terça-feira, 31 de maio de 2022

A NAÇÃO (2ª edição) - Capítulo VIII: Anos de extremos (1996-2001)


A NAÇÃO

Como e por que o Flamengo se tornou

o clube com a maior torcida do Brasil



Capítulo VIII – Anos de extremos (1996-2001)


Houve uma enorme transformação estrutural no futebol mundial a partir da metade da década de 1990, mudanças que afetaram muito as condições financeiras dos clubes brasileiros. As bases desta nova realidade foram semeadas em solo europeu, com a implementação da Lei Bosman, que mudou as regras trabalhistas para jogadores de futebol nascidos no continente, numa adequação às condições da União Europeia.

Até 1995, o limite de jogadores estrangeiros atuando em clubes europeus era de três por clube. A grande mudança com a Lei Bosman foi que jogadores de outros países da Europa não mais constavam nesta exigência, uma vez que a União Europeia constituía uma união econômica, isto é, um estágio nas relações internacionais no qual há completa integração de todos os fatores de produção, incluindo uma moeda comum, o comércio entre países isento de tarifas e a livre circulação de cidadãos, sejam turistas ou trabalhadores.

Com a nova lei, nenhum trabalhador de origem europeia – incluídos os jogadores de futebol – podia ser impedido, por qualquer lei restritiva, de exercer sua profissão em outro país que pertencesse à união econômica. O comunicado oficial emitido pelo bloco, em 1995, não dava margens a interpretações: “A União Europeia exige que as regulamentações sobre transferências e limitações de jogadores estrangeiros devem ser alteradas imediatamente”.

Houve um grande impacto não só desportivo, mas também econômico, sobre o futebol europeu. Indiretamente, essa lei afetou tremendamente o fluxo de jogadores sul-americanos que seguiam para atuar por clubes da Europa e mexeu com as relações econômicas, elevando a folha de pagamento dos clubes. Os efeitos de uma economia mundial globalizada e integrada entravam em campo. Dali para a frente, muita coisa passaria a ser diferente. Dentro das quatro linhas, as equipes europeias foram se fortalecendo, usufruindo da opção de ter mais estrangeiros do que até então se permitia.

No início da década de 1990, o principal campeonato nacional do planeta era o italiano, onde Juventus, Milan e Internazionale figuravam como as três grandes potências. Os três estrangeiros no elenco do Milan eram os holandeses Frank Rijkaard, Ruud Gullitt e Marco Van Basten. A Internazionale contava com um trio de alemães: Brehme, Lottar Mattaus e Klinsmann. E a Juventus tinha o francês Deschamps e o iugoslavo Savicevic. Todos os demais jogadores em seus elencos eram de nacionalidade italiana.

Na primeira temporada sob os efeitos da nova lei (1995/96), pouca coisa mudou. Mas, na temporada seguinte, a presença de jogadores locais nos três clubes mais fortes da Itália já dava sinais de diminuição, e o número de estrangeiros crescia. Em 1997, a Juventus tinha o zagueiro uruguaio Montero, o cabeça de área francês Deschamps, o meia iugoslavo Jugovic, o meia francês Zinedine Zidane e o atacante croata Boksic. O Milan contava com o zagueiro francês Desailly, o cabeça de área holandês Davids, o meia iugoslavo Savicevic, o croata Boban e o atacante George Weah, nascido na Libéria. Na Inter, jogavam os franceses Angloma e Djorkaef, o argentino Javier Zanetti, o inglês Paul Ince, o holandês Aaron Winter e o chileno Ivan Zamorano. Já eram, em média, seis estrangeiros em cada time. Dali para a frente, a tendência só fez crescer.

Também foram enormes as mudanças na Espanha, até então o segundo maior mercado de jogadores, e que conseguiu, a partir desta nova realidade, superar ao campeonato italiano em atratividade. Antes das alterações promovidas pela Lei Bosman, o Barcelona tinha como trio de estrangeiros o meia romeno George Hagi, o atacante búlgaro Stoichkov e o brasileiro Romário. No Real Madrid, também jogavam três estrangeiros: o argentino Fernando Redondo, o colombiano Fredy Rincón e o dinamarquês Michael Laudrup. Todos os demais jogadores nos elencos dos dois maiores clubes espanhóis eram locais, estando a seleção da Espanha dividida entre os times titulares de ambos. Logo na temporada seguinte à implementação da Lei Bosman (1996/97), o Barcelona já dispunha de seis estrangeiros, e o Real Madrid, sete.

As leis de oferta x demanda que regem a economia são implacáveis. Aquece-se o mercado e o termômetro sinalizador é o preço. A inflação do mercado do futebol nos permite ver o tamanho do impacto estrutural causado pela mudança na legislação europeia. Os preços das transações no mundo do futebol tiveram um aumento estratosférico e espetacular.

No ano de 1995, a maior transferência do futebol mundial foi a do atacante inglês Andy Cole, contratado ao Newcastle pelo Manchester United por 7 milhões de libras esterlinas – à época, correspondendo a aproximadamente 11 milhões de dólares. Na mesma temporada, o recorde foi batido na transação que levou o atacante inglês Stan Collymore do Nottinghan Forest para o Liverpool, que pagou 8,5 milhões de libras pelo atleta. Para efeito de comparação, naquela mesma temporada o Flamengo pagou 6 milhões de dólares ao Barcelona por Romário. Esta referência, prova que embora existissem claras diferenças entre os mercados da Europa e da América do Sul, a distância da realidade financeira antes da Lei Bosman não era tanta como passou a ser a partir de então.

Em 1996, a marca de maior transação do futebol mundial foi novamente superada quando o inglês Alan Shearer foi contratado pelo Newcastle ao Blackburn por 15 milhões de libras (cerca de 24 milhões de dólares). Este valor foi logo ultrapassado em 1997, pela Internazionale, na contratação do brasileiro Ronaldo ao Barcelona, por 31 milhões de dólares. Em 1998, a transação envolvendo outro brasileiro bateu de novo o recorde, desta vez com Denílson, contratado pelo Bétis, da Espanha, ao São Paulo, por 32 milhões de dólares.

As cifras dispararam ainda mais a partir do ano seguinte. Em 1999, a Internazionale pagou à Lazio 52 milhões de dólares pelo atacante italiano Christian Vieri. Em 2000, duas megatransações sacudiram o mundo da bola: o atacante argentino Hernán Crespo foi contratado pela Lazio, ao Parma, por 52,5 milhões de dólares; e, logo em seguida, este valor foi superado pela aquisição do português Luís Figo, que custou aos cofres do Real Madrid 57,2 milhões de dólares, pagos ao rival, o Barcelona.

