quinta-feira, 10 de junho de 2021

Com a grave crise financeira do futebol brasileiro, dominância do Flamengo tende a ficar maior


Mais uma excelente contribuição de Rodrigo Capelo, jornalista especializado em negócios do futebol, com o texto publicado em 8 de junho de 2021 no site Globoesporte.com, fazendo o alerta de que: "a elite do futebol brasileiro piora nas finanças em 2020, e dívidas dos principais clubes chegam a quase R$ 11 bilhões". O diagnóstico é preciso: "prejudicada pela pandemia e pela irresponsabilidade de dirigentes, sem regulação por parte do governo ou da estrutura federativa do futebol, a modalidade enfrenta crise sem precedentes".


Antes da íntegra do texto publicado por ele, segue a opinião do Blog A NAÇÃO: Apesar de estar sofrendo severas consequências da pandemia, assim como os demais clubes de futebol, o momento não poderia ser melhor para o Flamengo estar sob a tutela de uma diretoria que entende de dinheiro e entende de gestão, e se continuar a conduzir com responsabilidade as suas contas, como nada leva a crer que deixará de fazer, e tudo leva a crer que o distanciamento para seus rivais, não só do Brasil como também da América do Sul, tende a se acentuar ainda mais pós-pandemia. Basta manter a dívida equilibrada como está, e recuperar a capacidade de arrecadação com o Programa Sócio-Torcedor e com as Bilheterias do Maracanã. Isto feito, os resultados serão certos!

A situação de endividamento dos rivais no Brasil está descontrolada, e isto levará a uma pressão dos encargos financeiros sobre serviços de dívida sufocando os fluxos de caixa e restringindo fortemente a capacidade de investimento destes clubes nos próximos anos, ou até décadas. Adicionalmente, a vulnerabilidade econômica da Argentina também chama muito a atenção, e os principais rivais no exterior na luta pela Libertadores da América tenderão a estar muito debilitados também nos próximos anos.

Após ter ficado muito anos... décadas... limitado na sua capacidade de lutar pelo título do Campeonato Brasileiro, os sinais de recuperação são óbvios, tendo entre 2016 e 2020, além de ter sido 2 vezes campeão, ter obtido um 2º e um 3º lugar, e estado 5 vezes entre os 6 primeiros colocados nas 5 edições deste período. A tendência é que assim se repita entre 2021 e 2025, período no qual com certeza o Flamengo voltará a ser campeão brasileiro outras vezes. E os rubro-negros podem ter certeza também que mais um ou dois títulos da Libertadores serão conquistados!


Dito isto, eis abaixo a íntegra da análise de Rodrigo Capelo:

O futebol brasileiro passa por uma das crises financeiras mais severas de sua história. No ano em que a pandemia do coronavírus paralisou o mundo, este mercado, mais vulnerável do que deveria, registrou consequências que levarão muito tempo para serem superadas.

Dois indicadores apontam para o agravamento das finanças dos clubes. Na arrecadação, houve baixa. No endividamento, alta. De maneira que as dívidas dessas entidades, somadas, hoje representam mais do que o dobro do que elas faturaram em toda a temporada.

Os números correspondem à soma dos 20 clubes que disputaram o Campeonato Brasileiro em 2020 e aos quatro promovidos na Série B. Esta é a amostra usada pelo blog todos os anos. O Cruzeiro foi acrescentado em 2020, excepcionalmente, mesmo sem ter subido.

Este texto abre a série do ge sobre as finanças do futebol brasileiro. Nos próximos dias, serão publicadas análises individuais de cada clube. O ranking de transparência e confiabilidade, produzido com base nos balanços financeiros, ajuda a compreender o contexto deste esporte.


PANORAMA

A maneira mais simples de compreender o tamanho da crise instalada no futebol brasileiro está na comparação entre receitas e dívidas. O quadro, que vinha se agravando pouco a pouco com o passar dos anos, chegou à pior relação entre esses dois indicadores em 2020.

No total, os principais clubes do país arrecadaram R$ 4,67 bilhões no decorrer da temporada passada. Ao mesmo tempo, os endividamentos chegaram a R$ 10,83 bilhões. Mais do que o dobro. Se as dificuldades eram evidentes nos anos anteriores, agora estão dramáticas.

No gráfico abaixo, as receitas foram mantidas em seus valores nominais (sem ajuste da inflação), pois o intuito do cálculo é a comparação com as dívidas. Mais adiante, faremos a correção inflacionária para entender o crescimento/encolhimento real do futebol brasileiro.

A relação entre receitas e dívidas no futebol brasileiro:


RECEITAS

Em 2020, as receitas foram reduzidas em mais de R$ 1,1 bilhão em relação a 2019. Este número precisa ser compreendido com cautela, no entanto, porque a pandemia causou algumas anomalias neste mercado.

Uma vez que as competições foram adiadas e concluídas somente em 2021 – pelo menos as mais relevantes do ponto de vista financeiro –, parte desta redução no faturamento não se trata de dinheiro perdido, e sim de receitas que serão contabilizadas nos balanços referentes a 2021.

Por outro lado, houve perdas relevantes em relação às receitas de estádio. O recomeço dos campeonatos com portões fechados tirou dos clubes quase a totalidade do que aguardavam na venda de ingressos.

