sábado, 20 de novembro de 2021

Hall da Fama do C.R. Flamengo: CLÁUDIO COUTINHO


Cláudio Coutinho: o Inovador

Carreira como técnico: 1976 Seleção Brasileira Olímpica; 1976-1977 Flamengo; 1977-1979 Seleção Brasileira; 1978-1980 Flamengo; e 1981 Los Angeles Aztecs (EUA)

Propositor de um estilo de jogo técnico, ofensivo e repleto de conceitos táticos inovadores que levaram o Flamengo a um tricampeonato carioca e ao seu primeiro título nacional na virada da década de 1970 para a de 1980, o legado do treinador extrapola seu período no comando do clube: foi sob a inspiração de suas ideias que o time subiria outros degraus até o título mundial. Coutinho foi um homem à frente de seu tempo no futebol.

Além dos limites do Rio de Janeiro, o trabalho de Coutinho é conhecido quase só por seu período à frente da Seleção Brasileira, no qual sempre recebeu críticas da imprensa de "engessar" o estilo de jogo intuitivo brasileiro em esquemas, de tentar torna-lo "europeu" ao máximo. Até mesmo de burocratiza-lo. Mesmo o fundamental e incensado "A Pirâmide Invertida", do inglês Jonathan Wilson, reserva pouco espaço (e algum desdém) ao técnico, citado apenas por seu trabalho na Seleção Brasileira como preparador físico e treinador. É irônico observar a imagem que ficou de um dos maiores estudiosos do futebol no Brasil. De um treinador que observou muitas vezes "in loco" o contexto mundial do jogo e levou a cabo as ideias que extraiu dele dentro da estrutura ainda mais conservadora do esporte no país naquele momento, em que "teórico" era um epíteto não muito abonador a um treinador de futebol.

Coutinho também morreu jovem, o que o impediu de – décadas depois, com a poeira baixada, os ânimos menos exaltados e sob a luz de um outro enfoque histórico – expor seus motivos, esclarecer temas espinhosos, reconhecer equívocos e reparar injustiças. Quanto à Seleção Brasileira, é claro. No caso do Flamengo, não há nada a ser explicado. Trata-se de um dos maiores treinadores rubro-negros em todos os tempos e do grande formatador do esquadrão vitorioso do clube da Gávea, onde seu prestígio sempre foi e segue intocável.

Como técnico do Flamengo, foram 267 jogos, com 180 vitórias, 59 empates e 28 derrotas.


Abaixo, a mescla de dois textos sobre a carreira do treinador escritos por Emmanuel do Valle para o site "Trivela" e por Tauan Ambrósio para o site "Goal.com":

O sempre reservado Cláudio Pecego de Moraes Coutinho, militar, católico e devoto de Santa Terezinha, nasceu na cidade gaúcha de Dom Pedrito, próxima à fronteira com o Uruguai, em 5 de janeiro de 1939, mas foi criado no Rio de Janeiro desde os 4 anos de idade. Morando em uma casa confortável no bairro de Copacabana, o menino cresceu sob a batuta disciplinar do pai Aquilles, um oficial de carreira no Exército. Com muita facilidade para aprender idiomas, na tenra idade já estudava francês e inglês. Aluno brilhante e dedicado no Colégio Mello e Souza, ele era um orgulho para a mãe, Dona Ilca. Autodidata, não media sacrifícios nos tempos da Academia Militar das Agulhas Negras. Na Brigada de Paraquedistas, alcançou o posto de Capitão na mesma época na qual ingressou na Escola de Educação Física do Exército.

Coutinho sempre foi apaixonado por esportes em geral. Sua história no Flamengo, clube de seu coração, começou como jogador de vôlei, sendo tri-campeão carioca da modalidade entre 1959 e 1961. Na mesma época, iniciou sua carreira militar, pela qual se graduou em Educação Física em 1965 e passou seis anos trabalhando como instrutor de futebol e vôlei na Escola de Educação Física do Exército.

Seu salto de projeção viria no fim daquela década: fluente em cinco idiomas, entre eles o francês, seria indicado como representante num congresso de medicina esportiva na França, onde conheceria Kenneth Cooper, que vinha trabalhando num método revolucionário de preparação física. Da amizade entre os dois, surgiria o convite para um estágio de um ano no Laboratório de Estresse Humano da NASA, nos Estados Unidos, onde Cooper trabalhava. O "Método Cooper" fazia parte do programa de preparação física dos astronautas do Programa Espacial que iriam para a Lua. De lá, Coutinho voltaria ao Brasil com uma vaga na comissão técnica da Seleção Brasileira de futebol que se prepararia para a Copa do Mundo de 1970 no México.

