História relembrada por Rodrigo Capelo no site GloboEsporte.com em 14 de janeiro de 2020 sob o título "Plano Real, 'pool' de empresas e promessa de zerar dívidas – entenda o contexto da chegada de Romário ao Flamengo em 1995". Eis a seguir a integra:
Que a contratação do melhor jogador do mundo não rendeu os títulos esperados, todo mundo sabe. Mas e nas finanças? Contexto da contratação mostra como futebol mudou.
Romário foi apresentado pelo Flamengo em 14 de janeiro 1995, com direito a carreata pelas ruas do Rio de Janeiro. Não era para menos. Melhor jogador em atividade no mundo, o atacante tinha acabado de ganhar a Copa do Mundo de 1994 e vinha do Barcelona.
De certa maneira, a comparação com aquele momento mostra uma série de transformações no mercado do futebol e no Brasil como um todo.
1. A contratação seria impossível em 2020
Mesmo que o Flamengo tenha tenha enorme vantagem financeira perante brasileiros, com mais de R$ 850 milhões em faturamento, a contratação do melhor jogador do mundo é uma possibilidade remotíssima. E a explicação tem mais a ver com Fernando Henrique Cardoso do que com qualquer dirigente rubro-negro.
Romário foi contratado em janeiro de 1995, pouco depois do lançamento do Plano Real, o plano econômico que estabilizou a inflação depois de um longo período de desordem. FHC participou desta história primeiro como ministro da Fazenda de Itamar Franco, depois como presidente.
A estabilização da moeda brasileira abriu uma janela rara para o futebol brasileiro. Entre 1994 e 1999, o Brasil manteve a moeda nacional emparelhada com o dólar. Um para um. Quando Romário foi comprado pelo Flamengo por US$ 4,6 milhões.
A janela se fechou em 1999, depois que Fernando Henrique Cardoso se elegeu presidente pela segunda vez. Logo no início de seu segundo mandato, ele abandonou o que a economia chamava de "bandas cambiais". O governo mudou a mecânica para o "câmbio flutuante". O real, que oscilava dentro de uma margem, a partir daí não tinha mais amarras e teria sua cotação determinada pelo mercado.
Depois que a moeda brasileira perdeu valor em relação ao dólar, alguns efeitos foram sentidos pelo futebol. É verdade que jogadores comprados por clubes estrangeiros passaram a impactar positivamente as contas dos nossos clubes, também efeito da globalização, mas é fato que puxar os melhores do futebol europeu virou uma missão impossível.
2. Romário "zeraria" dívidas do Flamengo
Com aspas no verbo, claro, porque a promessa obviamente não foi feita pelo próprio Romário. Kléber Leite, presidente rubro-negro que executou a contratação na época, apoiou-se num velho raciocínio do futebol brasileiro para justificar o investimento. A chegada do ídolo abriria novas receitas, pagaria o investimento, e muito mais.
O tempo mostraria que nem o Flamengo teria resultados esportivos condizentes com o investimento, nem as dívidas seriam resolvidas.
Kléber Leite prometeu saldar as dívidas rubro-negras com Romário. Não aconteceu
Na verdade, o endividamento rubro-negro só aumentou após a contratação de Romário e de outras estrelas. O Flamengo começou a antecipar receitas da televisão, impostos não foram pagos, dívidas trabalhistas (com jogadores, técnicos e demais funcionários) foram acumuladas. O discurso só valeu para justificar a contratação.
As receitas rubro-negras acabariam subindo nos anos seguintes à contratação, mas as contas não fechariam nenhuma vez entre 1995 e 2000. O Flamengo teve prejuízo em todas essas temporadas. Obviamente, muitos outros fatos influenciaram esse quadro, além da contratação de Romário e de outros grandes jogadores em 1995.
Mas saldar dívidas, mesmo, não aconteceu.