Um ano mais e as transferências milionárias atingiram um pico, quando o Real Madrid pagou à Juventus nada menos do que 76 milhões de euros – equivalentes a 66,8 milhões de dólares à época – pelo meia francês Zinedine Zidane. Depois deste pico de preço do jogador de futebol, este recorde só veio a ser batido em 2009.

Com este breve histórico, dá para estimar o quanto o futebol mundial ficou mais caro. Num intervalo de cinco anos – entre 1996 e 2001 –, os valores que envolviam este esporte cresceram 225%. Ou seja, os custos mais do que triplicaram!!!

Os níveis salariais no futebol subiram na mesma proporção em que aumentava a procura dos clubes europeus pela mão de obra do jogador brasileiro. Em escalada vertiginosamente crescente desde meados da década de 1980, o salário do jogador de futebol, em cinco anos (entre 1996 e 2001), disparou, subindo a níveis estratosféricos. À medida que os salários subiam cada vez mais na Europa, que atraía cada vez mais brasileiros, os jogadores exigiam cada vez mais para ficar no Brasil e não migrar. A folha de pagamentos dos clubes foi crescendo assustadoramente e ganhando contornos deficitários. Urgentemente, era necessário encontrar formas de fazer as receitas crescerem na mesma proporção.

Na virada do século, uma artimanha ainda contribuiu para aumentar mais a migração de jogadores para a Europa. Aproveitando-se da brecha na lei europeia, que, para adequar-se aos termos do bloco econômico, dizia que “atletas com passaporte comunitário não são considerados estrangeiros nos países da União Europeia”, passou-se a conceder passaportes comunitários europeus a uma ampla gama de jogadores que conseguissem comprovar algum vínculo, ainda que por um parentesco longínquo, com alguém nascido no Velho Continente. Quem detivesse este visto, deixava de constar na margem de três jogadores não europeus que cada elenco devia ter. O fluxo de sul-americanos, então, explodiu de vez.

Um exemplo clássico a ilustrar o fato pôde ser observado na Internazionale de Milão, que se tornou o principal reduto de sul-americanos. A partir do ano de 2001, o clube passou a manter um time inteiro de jogadores nascidos na América do Sul em seu elenco. No início eram cinco ou seis: o zagueiro colombiano Ivan Córdoba, o meia uruguaio Álvaro Recoba e uns três ou quatro argentinos. Nos anos seguintes, a conta só aumentou com a presença, em média, de sete ou oito argentinos por temporada, uns três ou quatro brasileiros, e ainda tinha uruguaio, paraguaio, chileno e colombiano. A frequência média entre 2005 e 2008 foi de onze a doze sul-americanos em cada temporada. Fora a presença de estrangeiros oriundos de outros países da Europa. Assim, os italianos vestindo a camisa da Inter, nesse período, eram minoria.

Esta mudança de paradigma nas relações econômicas do futebol influenciou muito a realidade e os cofres dos clubes no Brasil. Nasceu um mercado novo ao qual todos tiveram de se adaptar. As oportunidades eram enormes, os riscos também. Mais do que nunca era preciso prudência na condução das finanças. O futebol tornou-se um grande negócio, um dos maiores do mundo. A insistência em não aceitar as tendências impostas pelas grandes mudanças ocorridas só veio a provocar o atraso na adoção das escolhas necessárias para o clube se fortalecer nesta conjuntura. O exemplo serve tanto para o Flamengo como para qualquer outro clube de futebol. É preciso que se faça o melhor possível, o que estiver ao alcance, para a captação de receitas suficientes e adequadas à montagem de equipes fortes. Afinal, nos negócios, o tempo de que se dispõe para ajustar-se às mudanças sempre é breve. Em conjunturas altamente competitivas, na maioria das vezes é preciso correr para continuar no mesmo lugar. Quem vacila, fica para trás.

No futebol, havia seis grandes blocos de financiamento para um clube dentro do contexto profissional no qual o esporte estava inserido na virada do século. Sobressaia-se aquele que conseguia se diferenciar em cada um deles. É explorando estes seis grandes fatores que o futebol europeu conseguia manter estádios mais modernos e luxuosos, centros de treinamento amplos e uma folha de pagamento cobrindo salários milionários de jogadores e técnicos. O prêmio recebido por isso era dos torcedores que podiam desfrutar ao vivo, num estádio de futebol, a performance dos jogadores mais habilidosos do mundo.

Não havia como o Brasil concorrer com a Europa, onde a renda da população era muito maior, e havia uma quantidade de empresas com escala de produção e geração de riquezas muito superior. Assim, era inevitável que a força deste grande mercado levasse as principais estrelas brasileiras para atuar em seus gramados. O que não pode servir de desculpa para a incapacidade de conter uma sangria completa de talentos.

Era igualmente desproporcional concorrer com os milhões gerados por gigantescos campos de petróleo, cujos royalties financiavam a migração de muitas estrelas para atuar em clubes de futebol do Oriente Médio. Havia também o fluxo para outros países ricos, como Japão e Coreia do Sul. Ainda assim, se a estrutura no Brasil fosse mais forte, teriam saído menos jogadores.

Nada justifica a incapacidade do Brasil de montar estruturas fortes em seus clubes de futebol. Isto viabilizaria as condições para se mitigar parte do êxodo abrupto de jogadores brasileiros indo atuar no exterior. O torcedor brasileiro não precisaria se contentar em ver os talentos da bola só pela televisão, desfilando nos belíssimos estádios do Velho Continente, como se tornou rotina.

É inaceitável que o Brasil – o país do futebol, como se autoproclama – não consiga um mínimo de profissionalização e infraestrutura para canalizar recursos para si e, assim, obter estádios mais modernos e organizar campeonatos mais rentáveis, fatores que diminuiriam a sangria de talentos e fortaleceriam os clubes nacionais.

Houve avanços em direção a melhores estratégias de financiamento, mas o que se conseguiu implementar até o começo de século XXI ainda estava muito distante do que poderia ser um ponto ótimo dentro das condições de renda do país.

