sábado, 12 de junho de 2021

Hall da Fama do C.R. Flamengo: CARLOS VOLANTE


VOLANTE: a referência para a contenção

Carreira: 1924 Lanus (Argentina); 1926-1927 San Martin (Argentina); 1928 Platense (Argentina); 1929-30 San Lorenzo (Argentina); 1930-31 Vélez Sarsfield (Argentina); 1931-32 Napoli (Itália); 1932-33 Livorno (Itália); 1933-34 Torino (Itália); 1934-35 Rennes (França); 1935-36 Olympique Lillois (França); 1937-38 Paris Charenton (França); 1938-1943 Flamengo

O argentino Carlos Volante fez tanta história com o vermelho e o preto que se tornou referência: dele em diante o Brasil passou a chamar a posição de cabeça-de-área como "volante", porque os técnicos contemporâneos a sua passagem pelo Flamengo só diziam a seus comandados "jogue como o Volante", e os torcedores diziam que agora seu time tinha um "Volante". Bravo, eficiente, lutador, raçudo, e perfeito na contenção do ataque adversário e nos desarmes.

Pelo Flamengo fez 150 jogos e marcou 4 gols.


Abaixo, texto sobre a carreira do jogador publicado no site "Futebol Portenho", escrito por Caio Brandão, que faz ao final agradecimento ao historiador argentino Esteban Bekerman (dono da livraria Entre Tiempos em Buenos Aires, voltada exclusivamente ao futebol) pelo compartilhamento dos registros históricos argentinos sobre Carlos Volante. Alguns complementos foram extraídos do site "Fortaleza Granate" e inseridos no texto do site Futebol Portenho, eis o resultado:

Carlos Martín Volante nasceu em Lanus, na Argentina, em 11 de novembro de 1905, e faleceu em Milão, na Itália, em 9 de outubro de 1987. O pai dele, o imigrante italiano e ferreiro ferroviário Giuseppe Volante, adquiriu uma das cotas oferecidas pelo proprietário do enorme terreno que daria origem à cidade de Lanus. Carlos foi o quarto de sete filhos de Giuseppe. Viria a se consagrar mais internacionalmente do que na própria terra natal, onde o Volante mais notabilizado foi o sétimo filho do italiano: José "Pepe" Norberto, o primeiro dos três homens que no profissionalismo argentino foram jogadores, técnicos e presidentes de um mesmo clube (claro, o Lanus), antecedendo Carlos Babington (Huracán) e Daniel Passarella (River Plate).

Carlos Volante, por sua vez, foi "apenas' jogador e técnico no Granate (apelido do clube Lanus) e nas duas funções não passou de um ano no time. Ainda assim, construiu renome para ter perfil no livro "97 Íconos de la Historia Granate" (de 2012, quando o clube fazia 97 anos), bem como no "ABC Granate" (de 2013). Nascido em 1905, passou por outros clubes da cidade. Nas categorias de base, começou na quinta divisão juvenil do Argentino de Lanus. Na idade da quarta divisão juvenil, passou ao Lanus Central, sendo campeão e voltando ao Argentino, onde não teve continuidade. Aos 17 anos ingressou nas divisões de base grenás para, em 1924, já integrar o quadro de aspirantes do Lanus. Foi o capitão do elenco vice-campeão nessa categoria e no mesmo ano, estreou no time adulto. Foi em 19 de outubro, na 24ª rodada do campeonato, no 2 x 2 com o Tigre. Disputou 12 partidas da Primeira Divisão em 1924, foi incorporado ao Serviço Militar (ficando um ano parado por conta disso) e já não voltou mais ao time do Lanus.

Em 1927, passou ao Adrogué e foi buscado então pelos dirigentes do San Martín. Em 1928, ele ingressou no Platense, onde obteve uma sequência maior. Na mesma época, o irmão José Volante, da mesma posição de centro-médio, começava no time adulto do Lanus, que viria a enfrentar ao Platense em 24 de março. Os irmãos teriam combinado que Carlos não jogaria. A mãe Luísa interferiu e ordenou que o mais velho também jogasse e que ambos lutassem pela vitória. E José foi uma das figuras da vitória lanusense por 5 x 2.

Já Carlos foi punido pela diretoria do Platense, que acreditou que ele não havia dado tudo de si. O jogador passou pela insólita situação de ouvir as duas torcidas o chamando de traidor... ele defenderia se dizendo que um pontapé sofrido aos 10 minutos afetou suas condições físicas. A resposta ao novo clube logo seria dada: o Platense não passou de um 25º lugar de 36 times em 1928. Volante estreou em novembro pela Seleção Argentina, em amistoso não-oficial contra o Boca Juniors (1 x 1). Em fevereiro (6 x 1) e março (2 x 0), mais dois jogos não-oficiais, ambos contra o América, do Rio de Janeiro. Em 16 de junho, a estreia oficial, no 1 x 1 contra o Uruguai no Gran Parque Central de Montevidéu.