Ao lado de Carlos Alberto Parreira, ele foi auxiliar do preparador físico Admildo Chirol, ficando responsável pela preparação e prevenção dos efeitos da altitude, um fator determinante no sucesso canarinho no Mundial de 70. Em gramados mexicanos, o time brasileiro voaria do ponto de vista do condicionamento físico, mesmo com a temida altitude, e complementando as invejáveis qualidades técnicas de jogadores como Pelé, Tostão, Gérson, Jairzinho e Rivelino. Cláudio Coutinho, porém, não se limitava à preparação física: ainda na primeira metade dos Anos 1970, ao afastar-se inteiramente da carreira militar, acumularia passagens como supervisor na própria Seleção Brasileira, no Vasco, no Botafogo e até no Olympique de Marselha e treinaria a Seleção Peruana.

Em 1976, receberia de última hora uma missão especial: dirigir a Seleção Brasileira Olímpica nos Jogos de Montreal, depois que Zizinho se desentendera com dirigentes da confederação e deixou o cargo. O Brasil nunca havia feito bons papeis no torneio olímpico de futebol, mesmo tendo contado com bons jogadores. Desta vez, havia o goleiro Carlos (Ponte Preta), o zagueiro Edinho (Fluminense), o volante Batista (Internacional) e dois do Flamengo: o lateral Júnior e o ponta-esquerda Júlio César. Com Coutinho, a seleção conseguiu seu melhor resultado até então: chegou às semi-finais, mas parou nas fortes seleções do bloco socialista, que levavam o que tinham de melhor. O time perdeu para a Polônia de Lato, Deyna e Szarmach, e em seguida terminou em 4º lugar, ao também cair na decisão do bronze para a União Soviética de Oleg Blokhin. Mas o bom desempenho do time renderia frutos ao treinador em pouco tempo.

Em setembro de 1976, o Flamengo havia acabado de demitir o técnico Carlos Froner, após quase um ano no cargo. Para o posto, tentou Zagallo, que não conseguiu se desvencilhar de um contrato no Kuwait. Tentou Oswaldo Brandão, então técnico da Seleção Brasileira, mas não conseguiu a liberação por parte da CBD. A entidade, porém, fez uma contraproposta: "emprestaria" ao clube, até o fim do ano, o treinador das equipes de base, Cláudio Coutinho.

Consultado pelos dirigentes rubro-negros, Júnior, que havia trabalhado com Coutinho nos Jogos Olímpicos, deu seu aval: era um treinador jovem – 37 anos – e cheio de ideias novas, ainda sem a mesma experiência de outros nomes, mas ideal para um trabalho de médio ou longo prazo. Algumas de suas ideias e conceitos, burilados por suas obcecadas leituras e observações do futebol europeu de então, eram explicadas pelo treinador em entrevista ao Jornal do Brasil, sua primeira após assumir o cargo na Gávea. Entre outras coisas, afirmava: "É preciso que algum clube comece a atuar de uma forma mais moderna para que os outros sejam forçados a mudar. O problema é que ninguém quer ser o primeiro. Por isso passamos algum tempo estagnados. No futebol de hoje, tem que haver uma participação total, durante os 90 minutos, quase como no basquete. O jogador que chuta em gol deve ajudar imediatamente na marcação, e vice-versa. Passou a época do jogador que só ataca ou só defende".

Cláudio Coutinho estreou no comando do Flamengo em 12 de setembro numa boa vitória de 3 a 0 sobre o Sport Recife no Maracanã pelo Brasileirão, em que não contou com Zico (lesionado) e Luisinho Lemos (suspenso). Partindo de um 4-3-3 básico, fez alterações sutis no posicionamento da defesa – com Jayme (Jayme de Almeida Filho) atuando na sobra, como uma espécie de líbero, enquanto Rondinelli ia para o combate – e pediu ao trio de meio-campo para se aproximar mais do ataque.