Das seis formas de financiamento no futebol, a primeira era aquela mais diretamente correlacionada ao espetáculo oferecido ao público: a renda obtida na bilheteria. Aí estava um primeiro grande diferencial na capacidade de arrecadação de um clube: ter um estádio próprio. O grande problema da maioria dos clubes brasileiros era que estes tinham ficado dependentes do governo, pois o investimento público viabilizou a construção da maior parte dos grandes estádios do país (como foi o caso do Maracanã, do Mineirão, do Pacaembu e tantos outros). Resultado: expressiva parte da renda dos jogos tinha que ser repassada aos cofres públicos. Nestas transferências de recursos, pagos via uma onerosa carga de tributos, era esvaída uma importante parte do dinheiro que serviria para conseguir manter mais talentos dentro do país.

A diferença pode ser constatada num simples exercício: tomando como exemplo os balanços financeiros publicados pelos doze maiores clubes brasileiros referentes ao ano de 2007, conclui-se que os clubes que possuíam seus próprios estádios alcançavam resultados financeiros melhores do que aqueles que não possuíam. Diferenças à parte na qualidade de gestão de cada um dos clubes, era também claramente perceptível uma diferença nas linhas gerais. A maior receita naquele ano foi do clube que detinha o maior estádio privado do país: o São Paulo, dono do Morumbi, com capacidade para 75 mil espectadores. Outros dois clubes que apresentavam resultados positivos foram o Internacional – dono do estádio do Beira-Rio (com capacidade para 56 mil torcedores) – e o Grêmio – dono do estádio Olímpico (que comportava 51 mil torcedores). Todos os demais tiveram contas no negativo. Santos e Vasco, que também possuíam estádio privado, ficaram com um resultado ligeiramente negativo. Entretanto, seus estádios eram menores que os três primeiros citados. O estádio santista, a Vila Belmiro, comportava 20 mil torcedores, e o estádio de São Januário podia receber no máximo 35 mil espectadores.

Um estádio próprio fazia falta ao Flamengo. Em muitos momentos, foram buscadas alternativas para minimizar o peso dos tributos, entretanto, jamais houve uma solução. A história do clube já começou sem casa própria. De 1912 a 1915, o Flamengo usou com constância o campo do Botafogo, em General Severiano. Até que o clube conseguiu chegar a um acordo com a família Guinle, detentora de um terreno na rua Paissandu, no bairro do Flamengo, para ali construir um pequeno estádio. De 1916 a 1932, o time rubro-negro, quando tinha mando de campo, jogava lá, onde disputou 175 partidas.

Porém, pelo tamanho apertado daquele estádio, naquele período, o Flamengo também atuou como mandante, muitas vezes, no campo do Fluminense, nas Laranjeiras, que, um pouco maior, comportava um público de 10 mil torcedores. E foi no estádio tricolor que o time rubro-negro teve que jogar quando mandante entre 1933 e 1937, depois de ter sido forçado a devolver o terreno da rua Paissandu para a família Guinle.

A partir de 1938, o Flamengo começou a jogar no estádio da Gávea, cujas obras haviam sido iniciadas em 1933. Entre 1938 e 1950, o time fez 116 partidas no pequeno estádio rubro-negro, que comportava pouco mais de oito mil espectadores. Até que, depois da inauguração do Maracanã, o time passou a atuar menos em seu modesto estádio. De 1957 a 1960, jogou lá, na Gávea, outras vinte vezes. Depois passou alguns anos sem pisar em seu gramado; retornou no período entre 1966 e 1976, quando lá fez dezesseis jogos. Descartou mais uma vez a ideia de utilizá-lo e por doze anos não mandou partidas ali. Voltou a usar o estádio entre 1988 e 1996, quando lá atuou outras 71 vezes. No total, foram 223 partidas jogadas na Gávea.

Antes da inauguração do Maracanã, o Flamengo também usou muitas vezes o estádio de São Januário. De 1938 e 1950, jogou 66 vezes por lá em partidas contra outros adversários que não o Vasco, que era proprietário do estádio, e, obviamente, lá mandava seus jogos. Até que o Maracanã foi inaugurado em 1950 e virou a casa do Flamengo, assim como o principal palco de atuação dos outros grandes times do Rio de Janeiro. Portanto, a casa não era própria, mas compartilhada. E o inquilino sempre pagou um altíssimo custo por pisar em sua grama.

Para fugir deste ônus, a primeira alternativa tentada no período posterior à inauguração do Maracanã foi com a utilização do estádio Caio Martins – pertencente à prefeitura de Niterói, com capacidade para 12 mil pessoas, e que, nos anos 90, foi concedido ao Botafogo. Entre 1985 e 1994, a equipe rubro-negra atuou 42 vezes nele como mandante.

A seguir, outro campo que o Flamengo utilizou como alternativa – mais uma casa alugada – foi o estádio municipal de Juiz de Fora, com capacidade para 35 mil torcedores. Entre 1988 e 1990, atuou lá em sete oportunidades como mandante (cinco vitórias e duas derrotas). Depois disso, entre 1995 e 2001, ainda o usou outras nove vezes em jogos do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil (três vitórias e seis empates).

Outra casa alugada pelo Flamengo foi o estádio Serejão, em Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, onde seu time entrou em campo como mandante em cinco partidas em 2001 (três vitórias, um empate e uma derrota). Uma nova tentativa aconteceu em 2004, quando o clube usou, para mandar seus jogos durante o Brasileirão daquele ano, o remodelado estádio da Cidadania, em Volta Redonda (antes da reforma, o estádio era chamado de Raulino de Oliveira). Lá, o Flamengo atuou treze vezes, obtendo cinco vitórias, quatro empates e quatro derrotas. No Campeonato Brasileiro de 2005, compartilhando o uso do estádio com o Fluminense (o Maracanã estava fechado para obras), o rubro-negro carioca jogou outras cinco vezes no estádio (duas vitórias e três empates).

Uma nova tentativa de alugar uma casa para jogar se deu no Brasileirão de 2006, quando Flamengo e Botafogo fecharam um convênio com a Petrobras, que ficou responsável por fazer um remodelamento do estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador, pertencente à Portuguesa carioca. Durante esta parceria, o estádio ficou sendo chamado de Arena Petrobras. O time rubro-negro atuou lá em dezesseis oportunidades: venceu sete vezes, empatou cinco e perdeu quatro. Em anos posteriores, voltou a usar o Raulino de Oliveira e o Luso-Brasileiro, usou o estádio Kléber Andrade, em Cariacica, no Espírito Santo, e também muitas vezes o remodelado Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Foram, portanto, muitas as casas utilizadas pelo Clube de Regatas do Flamengo, mas nenhuma delas pôde ser chamada de exclusivamente sua, já que a única que efetivamente detinha, a Gávea, sempre foi de uso restrito, pois não comportava grandes espetáculos.

