quarta-feira, 28 de julho de 2021

Em 1939, a primeira conquista de um "Novo Flamengo"


Mais uma maravilhosa história contada com maestria e envolvente narrativa por Emmanuel do Valle em seu blog Flamengo Alternativo:

Teve goleada sobre rival, fim de jejum e volta olímpica ostentando as faixas de campeão antes da bola rolar. No dia 3 de dezembro de 1939, o Flamengo comemorava em grande estilo a conquista de seu 7º Campeonato Carioca com um 4 a 0 sobre o Vasco no Estádio de Laranjeiras. Foi um dia festivo: o título mesmo já havia sido assegurado por antecipação uma semana antes e sem entrar em campo. Mas aquela taça teria uma simbologia muito maior, em meio a uma era crucial de transição na história rubro-negra.

O Flamengo não vencia o Campeonato Carioca havia 12 anos quando começou a disputar o torneio de 1939. Era então – e continuaria a ser até hoje – o maior jejum da história rubro-negra. Era, por outro lado, depois de todo aquele longo período, um outro clube. O time campeão de 1927 ainda era amador, jogava no campo da Rua Paissandu e teve o atacante Nonô como nome decisivo na reta final daquela conquista marcante.

Bem no meio desse período entre 1927 e 1939, houve um ponto de virada que mudaria de maneira profunda a história do clube: a chegada do empresário e publicitário José Bastos Padilha à presidência em 3 de fevereiro de 1933, data em que foi eleito e empossado. Quinze dias antes, uma reunião do Conselho Deliberativo do clube havia rechaçado a adesão rubro-negra ao regime profissional em vias de ser implantado no futebol carioca.

Mas as coisas tomariam outro rumo sob a influência do novo mandatário, certo de que o novo regime significava o futuro do esporte no país e de que o Flamengo corria o risco de ficar para trás caso não aderisse a ele. Numa nova reunião em 19 de maio, o clube mudou de ideia, deixando pouco depois a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), amadora, para se filiar à nova Liga Carioca de Football (LCF), profissional.

No começo daquele ano, o Flamengo também havia ficado temporariamente sem casa. O velho campo da Rua Paissandu, em terreno arrendado da família Guinle, e que também abrigava uma das sedes do clube, havia sido devolvido aos donos no dia 1º de janeiro, logo após a disputa do Campeonato Carioca de 1932, depois que o clube não conseguiu reunir a quantia pedida pelos proprietários para a compra do terreno.

Daquela data até 1938, o Flamengo perambularia por vários estádios da cidade emprestados por outros clubes para mandar seus jogos, principalmente os de Laranjeiras e Campos Sales. Mas havia um importante trunfo a ser viabilizado: em março de 1926, o então presidente rubro-negro Faustino Esposel havia assinado um contrato com a Prefeitura do Rio de Janeiro para a cessão de um terreno às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas.

A cessão por aforamento perpétuo foi oficializada em decreto em novembro de 1931, mas desde então o Flamengo não havia mexido em um grão daquele "areal de fim de mundo", como o local era tratado com desdém por muitos dos sócios. Coube a Padilha, em dezembro de 1933, pagar uma taxa à administração municipal para movimentar o início das obras, que incluíam levantar um muro ao redor do terreno, obrigação que constava no decreto.

Em agosto de 1936, era lançada a pedra fundamental do Estádio da Gávea. E pouco mais de dois anos depois, em setembro de 1938, a nova casa rubro-negra era oficialmente inaugurada. Na ocasião, o presidente rubro-negro já era o português Raul Dias Gonçalves – Padilha renunciara no fim de 1937, durante seu terceiro mandato, para dar mais atenção à família e aos negócios, mas indicara o sucessor.

O Flamengo também não contava mais com nenhum dos campeões de 1927 em seu elenco. Mas o médio Flávio, popularmente conhecido como "Alicate", era agora o treinador do time e ganhava o direito de ser chamado por nome e sobrenome: Flávio Costa. Nonô, o artilheiro que voltara ao time na reta final para ser herói na última conquista, já tinha então virado saudade, vitimado precocemente pela tuberculose em julho de 1931, aos 32 anos.

E dentro de campo, o Flamengo também havia passado por mudanças radicais no período entre 1927 e 1939. Pouco depois da chegada de Bastos Padilha à presidência, o clube fez suas primeiras partidas fora do país, no Estádio Centenário de Montevidéu, contra os poderosos Peñarol (o qual venceu por 3 a 2 na estreia) e Nacional. A mesma ocasião também valeu por enfim abrir as portas do time aos jogadores negros em caráter definitivo.

