segunda-feira, 1 de março de 2021

Por quem os sinos tocaram


O Flamengo estabeleceu um novo marco em sua história com a conquista do Bi-campeonato Brasileiro de 2019 e 2020. O oitavo título brasileiro da história rubro-negra definiu o marco definitivo de uma nova "Era de Ouro" do clube. É preciso relembrar que ainda durante 2020, enquanto a campanha irregular se desenhava no Campeonato Brasileiro, foram manifestadas opiniões na imprensa esportiva de que as glórias de 2019 haviam sido mera sorte. Por mais que o Flamengo de 2019 tenha conseguido o que nenhum outro time havia conseguido na história do futebol brasileiro: vencer ao Brasileirão e à Libertadores no mesmo ano (se já não bastasse tal feito, conquistou definitivamente aos dois troféus no mesmo fim de semana com menos de 24 horas de diferença entre um e outro), ainda assim havia quem visse um mero acaso. Aparecerão idiotas para levantar a voz e dizer: "o Santos de 1963 também conseguiu". Todo e qualquer idiota precisa ser tratado com paciência e ensinando os fatos de forma educativa: em 63 a campanha de conquista da Taça Brasil envolvia apenas quatro jogos - dois semi-finais e dois finais - e isto não é a mesma coisa do que terminar 38 rodadas em turno e returno a frente na tabela de classificação. Assim como a lição simples dos fatos tem o poder de educar a estes jornalistas idiotas (Nélson Rodrigues sofreria um infarto em menos de vinte e quatro horas após voltar à vida, caso ressuscitasse nos dias de hoje!) é preciso revisitar muita coisa passada nos últimos anos para iluminar a outros, especialmente num Rio de Janeiro arcaico, decadente e atrasado como o do Século XXI.

O que o Flamengo aprendeu, e muitos outros precisam aprender nestas terras cariocas - alguns flamenguistas mesmo só absorveram na marra, e outros fingem ter entendido, mas estão só silenciados - é a lição aqui escrita, em texto original de março de 2017 sob o título "Finanças vs Futebol: o Falso Dilema", que assim falava: "o Flamengo visivelmente deu um salto enorme financeiramente. Onde antes faltava dinheiro, passou a sobrar. A dívida descontrolada, que levava subsequentemente as demandas trabalhistas de ex-jogadores e ex-treinadores a tomar todas as manchetes relativas ao clube na imprensa, passou de um tigre bravo a um gato manso, uma dívida, agora, totalmente domesticada. Sumiram das manchetes não só os estardalhaços trabalhistas e as sentenças que se apoderavam de parte de receitas futuras, como notícias ainda mais desagradáveis, como atrasos de salário dos funcionários, corte de fornecimento de água e quantidade insuficiente de bolas para os treinos. Isto por si só já é muita coisa. Ainda assim, sempre ficou o eco de que os dirigentes desta gestão, responsáveis por esta transformação, podiam entender de finanças, mas não entendiam de futebol".

É uma verdade que precisa ser repetida, mas é preciso ir muito além na reflexão. Vamos voltar no tempo e relembrar a briga política do início de 2015 no Rio de Janeiro entre o Flamengo e a Federação, com Vasco, Botafogo e todos os times menos tradicionais do estado do Rio contra os interesses rubro-negros. A esta altura já fica óbvia a resposta à provocação do título deste texto. Exatos seis anos depois, é hora de rever e concluir por quem os sinos tocaram...

Vamos relembrar o texto aqui publicado em 4 de fevereiro de 2015, cujas primeiras palavras eram uma tradução livre do verso da canção "For Whom The Bell Tolls", do grupo Metallica - "Lutando, porque eles estão certos. Sim, mas quem pode dizer? O tempo marcha. Por quem os sinos tocam? Há horas para provar quão fortes são nossas crenças!" - a mesma canção que inspirou o título daquele texto: "Por quem os sinos tocam?".

Relembrando-o: "Por quem os sinos estavam tocando? Situação? Oposição? Eurico Miranda? Federação? Era preciso se dar tempo ao tempo para saber. Mas eles estavam tocando. E tão fortes, que todos já tinham escutado!

Nunca foi fácil e muito menos foi simples para se fazer uma revolução. Só é possível para aqueles que sejam emocionalmente fortes. Só é possível para aqueles que sejam persistentes. Não se pode desistir facilmente, até porque do outro lado nunca haverão oponentes que estarão dispostos a desistir facilmente.