Volante jogaria novo amistoso não-oficial em agosto de 1929, contra o Ferencvaros, da Hungria (2 x 0). Ausente das convocações ao Campeonato Sul-Americano daquele ano (realizado em novembro) e da Copa do Mundo de 1930, voltou a ser chamado em agosto de 1930, na primeira partida da seleção após a Copa. Três dias depois da final, jogadores não-convocados foram reunidos para amistoso contra a Iugoslávia, a semi-finalista que ainda estava de passagem pelo Rio da Prata. E que foi derrotada por 3 x 1 por aquele virtual time B da Argentina. Foi o último jogo de Volante pela seleção. Ele também não durou muito no Platense. No fim de 1930, integrou uma celebrada excursão do Vélez pelas Américas, onde um elenco tido pela crítica como capaz de envergonhar o país perdeu só uma partida no exterior até meados de 1931.

Quando estava na etapa chilena da viagem, Volante recebeu telegrama de José avisando-o do interesse do futebol italiano: o Gimnasia La Plata também fazia uma excursão, esta à Europa, onde o centro-médio José María Minella (nome do estádio de sua Mar del Plata natal na Copa de 1978) brilhou na trajetória do primeiro time argentino a vencer tanto o Real Madrid como o Barcelona. Também empatou em 2 x 2 com o Napoli, que se interessou por Minella. Ele negou e então lhe solicitaram quem em Buenos Aires seria parecido com ele, no que respondeu sobre Volante. No ano de 1946, quando Volante voltou ao Lanus para treiná-lo, relembrou a ocasião à revista El Gráfico: "Se armou a grande discussão na minha casa, que tens que ir, que não vás, que vás sim... eu tinha a esperança de levar algum dia meu pai para ver sua Itália de que sentia falta fazia muitos anos. Minha mãe não queria deixar-me ir. Então lhe propus: 'veja, mamãe: vou pedir um disparate para que não me contratem. Se me dão 150 mil liras por dois anos e 4 mil por mês, me deixa ir?'. Aceitou. Propus... e me responderam afirmativamente. Me deram tudo mais duas passagens, uma para meu pai e outra para mim. O grande sonho se cumpriu e durante nove anos estive na Itália e na França. Vi grandes equipes como a Juventus, a Internazionale, a Roma, o Torino... e vi jogar os ingleses dentro e fora de sua casa".

Na Itália, jogou por Napoli, Livorno (onde venceu a Serie B de 1933) e Torino. E conheceu e casou-se com uma certa Maria Luisa, da elite da sociedade de Turim. Mas assustou-se com a determinação de Mussolini em obrigar ítalo-estrangeiros que estivessem no país a defender o exército. Em 1935, quando os fascistas invadiram a Abissínia (atual Etiópia), Volante e a esposa escaparam pela Suíça rumo à França, onde ele defendeu Rennes (foi finalista da Copa da França), Lille e o CA Paris – hoje sumida, essa equipe ainda existe e era onde jogava Lucien Laurent, autor do primeiro gol das Copas do Mundo. Volante veio a se assustar na França com o mesmo clima bélico que sentira na Itália. Volante só pensava em escapar de Europa, antes que fosse tarde. Na "Cidade Luz" ele se relaciona com o mundo da arte e da cultura, e se torna grande amigo de Oscar Alemán, então guitarrista de Josephine Baker. É o músico quem o apresenta à delegação do Brasil que participava do Mundial de França e ele se junta como massagista (ele se tornou assim até hoje o único argentino a compor uma delegação brasileira em Copas do Mundo). Assim consegue sair da Europa, e em agosto de 1938 se incorpora ao time do Flamengo (onde jogavam Domingos da Guia e Leônidas da Silva, principais destaques da Seleção Brasileira de 1938) e é onde ele escreveu outra grande história. E acabando por vir a ser o clube onde atuou por mais tempo em toda sua carreira e onde se aposentou.

Em 1939, o rubro-negro encerrou seu maior jejum estadual (12 anos) em uma equipe repleta de argentinos: ele, Agustín Valido, Alfredo González, Raimondo Orsi (outro que fugia da Itália, pelo qual marcou o gol do título da Copa de 1934) e Arturo Naón. Volante chegou a ser até os anos 1950 o estrangeiro que mais vezes havia defendido ao Flamengo, onde foi campeão também em 1942 e 1943, pendurando as chuteiras e voltando à Argentina.