O perfil do faturamento do futebol brasileiro em 2020:

Nota técnica: No gráfico, não estão inseridas as receitas de Cuiabá, Red Bull Bragantino e Sport, pois esses clubes não as detalharam.

Em linhas gerais:

  • Os direitos de transmissão recuaram em 2020, porém essa diminuição se explica pelo adiamento de valores relativos a Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil para o exercício de 2021
  • A área de marketing e comercial continua estagnada, com valores praticamente iguais aos que tinham sido contabilizados no ano anterior. Ela inclui patrocínios, publicidades e licenciamentos
  • Em torcida e estádio, houve o recuo mais significativo de todos. Em 2020, a redução em relação à temporada anterior foi superior a R$ 360 milhões. Neste item, entram bilheterias e associações
  • A linha outros reúne receitas com esportes olímpicos, loterias e outras não especificadas pelos clubes em seus balanços. Ela não tem relevância para o negócio como um todo, mas compõe o gráfico
  • Nas transferências de atletas, houve um recuo próximo a R$ 50 milhões na comparação com o ano anterior. Baixo demais para que se possa dizer que a pandemia e crises externas tenham prejudicado


Em outra linha de raciocínio, os dados permitem encontrar a variação real das receitas do futebol brasileiro. Este é um cálculo um pouco mais complexo, mas não muito, fundamental para que se tenha uma noção sobre o crescimento ou o encolhimento do mercado.

Recapitulando uma noção da economia: como a moeda vai perdendo poder de compra, conforme preços em geral sobem, é importante que comparações em séries históricas tenham valores corrigidos por um índice de inflação. Para que a comparação esteja correta.

Corrigir o faturamento do futebol brasileiro por meio do IPCA, considerado a inflação oficial do país, faz com que todos os números sejam trazidos a valor presente – especificamente, ao valor de dezembro de 2020. Daí, então, é possível notar o crescimento real do mercado.


DÍVIDAS

Por parte do endividamento, os valores não devem ser corrigidos por nenhum índice de inflação. Como sobre eles incidem juros e multas todos os anos, o próprio mercado se encarrega de fazer com que os números sejam atualizados. A leitura fica um pouco mais fácil.

Enquanto nos anos anteriores as dívidas dos clubes vinham aumentando em ritmo próximo a 5% ao ano, nas últimas temporadas os dirigentes fizeram esse percentual disparar. Houve um aumento de 20% em 2019 e de mais 23% em 2020. A situação saiu do controle.

O que é mais grave: cerca de R$ 5 bilhões são devidos pelos clubes no curto prazo, isto é, com vencimento inferior a um ano. As complicações enfrentadas por cada um têm gravidades diferentes, mas de maneira geral este dado aponta para uma dívida impagável.

A evolução do endividamento do futebol brasileiro:


Em relação à natureza dessas dívidas, os credores são variados. Jogadores representam a maior parte, entre cobranças em ações judiciais, salários e direitos de imagem correntes e acordos de natureza trabalhista. Mas há muito mais gente nessa longa fila de cobrança.

O governo aparece como segundo maior credor. No gráfico abaixo, estão inseridos em "fiscal" todos os parcelamentos contabilizados por clubes, entre eles o Profut. São impostos que deixaram de ser pagos, muitas vezes com o cometimento de crimes tributários.

Instituições financeiras e partes relacionadas aparecem na sequência. Em geral, são dívidas de clubes com bancos e fundos que toparam emprestar dinheiro. Um tipo de crédito perigoso, pois costuma estar atrelado à cessão de receitas futuras como garantias.

Em "outros", aparecem fornecedores, intermediários e outros clubes – com os quais se negociou a transferência de algum jogador. Dívidas protestadas na Fifa por credores estrangeiros que cansaram de aguardar o pagamento estão contabilizados nesta linha.

O perfil do endividamento do futebol brasileiro por tipo:


FUTURO

A pandemia do coronavírus causou consequências perversas no mercado do futebol. Competições suspensas, posteriormente retomadas com portões fechados. Perdas de receitas com bilheterias, acordos com jogadores e demissões em massa, tomada de empréstimos para dar conta das urgências. Essas foram notícias frequentes durante o ano.

Ainda que tenhamos de notar os efeitos de um período de exceção na história da humanidade, também é verdade que os números catastróficos do futebol brasileiro não se explicam só pela pandemia.

Individualmente, dirigentes gastaram muito mais do que podiam. Eles endividaram seus clubes excessivamente, muitas vezes com o endosso de imprensa e torcida, na busca pela consagração. Presidente campeão fica para a história. Mesmo que quebre a instituição.

Coletivamente, o país falhou ao não ter um mínimo de regulação para desestimular irresponsabilidades. Nem seu governo fez algo digno de nota, nem a estrutura federativa do futebol. Fair play financeiro e reformulação do calendário são reformas eternamente postergadas.

Como a falência do futebol brasileiro é evidente – escancarada pela destruição esportiva e financeira de instituições como Botafogo, Cruzeiro e Vasco, para citar apenas os piores casos –, o risco que se impõe a partir de agora é o da solução fácil. Perdão de dívida por parte do governo, salvação com dinheiro público, entre outros absurdos. A população precisa ficar atenta para não acabar pagando essa conta.


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