3. Flamengo e o "pool" de empresas
Como o clube fechava suas temporadas todas no prejuízo, na verdade não havia dinheiro próprio para investir na contratação de jogadores. Por mais que a economia brasileira tivesse aberto uma janela para que o futebol fosse buscar ídolos na Europa, só daria para puxar alguém como Romário se houvesse alguma entrada extraordinária de dinheiro.
Kleber Leite conseguiu as contribuições de quatro empresas – Banco Real, BarraShopping, Brahma e Umbro – além de ter contado com apoio da prefeitura do Rio de Janeiro. Apoio de um órgão público na contratação de um jogador de futebol? Coisa dos anos 1990.
Os R$ 4,6 milhões levantados pelo cartola com as empresas não representava um percentual alto na comparação com o faturamento. Eram "apenas" 14%. Mas o Flamengo levava prejuízo todo ano, porque não conseguia pagar todas suas despesas com o que arrecadava.
Vinte e cinco anos depois, o comportamento do clube rubro-negro mudou radicalmente. Quando a diretoria de Rodolfo Landim decidiu contratar Arrascaeta, em janeiro de 2019, investiu R$ 80 milhões. A quantia inclui pagamentos para o Cruzeiro e para o uruguaio Defensor.
O investimento feito para ter Arrascaeta não contou com parceiros excepcionais, nem "pool" de empresas, nem prefeitura carioca. E ainda comprometeu parte menor do faturamento, apenas 9%. O Flamengo que hoje contrata seus craques anda com as próprias pernas, e as memórias de 1995 mostram que isso não é pouca coisa.
No Programa Esporte Espetacular, da Rede Globo, exibido em 26 de janeiro de 2020, mais alguns detalhes sobre esta contratação histórica:
No Programa Esporte Espetacular, da Rede Globo, exibido em 26 de janeiro de 2020, mais alguns detalhes sobre esta contratação histórica:
Logo após conquistar o tetracampeonato da Copa do Mundo com a Seleção Brasileira e ser escolhido o melhor jogador do mundo em 1994, o Baixinho voltou à Espanha, anunciou que não estava feliz e queria voltar ao Brasil.
- Um brasileiro jogando nessas quatro ou cinco maiores ligas do futebol europeu, voltar nessa condição para ganhar menos? Impossível. E nenhum clube hoje no Brasil teria condição financeira para pagar o melhor jogador do mundo. A minha diferença para o retorno do Ronaldo, do Rivaldo e de muitos outros, é que eu estava no auge e não voltei para me aposentar - lembra Romário.
Assim que soube da vontade de Romário, o então presidente recém-eleito do Flamengo Kléber Leite se empolgou. Com o clube sem poder econômico, começou uma engenharia financeira para fechar com o Baixinho. Juntou quatro empresas que bancariam o retorno do melhor do mundo ao Brasil pelo valor de 4,5 milhões de dólares (vale ressaltar que na época, o câmbio do dólar para o real estava um para um). Em contrapartida, essas empresas poderiam explorar a imagem de Romário como garoto propaganda de suas marcas.
- O Flamengo não botou um centavo nessa negociação. Era um processo publicitário: me dá dinheiro em troca de espaço. Na noite anterior à reunião em Barcelona, duas empresas deram para trás. Tivemos que levantar mais 1 milhão em menos de 24 horas. Quando soube do preço que eles queriam pelo Romário, eu disse que pagaria em "plata" na conta do Barcelona. Eles não acreditaram que tivéssemos esse poder econômico - disse Kléber Leite.
Mas o primeiro a saber da vontade de Romário foi o jornalista Gilmar Ferreira, que na época trabalhava para o Jornal do Brasil. Depois de ajudar na caso do sequestro de seu Edevair, pai de Romário, o jornalista estreitou a relação com o Baixinho e recebeu uma ligação incomum.