Seu estilo ímpar como centro-médio fez com que o sobrenome viesse a nomear o próprio posto, com diferentes técnicos solicitando aos colegas de posição "que joguem como Volante", um meia recuado que se movia e criava jogo ao invés de alguém de postura rígida e fixa, como era comum. A frase foi virando "que joguem de volante" e seu significado se espalhou pela América, inclusive na Argentina, para onde o jogador, uma vez aposentado, voltou.

Em 1945, virou técnico do Lanus, afirmando "como dizem na França: sempre se volta ao primeiro amor. Sou técnico do clube em que me iniciei neste esporte que me deu tanto e ao qual devo as maiores e mais inesquecíveis emoções experimentadas em minha vida". O desempenho em 1946, quando ficou por mais tempo, foi de um mero 12º lugar. Curiosamente, em janeiro daquele ano ele voltou a compor a delegação brasileira, participando como sparring convidado no time de reservas nos rachões internos em meio ao Campeonato Sul-Americano jogado naquele ano na Argentina.

Como técnico granate, foram ao todo 30 jogos, com 8 vitórias, 7 empates e 15 derrotas. Números nada auspiciosos, mas o que fez ele deixar o clube foi uma proposta do Internacional e a não-adaptação da esposa na Argentina. O Inter de Porto Alegre vinha atravessando uma década vitoriosa, com seis títulos estaduais seguidos, mas a série se interrompera exatamente em 1946, ano de título gremista. O "Rolo Compressor" - como era chamado aquele time na capital gaúcha - voltou, com a imprensa também o rotulando continuamente como "os pupilos de Volante". O time ganhou os títulos de 1947 e 1948, tendo mais três argentinos: José Villalba, Francisco Fandiño e Moisés Beresi. O mais surpreendente em leituras da época é notar homenagens gremistas ao rival antes da partida, incluindo flores e um cartão de prata. O argentino jamais foi derrotado nos 12 Gre-Nais que disputou.

Volante rescindiu sem conflitos o seu contrato em 1948, pouco após o bicampeonato, para voltar ao Rio de Janeiro. Faria talvez ainda mais história na Bahia: assumiu o Vitória em 1953, quando o Leão enfim profissionalizou o seu futebol, sendo imediatamente campeão baiano após 44 anos, iniciando assim a rivalidade com o Bahia. Campeão com os rubro-negros baianos também em 1955, Volante foi ainda mais longe no rival, treinando-o na finalíssima da vitoriosa Taça Brasil de 1959 sobre o Santos. Primeiro técnico campeão nacional no Brasil, Volante também foi o primeiro técnico de um time brasileiro na Libertadores, na edição de 1960.

Seu sobrinho-neto Calvente contou que só o viu uma vez na Argentina, nos anos 1970, pois Volante decidiu naquela década voltar com a esposa à Itália, falecendo e sendo enterrado em Milão.

Palavras de Carlos Volante para a Revista El Gráfico de 1946: "Na Inglaterra, a organização é magnífica, exemplar. Os managers britânicos constituem a autoridade absoluta. E os jogadores vivem para sua profissão; treinam todos os dias, se cuidam zelosamente. Nos matches amistosos ou nas excursões, a conduta deles é distinta da que mostram no campeonato, pois se limitam a cumprir. Ao contrário, jogando pelo certame oficial, se empenham ao máximo. E há que vê-los ali para aprecia-los, para compreender e aceitar que são os melhores. Não sei que efeitos terá a guerra produzido no futebol britânico. Só posso declarar que, quando o vi, era realmente maravilhoso em todos os seus aspectos. Eu vi jogadores vivazes em muitas partes do mundo. Vivazes, digo, e não desleais. (...) Há dos nossos os que se engrandecem fora e se diminuem na própria casa e outros, o contrário. Por exemplo: vi [Carlos] Santamaría [ex-Fluminense e Botafogo] e Alfredo González [ex-Flamengo, Vasco e Botafogo] darem verdadeiros espetáculos no Brasil. Não se trata de jogar bem: eu disse espetáculos. Santamaría voltou ao River Plate e González ao Boca Juniors para ter que voltar ambos ao Rio. Me lembro que o half me dizia: 'piso numa cancha argentina e já perco a confiança em mim mesmo'. Atilio Demaría (campeão com a Itália na Copa de 1934) foi um magnífico insider na Itália, mas aqui não correspondeu quando quis retornar. Enrique Guaita (também de 1934) impressionava. Nunca pude entender o que lhe aconteceu no Racing. Já na Europa, um jogador rende e, em especial, os ingleses. No nosso ambiente se produzem uns alto-e-baixos impressionantes. Certo é que há intemperança de parte dos torcedores, mas mais que nada existe um fator psicológico, algo que induz a duvidar das próprias condições e aí se explica os desníveis tão marcados".



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