Aos poucos, graças à sua facilidade no diálogo sempre aberto com os jogadores, o time assimilaria suas ideias. Faria ótima campanha na competição (a segunda melhor na soma de todas as fases), mas ficaria de fora das semi-finais por um ponto. O início promissor motivou o clube, passando por mudanças administrativas profundas, a contratá-lo em definitivo na virada do ano. Mas uma grande ironia despontava no horizonte. "Emprestado" pela Seleção Brasileira ao Flamengo em 1976, o treinador logo se veria na situação inversa.

Em 26 de fevereiro de 1977, Oswaldo Brandão anunciava sua saída do comando da seleção, em meio a uma crise técnica – agravada pelo empate em 0 a 0 com a Colômbia em Bogotá na estreia das Eliminatórias da Copa do Mundo, considerado desastroso – e de relacionamento com os atletas. Heleno Nunes, presidente da CBD, nem titubeou: convidou imediatamente Coutinho para o posto, inicialmente em regime temporário, visando motivar os jogadores para o segundo jogo contra o mesmo adversário, no início de março, no Maracanã. Muitos brasileiros foram pegos de surpresa. Para muitos, o treinador do Flamengo era apenas um "revolucionário teórico".

A atuação na goleada de 6 a 0 sobre os colombianos, obtida com dois gols de Roberto Dinamite, dois de Marinho Chagas, um de Zico e um de Rivelino, refletiu muitas diferenças entre o estilo dos dois treinadores: o time estático, taticamente antiquado e ofensivamente hesitante de Brandão deu lugar a uma equipe de muita movimentação e troca de posições, especialmente no meio-campo, abafando a saída de bola do adversário e com bastante apoio pelos lados. E o placar elástico já foi construído ainda no primeiro tempo.

Em seguida, o Brasil enfrentaria duas vezes o Paraguai naquele mesmo Grupo 1, no qual uma seleção avançava para a segunda etapa das Eliminatórias para definir os classificados para a Copa do Mundo, bem com o time que seguiria para a repescagem com os europeus. O time de Coutinho venceu aos guaranis em Assunção por 1 a 0 (com gol contra) e empatou em 1 a 1 no Maracanã (Roberto Dinamite marcou). Apesar do bom começo, a passagem de Coutinho não foi exatamente marcada pela calmaria. Ainda inconformada com sua nomeação para o lugar de Brandão, a imprensa de São Paulo não poupava críticas – o que reabriu pela enésima vez toda uma extensa e estéril discussão sobre bairrismo. Enquanto isso, dentro do elenco, alguns jogadores reclamavam de falta de oportunidades. O treinador acreditava que ficaria apenas durante aquela primeira etapa das Eliminatórias e não pretendia seguir no comando da seleção: "Não aceito trabalhar em tempo integral. Além disso, nesses poucos dias à frente da Seleção Brasileira já ganhei muitos inimigos gratuitos. Imagine se permanecer até a Copa de 78? Certamente terei inimigos de morte. Até agora, mesmo ganhando, venho recebendo críticas contundentes. A partir do dia 21, segunda-feira, só quero pensar no Flamengo", afirmou após a difícil vitória sobre o Paraguai no Defensores del Chaco. Mas tudo mudaria em breve.

No desembarque após o jogo, o treinador foi convidado a permanecer e acabou aceitando. Dividiu-se entre o comando de Seleção e do Flamengo até o fim de setembro, quando o time rubro-negro perdeu o título carioca para o Vasco – que levantou os dois turnos, o segundo deles nos pênaltis em jogo extra. A partir de então, passou a ser exclusivo da CBD, com Jaime Valente, ex-zagueiro rubro-negro dos anos 1960, assumindo o posto em caráter definitivo na Gávea.

Efetivado, dirigiu a seleção numa maratona de amistosos em junho de 1977, antes de carimbar a classificação para a Copa com duas vitórias em Cali no mês seguinte: 1 a 0 sobre o Peru, gol de Gil, e 8 a 0 sobre a Bolívia, com quatro gols de Zico, um de Roberto Dinamite, um de Gil, um de Toninho Cerezo e um de Marcelo. Daí em diante o técnico passou a enfrentar turbulências, criticado por suas escolhas, por suas inovações e até por seu vocabulário.

