terça-feira, 15 de junho de 2021

Hall da Fama do C.R. Flamengo: AGUSTIN VALIDO


VALIDO: o Primeiro Grande Herói

Carreira: 1933-34 Boca Juniors (Argentina); 1934-37 Lanus (Argentina); 1937-1944 Flamengo

Palavras ditas pelo argentino Agustín Valido: "Nasci longe, mas Flamengo. Não há nada que se compare a esse clube, imperfeito, como todos, onde, ao que se diz, mandam muitos, superado até em organização por outros. No entanto, vence sempre. Por que vence? Porque está na alma do povo. Porque é a própria alma do povo!".

Pelo Flamengo fez 138 jogos e marcou 45 gols.


Abaixo, a mescla de dois textos sobre a carreira do jogador, um publicado por Rafael Oliveira no site "Heróis do Mengão", e outro do site "Futebol Portenho":

Agustín Valido nasceu em 31 de janeiro de 1914 em Buenos Aires. Começou desde as categorias de base no Boca Juniors da Argentina, tendo subido ao profissional em 1934, tendo sido logo de cara Campeão Argentino, porém tendo entrado em campo em apenas dois jogos com a camisa do Boca naquela campanha, na qual curiosamente o time tinha dois brasileiros na zaga (Bibi e Moisés, que no entanto destoavam e fariam o clube contratar Domingos da Guia para o campeonato de 1935). Ao final da temporada de 1934, Valido se transferiu para o Lanus, onde ficou até 1937. Lá, também não deixou maiores registros de gol: foram 44 jogos e só 2 gols com a camisa do Lanus.

Em julho de 1937, ele participou de um amistoso no Rio de Janeiro contra o Flamengo pelo "Combinado Becar-Varella", e sua atuação atraiu a atenção dos dirigentes do clube, que acabam o contratando. Nas palavras do Jornal do Brasil: "um combinado de jogadores argentinos sem expressão bastante para representar, de longe sequer, a pujança do football platino, pois os elementos que o integram foram buscados em sua maioria entre aqueles que não obtiveram colocação nos quadros principais da Argentina. (...) A leitura de jornais argentinos autoriza-nos a julgar fraco o team argentino, cujo valor só tem sido aqui recalcado para efeitos de uma publicidade exagerada".

Dentro do elenco, alguns jogadores considerados ídolos históricos de clubes argentinos, mas ainda em afirmação ou decadência na carreira, como o meia Arcadio López, que embora tivesse ido à Copa do Mundo 1934 só se consagraria depois, no Boca Juniors. O atacante Vicente Del Giúdice, antigo ídolo do Racing, por sua vez já vinha do nanico Almagro. O "Combinado Becar Varella" fez jogos contra Fluminense, Flamengo e América e pegou também, em São Paulo, à Portuguesa de Desportos.

Mas mesmo não sendo astros, houve problema na liberação junto aos clubes e a viagem ficou ameaçada – o próprio Valido só se juntou aos colegas dias depois. A delegação completa era formada, dentre os titulares, por Ángel Grippa, Luis Villa e Juan Landolfi; Pedro Pompey, Andrés Stagnaro e Arcadio López; Valido, Víctor Apolito, Eduardo Gómez, Vicente Del Giúdice e Antonio Cranis. Héctor García, Félix Pacheco, Carlos Zatelli, Francisco Echechipia, Alfredo Vivanco e Juan Pepinotti eram os reservas, treinados por Lindolfo Urbero.