Não resta dúvidas que entre 2013 e 2015 a Gestão do Flamengo conseguiu impor algumas revoluções. Foram muitas suas batalhas vencidas internamente. Não fazia tanto tempo (foi no início de 2013) que um de seus grupos opositores comemorou uma vitória num dos embates da Política Interna fazendo xixi, sim, literalmente mijando, dentro do auditório. Foi preciso muita persistência. Estes líderes de torcida organizada deixaram de frequentar os noticiários (parênteses no texto original: José Carlos Peruano ainda voltou, como candidato à Presidência na eleição que consagrou Rodolfo Landim como novo mandatário, e voltou a para receber a menor votação da história de uma eleição no Clube de Regatas do Flamengo, tendo recebido meros 22 votos, 0,7% do total).

No dia no qual impediu-se a candidatura de Wallim Vasconcelos, no fim de 2012, houve muitos que acreditaram num golpe no grupo político que recém se apresentava. Ao invés de sair enfraquecido, o grupo saiu fortalecido. Logo depois emergiu o nome de Eduardo Bandeira de Melo para atender às exigências estatutárias usadas como armas de enfraquecimento das novas ideias. Eleição vencida e todos já sabiam que ali se iniciava um capítulo novo, não era retórica. Restava aguardar e entender qual seria o final.

Foram muitos encontros e desencontros. Obtenção de CNDs, camisa cheia de patrocínio, aceleração do Sócio-Torcedor, título da Copa do Brasil, reduções subsequentes da dívida do clube: pequenas revoluções administrativo-financeiras em marcha. Então, pressões derrubaram Wallim Vasconcelos como vice de futebol. "Os carecas" estariam se perdendo, já não falavam a mesma língua. Seria a brecha para derrubá-los. A eleição do Conselho Deliberativo em 2014 seria decisiva. A situação venceu com emblemáticos 66% dos votos. A maior das guerras internas foi vencida.

Mas o caminho ainda era longo. Desde o início de 2014 já vinham ataques externos partidos da FERJ. O presidente da Federação do Rio, Rubens Lopes, mostrava suas garras. Capitão Léo já passara a comandar o Conselho Fiscal da FERJ. Faltava uma peça no entanto. Eurico Miranda então ganhou a eleição no Vasco, substituiu Roberto Dinamite, e influenciada nos bastidores por ele, a FERJ voltou a ser o campo de batalha de outrora. A Guerra Interna passou a uma Guerra Externa. Estaria este grupo político preparado para ela? A turma parecia bem preparada para a briga. Emitiu notas firmes. Não fugiu do embate e foi de corpo presente à Federação. Prejuízos do trio Vasco-Botafogo-Fluminense na 1ª rodada, interferência política do Governo do Estado. A FERJ cedeu. Mais uma batalha parcialmente vencida.

A primeira grande batalha externa, no entanto, deixou marcas. Os desencontros de opinião entre Jurídico e Marketing levaram Luiz Eduardo Baptista, o BAP, a desligar-se da Vice-presidência de Marketing. Não foi qualquer baixa. Logo na primeira vez em que Eurico Miranda "bateu pra valer no Flamengo", conseguiu muito. BAP foi o articulador deste grupo político desde o princípio. Em fevereiro de 2013, em entrevista à ÉPOCA Negócios, ele foi enfático: "O Flamengo terá a maior arrecadação do Brasil. Ponto. Podemos ter dúvida de quando. Mas vai ser em 2014". Os números oficiais ainda não tinham sido divulgados, mas as prévias indicavam que missão dada, foi missão cumprida. O Flamengo em 2014 teria desbancado Corinthians e São Paulo, e pela 1ª vez desde que a turma da área de negócios passou a monitorar isto, tido a maior receita do Brasil.

Restava uma dúvida porém. Era uma saída como a de Wallim, que continuou ativamente como parte do grupo? Era uma substituição de peças como a troca de Wallim por Bandeira no encabeçamento da chapa? Era um racha com desdobramentos para a eleição do fim de 2015? O que não se pode é se desvirtuar dos princípios básicos conquistados no biênio 2013 e 2014: transparência na gestão financeira e eficiência nas contas. O que não fosse capaz de derrubar estes pilares, seria passageiro. Lá atrás, a história toda se iniciou com uma expectativa de enfraquecimento que foi revertida em fortalecimento. Era o que seria novamente visto? Afinal, por quem os sinos tocavam?".