Ainda que Friedenreich já houvesse vestido o manto por um dia em 1917, que o já citado ídolo Nonô tivesse nítidos traços afrodescendentes, e que negros como José Augusto Santos Silva e Waldemar Gonçalves já integrassem com destaque desde os Anos 1920 as equipes de atletismo e basquete, respectivamente, o time de futebol do Flamengo ainda era até então quase exclusivamente branco, o que não condizia com o espírito aberto às ruas do clube, com a realidade do futebol de então e até com a própria cidade.

Em abril de 1933, sob o pretexto de reforçar seu elenco com atletas cedidos por outros clubes para a excursão ao Rio da Prata (prática comum na época), o Flamengo foi buscar jogadores como os pontas Roberto (São Bento, de Niterói) e Jarbas (Carioca), o meia Ladislau da Guia (Bangu) e o atacante Gradim (Bonsucesso), todos negros. Os dois primeiros seriam contratados em definitivo logo após chegarem da viagem, e o terceiro voltaria de vez ao clube mais tarde.

Logo viriam outros, como os gaúchos Pedroso (Brasil de Pelotas) e Barbosa, e o médio Otto (Carioca). Mas o ano crucial seria 1936, quando aportou no clube uma trinca de atletas negros de grande prestígio no futebol do Rio: o zagueiro Domingos da Guia, o médio Fausto dos Santos e o atacante Leônidas da Silva. Na mesma época, Ladislau da Guia, irmão de Domingos, voltou ao Flamengo, que também trouxe seu irmão mais novo Mamédio, o Médio.

A vinda de Leônidas foi motor de outra revolução no clube. Era um jogador bastante popular desde que, como atleta do Bonsucesso, havia sido destaque da Seleção Brasileira na conquista histórica da Copa Rio Branco de 1932 em cima dos uruguaios, então campeões mundiais, dentro de Montevidéu. Depois, além de defender brevemente o Peñarol, tivera passagens discretas pelo Vasco e pelo Botafogo, embora levantasse títulos.

No clube de General Severiano, Leônidas fora particularmente humilhado. Além de sofrer com o racismo de alguns dirigentes, foi afastado do time por seis meses quando pediu para ser vendido. Quando o Flamengo apareceu interessado, o Botafogo pediu um valor ridículo, irrisório por seu passe. E o fez esperar por várias horas debaixo de sol, do lado de fora da casa do presidente do clube, Paulo Azeredo, para obter sua rescisão de contrato.

Tanto para o Flamengo quanto para Leônidas, foi um ótimo negócio. Leônidas queria ser amado. E o Flamengo, disposto a amá-lo, contava agora com um ídolo popular, que o catapultaria de vez ao status de clube de massa. O Rubro-Negro – dos corsos, das festas na rua, no meio do povo, para comemorar suas vitórias e títulos – já era um clube muito querido. Mas não era o bastante. O desejo era se tornar incontestavelmente o Mais Querido.

Vale lembrar que na época ainda não havia como saber qual era a maior torcida do Rio (muito menos do Brasil) diante da completa ausência de pesquisas confiáveis para tal – o que havia então eram concursos de popularidade promovidos por jornais e em geral atrelados a algum produto comercial, caso da famosa Taça Salutaris, oferecida pela empresa distribuidora de água mineral de mesmo nome e conquistada pelo Flamengo em janeiro de 1928.

Porém, após sua brilhante participação com a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1938, na França, quando se sagrou o artilheiro da competição e assombrou os europeus, Leônidas era disparado o jogador mais popular do país. E, juntamente com as potentes ondas da Rádio Nacional, que naquela década começava a transmitir os jogos dos times cariocas para todo o Brasil, ajudou a amplificar consideravelmente a popularidade do Flamengo.

Outra transformação vinda na esteira da adoção do regime profissional era a contratação em massa de jogadores estrangeiros, especialmente argentinos, não só no Flamengo como nos demais clubes do Rio. No Rubro-Negro, eles começaram a chegar em 1937. Da leva inicial, apenas o meia argentino Agustín Valido, ex-Lanús, permanecia no elenco da temporada 1939, junto com outros quatro compatriotas, incluindo um nome de Copa do Mundo.