A segunda fonte de financiamento mais diretamente correlacionada à atividade desportiva do clube era a venda de camisas e material esportivo. Na Europa, esta fonte financia e viabiliza os maiores investimentos dos clubes na aquisição de grandes jogadores. Houve muitos casos de transações milionárias em que a venda das camisas personalizadas dos jogadores contratados financiou a megaoperação. Foi assim que o Real Madrid formou o time de galácticos no início do século, pagando cifras astronômicas pelas aquisições do francês Zinedine Zidane, do português Luís Figo, do inglês David Beckham e do brasileiro Ronaldo. Mas esta é uma fonte de renda viável somente quando há uma população rica. Ainda mais com os clubes europeus tendo um grande potencial de vendas em mercados estrangeiros, com destaque para a Ásia e a própria América Latina. No Brasil, além do custo de uma camisa ser muito elevado, os clubes tinham parte expressiva da renda desviada pelo alto nível de comercialização de produtos piratas, que custavam até cinco vezes menos em mercados populares e ofereciam cópias praticamente idênticas às originais.

Sem estádio próprio e com acesso restrito aos recursos gerados pelas vendas de camisas, restavam as demais formas de financiamento. Só que três delas com capacidade limitada de levantar recursos, embora todas envolvam cifras volumosas, mas que são relativamente padronizadas para todos os grandes clubes, como era o caso dos contratos de fornecimento de material esportivo, publicidade de marcas de empresas nos uniformes e a venda dos direitos de transmissão das partidas para a televisão. Embora sejam estas fontes de captação as que sustentavam a folha de pagamentos, elas raramente ofereciam condições para financiar grandes investimentos.

Restava, portanto, a sexta e última das grandes formas de financiamento: a venda de jogadores. Sem a capacidade de se diferenciar nas outras cinco, sobra esta como opção última para tapar os buracos de orçamentos causados pelo inchaço dos custos. Por isso, o fluxo de jogadores brasileiros para o exterior era tão intenso, sem uma robustez de caixa capaz de manter talentos e equipes fortes. Eram ações válidas, mas que pouco serviam se a retaguarda (as seis principais fontes anteriormente citadas) estava desguarnecida. Também havia o caso daquelas fontes que se perderam pelo passado, como foi o caso das excursões à Europa e à Ásia, muito comuns até meados da década de 1990, e que rendiam importantes recursos. Os clubes europeus as utilizavam bastante e bem, mas os clubes brasileiros, espremidos em um calendário malfadado e pouco lucrativo, descartaram essa fonte de renda.

Diante de todo este quadro, era preciso prudência na condução das finanças naquele momento. Mas a Gávea vivia dias de grandiloquência e de uma política de aumento exponencial de gastos. E se as finanças rubro-negras já não andavam bem, só fizeram piorar. Em 1996, o Flamengo investiu no mesmo ritmo dos padrões do primeiro ano da era mercantilista de Kléber Leite: a cada seis meses saíam dez e chegavam outros dez jogadores para reforçar o elenco.

A falta de títulos no ano do Centenário ainda estava viva na memória do torcedor, tanto dos flamenguistas quanto de seus adversários. A cobrança era enorme. O prêmio de consolação foi a conquista do único título das duas gestões de Kléber na presidência, que duraram de 1995 a 1998. E a conquista foi, ainda por cima, de forma invicta, com o troféu do Estadual de 1996. Antes, o Flamengo só havia sido campeão carioca invicto em duas outras oportunidades em sua história, em 1921 e 1979.

O primeiro semestre de 1996 foi um sucesso. Nos seis primeiros meses do ano, entre amistosos, Copa do Brasil e o Carioca, o time rubro-negro atuou 40 vezes, vencendo 23, empatando 16 e perdendo só uma vez, para o Internacional, por 3 a 2, no Beira-Rio, em jogo válido pela Copa do Brasil.

O Flamengo tinha um grupo fortíssimo nas mãos do técnico Joel Santana. No gol, Roger, ex-goleiro da seleção brasileira sub-20, e Sérgio, contratado ao Palmeiras. Nas laterais, havia Zé Maria, Alcir e Índio à disposição para o lado direito, e pela outra lateral, o novato Gilberto, que alguns anos depois chegaria à seleção, e seu reserva, Alexandre, contratado ao Bangu. Na zaga, Jorge Luís e Ronaldão eram os titulares, com Válber e Fabiano, este último revelado nas divisões de base do clube e capitão da seleção sub-20. Como meias de contenção, havia o argentino Mancuso, Márcio Costa (ex-Fluminense) e Pingo (ex-Botafogo). Na armação, tinha Nélio, Djair, Amoroso, Iranildo, Fábio Baiano e Rodrigo Mendes disputando uma posição, já que ora Sávio ora Marques atuavam mais recuados. Entre os atacantes do elenco estavam Sávio, Romário, Marques, e os garotos Aloísio Chulapa, Gláucio – emprestado pelo Feyenoord, da Holanda – e Magno, de volta após empréstimo ao Grêmio. Um grupo de 26 jogadores.

Apesar de campeão carioca invicto, o Flamengo não conseguiu manter a base para a disputa do Campeonato Brasileiro. O fluxo de comércio do lado de dentro dos portões da Gávea estava frenético. Antes mesmo de erguer a taça de campeão carioca, o Flamengo já havia anunciado um reforço de peso para o Brasileiro, a volta do atacante Bebeto, do Deportivo La Coruña, da Espanha. Mas Romário, descontente tanto com as cobranças excessivas sobre sua passagem pelo clube quanto com a chegada de Bebeto, acertou um empréstimo de seis meses ao Valência, da Espanha, inviabilizando a reedição da dupla de ataque campeã da Copa do Mundo de 1994 e também a formação de uma segunda versão de um ataque dos sonhos, que teria Bebeto, Romário e Sávio.

