Artigo de Gustavo de Almeida para o site Mundo Rubro-Negro, publicado em 17 de junho de 2023. Eis a íntegra do texto original:
No ótimo podcast "Posse de Bola", Juca Kfouri (um dos melhores jornalistas esportivos do país e defensor ferrenho do título rubro-negro de 1987) lembrou uma entrevista do dirigente Silvio Berlusconi, morto esta semana, durante a Copa de 1990, na Itália.
Na época, Berlusconi era presidente do Milan e questionava a utilidade de se ter uma Copa e seleções do mundo. E depois da derrota da Itália para a Argentina na semifinal, ter que "reerguer" o futebol italiano – à época um dos mais ricos do mundo. Berlusconi defendeu que os clubes jogassem entre si em competições mundiais e que a disputa entre seleções ficasse restrita aos Jogos Olímpicos.
Com isso, apenas de quatro em quatro anos se convocaria jogadores jovens e em dois meses de trabalho – de forma mais barata, sustentável e tranquila – uma seleção estaria pronta para disputar a medalha de ouro olímpica, esta sim, desde sempre a mais alta comenda para os praticantes de esportes.
História das Seleções
É preciso entender o contexto histórico no qual começaram com essa história de "Seleções nacionais": no caso do Brasil, até 1914 o futebol era disputado em clubes, e por pessoas de classe média/alta. Em torno desse ano começaram a disputar jogos com times que eram combinados de diversos clubes, até que um desses combinados se tornou a seleção que jogaria no dia 21 de julho contra o Exeter City, da Inglaterra, nas Laranjeiras.
Dois meses depois, enfrentaria à Argentina pela primeira Copa Roca, criada para homenagear o presidente argentino homônimo (se não me falha a memória, era Julio Roca). Naquele mesmo ano a recém-fundada FIFA começou a organizar o futebol dos Jogos Olímpicos, estreando somente em Antuérpia (1920, na Bélgica) como organizadora.
Nas edições seguintes, portanto, o Uruguai se tornaria a Celeste Olímpica ganhando as duas competições mundiais futebolísticas organizadas pela FIFA – o que torna os uruguaios prenhes de razão quando argumentam que são TETRA.
Fato é que o mundo nessa época vivia uma forte afirmação dos estados nacionais, a Europa via derreter o Império Otomano, havia o começo das batalhas por independência na África, muitas democracias se consolidavam – e até alguns regimes totalitários começavam a se impor. Não importa se democrata ou ditatorial, a questão nacionalista realmente tinha um peso.
Pátria de chuteiras
O mundo inteiro era composto de "pátrias de chuteiras". No caso do Brasil, o sentimento de pátria era reforçado pelo centenário da Independência e por todas as idiossincrasias surgidas no bojo da Semana de Arte Moderna de São Paulo (sobre a qual tenho opiniões próprias e que não vêm ao caso).
Havia sim, uma demanda por organizações que atendessem a um sentimento "de pátria", e isso só se acirrou no entre-guerras e depois da Segunda Guerra, principalmente na nova divisão europeia e com a redemocratização brasileira.
A partir de 1964, o Nacionalismo se impôs tal e qual ideologia, e por décadas tivemos a Seleção Brasileira como única grande alegria que unia a todos os cidadãos brasileiros diante da TV. Hoje vejo como "guilty pleasure", no meu caso, e discorro por quê nas próximas linhas.
A partir de 1998, com o mercado europeu absorvendo precocemente nossos talentos, isso se dissipou – mas ainda havia o Ronaldinho Gaúcho formado no Grêmio, o Ronaldo do Cruzeiro, o Rivaldo do Corinthians (e do Palmeiras), o Luizão campeão da Libertadores pelo Vasco.
Dali em diante, realmente, não tivemos mais essa sensação tão forte – e mesmo em 2002 não era nada comparado ao que tínhamos antes: o Zico do Flamengo, o Falcão do Internacional, o Sócrates do Corinthians, o Serginho do São Paulo, o Éder do Atlético Mineiro, o Alemão do Botafogo, o Gil do Fluminense, o Roberto Dinamite do Vasco. Eram, definitivamente, outros tempos.