- Toca o telefone e uma voz amargurada do outro lado da linha. Era o Romário. Ele queria conversar e me disse assim: "Parceiro, quero voltar para o Brasil". Eu sugeri que ele voltasse para o São Paulo, que era um clube grande, com projeto, com Telê Santana e um elenco muito bom. Aí ele me respondeu "Pô, Gilmar, eu não tenho parente em São Paulo". Bem daquele jeito dele - lembra Gilmar Ferreira.
O Baixinho estava abrindo mão de dinheiro para voltar o Brasil: antes de acertar sua saída, o Barcelona ainda acenou com uma renovação de contrato melhor, mas o atacante não quis papo. Ele queria ficar perto da sua família, dos amigos e da praia. Fez do quiosque Viajandão a sua casa: jogava horas e horas de futevôlei ali e curtia a vida.
- É Rio, é praia, é família, é a relação que eu tenho com as pessoas, lugar que eu nasci, naquela época as festas. Quando eu falo que eu tinha que ser feliz, isso tá longe de dizer que eu era triste em Barcelona. Não é isso. Mas a felicidade maior era voltar e eu consegui. Foi um momento inesquecível e fiquei amarradão. Vou lembrar pra sempre e faria tudo de novo, sem pensar - lembra.
O responsável por fechar a transferência com Kléber Leite foi Joan Gaspart, então vice-presidente do Barcelona. Em uma reunião que aconteceu em um hotel na Espanha, os dois dirigentes fecharam um acordo. E dentro desse acordo tinha um outro acordo: se o Flamengo vendesse Romário a um time espanhol com menos de um ano, teria que pagar uma multa. O vice-presidente do Barça admite que era contrário aquela saída do Baixinho.
- Romário teve alguns problemas com a comissão técnica do Barcelona e eles, não eu, decidiram que poderíamos escutar propostas de outros clubes por ele. Seguramente, se eu fosse politicamente mais forte na época, eu não teria vendido o Romário Mas existiam outros que mandavam mais do que eu e decidiram iniciar a negociação com o Flamengo - recorda Joan Gaspart.
No seu primeiro ano com a camisa do Flamengo, Romário foi o artilheiro que se esperava, mas não tão decisivo. O único troféu levantado pelo Fla neste ano foi a Taça Guanabara. Em uma época de disputa de Rei do Rio - um título disputado pelo Baixinho, Renato Gaúcho, Túlio Maravilha e Valdir Bigode -, quem riu por último foi o atacante do Fluminense, que marcou de barriga e garantiu o título estadual. Mas sempre polêmico, Romário ficou marcado para uma de suas frases célebres.
- O que eu tenho para falar para a torcida do Vasco? É que eles levem muito lenços para o estádio, porque eu vou fazer eles chorarem - disse logo na sua apresentação.
Ao todo, em 1995, Romário fez 61 jogos com a camisa do Vasco e marcou 45 gols. Disputou seis campeonatos (Carioca, Brasileiro, Copa do Brasil, Taça Teresa Herrera, SuperCopa dos Campeões da América e Copa dos Campeões Mundiais) e ainda fez mais 12 amistosos (nacionais e internacionais) até sair para o Valência, da Espanha, em 1996.
- Um brasileiro jogando nessas quatro ou cinco maiores ligas do futebol europeu, voltar nessa condição para ganhar menos? Impossível. E nenhum clube hoje no Brasil teria condição financeira para pagar o melhor jogador do mundo. A minha diferença para o retorno do Ronaldo, do Rivaldo e de muitos outros, é que eu estava no auge e não voltei para me aposentar - lembra Romário.
Assim que soube da vontade de Romário, o então presidente recém-eleito do Flamengo Kléber Leite se empolgou. Com o clube sem poder econômico, começou uma engenharia financeira para fechar com o Baixinho. Juntou quatro empresas que bancariam o retorno do melhor do mundo ao Brasil pelo valor de 4,5 milhões de dólares (vale ressaltar que na época, o câmbio do dólar para o real estava um para um). Em contrapartida, essas empresas poderiam explorar a imagem de Romário como garoto propaganda de suas marcas.