O Flamengo tentou se recompor, formando uma zaga viril com Júnior Baiano e Ronaldão, uma contenção aguerrida, com Mancuso e Márcio Costa, e um ataque forte, com Marques, Bebeto e Sávio. Mas nada disso superou a perda de Romário. Só nos seis primeiros meses do ano ele havia feito 37 gols, o que lhe foi suficiente para se garantir como artilheiro do time naquela temporada, mesmo estando todo o segundo semestre fora. Ele tinha tudo para ter superado a marca histórica de 50 gols em uma temporada, feito que só Zico havia conseguido com a camisa vermelha e preta.

A campanha no Campeonato Brasileiro passou longe da disputa pelo título. Tudo ia relativamente bem até a 12ª rodada, quando aconteceu uma sequência de quatro jogos absolutamente catastrófica. O Flamengo foi goleado por 4 a 1 pelo São Paulo no Morumbi, por 4 a 1 pelo Vasco no Maracanã, perdeu de 3 a 1 para o Grêmio no Olímpico e foi goleado por 4 a 1 pelo Paraná Clube no Maracanã.

Em jogos oficiais, entre 1986 e 1995 (dez anos) o Flamengo só sofrera três goleadas. De repente, em doze dias, no início de outubro de 1996, foram três goleadas seguidas por 4 a 1. Não havia autoestima que pudesse resistir, o time arrastou-se até o final do campeonato, torcendo para o ano acabar logo. A diretoria, desde então, só pensava em realizar mais uma completa reformulação de elenco, mandando uma penca embora em troca de outra que, naturalmente, custaria muito caro às finanças do clube.

E assim foi. O mercantilismo rubro-negro seguiu firme e forte em 1997. Saíram: Bebeto (Sevilla, da Espanha), Mancuso (Independiente, da Argentina), Marques (Atlético-MG), Ronaldão (Santos), o goleiro Roger (São Paulo) e o jovem centroavante Aloísio Chulapa (Goiás). E chegaram: Romário (de volta do Valência), o veterano Renato Gaúcho (Fluminense), o goleiro Clemer (Portuguesa de Desportos), o cabeça de área Jamir (ex-Botafogo, que estava no Benfica, de Portugal), o cabeça de área Maurinho (Bragantino), e a dupla de revelações do Goiás no Brasileiro de 96, o meia Evandro e o ponta-direita Lúcio. Seis para lá e sete para cá.

A coisa quase deu certo. Porém, mais uma vez, como ocorrera com os grandes investimentos para o Carioca de 1995, a conquista de um título bateu na trave. O Flamengo tinha a mística de ser time de chegada, que na reta final, diante do Maracanã lotado, fazia-se imbatível. O clube jamais havia chegado às semifinais de um Campeonato Brasileiro de futebol e deixado de ser campeão. Nas cinco oportunidades em que figurou na cabeça do certame, havia terminado com o título.

Mas esta máxima já dava sinais de estar enfraquecida. Depois de perder a final da Supercopa de 1993 para o São Paulo na disputa por pênaltis e de perder a final da Supercopa de 1995 para o Independiente em pleno Maracanã lotado, em 1997 o Flamengo perdeu duas vezes uma final no Maracanã. Ambas, após um empate por 2 a 2, cujos resultados deram os respectivos títulos a seus adversários, e, nas duas oportunidades, depois de começar perdendo, virar para 2 a 1, e ceder o empate na reta final do segundo tempo.

Primeiro foi contra o Santos na final do Torneio Rio–São Paulo. O gol de empate, feito por Juari, saiu aos 32 minutos do segundo tempo, jogando uma ducha de água fria num Maracanã coberto por 71 mil almas rubro-negras. Depois foi contra o Grêmio na final da Copa do Brasil. O gol de empate, feito por Carlos Miguel, saiu aos 34 minutos do segundo tempo, matando a esperança de 95 mil torcedores presentes. Resultado: mais reformulação de elenco à vista. A gangorra que havia subido e quase alcançado aos títulos, estava prestes a descer de novo.

Antes, entretanto, o grande feito daquele ano tinha acontecido em agosto, quanto o Flamengo venceu ao Real Madrid por 3 a 0 na abertura do Troféu Palma de Mallorca, batendo aos merengues de forma implacável. Os madrilenhos apresentavam um timaço, escalado com o goleiro alemão Ilgner, uma linha de zaga com Hierro, Alkorta e Roberto Carlos, um meio de campo com o argentino Fernando Redondo, os espanhóis Victor Sanchez e Amavisca, o holandês Clarence Seedorf e o iugoslavo Mijatovic, e um ataque com Raul González e o croata Davor Suker, que no ano seguinte seria o artilheiro da Copa do Mundo. Mas eles não puderam com a agilidade de Lúcio e Sávio.

Porém, o ensaio não virou espetáculo, a fase estava realmente ruim para erguer títulos. Na final do troféu, o Flamengo acabou derrotado pelo Mallorca. Na passagem pela Espanha, o time rubro-negro ainda teria, logo em seguida, mais uma bela atuação, na qual obteve uma vitória por 3 a 1 sobre o Valência. Os amistosos na Europa deram uma perfeita dimensão da instabilidade do time naquela temporada, ora capaz de grandes atuações ora de partidas pífias.

Em 1998, o então presidente Kléber Leite fez sua última tentativa de montar um time dos sonhos. De uma só vez, apresentou cinco reforços de peso: Romário mais uma vez de volta da Espanha (ele havia voltado ao Valência no segundo semestre de 1997), e a contratação de um renomado quarteto, com o meia Palhinha (ex-São Paulo), que estava no Mallorca, da Espanha, o meia Cleisson, do Cruzeiro, o jovem meia-atacante Rodrigo Fabbri, da Portuguesa de Desportos – tido naquele momento como a grande revelação do futebol brasileiro – e, para fechar, o lateral-esquerdo Zé Roberto, do Real Madrid e da seleção brasileira. A transação que trouxe este último envolveu a venda de Sávio para o Real.

Para rechear as cinco estrelas que chegavam com pompa ao clube, ainda foram agregados ao pacote: o lateral-direito Pimentel, ex-Vasco, que estava no Palmeiras; o veterano zagueiro Ricardo Rocha; o cabeça de área Marcos Assunção, o meia Arinélson e o atacante Caio, estes três últimos adquiridos ao Santos. A torcida rubro-negra novamente sonhava com grandes feitos.

Mas mais uma vez as coisas não saíram dentro do esperado, com o Flamengo ficando fora da briga no Brasileiro, terminando em 11º lugar. Frustração igual à de 1996, quando terminou em 13º, e a de 1997, quando ficou em 5º lugar. Com as contas debilitadas e a escassez de títulos, Kleber perdeu a eleição presidencial no fim do ano para Edmundo Santos Silva, mas os dias altamente mercantilistas e de expansão desenfreada nos gastos estavam longe do fim.

