E por que não é? Que novidade era aquela? João se explicou: vinha há algum tempo trabalhando para a Enciclopédia Britânica nos verbetes de esporte junto às maiores mentes enciclopédicas do Brasil. E eles concluíram, após longos e minuciosos estudos, que xadrez não era esporte, era uma atividade lúdica. Ruy Porto questionou que o próprio jornal para o qual João Saldanha trabalhava mantinha uma coluna sobre xadrez em seu caderno de esportes. João contestou: “Ora, também há anúncios de pastilhas Valda na página de esportes, e nem por isso pastilha Valda é esporte”. Outro conselheiro argumentou: “Xadrez é esporte sim; é competição, logo é esporte”. João rebateu: “Se toda competição é esporte, também são esportes o concurso de misses e os festivais da canção”. Outro conselheiro, com ar de esperto, meteu-se: “É, mas concurso de misses e festival da canção não tem confederação que os regulamente”. Quando para alguns, o questionamento parecia definitivo, João arrematou: “Se o negócio é confederação, também existe a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, e nenhum bispo representa o país nos Jogos Olímpicos”. Prêmio Golfinho de Ouro de 1971: o técnico de remo do Flamengo e da seleção brasileira, Buck.

Os esportes olímpicos têm um elo antigo e forte com a história do Clube de Regatas do Flamengo, e estão muito ligados ao espírito que ajudou a erguer o vermelho e o preto: a alma daqueles jovens que construíram um clube para enfrentar os poderosos aristocratas e colonizadores endinheirados do Rio de Janeiro sempre esteve aí presente também.




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