Sete meses depois deste texto "Por quem os sinos tocam?", a linha de raciocínio foi complementada com outro texto publicado em 15 de setembro de 2015 sob o título "Por quem os sinos tocam? - Parte II", e nele foi assim dito: "A revolução prometida buscava atacar várias frentes, reinventar certas ordens, criar novos rumos, fazer diferente, e em diversificadas frentes, internas e externas. O capítulo "Por quem os sinos tocam?" deixou perguntas no ar: os sinos tocavam pela situação, pela oposição, por Eurico Miranda, pela Federação? A vida não é um conto de fadas, e ao final a conclusão sempre é: os sinos tocam por todos. Ninguém nunca sai ileso no final. Mas certamente alguns mais e outros menos.

A atitude da diretoria do Flamengo no embate com a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) durante o Campeonato Carioca de 2015 foi perfeita: manteve-se na disputa, driblou o embate com factoides na imprensa, do tipo que gera ameaças de paralisação do campeonato; jogou a questão para a edição seguinte de 2016. Foi uma jogada de mestre, preservando a imagem do clube e dos seus parceiros, evitando um embate problemático e prejudicial com a detentora dos direitos de transmissão da competição. Evitou o alarde, mas o tempo mostrou que não se omitiu, não era birra ou covardia, era estratégia.

Mas os sinos tocaram na política interna do clube de forma irremediável. O episódio gerou sim uma divisão efetiva da Gestão Azul, culminando no lançamento de duas chapas à presidência do clube para a gestão 2016-2018. De um lado, Eduardo Bandeira de Mello, Flávio Godinho e Cláudio Pracownik, do outro, Wallim Vasconcelos, Rodolfo Landim, Luiz Eduardo Baptista (BAP), Rodrigo Tostes e Carlos Langoni. Os sinos tocaram para a política interna do clube, com desdobramentos marcantes e que, mesmo que em algum momento houvesse reaproximação, eram irreversíveis. A marca da ruptura não poderia mais ser apagada.

Marcas ainda mais intensas no ambiente político da FERJ. Flamengo e Fluminense se afastaram completamente, e foram enfáticos em sua decisão conjunta, estavam decididos a jogar o Carioca 2016 com uma equipe Sub-23. Só jogariam, porque caso não o fizessem, as regras da CBF, com respaldo da FIFA, levariam ambos à excomunhão (exclusão do quadro de filiados). A escolha foi por não haver mais a opção diálogo. O presidente Rubens Lopes, tendo ao presidente do Vasco, Eurico Miranda, como fiel escudeiro, não tinha outra estratégia que não ameaçar a dupla Fla-Flu com "as mais pesadas sanções previstas no estatuto". Uma reprise de um filme já passado nos Anos 1990 quando o presidente da federação era Eduardo Vianna, o Caixa D'Água. Vasco e Botafogo, ao lado dos 12 pequenos inscritos para o Carioca de 2016, espumavam de raiva.

Por quem os sinos estavam tocando? A estratégia da FERJ iniciada em 2014 e consolidada em 2015, era de atacar as receitas do Flamengo e abocanhar para ela parte dos recursos. O Flamengo sustentava a turma toda. Em 2014 a FERJ extraiu parte dos repasses de TV para dá-lo ao campeão, que naquele ano como foi o próprio Flamengo, voltou para a Gávea. Já em 2015 a intervenção foi sobre o preço dos ingressos, medida que prejudicava os programas de Sócio-Torcedor de Fla e Flu, e o agora privatizado Consórcio Maracanã. Minava ainda os recursos de bilheteria de Fla e Flu, sem maiores consequências para a política praticada pelo Vasco em São Januário e pelo Botafogo no Engenhão. Numa conjuntura de um campeonato com Fla-Flu Sub-23 todos perderiam, e muito! Ainda mais os pequenos. E logicamente também a federação.

Por quem os sinos tinham tocado? Sim, para todos. Mas certamente para uns mais e para outros menos. A própria situação de Vasco e Botafogo dizia por si só. O Botafogo na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. O Vasco recém voltara da Segunda Divisão, passou praticamente todo o Brasileiro 2015 em último lugar e o rebaixamento representaria a terceira queda para a Série B num intervalo de apenas oito anos (rebaixamentos em 2008, 2013 e 2015). Sem estratégia própria de aumento de suas receitas, a opção foi atacar receitas alheias. O tiro saiu pela culatra.