Em um time já tido como fraco e que de fato não venceu no Brasil, o próprio Valido veio por improviso. Mas não sem arranjar contratempos com o Lanus. Segundo o Jornal do Sports, teria sido assim: "À véspera do embarque [do combinado], a embaixada se encontrou em dificuldade. Por quê? Porque não tinha um back e não contava com um extrema apresentáveis. Que fazer? Alguém se lembrou de Villa e Valido, e ambos foram abordados. Nessa época, o Lanus não dava 'luvas' e ordenados aos seus profissionais. O pagamento era feito à base de percentagem sobre a renda do jogo. Como as arrecadações não vinham dando resultado, os dois aceitaram o convite. Não disseram nada a ninguém. Não disseram, mas alguém disse... Isso foi num sábado, no domingo o Lanus teria que enfrentar o Boca. Valido e Villa compareceram ao vestiário, mas não puderam trocar de roupa. O melhor amigo deles, mas muito mais amigo do clube, encarregou-se de estragar toda a 'festa', denunciando seus planos. Assim, antes do match, os alto-falantes anunciavam à assistência que o team iria entrar desfalcado do ponta e do back porque ambos alimentavam projetos de fuga para o exterior. Houve desabafos e promessas de ataque em massa aos dois 'renegados'. A despeito disso tudo eles partiram, e foi assim que chegaram ao Brasil".

Nos adversários do Combinado Becar-Varella no Rio de Janeiro, a presença de argentinos em campo já era marcante. No Flamengo já estava o atacante Agustín Cosso, antigo ídolo do Vélez Sarsfield e de passagem também pelo San Lorenzo. Carlos Santamaría, que brilhara no River Plate, era celebrado no Fluminense. O "platinismo" era tão difundido que mesmo o América tinha a José Della Torre, que estivera na Copa do Mundo de 1930. E foi o América quem primeiro teria se interessado pelo ponta-direita Valido: "se Del Giúdice foi um malabarista da pelota, Valido, menos espetacular, trabalhou, entretanto, muito mais eficientemente para o quadro. Foi por isso que o América visou-o, de preferência aos outros forwards, tendo iniciado ontem mesmo demarches no sentido de contratar o seguro wing direito dos platinos", ficou registrado nas páginas do Jornal do Sports.

O Flamengo, inicialmente, teria se interessado por Del Giúdice, Arcadio López e Villa. Mas logo incluiu Valido também. Os rubro-negros teriam rapidamente registrado o contrato dele, de Villa e de Arcadio. No Flamengo, López e Valido estrearam ambos, ironicamente, em derrota por 3 x 2 para o Vasco. Os dois gols flamenguistas foram do argentino Cosso, aliás. Ele voltaria a marcar dois no jogo seguinte, outro clássico em 3 x 2, mas vencido sobre o Botafogo. Valido fez ali seu primeiro gol pelo Flamengo, o primeiro do jogo: "às 21:42, o Flamengo realizou uma perigosa carga ao reduto botafoguense. Cosso, de posse da pelota, infiltrou-se na defesa adversária, e após fintar Otacílio, cedeu o couro a Valido, que, correndo, arrematou violentamente, conseguindo, assim, vencer a resistência dos alvi-negros. Aymoré ainda mergulhou, mas não conseguiu deter o bolão. Estava marcado o primeiro goal dos rubro-negros", na descrição do Jornal dos Sports.

Eram mesmo outros tempos. O profissionalismo no futebol brasileiro ainda engatinhava e por aqueles dias o mesmo Jornal dos Sports divulgava essa nota sobre o clube: "o Flamengo lançará um sistema inédito de gratificações aos cracks – um fixo, e percentagens progressivas sobre as rendas dos matches: Krueschner apresentou ao Sr. Bastos Padilha uma ideia interessante sobre a gratificação aos jogadores por jogo ganho". Nascia ali o chamado "bicho" dado aos jogadores em caso de vitória... Izidor "Dori" Kruschner era o judeu húngaro que treinava o time rubro-negro.

Valido teria que esperar dois anos para enfim ser Campeão Carioca, em 1939, novamente com uma quarteto argentino, agora com Valido tendo a companhia do meia Carlos Volante (que jogava na França, onde conhecera os cariocas na Copa de 1938 ao ser improvisado como massagista da seleção), Alfredo González (outro ex-Boca que não vingou) e o veterano Raimondo Orsi, grande ídolo de Independiente e Juventus e campeão da Copa do Mundo 1934 pela Itália, tendo marcado gol na final. Valido foi novamente campeão em 1942 e parou de jogar no início de 1943, antes do Campeonato Carioca no qual seus colegas faturariam o bicampeonato. Já tinha 29 anos, idade elevada para a época.