Coutinho costumava usar no dia a dia expressões extraídas ou adaptadas da literatura esportiva – em geral escrita em outros idiomas – para sintetizar situações de jogo. A imprensa, por sua vez, fazia piada de termos como "overlapping" (que nada mais era do que a passagem do lateral no apoio pelo corredor aberto quando os pontas fechavam pelo meio), "ponto futuro" (ou, o local onde o jogador deveria penetrar para receber a bola num lançamento) e "polivalência" (atribuída ao atleta versátil, capaz de executar mais de uma função em campo).

O treinador sabia que o Mundial na Argentina seria marcado pelo jogo duro e físico, campos pesados e sem concessões ao futebol mais vistoso. Por isso, decidiu recorrer a jogadores de força em várias posições do time e no elenco, mas mantendo em seu centro Rivelino como nome mais experiente e um trio talentoso que despontava, com o rubro-negro Zico e os atleticanos Toninho Cerezo e Reinaldo. Entretanto, a ausência de Falcão, excluído dos planos do técnico ainda durante as Eliminatórias por motivos nunca esclarecidos, renderia a grande polêmica. Foi muito criticado também pela ausência do lateral-esquerdo Júnior, do Flamengo, e pela discutida escalação do zagueiro Edinho como lateral-esquerdo.

Na Argentina, porém, foram muitos os problemas. Na estreia contra a Suécia, a Seleção empatou em 1 a 1 e não chegou a merecer resultado melhor, mas poderia ter saído com a vitória não fosse a decisão polêmica do árbitro galês Clive Thomas de anular o gol de Zico ao encerrar o jogo após a cobrança de escanteio de Nelinho. Em seguida, outra péssima atuação no 0 a 0 com a Espanha, em que Amaral salvou sobre a linha um gol certo dos ibéricos. A Seleção Brasileira jogava um futebol "preso", que sabia se defender, mas que na hora de fazer gols era um verdadeiro tormento.

Rivelino havia se lesionado na estreia. Zico e Reinaldo, com problemas físicos, sofriam no péssimo gramado do estádio de Mar del Plata, em que placas de grama se desprendiam, prejudicando o toque de bola. Era preciso mexer no time para tentar a classificação, que só viria com vitória sobre a Áustria. Foi quando dois jogadores de mais porte físico entraram na equipe, Jorge Mendonça e Roberto Dinamite (que só havia sido convocado para o Mundial devido à lesão de Nunes), e melhoraram a produção ofensiva do time. Foi com um gol de Dinamite, em jogada aérea, que o Brasil bateu a já classificada Áustria e avançou à etapa seguinte. Livre do vexame da eliminação precoce, o time deslanchou e venceu ao Peru por 3 a 0 na abertura da segunda fase. Contra a Argentina, no jogo que entrou para a história como a "Batalha de Rosário", empatou em 0 a 0, mas poderia ter vencido: Zico deixou Dinamite por duas vezes na cara de Fillol, mas o gol não saiu.

O Brasil terminou o Mundial invicto, mas sem chegar a convencer. A taça ficou com os anfitriões, que enfrentaram suspeitas de ter tido sua classificação à final facilitada pelos peruanos, goleados por 6 a 0 na última rodada da segunda fase. Depois de bater a Itália por 2 a 1 e terminar em terceiro, Coutinho defendeu sua equipe lançando outra expressão que marcaria sua passagem pela Seleção Brasileira: "Nós somos os campeões morais desta Copa".

Após a Copa de 78, o treinador regressou ao Flamengo, onde reconstruiria sua reputação. Manteve muitas de suas convicções táticas, mas reformulou algumas e abdicou de outras (como a utilização de laterais ofensivos nas pontas). Esta segunda parte de sua passagem no comando rubro-negro seria a mais bem-sucedida de sua carreira. Nela, faria história.

Das ideias táticas que fervilhavam na cabeça do treinador, algumas tinham outras modalidades como inspiração. O boxe, por exemplo. Para ele, a equipe deveria pressionar o adversário desde o início e tentar definir a partida o quanto antes, de modo a não possibilitar uma reação, pelas palavras de descrição de Zico no livro "1981", de André Rocha e Mauro Beting: "Se você acerta um soco no cara, tenta o segundo, o terceiro, para derrubar logo. Se esperar que ele se recupere, pode levar um daqui a pouco. Fez um gol, massacra para fazer outros e resolver logo o jogo".