Durante o Carioca 2015, a estratégia foi empurrada para 2016 para que se ganhasse tempo na busca de alternativas e não se perdesse tempo numa luta infrutífera de factoides via imprensa. A dupla Fla-Flu se aproximou de clubes de outros estados e nasceu um novo conceito, a Liga Sul-Minas-Rio. Foram várias reuniões até que se chegasse à proposta final. Em 10 de setembro de 2015, na sede do Flamengo, na Gávea, foi oficialmente fundada a liga, com 13 membros: Grêmio, Internacional, Coritiba, Atlético Paranaense, Figueirense, Criciúma, Avaí, Joinville, Chapecoense, Cruzeiro, Atlético Mineiro, Flamengo e Fluminense. O objetivo era ter um campeonato com 10 equipes já em 2016.

A decisão foi uma bomba. O primeiro grito de desespero, via imprensa, foi o anúncio anônimo - já que cada notícia indicava uma fonte diferente - da tentativa de criação em 2016 de um Torneio Rio-São Paulo, reunindo paulistas, Vasco e Botafogo. Curioso é que em nenhum momento houve qualquer manifestação dos clubes de São Paulo a favor disto. Foi um grito de desesperados. Obviamente a ideia naufragou muito rápido. Os sinos haviam tocado muito além do que se imaginava. Obviamente a questão atingia também à Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão. Todos sabiam que uma hora chegaria nela, mas lhe oferecendo um produto mais rentável, era mera questão de negociação. Agora a questão atingia também à CBF, que era a única que tinha poder político para impedir o torneio de acontecer. A questão é que os envolvidos na Nova Liga representavam 50% dos participantes da Série A; não lhe era conveniente mais a imposição, nem sob a pressão das Federações Estaduais, agora só lhe era conveniente a negociação.

Por quem os sinos tinham tocado? Muita coisa já estava mais clara agora. Restava aguardar o avanço das negociações e entender quais de fato tinham sido as consequências. Era preciso se dar ainda mais tempo ao tempo para se saber. Mas eles estavam tocando cada vez mais fortes. Cada vez mais gente estava escutando!"...

Na guerra, os sinos sempre tocam para todos. Ninguém nunca sai ileso no final. Mas divisões políticas internas a parte, os princípios financeiros seguiram mantidos e fortes no Flamengo. A Liga Sul-Minas-Rio se tornou Copa da Primeira Liga, com uma primeira edição de algum sucesso e uma segunda fracassado. Aquela revolução morreu, mas a luta por diversificar as fontes de crescimento de receitas seguiu viva! Vieram outras batalhas, algumas vencidas e outras perdidas, mas ao final: o tempo é o senhor da razão!

O discurso de que "Balanço financeiro não ganha jogo foi perdendo força, e o óbvio sobre o falso dilema entre finanças ou futebol foi ficando cristalino. A "Nova Era de Ouro" com os títulos do biênio 2019-2020 são a história irrefutável escrita pelo tempo. Mas não só pelos troféus - que são cruciais sim! - pois o desempenho em Campeonatos Brasileiros entre 2016 e 2020 é o melhor de toda a história rubro-negra: 3º lugar em 2016, 6º em 2017, 2º em 2018 e 1º em 2019 e em 2020. Em quatro edições num intervalo de cinco anos o Flamengo foi Top 3 do Brasileirão. Não há paralelo na história do Flamengo. Nenhum outro clube do Brasil teve um desempenho melhor do que este entre 2016 e 2020! O modelo de gestão fora de campo fez as sementes germinarem!

E para quem mais os sinos tocaram? Bom, tocaram claramente com mais força para aqueles que se negaram a aceitar a necessidade de inovar e fazer crescer suas receitas, preferindo se agarrar a arranjos e embates políticos de bastidores ligados a interesses outros. Da aliança com a FERJ, Botafogo e Vasco colheram algo de frutos, afinal foram os dois finalistas das edições de 2015 e 2016 do Campeonato Carioca. Mas mais uma vez o tempo se mostrou também senhor da razão, e nada mais emblemático do que o Brasileirão de 2020 para prová-lo, ao final do qual o Flamengo terminou em 1º lugar na tabela de classificação, e Botafogo e Vasco terminaram entre os últimos colocados, rebaixados à Segunda Divisão, mais uma vez. O Botafogo rebaixado pela terceira vez, já que já o fora em 2002 e em 2014, jogando a Série B em 2003 em 2015. E o Vasco rebaixado pela quarta vez, já que já o fora em 2008, 2013 e 2015, jogando a Série B em 2009, 2014 e 2016. Está claro e cristalino para quem os sinos tocaram...


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