Mas se em 1943 souberam se virar sem ele, na reta final de 1944 a delegação rubro-negra enfrentava problemas de condições físicas na reta final (um dos desfalques era argentino: o zagueiro Sabino Coletta, ex-Independiente). Já aposentado e empresário, Valido vai à Gávea disputar uma pelada com operários da sua gráfica. Seu desempenho enche os olhos do técnico Flávio Costa, que o convida para voltar ao time durante a reta final do Campeonato Carioca. O convite de Flávio Costa acontece porque o treinador não poderia contar com Perácio, que servia ao Exército, Pirilo, com uma inflamação no púbis, Modesto Bria com furunculose, além de Zizinho gravemente doente. Consciente dos desfalques e por amor ao clube, Valido aceita o convite e após ficar um ano e sete meses sem jogar futebol profissionalmente, volta aos gramados logo em um clássico contra o Fluminense. O resultado? Uma goleada de 6 x 1.

Porém, o esforço durante a partida deixou Valido quase incapaz de andar, devido à falta de ritmo de jogo. Para completar ainda contraiu um resfriado no decorrer da semana decisiva. Flávio Costa não tendo outras opções, não abriu mão da presença do argentino no que seria a partida decisiva contra o Vasco. E mesmo com 39 graus de febre, Valido foi para o jogo.

Durante todo o jogo o Flamengo parecia estar jogando com um a menos em campo. Valido apenas fazia número na ponta-direita e o Vasco mandava no jogo. Aos 41 minutos do segundo tempo, uma falta é marcada para o Flamengo na lateral-esquerda da área vascaína. Na cobrança Vevé cruza para o meio do tumulto, e o febril Valido salta mais que todos os zagueiros vascaínos cabeceando para o fundo das redes. 1 x 0 no final do jogo, sem a possibilidade de qualquer reação para o Vasco. Foi o gol da raça, do amor ao Manto Sagrado. O gol do primeiro Tri. 

O lance gerou muitos protestos por parte dos vascaínos que alegavam que Valido ao ver que não conseguiria cabecear apoiou-se com os dois braços nos ombros do lateral Argemiro, que caiu sentado no lance. O Vasco ainda tentou de todas as formas possíveis invalidar o gol e também a partida. O lance do gol havia sido filmado e os dirigentes cruz-maltinos utilizaram o filme como prova na Federação Carioca de Futebol. De nada adiantou o chororô, pois a Federação não anulou nada e o Flamengo continuou Tricampeão Carioca.

Nas palavras do herói: "Estou imaginando que sou um rapaz de sorte. Disputei a pior partida de toda a minha vida e, parece mentira, foi a que me reservou a maior emoção".

Segundo o Jornal dos Sports, a descrição do "Gol do Valido": "foi um lance verdadeiramente espetacular e imprevisto (...) Vevé bateu uma falta de Rubens, quase sobre a linha da meta, próximo ao corner. (...) A pelota cruzou pelo alto toda a área cruzmaltina, escalou por Berascochea, e foi ter até onde se encontravam Valido e Argemiro, depois de uma tentativa mal-sucedida de Rafanelli (que era argentino) no sentido de aliviar a área. O ponta rubro-negro, mais alto do que os demais adversários, levou vantagem no lance, e com uma cabeçada precisa, colocou o couro nas redes de Barchetta. (...) Pela fisionomia de todos – desolados uns, radiantes outros – chega-se à conclusão de que nada houve de ilegal na conquista do ponto – marcado sem qualquer vislumbre de protesto – e que valeu por um tricampeonato".

Agustín Valido se erradicou para sempre na cidade do Rio de Janeiro, onde ele faleceu com 84 anos no dia 23 de fevereiro de 1998. O jogador antes de morrer afirmou que o Flamengo foi a maior emoção de sua vida. Foram no total 138 jogos e 45 gols pelo clube. Nas palavras de Agustín Valido: "Nasci longe, mas Flamengo. Não há nada que se compare a esse clube, imperfeito, como todos, onde, ao que se diz, mandam muitos, superado até em organização por outros. No entanto, vence sempre. Por que vence? Porque está na alma do povo. Porque é a própria alma do povo!".


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