O basquete também moldava a filosofia de jogo de Coutinho, que gostava de times agrupados, compactos, criativos, com as linhas de marcação alta e que trabalhassem a bola com paciência. Quando a jogada tentada por uma das pontas não se concretizava, a ordem era voltar a bola até a defesa e recomeçar a saída pelo outro lado. Nada de tentar alçar bolas na área infindavelmente a esmo. Para isso, é claro, era necessário o domínio completo dos fundamentos, algo também exigido e apurado cotidianamente pelo treinador. Relembra Júnior também no livro de André Rocha e Mauro Beting: "Coutinho pregava que os fundamentos do futebol tinham que ser exercitados diariamente, porque todo dia o jogador iria usá-los quando fosse tocar na bola. Não importava qual treinamento, tático, técnico ou coletivo. Em todos eles, teríamos de colocar em prática passes, chutes, cabeçada, domínio de bola, criatividade".

Se tivesse vivido por mais tempo, podemos imaginar o quanto mais sairia de sua mente inquieta por conhecimentos no futebol. O livro "Pirâmide Invertida", uma espécie de Bíblia da tática do esporte mais popular de todos, atribui ao Flamengo de Coutinho a primeira escalação de um 4-5-1. No Brasil, a primeira referência de um 4-2-3-1 é também daquele Flamengo, mas já sob o comando de Paulo César Carpegiani, que herdou aquele grupo após se aposentar dos gramados. O próprio Carpegiani ajuda a explicar o olhar apurado de Coutinho como técnico. Se no Internacional ele era um meia de ligação, virou primeiro volante justamente sob o comando de Coutinho. O time pressionava o adversário sem a bola e, quando recuperava a esfera, dominava completamente a posse de bola.

O mesmo livro "Pirâmide Invertida" também deixa implícito o pensamento de "Futebol Total" de Coutinho ao citar uma de suas palavras mais repetidas: polivalência. Uma outra publicação, o livro "Escola Brasileira de Futebol", escrito pelo jornalista Paulo Vinícius Coelho, mostra em um relato de Zico o quanto os treinos de Coutinho eram revolucionários para a época: "contrariando o que era comum então, ele colocava o time para treinar sem um adversário e explicava todas as movimentações táticas que gostaria de ver em campo. Depois, isso virou algo normal". E tudo isso sem a obrigação de ter sido um jogador profissional. Estudioso até a raiz e amante do esporte, Cláudio Coutinho não está apenas por trás dos maiores momentos vividos pelo Flamengo, o seu conhecimento ajudou a colocar um marco no futebol brasileiro.

Em 1978, sob o comando de Cláudio Courinho, o Flamengo repetiu o que o Vasco havia feito no ano anterior e venceu os dois turnos, sagrando-se campeão sem a necessidade de finais. No primeiro, que valia a Taça Guanabara, liderou de ponta a ponta e faturou o caneco mesmo perdendo o Fla-Flu da última rodada. No segundo, somou dez vitórias e apenas um empate em 11 jogos, superando o Vasco na última rodada por 1 a 0, com o gol histórico de Rondinelli, encerrando quatro anos de frustrações.

Coutinho também seguiu seu trabalho na Seleção Brasileira em 1979, iniciando um processo de renovação muitas vezes esquecido ou ignorado. Em maio daquele ano, quando o escrete entrou em campo para seu primeiro jogo oficial desde a Copa, lá estava um quarteto de estreantes que se firmaria no time pelos anos seguintes: Falcão, Júnior, Sócrates e Éder. Com eles, o Brasil arrasou o Paraguai por 6 a 0 em amistoso no Maracanã, com três gols de Zico, dois de Nilton Batata e um de Éder. Semanas depois, golearia também ao Uruguai (5 a 1) e ao Ajax, da Holanda (5 a 0). Os jogos valiam como preparação para a Copa América daquele ano, disputada sem sede fixa, em partidas de ida e volta e por vários meses. O Brasil havia sido sorteado no complicado Grupo 2, ao lado dos argentinos campeões do mundo – e que apresentavam um novato chamado Diego Maradona – e dos bolivianos, que tinham como trunfo a altitude de La Paz. Mas no fim das contas a Seleção Brasileira acabou avançando, com direito a uma vitória (2 a 1 no Maracanã) e um empate (2 a 2 no Monumental de Núñez) diante da albi-celestes.