Ponta-esquerda rápido e preciso nos cruzamentos, Raimundo Orsi fez história no Independiente e na Juventus, e defendeu as seleções da Argentina e da Itália. Nesta última foi campeão mundial em 1934, inclusive marcando gol na final diante da Tchecoslováquia. Em março de 1939, já com 37 anos, aportou no Flamengo após passagens rápidas por Boca Juniors e Platense. Não chegou, porém, a brilhar: atuou apenas duas vezes no campeonato.

Melhor desempenho tiveram o centromédio Carlos Volante e o meia-esquerda Alfredo González, ambos titulares indiscutíveis da equipe. Volante, que viraria referência da posição a ponto de ela mais tarde receber seu nome, havia atuado na Argentina, Itália e França antes de chegar à Gávea. González, ex-Boca Juniors, conseguiu suplantar Leônidas e se sagrar o artilheiro rubro-negro na campanha, com 13 gols. Já o centroavante Arturo Naón não deu certo.


A DISPUTA COMEÇA
O Campeonato Carioca de 1939 começaria em abril e seria disputado por nove clubes em três turnos corridos – as equipes jogavam uma vez em casa, uma vez fora e outra em campo neutro. Tricampeão, o Fluminense era apontado como o grande favorito ao lado do Flamengo, mas Vasco, Botafogo e América, os outros grandes da época, corriam por fora. Dos demais, São Cristóvão e Madureira, que vinham de boas campanhas, prometiam surpreender.

O Madureira, adversário da estreia em seu antigo alçapão da Rua Domingos Lopes, tinha uma equipe consideravelmente forte. Três anos antes, decidira o título do campeonato da antiga Federação Metropolitana de Desportos (FMD) com o Vasco, e daquele time ainda permaneciam nomes como os zagueiros Norival e Cachimbo e o ponta-direita Adílson, acompanhados agora por jovens talentos como os meias Lelé e Jair Rosa Pinto.

Para completar, na semana anterior o Tricolor Suburbano havia conquistado o Torneio Início, indicando que poderia atrapalhar a vida dos grandes. Porém, mesmo sem contar com Leônidas, o Flamengo não se intimidou e já foi para o intervalo vencendo por 2 a 1, gols de Valido e González (de pênalti). Na etapa final, ampliou a contagem com outro de Valido e dois de Caxambu, o substituto do Diamante Negro, chegando à goleada de 5 a 1.

Mesmo com o bom resultado da estreia, Flávio Costa alterou o time do Flamengo para o jogo contra o Botafogo, trazendo de volta o goleiro Wálter no lugar de Yustrich, os médios Hermínio de Britto e Volante nos postos de Natal e Jocelyno, e com Leônidas fazendo seu primeiro jogo naquela campanha atuando na meia-direita, com Valido deixando o time. Além da rivalidade de sempre, o jogo registraria também uma visita ilustre. Entre os torcedores estava o presidente da Fifa, Jules Rimet.

Arquibancadas da Gávea lotadas para Flamengo 4 x 1 Botafogo

O francês Jules Rimet, presidente da Fifa e criador da Copa do Mundo, estava de passagem pelo Brasil e foi ao Estádio da Gávea para ver a partida, de olho especialmente em Leônidas, eleito o craque do Mundial disputado na França no ano anterior. O Botafogo, por sua vez, queria tirar a forra das duas derrotas impostas pelo Flamengo no Carioca de 1938: 5 a 0 dentro de General Severiano e 2 a 0 no novo estádio rubro-negro. Ficaram na vontade.

De início, os alvinegros tentaram bloquear o ataque do Flamengo com uma defesa "cerrada". Mas o primeiro gol saiu logo aos oito minutos, quando Leônidas cobrou falta sofrida por ele próprio e estufou as redes de Aymoré. Cumprindo excelente atuação, o ponta-esquerda Jarbas anotou o segundo, aproveitando um recuo mal feito da zaga do Botafogo. Quando o time visitante perdeu de vez seu médio Martim por lesão, não pôde mais se segurar.

Na etapa final, o Fla chegou ao terceiro gol com González, antes de o Botafogo – que quase não ameaçou a meta de Wálter durante a partida – descontar com Patesko. Mas ainda houve tempo para ser decretada a goleada rubro-negra: a três minutos do fim, Jarbas passou pelo zagueiro Bibi e cruzou rasteiro para o ponta-direita Sá emendar de canhota para as redes, arrematando mais uma grande vitória naquele início de campeonato.