Formação da Seleção
Eu jamais defendi que formassem a Seleção só com jogadores "caseiros", porque isso a tornaria menos competitiva. Tampouco eu ache que a Seleção Brasileira deve acabar só porque não temos condições de reter nossos craques. Nada disso.
O que eu acho é que a FIFA é a única entidade que ganha alguma coisa com esse torneio insosso chamado Copa do Mundo de quatro em quatro anos, esse torneio que a cada edição engaja menos gente – a menos que você tenha visto pessoas indo às ruas no ano passado por causa do Richarlison ou do Militão. Não, você não viu.
E sendo a FIFA a única beneficiada – pela venda de espaços, marcas, patrocínios aos montes, dinheiro de governos – o torcedor nada tem a ganhar. A não ser que de quatro em quatro anos se organizasse um belíssimo torneio de CLUBES em alguma sede. De preferência depois de 2030, esperemos que se completem os 100 anos de Copa. E que o representante brasileiro EVIDENTEMENTE fosse sempre o Flamengo.
Antes que os torcedores dos outros clubes reclamem, explico: poderiam manter a tal Copa Toyota, todo ano, com o vencedor da CHAMPIONS enfrentando o vencedor da Libertadores. Não há problema. Mas de quatro em quatro anos a COPA deveria ser de clubes. Só os grandes clubes, com história, tradição e torcida mundiais – e no Brasil só o Flamengo atende a todos esses requisitos.
E não há vergonha nenhuma em não atende-los – posso afirmar sem medo de errar que o MEU CITY campeão da Champions League não tem história ou tradição mundiais. O Real tem. O Flamengo tem. O Vasco talvez tenha. O Manchester United tem. O Milan tem. O Boca Juniors e o River Plate têm.
Seleção Flamenga
O Flamengo é o único clube que mobiliza todos os brasileiros quando atua, mormente em jogos decisivos, e isso ninguém nega. As pessoas se juntam para secar o Flamengo, pedem cerveja no Zé Delivery, compram fogos, criam grupos no WhatsApp. Uma Copa de clubes sem o Flamengo teria tanto apelo popular quanto uma competição de curling nos Jogos de Inverno.
Dias em que pára o futebol porque o Brasil vai disputar um amistoso contra a poderosa Guiné me deixam ainda mais convicto. Seleções são um entulho anacrônico das guerras. A primeira, a segunda e a fria. Não há mais espaço na agenda de um jogador para que ele pegue um avião no Charles de Gaulle, voe durante 12 horas para o Rio a fim de jogar um amistoso contra a Colômbia em outra viagem de 4 horas. Isso definitivamente acabou.
Neste modelo de Copa poderia até haver espaços para amistosos eventuais entre os clubes. Um jogo-treino entre Flamengo e Manchester City, por exemplo, teria mil vezes mais apelo que esse amistoso sem graça. Ainda que evidentemente um Flamengo x Fortaleza seja mais interessante até mesmo para os secadores.
A minha proposta ficará aqui no MUNDO RUBRO NEGRO sem que muita gente tome conhecimento, mas quando acontecer, poderei dizer que antevi o futuro. No entanto, o futuro está nos clubes, que pagam, financiam as carreiras, preparam, investem em centros de treinamento técnico e em fisiologia. Chega de seleções. Nem a do Reader's Digest faz mais sentido, quanto mais as de futebol.
O Flamengo pode muito bem ser o Brasil – mobilizando, gerando emprego e renda, trazendo para si a atenção e a audiência de todo o País. Enfim, entre os 45 milhões de rubro-negros, posso garantir que nem mesmo meio por cento acha a Seleção mais importante que o clube.
Chega de anacronismos: o Flamengo é o Brasil!
** Gustavo de Almeida é jornalista, assessor de imprensa, MBA em Marketing e roteirista do filme Intervenção (Netflix)
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