Nas semi-finais, disputadas em outubro, o adversário seria o Paraguai, que vencera duas vezes ao Equador e empatara os dois jogos com o Uruguai pelo Grupo 3. Chegava com um time bastante diferente do que havia sido goleado pelo Brasil meses antes. A Seleção Brasileira, por sua vez, tinha um sério desfalque: por ter sido expulso junto com Gallego no empate com a Argentina, Zico já ficaria de fora do primeiro jogo. Mas como havia sofrido lesão num jogo contra o Goytacaz pelo Carioca, que o tirara de ação por vários meses, também não jogaria a volta. Na vaga dele, Coutinho testou o colorado Jair no primeiro jogo e o corintiano Palhinha no segundo. Mas o Brasil acabou sendo derrotado por 2 a 1 no Defensores del Chaco e cedeu o empate em 2 a 2 no Maracanã depois de estar duas vezes em vantagem. Os guaranis avançariam à final e conquistariam a Copa América pela segunda vez em sua história. Era o início ao fim de Coutinho na seleção. O treinador deixaria de vez o comando da Seleção Brasileira em fevereiro do ano seguinte, quando o novo presidente da recém-criada CBF, Giulite Coutinho, anunciou Telê Santana para o cargo. Ele dirigiu o Brasil em 45 partidas, com 27 vitórias, 15 empates e 3 derrotas.

Mas o ano de 1979 seria marcante em sua vida como treinador. Nele ocorreu a muito protelada fusão das federações carioca e fluminense de futebol, e também foi marcado pela divergência entre os clubes grandes e pequenos sobre quantas e quais equipes disputariam o estadual daquele ano, o que levou, ao fim das contas, à disputa de dois torneios num mesmo ano. Se não faltou bagunça fora de campo, também sobrou bola ao Flamengo, que levantou os dois títulos de modo inquestionável.

No primeiro, denominado "Campeonato Especial", com 10 clubes jogando turno e returno entre fevereiro e abril, o Flamengo repetiu o que havia feito em 1978: venceu as duas etapas e foi campeão direto, sem finais. E com um bônus: o título foi de forma invicta (o primeiro de um time carioca na era Maracanã), com 13 vitórias e 5 empates. Já o segundo, que ficou conhecido como "Campeonato Estadual", foi disputado entre maio e o início de novembro. Dividido em três turnos, contou com 18 equipes jogando o primeiro deles (que valeu a Taça Guanabara), dez no segundo (com os oito piores jogando uma repescagem em paralelo) e oito no terceiro. Novamente, o Flamengo conquistou os três turnos mesmo perdendo por mais de um turno inteiro a Zico – que então já havia marcado impressionantes 60 gols em 43 jogos, somando os dois campeonatos – com uma lesão sofrida em confronto contra o Goytacaz.

Como se não bastasse o excesso de jogos nos dois torneios, a agenda do Flamengo também andava cheia pelos amistosos e excursões marcados para aquele período. Em uma delas, à Espanha, o time de Coutinho brilhou na conquista do Torneio Ramón de Carranza. O adversário na estreia foi o Barcelona, que acabara de vencer a Recopa europeia e contava com nomes como Asensi, Migueli e Rexach, além do austríaco Hans Krankl e do dinamarquês Allan Simonsen. Pelo lado do Flamengo, havia outra preocupação: o desgaste físico e psicológico. Na quinta-feira à noite, cinco atletas (Toninho, Júnior, Carpegiani, Zico e Tita), além do próprio técnico Cláudio Coutinho, estavam em Buenos Aires, onde participaram do empate em 2 a 2 com a Argentina pela Copa América. De lá, o grupo pegou um voo de 20 horas de duração até Cádiz, chegando à cidade espanhola na tarde de sábado, horas antes da estreia. Quando a bola rolou, o cansaço foi deixado de lado e o que se viu foi um domínio completo do Flamengo, que marcou duas vezes ainda no primeiro tempo, criou chances para golear e até ensaiou um olé, antes de o Barça descontar no fim. O time de Coutinho saiu de campo aplaudido de pé e aclamado pela imprensa espanhola. No dia seguinte, com direito a gol relâmpago, abrindo o placar na saída de bola, o Fla bateu o Ujpest por 2 a 0 e levantou a taça.