O grande obstáculo ao título rubro-negro, e que já havia atrapalhado em anos anteriores, era, segundo a imprensa, a própria irregularidade das atuações da equipe, capaz de fazer partidas arrasadoras num dia e desastrosas em outro. E o primeiro turno seria um retrato disso: depois de chegar à terceira goleada aplicando 5 a 1 no São Cristóvão em Figueira de Melo, o Fla foi batido por 4 a 0 pelo Bangu na Gávea, num jogo que terminou em pancadaria.

Depois, no primeiro Fla-Flu do campeonato, com o Estádio de Laranjeiras lotado, renda recorde e muitos torcedores tendo de receber atendimento médico por insolação devido ao forte calor, o time rubro-negro foi para o intervalo perdendo por 2 a 0 dos tricolores, mas reagiu depois que Valido entrou no lugar de Caxambu (com Leônidas passando ao comando do ataque) para anotar os dois gols que levaram o Flamengo ao empate.

Porém, o time ainda viveria de oscilações no campeonato. Na partida seguinte, mesmo sem Leônidas, o time aplicaria uma surra de 7 a 1 sobre o América, a maior da história do confronto. Vale lembrar que naquela década os rubros haviam levantado dois títulos cariocas. Mas naquele 28 de maio na Gávea, caíram sem apelação com três gols de Caxambu, dois de Valido, um de Sá e um de Jarbas, com Hortêncio descontando para o clube tijucano.

Depois do massacre sobre o América, o time voltaria a decepcionar, perdendo para o Vasco por 2 a 0 na Gávea. O turno seria encerrado com uma vitória tranquila sobre o Bonsucesso em Teixeira de Castro por 5 a 1, com mais dois gols de Caxambu, dois de Sá e um de González. Assim, o Fla terminava o primeiro terço do campeonato como líder ao lado do Vasco, um ponto à frente de Botafogo e São Cristóvão, e dois à frente do Fluminense.

Ausente por lesão nos três últimos jogos do turno, Leônidas ainda foi baixa nos quatro primeiros do returno, somando dois meses e meio de ausência. Com Caxambu ainda em seu lugar, o time voltou a fazer 5 a 1 no Madureira, agora na Gávea. Nos outros três jogos, entrou o argentino Naon, que não aprovou: o Fla levou o troco do Botafogo em General Severiano (5 a 1), empatou com o São Cristóvão (2 a 2) e venceu apertado o Bangu na Rua Ferrer (2 a 1).

Curiosamente, a volta do Diamante Negro se daria contra o mesmo adversário o qual ele havia enfrentado da última vez, o Fluminense. A partida disputada no campo neutro de São Januário foi um grande evento: pelo lado tricolor, também marcava o retorno do atacante Russo. E Gagliano Netto, a voz do rádio esportivo mais popular da época, também voltava à Rádio Mayrink Veiga comandando a transmissão. E o jogo bateu o recorde de renda do certame.

E o próprio Leônidas se encarregaria de abrir o placar, cobrando pênalti de Orozimbo em Valido aos 22 minutos de partida. Na etapa final, o Flamengo ampliou aos 17 minutos, quando Jarbas bateu escanteio e González subiu mais que a defesa tricolor para cabecear para as redes de Batatais. O Fluminense ainda descontaria perto do fim do jogo com um chute forte de Romeu, mas não foi o suficiente para impedir a vitória rubro-negra.

Duas semanas depois, o Flamengo voltaria a vencer o América, desta vez no estádio adversário de Campos Sales. Jarbas, o "Flecha Negra", marcou os dois na vitória por 2 a 1. E no dia 3 de setembro, o time voltaria a São Januário para a revanche contra o Vasco. Logo no início do jogo, os cruzmaltinos perderam o zagueiro Jaú, atingido por uma bolada na barriga ao tentar deter um chute forte de Jarbas, e tiveram de recuar o médio uruguaio Emanuel Figliola para a defesa.

Mesmo assim, o Flamengo já era superior na partida e não demorou a abrir a contagem: Jarbas passou por Orlando e fez ótimo passe para Leônidas, que ajeitou e finalizou sem chances para o goleiro Nascimento. Na volta para o segundo tempo, o Vasco ainda resistiu por cerca de 25 minutos à pressão rubro-negra, evitando o aumento do placar. Mas não resistiu a Leônidas, que voltou a fazer das suas, acertando uma bicicleta espetacular.

"Mas a pressão dos rubro-negros conseguiu naquella altura concretizar-se com o goal mais espetacular da tarde. Um centro de Jarbas lançou a confusão na área vascaína. De costas para o goal, Leônidas saltou com o corpo quasi horizontalmente ao sólo, e 'puxou' a pelota para dentro das rêdes. Um goal notável, pelo malabarismo da sua conquista, e que abateu definitivamente o quadro da camisa negra", escreveu a Revista O Globo Sportivo.

