quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Visão do "Bom Senso" sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte

Muito boa a entrevista feita por André Amaral, do blog Ninho da Nação, com Ricardo Borges Martins, Diretor Executivo do "Bom Senso FC". Muito além da esfera esportiva, é para muitos aplausos a consciência política do debate. Se antes jogadore de futebol não demonstravam quase nenhuma articulação política, agora estão mostrando um nível de consciência muito acima do nível médio de politização do brasileiro. Excelente trabalho. Reproduzo a integra abaixo, publicada no blog "Ninho da Nação" sob o título "O financiamento das dívidas não sai sem as contrapartidas".

No começo da discussão o projeto de refinanciamento das dívidas dos clube se chamava Proforte, pois incluiria como contrapartidas investimentos em esportes olímpicos. A chance disso acontecer era zero, pois eram obrigações subjetivas para os clubes e muitos destes se quer formaram um único atleta olímpico na vida.

O Proforte foi enterrado e surgiu então Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte. Foram oito meses meses de discussão em comissões, reuniões e tentativa de colocar o projeto em pauta para ser deliberado pelo Congresso. Nada aconteceu.

O governo enterrou a LRFE, assumiu a responsabilidade de fechar um texto que financia as dívidas dos clubes com contrapartidas claras e rígidas e promete apresentar via Medida Provisória, que tem força imediata de lei, porém precisar ser convertida em Lei de fato pelo Congresso em no máximo 60 dias, renováveis por mais 60. Caso contrário a pauta é trancada até que a Medida Provisória seja apreciada.

A promessa e de que até a primeira quinzena de março a MP seja assinada pela presidente. Veremos.

O blog entrou em contato com Ricardo Borges Martins, Diretor Executivo do Bom Senso FC para destrinchar o assunto. Confira:

- Diversas reuniões foram realizadas entre Bom Senso e clubes, porém nunca conseguiam chegar a uma pauta mínima. Quais os pontos de divergência e consenso?

Existe sim algum nível de consenso entre BSFC e clubes. De maneira geral, todos defendem que o refinanciamento seja acompanhado de contrapartidas que obriguem os clubes a adotar novos parâmetros de gestão. As divergências são com relação a quais serão esses critérios. Nós do BSFC defendemos por exemplo, um limite de 70% ao custo de futebol, ou seja, uma espécie de teto salarial que impediria os clubes de gastarem mais de 70% do seu orçamento com a folha de seu departamento profissional de futebol. Os clubes - em sua maioria - são contrários a isso.
Existem divergências também com relação ao modo de fiscalização. O BSFC defende que as entidades de administração do esporte (CBF e federações, no caso do futebol) precisam criar órgãos que fiscalizem as finanças dos clubes e sejam capazes de punir desportivamente os clubes inadimplentes; defendemos que essa obrigatoriedade conste na lei. Já muitos clubes argumentam que as entidades de administração não precisam de uma lei para fazer tal fiscalização.
Mas há sim consensos. Como exemplo, vale citar que tanto clubes quanto o BSFC acreditam que é necessário refrear a antecipação de receitas de mandatos futuros.

- Já foi sinalizada pelo governo a inclusão de contrapartidas no financiamento. Pelo diálogo que o Bom Senso está tendo com o governo, o que já está concretizado, fechado mesmo, de contrapartidas / punições?

Sim, o refinanciamento não sai sem contrapartidas. Essa é a palavra do Governo com o BSFC e com a sociedade. Clubes e dirigentes que não paguem seus tributos, que sejam recorrentemente deficitários e, principalmente, que não paguem o salário de seus profissionais (incluindo aqui o direito de imagem), serão rigorosamente punidos. Resta ver, no entanto, de que maneira a lei deve articular os critérios e as punições.

- O Regulamento Geral da CBF instituiu o fair play financeiro. Ainda são linhas gerais. Como o grupo enxergou esse gesto da Confederação?

A bem da verdade, a CBF publicou isso de última hora como uma sinalização ao governo federal para que sancionasse o artigo 141 da MP 656/13, artigo que refinanciava a dívida sem nenhuma contrapartida. Lembrando sempre que se a CBF assim o quisesse, o fair play financeiro já teria sido implementado. O grande receio da CBF é ser engessada por uma lei federal. Como a indicação da CBF ainda é muito vaga, isto é, não prevê de forma clara "como será punido um clube que descumprir determinado critério por tanto tempo", ainda não dá para dizer que fair play financeiro é esse que eles têm em mente.

- A Comissão que vai avaliar o cumprimento da legislação é um dos pontos mais importantes, a meu ver, para a efetivação da LRFE. Evidente que esse Comitê precisa ficar longe dos mandos da CBF e do seu braço jurídico, o STJD. Como estão sendo as conversas sobre essa ponto.

Sem dúvida esse ponto é crucial. A ideia original é a criação de um órgão independente, formado por atletas, treinadores, dirigentes e membros técnicos na área de finanças e direito, que fosse custeado pela CBF, mas cujas decisões fossem autônomas e diretamente vinculadas ao regulamento das competições. A grande dificuldade para criação de um órgão com tais características é conseguir impor sobre a CBF ou sobre as federações a a obrigatoriedade de sua criação, sobretudo uma vez que os beneficiários do refinanciamento são os clubes e não as entidades de administração. Este é um dos grandes empecilhos técnicos ao avanço da LRFE.

- O Bom Senso continua sendo a favor de impor 80% da receita dos clubes com gastos com o futebol? A imposição de déficit não seria suficiente? Não poderia correr o risco dos clubes optarem por impor um teto salarial como resposta?

Na verdade, a ideia original é de 70%. Acreditamos que a margem de 30% não apenas garante o orçamento para o pagamento de suas dívidas (mesmo que a longo prazo), mas também cria incentivos para investimento nas categorias de base, em infraestrutura e até mesmo em outras modalidades. Os clubes de futebol com gestões mais sérias já trabalham com uma meta parecida de orçamento. Na prática, o limite ao custo de futebol pode por si ó ser considerado um teto salarial, mas em vez de ser fixo e individual é relativo ao orçamento do clube e coletivo.

- Aqui no Rio vivemos uma situação delicada onde a FERJ / Eurico de forma autoritária instituiu um tabelamento de ingressos para afetar diretamente os sócios torcedores de Flamengo e Fluminense. Na primeira rodada do Estadual apenas o Flamengo, além da FERJ, não pagou para jogar. Como o Bom Senso enxerga essa situação aqui no Rio?

Caro André, embora pessoalmente eu possa responder a essa pergunta. Não posso falar pelo movimento sobre temas em que não houve discussão e consenso dentro do grupo. Peço desculpas.

- O Flamengo conseguiu suas Certidões Negativas, conseguiu aprovação do seu estatuto para adequar à Lei Pelé, recebe receita governamental para investir em seus esportes olímpicos, reduziu seu déficit trabalhista, foi premiado como o clube mais transparente de 2014, teve superávit e com muito custo vai mantendo suas contas em dia. O Flamengo é a prova de que ter uma gestão séria e profissional é possível?

Sem dúvida. O trabalho de Eduardo Bandeira de Mello e sua equipe são elogiáveis sobre esse ponto de vista, assim como a sua postura sempre aberta ao diálogo com os atletas e membros do BSFC.

- É possível estender essas exigências de gestão, transparência para as Federações e Confederações?

Algumas sim, outras não. O fair play financeiro tem como foco os clubes, mas nós temos trabalhado na LRFE para estabelecer critérios claros sobre a chamada gestão temerária, para que dirigentes tanto dos clubes quanto das entidades de administração prezem por uma gestão transparente e responsável.

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