Passo seguinte para a confirmação do poderio daquela equipe, o título brasileiro teve que ser adiado. Na espremida e caótica edição de 1979, o time vinha fazendo boa campanha, mas acabou eliminado antes das semi-finais pelo Palmeiras de Telê Santana, que jogou no Maracanã precisando de um empate, mas saiu com algo ainda melhor, com uma goleada de 4 a 1 que ficaria atravessada nas gargantas rubro-negras. Porém, não por muito tempo. No ano seguinte, a primeira conquista do Brasileiro finalmente chegaria e com direito a uma saborosa revanche diante de um alvi-verde que repetia dez dos onze jogadores da vitória de quatro meses antes e, por ironia, estreava ao velho Oswaldo Brandão no comando. Mordido, o Flamengo chegou a abrir 5 a 0, antes do Palmeiras descontar duas vezes. Mas Nunes, o novo camisa 9 da equipe no lugar de Cláudio Adão, ainda deixaria o seu para fechar a goleada histórica em 6 a 2.

O Fla, que estreara no campeonato batendo ao Santos no Morumbi e também já havia vencido ao tri-campeão Internacional no Maracanã, eliminou um ótimo time do Coritiba nas semi-finais antes de decidir o título numa final épica com o Atlético Mineiro. E Nunes, trazido por indicação de Coutinho depois da tentativa mal-sucedida de repatriar Roberto Dinamite (então no Barcelona) seria o autor do gol que daria o pontapé inicial à escalada para conquistar o mundo.

Após o título brasileiro, o Flamengo ainda levantaria a Taça Guanabara (naquele ano, novamente disputada como um torneio à parte do Estadual) e voltaria a excursionar pela Europa, voltando com mais algumas taças. Mas, sucumbindo ao cansaço, à pressão para manter o ritmo de vitórias e até à autossuficiência, o time perdeu o tetra carioca e entrou em crise. Estafado, Coutinho deixou o comando, aceitando proposta do Los Angeles Aztecs, do economicamente ascendente campeonato dos Estados Unidos. No Flamengo, Cláudio Coutinho conquistou o tricampeonato da Taça Guanabara em 1978, 1979 e 1980, o tricampeonato carioca em 1978, 1979 e 1979 especial, além do título brasileiro de 1980. E foi o responsável pela montagem da equipe que faturou o título da Libertadores da América e do Intercontinental de clubes em 1981.

No fim de novembro de 81, no desembarque da delegação rubro-negra no Rio de Janeiro após a conquista da Copa Libertadores, Coutinho – que havia acabado de assinar contrato para treinar ao Al Hilal, da Arábia Saudita – encontrou por acaso seus ex-comandados no Aeroporto do Galeão e vaticinou: "Agora só falta o Mundial". O treinador, porém, não chegaria a ver o time que criou alcançar o topo do planeta. Três dias depois, morreria no mar de Ipanema, aos 42 anos.

Na manhã de 27 de novembro de 1981, Coutinho acordou cedo, levantou da cama e não chamou seu filho, Paulo César Coutinho, para ir ao Clube dos Marimbás, em Copacabana. Cláudio foi sozinho, foi praticar outro de seus esportes favoritos, a pesca submarina. Ele mergulhava em apneia, ou seja, sem a ajuda de cilindros de oxigênio. Seu barco partiu da Praia de Copacabana, onde o lateral Júnior ficou aguardando seu regresso. Quando ele conseguiu arpoar a uma garoupa, não percebeu que o ar inspirado na superfície se transformara em gás carbônico em seu corpo. Perdeu os sentidos e se afogou. A fatalidade aconteceu próxima às Ilhas Cagarras.

A notícia caiu como uma bomba entre jogadores, dirigentes e comissão técnica do Flamengo, que se preparava para disputar a decisão do Campeonato Carioca contra o Vasco, cuja primeira partida seria dois dias depois. O clima era de incredulidade geral. O Flamengo decretou luto oficial de três dias. A morte não comoveu apenas aos rubro-negros, mas o futebol brasileiro como um todo.

Ao velório, realizado na antiga sede do Flamengo no Morro da Viúva, estiveram presentes colegas treinadores, jogadores e milhares de torcedores rubro-negros, que seguiram o cortejo até o Cemitério do Caju, onde Coutinho foi enterrado com a bandeira rubro-negra. A torcida que melhor o compreendeu, não lhe poupou carinho e emoção na despedida.



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