No início parecia que ia ser diferente, pois para a temporada de 1999, a diretriz principal da nova gestão foi a de enxugar o elenco, tornando-o menos oneroso aos cofres rubro-negros. Logo no começo do ano, deixaram o clube Júnior Baiano, Zé Roberto, Rodrigo Fabbri, Marcos Assunção, Nélio, Palhinha, Cleisson e Jamir, e sem grandes contratações para repor estas baixas. E foi justamente com um time bastante reformulado, que o Flamengo aprontaria uma das maiores surpresas da história do futebol carioca no Campeonato Estadual daquele ano.

O Vasco era o favorito absoluto para o título carioca de 1999. Tinha uma equipe fortíssima, com Juninho Pernambucano, Felipe, Edmundo, Pedrinho e Mauro Galvão. Ainda assim, o Flamengo conseguiu vencer a Taça Guanabara, numa partida em que brilharam Romário e o jovem lateral-esquerdo Athirson. O Vasco venceu a Taça Rio por 2 a 0, gols de Edmundo. Com isso, o vermelho e o preto tinham a camisa da cruz de malta pela frente na dificílima missão de erguer o caneco.

Na primeira partida da final, o Vasco tinha amplo domínio do jogo, vencia por 1 a 0, novamente com um gol de Edmundo. A fatura parecia liquidada. Até que Fábio Baiano, de cabeça, empatou o jogo e deu novo ânimo ao time rubro-negro para a finalíssima.

No segundo jogo, o Vasco começou melhor, mas a partida estava mais equilibrada do que nos dois confrontos anteriores (incluindo a final do segundo turno). Logo nos primeiros minutos de jogo, Romário sentiu uma contratura muscular e foi substituído por Caio. A missão parecia estar ainda mais difícil. Porém, o empate sem gols no primeiro tempo acendeu ainda mais a chama rubro-negra. Na volta para o segundo tempo, os jogadores se abraçaram no meio da intermediária, antes do apito do juiz. Empolgada com o gesto do time, a torcida se uniu à corrente e, daí para frente, não parou mais de gritar e cantar. O caldeirão alquímico da magia rubro-negra começava a funcionar.

Aos trinta minutos do segundo tempo, Caio foi derrubado na intermediária. No minuto seguinte, Rodrigo Mendes cobrou a falta, a bola desviou no cabeça de área vascaíno Nasa, e rolou, caprichosamente, para o canto direito, matando o goleiro Carlos Germano e deixando-o sem ação. O improvável se materializou, o Mengão bateu o Vasco, time campeão da Taça Libertadores de 1998, e sagrou-se campeão carioca! Uma glória daquelas que levou Nélson Rodrigues a definir: para qualquer um a camisa vale tanto quanto uma gravata, para o Flamengo ela é tudo, já tendo acontecido várias vezes do time não dar nada e ela ser içada e desfraldada por invisíveis mãos para garantir vitórias.

Apesar do título, as limitações técnicas do time eram visíveis. Tanto que no segundo semestre, aos trancos e barrancos, a equipe foi sobrevivendo no Campeonato Brasileiro, mas não conseguiu terminar com nada melhor do que uma 12ª colocação. Em paralelo, o Flamengo disputava a Copa Mercosul, competição criada em 1998 para substituir a Supercopa dos Campeões da Libertadores. Este torneio só teve quatro edições, de 1998 a 2001, enquanto o torneio anterior tivera dez edições, jogadas de 1988 a 1997.

A Mercosul era restrita a equipes do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e do Chile. A edição daquele ano parecia estar caprichosamente reservada para o Flamengo. A campanha rubro-negra foi majestosa. Na primeira fase, venceu ao Olímpia no Maracanã e depois perdeu em Assunção; goleou ao Colo-Colo por 4 a 0 em Santiago e depois empatou no Maracanã; e ainda perdeu para o Universidad do Chile por 2 a 0 em Santiago. O time chegou à última rodada, para enfrentar “La U” no Maracanã, precisando vencer por quatro gols para ir adiante. Venceu por 7 a 0, com quatro gols de Romário!

Nas quartas de final, enfrentou o Independiente, da Argentina. Empatou em Avellaneda e meteu 4 a 0 no Maracanã, com mais uma atuação inesquecível e a terceira goleada naquela campanha vitoriosa. Na semifinal, o adversário foi o Peñarol: 3 a 0 no Maracanã na primeira partida bastou para que o rubro-negro administrasse o resultado em Montevidéu e se classificasse para a final, depois de um fim de jogo com uma pancadaria generalizada envolvendo rubro-negros e uruguaios em Montevidéu.

Na final, o Flamengo venceu à forte equipe do Palmeiras, que no primeiro semestre havia sido seu algoz na Copa do Brasil. O Palmeiras tinha o paraguaio Arce, o meia Alex, o zagueiro Júnior Baiano, o atacante Paulo Nunes e era dirigido pelo técnico Luiz Felipe Scolari. No primeiro jogo, vitória por 4 a 3 do Flamengo no Maracanã, graças a um gol de Reinaldo aos 39 minutos do segundo tempo. Em São Paulo, jogando no Parque Antarctica, um empate por 3 a 3, graças a um gol do meia Lê aos 38 minutos do segundo tempo, e o Mengo levantou, depois de dezoito anos, um troféu sul-americano de novo.

Foi um ano muito instável, cheio de altos e baixos. Campeão carioca e da Mercosul, e figurante no Brasileirão, o Flamengo ainda viu seu artilheiro alcançar uma marca histórica: Romário fez 48 gols na temporada de 1999. Um feito majestoso, já que só Zico havia conseguido fazer mais que isso em uma única temporada sob o vermelho e o preto (maior quantidade de gols de um jogador vestindo o manto rubro-negro em uma única temporada: 1º Zico, 1979, 81 gols; 2º Zico, 1976, 56 gols; 3º Zico, 1975, 51 gols; 4º Zico, 1974, e Zico, 1982, 49 gols; 5º Romário, 1999, e Nunes, 1981, 48 gols; 6º Zico, 1980, 47 gols; e 7º Dida, 1959, 46 gols).