- O Flamengo não botou um centavo nessa negociação. Era um processo publicitário: me dá dinheiro em troca de espaço. Na noite anterior à reunião em Barcelona, duas empresas deram para trás. Tivemos que levantar mais 1 milhão em menos de 24 horas. Quando soube do preço que eles queriam pelo Romário, eu disse que pagaria em "plata" na conta do Barcelona. Eles não acreditaram que tivéssemos esse poder econômico - disse Kléber Leite.
Mas o primeiro a saber da vontade de Romário foi o jornalista Gilmar Ferreira, que na época trabalhava para o Jornal do Brasil. Depois de ajudar na caso do sequestro de seu Edevair, pai de Romário, o jornalista estreitou a relação com o Baixinho e recebeu uma ligação incomum.
- Toca o telefone e uma voz amargurada do outro lado da linha. Era o Romário. Ele queria conversar e me disse assim: "Parceiro, quero voltar para o Brasil". Eu sugeri que ele voltasse para o São Paulo, que era um clube grande, com projeto, com Telê Santana e um elenco muito bom. Aí ele me respondeu "Pô, Gilmar, eu não tenho parente em São Paulo". Bem daquele jeito dele - lembra Gilmar Ferreira.
O Baixinho estava abrindo mão de dinheiro para voltar o Brasil: antes de acertar sua saída, o Barcelona ainda acenou com uma renovação de contrato melhor, mas o atacante não quis papo. Ele queria ficar perto da sua família, dos amigos e da praia. Fez do quiosque Viajandão a sua casa: jogava horas e horas de futevôlei ali e curtia a vida.
- É Rio, é praia, é família, é a relação que eu tenho com as pessoas, lugar que eu nasci, naquela época as festas. Quando eu falo que eu tinha que ser feliz, isso tá longe de dizer que eu era triste em Barcelona. Não é isso. Mas a felicidade maior era voltar e eu consegui. Foi um momento inesquecível e fiquei amarradão. Vou lembrar pra sempre e faria tudo de novo, sem pensar - lembra.
O responsável por fechar a transferência com Kléber Leite foi Joan Gaspart, então vice-presidente do Barcelona. Em uma reunião que aconteceu em um hotel na Espanha, os dois dirigentes fecharam um acordo. E dentro desse acordo tinha um outro acordo: se o Flamengo vendesse Romário a um time espanhol com menos de um ano, teria que pagar uma multa. O vice-presidente do Barça admite que era contrário aquela saída do Baixinho.
- Romário teve alguns problemas com a comissão técnica do Barcelona e eles, não eu, decidiram que poderíamos escutar propostas de outros clubes por ele. Seguramente, se eu fosse politicamente mais forte na época, eu não teria vendido o Romário Mas existiam outros que mandavam mais do que eu e decidiram iniciar a negociação com o Flamengo - recorda Joan Gaspart.
No seu primeiro ano com a camisa do Flamengo, Romário foi o artilheiro que se esperava, mas não tão decisivo. O único troféu levantado pelo Fla neste ano foi a Taça Guanabara. Em uma época de disputa de Rei do Rio - um título disputado pelo Baixinho, Renato Gaúcho, Túlio Maravilha e Valdir Bigode -, quem riu por último foi o atacante do Fluminense, que marcou de barriga e garantiu o título estadual. Mas sempre polêmico, Romário ficou marcado para uma de suas frases célebres.
- O que eu tenho para falar para a torcida do Vasco? É que eles levem muito lenços para o estádio, porque eu vou fazer eles chorarem - disse logo na sua apresentação.
Ao todo, em 1995, Romário fez 61 jogos com a camisa do Vasco e marcou 45 gols. Disputou seis campeonatos (Carioca, Brasileiro, Copa do Brasil, Taça Teresa Herrera, SuperCopa dos Campeões da América e Copa dos Campeões Mundiais) e ainda fez mais 12 amistosos (nacionais e internacionais) até sair para o Valência, da Espanha, em 1996.
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