No entanto, no final daquele ano, mesmo sendo o goleador máximo da temporada, Romário foi demitido do Flamengo. Depois da eliminação rubro-negra no Campeonato Brasileiro, em jogo perdido para o Juventude, em Caxias do Sul, os jogadores rubro-negros foram flagrados se esbaldando na noite gaúcha, na Festa do Vinho. Foi a gota d’água para uma sequência de casos de mau comportamento de alguns jogadores. Alegando querer dar o exemplo, a diretoria rescindiu o contrato de Romário, que voltou ao Vasco, clube que o revelara para o futebol, para formar a dupla de ataque com Edmundo no time que, em janeiro de 2000, disputou o 1º Mundial de Clubes da FIFA, contra Manchester United e Real Madrid; torneio do qual o Vasco acabou vice-campeão, depois de perder a final, nos pênaltis, para o Corinthians, em pleno Maracanã.

Os princípios da política adotada para 1999 foram mantidos para o começo da temporada de 2000: agregar alguns jogadores experientes a uma base jovem, formada no clube, e sob o comando tranquilo e pacato do técnico Carlinhos. Porém, desta vez com alguns grandes investimentos. O Flamengo abriu o cofre e contratou o sérvio Dejan Petkovic. O time começou o ano um tanto inconstante, não tendo feito uma boa campanha no Torneio Rio–São Paulo, mas enchendo a torcida de esperanças após, nas duas últimas rodadas, golear ao São Paulo por 5 a 2 no Morumbi, e ao Santos por 4 a 1 no Maracanã.

O time ainda fez uma boa campanha na Taça Guanabara, goleando ao América por 5 a 0, ao Madureira por 4 a 0, ao Friburguense por 7 a 1 e ao Bangu por 6 a 1. Mas não terminou bem o primeiro turno. Foi jogar a final do turno contra o Vasco, partida na qual encontraria pela frente, pela primeira vez depois de sua saída tumultuada do clube, o atacante e ainda ídolo rubro-negro Romário. O Vasco goleou por 5 a 1, com um show de Romário, e voltou a ser indicado como favorito absoluto para a conquista do título carioca daquele ano. Mas o rubro-negro venceu o segundo turno e se postulou para, pelo segundo ano consecutivo, decidir o título carioca contra o Vasco.

Assim como no ano anterior, o Flamengo entrou na final do Estadual em desvantagem, ao menos na maioria das opiniões de público e crítica. O time do Vasco era muito bom: Mauro Galvão, Felipe, Juninho Pernambucano, Pedrinho, Edmundo e Romário. Era um timaço. Depois de ser goleado por 5 a 1 na final da Taça Guanabara, o rubro-negro empatou por 3 a 3 com o Vasco no segundo turno, algumas rodadas antes de faturar a Taça Rio, e mostrou que endureceria o confronto com o timaço cruzmaltino.

Flamengo e Vasco, então, repetiam a final de 1999. Se na anterior o gol de Rodrigo Mendes selou o título no final do segundo jogo, desta vez, voltando a surpreender, o time rubro-negro resolveu o campeonato logo na primeira partida. Depois de um primeiro tempo morno, sem gols, no segundo tempo, os gols rubro-negros foram brotando. Athirson fez 1 a 0. Fábio Baiano ampliou. E quando já parecia estar bom demais, Beto fez 3 a 0.

No segundo jogo, em que só perderia o título se goleado, o Flamengo voltou a vencer: 2 a 1, gols de Reinaldo e Tuta. Na soma dos dois jogos: 5 a 1, o placar da final da Taça Guanabara. Mengão bicampeão carioca!! Mais um daqueles momentos em que a camisa foi içada e desfraldada por invisíveis mãos para materializar-se em glória e superação.

Porém, repletos de angústia foram aqueles dias para os apaixonados corações em vermelho e preto, num momento na história do clube de grandes extremos, alternando grandes conquistas como o Carioca invicto de 1996, a Mercosul de 1999 e o tricampeonato Carioca 1999/2000/2001, e grandes fracassos, como o Gol de Barriga, o Ataque dos Sonhos e as três goleadas sofridas em 1996 num intervalo de apenas dez dias. A grande marca na Gávea vinha sendo a de se sonhar muito alto. Desde a estrondosa contratação de Romário em 1995, o Flamengo vivia dias de tentar arquitetar esquadrões dos sonhos. Em 1995 e em 1998, os projetos fracassaram. Entretanto, em grandeza, o maior projeto foi, de longe, o empreendido no segundo semestre de 2000. E o resultado foi o mesmo: fracasso.

O ano de 2000 foi um marco de chuva de dólares na Gávea, num processo cujos capítulos que estavam por ser escritos culminariam com um caso de falência, muita corrupção e o impeachment de um presidente rubro-negro. Em janeiro de 2000, foi assinado um contrato milionário de parceria com a ISL, empresa suíça de marketing esportivo, com duração de quinze anos. No papel: a quitação total de todas as dívidas rubro-negras, cotas anuais para a contratação de jogadores e a construção de um estádio e um centro de treinamentos.

Com um pouco mais de um ano da assinatura do contrato, a parceria desmoronou: a matriz suíça entrou em concordata em abril de 2001 e deixou de enviar recursos ao Flamengo. Os grandes sonhos que giravam em torno da milionária parceria acabaram ruindo com o fim dela, sem estádio, sem CT e com uma dívida ainda mais volumosa. E o projeto megalomaníaco para o Brasileiro de 2000, com um time reunindo Gamarra, Petkovic, Alex, Denílson e Edílson, cinco jogadores no elenco cujos salários superavam 200 mil dólares por mês, uma aberração para a situação financeira caótica do clube, implodiu. O dinheiro não chegou e as finanças ruíram, gerando atraso de salários dos jogadores durante toda a competição, o que impediu o time de cumprir um bom papel no campeonato.

Com tantos problemas, o Flamengo acabou o campeonato amargurando a 15ª colocação, o que, até então, representava o terceiro pior desempenho em trinta edições do Brasileirão (só em 1973 e 1995 o clube havia se saído pior). E os anos seguintes seriam ainda mais tenebrosos quanto às participações no principal torneio nacional. Em tempos nos quais, como já descrito, a folha de pagamentos dos clubes crescia assustadoramente, exigindo que fossem encontradas formas de fazer as receitas crescerem na mesma proporção, nos quais mais do que nunca era preciso prudência na condução das finanças, a gestão rubro-negra caminhava na contramão. As consequências logo apareceriam de forma ainda mais explícita.

Com o insucesso em 2000, o time foi desfeito. Alex e Denílson saíram. Ainda assim, a equipe que ficou para disputar o Campeonato Carioca de 2001 era extremamente cara para os cofres do clube. A disparidade técnica em relação ao time do Vasco, contra quem o Flamengo, pelo terceiro ano consecutivo, habilitou-se para disputar a final do Campeonato Carioca, não era tão grande como em 1999 e 2000. E em meio a dias tão tumultuados, ao menos houve uma grande alegria para amenizar as mazelas que se acumulavam. E que alegria! Num jogo histórico, o Mengão faturou o tricampeonato e fez o Vasco tornar-se “trivice”.

Apesar da força de seu time, a conquista foi dramática. O gol da vitória só saiu aos 43 minutos do segundo tempo, numa cobrança de falta magistral do sérvio Petkovic. Foi a união da dramaticidade do gol de Rondinelli em 1978, no último minuto, com o inesquecível gol de Rodrigo Mendes em 1999. Ambos, juntos, foram invocados naquele instante. O Flamengo havia perdido o primeiro jogo por 2 a 1, e o Vasco tinha a vantagem de dois resultados iguais. O Fla vencia por 2 a 1, com dois gols de Edilson, até Pet se preparar para aquela cobrança. A bola, caprichosamente, entrou no ângulo do goleiro Helton. Um tiro absolutamente indefensável... mais uma taça na Gávea! Flamengo tricampeão carioca!!! Vasco, trivice-campeão!!!

Apesar da histórica conquista, eram tempos nada tranquilos no Flamengo. O ano de 2001 foi, todo ele, marcado por dois problemas crônicos: atrasos de salário (por conta da falência da ISL) e um clima ruim no elenco por conta dos constantes desentendimentos entre os dois principais jogadores do time: Petkovic e Edilson. A campanha em 2001 começou ruim, com um desempenho vexatório no Torneio Rio–São Paulo: quatro jogos e quatro derrotas, para Santos, Palmeiras, Corinthians e São Paulo. No Campeonato Carioca veio a recuperação, com Edilson e Petkovic sendo decisivos na terceira vitória consecutiva sobre o Vasco em finais, e, assim, com o clube faturando o quarto tricampeonato carioca de sua história.

No embalo da conquista do Estadual, o Flamengo venceu a Copa dos Campeões Regionais, torneio seletivo para a Taça Libertadores da América, batendo na final o fortíssimo time do São Paulo, que tinha o goleiro Rogério Ceni e uma linha de frente com Kaká, Luís Fabiano e França. O Mengão venceu por 5 a 3 o primeiro jogo da final, em João Pessoa, na Paraíba, e perdeu o segundo por 3 a 2 em Maceió, Alagoas. Foi campeão pelo saldo de gols.

Mas a falta de prudência na gestão financeira do clube era a voz que se impunha naqueles dias. Mesmo com tantos problemas, o desejo de formar “times dos sonhos” não cessava. Se o elenco de 2000 teve um custo elevadíssimo, o time para o Brasileiro de 2001, mesmo sem o Flamengo ter desembolsado recursos, pode-se dizer, saiu ainda mais caro.

Para contratar o cabeça de área Vampeta, jogador da seleção brasileira, cujo passe pertencia 50% à Internazionale de Milão e 50% ao Paris St-Germain, o clube cedeu dois jovens talentos a estes clubes. Para o futebol francês seguiu o atacante Reinaldo. Para a Inter, foi cedido o atacante Adriano, que alguns anos depois se tornaria um dos jogadores mais valiosos do futebol mundial. A transação relativamente mais cara de todas foi sem dúvidas a de Adriano. Um prejuízo enorme pelo que o clube deixou de receber.

Era mais uma página de uma história que se repetia. Sem diretrizes estratégicas claras, entre os dias de sombra e de extremos, o Flamengo viveu um longo histórico na formação de jovens talentos que saíram do clube a um preço relativamente baixo, muito menor do que passaram a valer depois. Foi assim com Jorginho, Leonardo, Aldair e Djalminha, e se repetiu com Adriano, Juan e Júlio César.

No Campeonato Brasileiro de 2001, os problemas de salário atrasado e mau relacionamento entre os principais astros do elenco cobraram a conta. Entre 28 participantes, o time acabou o campeonato na 24ª colocação, ficando à frente apenas dos quatro rebaixados.

O Flamengo esteve muito perto de cair para a Segunda Divisão! Safou-se matematicamente apenas três rodadas antes do fim do campeonato, após uma vitória por 1 a 0 sobre o Palmeiras no estádio municipal de Juiz de Fora, com gol de Felipe Melo, promovido dos juniores e que fazia sua estreia.

A campanha no Campeonato Brasileiro foi horrorosa, com direito a sofridas goleadas por 4 a 0 para o Atlético Paranaense e 5 a 1 para o Vasco, e terminando sob clima extremamente hostil entre torcidas organizadas e jogadores, com tentativas de agressão após alguns jogos. Mas se as coisas pareciam muito ruins, o cenário ficaria ainda pior nos anos seguintes. O Flamengo estava prestes a viver seus anos de martírio.

Apesar dos pesares, a massa rubro-negra jamais perderia a sua majestade. A multidão em vermelho e preto mantinha a beleza de seu espetáculo nas arquibancadas do futebol, como se nada mais lhe importasse, jamais deixando de entoar cânticos no Maracanã que se tornavam moda. Ao ritmo do funk carioca – a batida musical emergente da periferia do Rio de Janeiro durante a década de 1990 – refrões como o “Uh Tererê!” e o “Ah! Eu tô maluco!” alastraram-se pelos estádios do Brasil. A criatividade da multidão rubro-negra sempre foi peculiar. Uma sincronia entre gramado e plateia que só quem teve a oportunidade de ver ao vivo consegue entender toda as diferenciadas emoções e energias que dali emanam. E não houve refrão que tenha marcado mais nesta época do que o criado em meados de 1998 que cantava “Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe Mengo/ Com muito orgulho/ Com muito amor”. A melodia foi adaptada pelos torcedores da seleção brasileira de vôlei para “Eu sou brasileiro/ Com muito orgulho/ Com muito amor”, e daí virou um cântico de exaltação ao amor pela pátria. Mais uma singela contribuição em vermelho e preto, outra mais, para a cultura e para a autoestima nacionais.



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