Depois desta pintura, o Flamengo ainda teve tempo para anotar o terceiro, a quatro minutos do fim: o ponteiro Sá entregou a González, que, da meia-direita, acertou um chute cruzado indefensável, fechando o placar num inquestionável 3 a 0. Ao fim da partida, os jogadores das duas equipes – que recentemente haviam excursionado em conjunto a Buenos Aires – cumprimentaram-se e confraternizaram-se.

O returno terminou com uma vitória apertada sobre o Bonsucesso na Gávea por 2 a 1 – a quarta pelo mesmo placar nos últimos cinco jogos – e com os rubro-negros em segundo lugar na tabela. Com 25 pontos, um a mais que o Fla, o Botafogo era o novo líder, com campanha quase perfeita naquela etapa. Em terceiro vinha o São Cristóvão, já mais distante com 21 pontos. O Alvinegro tornava-se, portanto, o adversário a ser batido no terceiro e decisivo turno.

Esta terceira etapa do torneio era o chamado "turno neutro", já que, como o termo indica, todas as partidas eram disputadas em estádios de outros clubes que não os envolvidos na partida. Assim, o Flamengo estrearia contra o Madureira nas Laranjeiras. E ao contrário dos dois turnos anteriores, em que goleou em ambos por 5 a 1, neste o time rubro-negro encontrou um oponente mais duro de ser enfrentado, e ficou no empate em 2 a 2.

Na segunda rodada, em que o Fla descansou, o Botafogo foi derrotado pelo São Cristóvão por 3 a 2 e deu aos rubro-negros a chance de ultrapassá-lo na liderança no confronto direto da semana seguinte. No jogo em São Januário, o time de Flávio Costa chegou a abrir 2 a 0. Mas se perdeu em firulas e jogadas de efeito desnecessárias e cedeu a virada ao time alvinegro. Foi um ponto de inflexão na campanha. Não era mais permitido vacilar daquela maneira.

O próximo adversário, de novo em São Januário, seria o São Cristóvão, que cumpria excelente campanha e vinha invicto há 15 partidas. No Fla, o grande desfalque era Domingos, substituído pelo gaúcho Marin. Jarbas, por sua vez, teria de entrar em campo mesmo em condições precárias. Com as defesas se sobrepondo aos ataques, o primeiro tempo terminou 0 a 0. Mas logo aos sete minutos da etapa final, Roberto abriu a contagem para os alvos.

Demonstrando todo o espírito de luta que faltou na partida contra o Botafogo, o Flamengo reagiu brilhantemente. Aos 22, Jocelyno cobrou falta para a área, Jarbas escorou e Leônidas tocou para as redes. E a virada chegaria aos 35, depois que González lançou Valido, e o ponta argentino, naquele momento deslocado para o comando do ataque, disparou um petardo inapelável contra o goleiro Waldyr. O Fla seguia mais vivo do que nunca na briga pelo título.

Nos três jogos seguintes, os rubro-negros obteriam três vitórias fundamentais: primeiro, deram o troco da goleada para o Bangu no primeiro turno devolvendo os 4 a 0 em partida disputada no estádio do América, na Rua Campos Sales, na Tijuca. Em seguida, voltariam a vencer o Fluminense por 2 a 1 em São Januário, desta vez com dois tentos do ponteiro Sá. E, no dia 11 de novembro, derrotariam o Bonsucesso por 4 a 2, de novo em Campos Sales.

Enquanto isso, o Botafogo venceria apenas uma de suas próximas três partidas (uma goleada de 4 a 0 sobre o Bonsucesso na Gávea). Nas outras duas, ficaria no empate em 2 a 2 com o Madureira em Figueira de Melo e perderia para o Fluminense por 3 a 2 em São Januário no dia seguinte à vitória do Fla sobre o time da Leopoldina. Assim, os rubro-negros não apenas recuperariam a liderança da tabela como abririam três pontos de frente para os alvinegros.

O time de General Severiano voltaria a perder pontos na rodada seguinte ao empatar com o Vasco em 2 a 2 nas Laranjeiras. Era a chance do Flamengo ampliar a vantagem na reta final. Mas o time também tropeçou, sem sair de um renhido 0 a 0 com um América já sem pretensões no certame. A frustração levou alguns cartolas do Fla a suspeitarem de que os rubros haviam recebido bicho extra da parte de outros clubes, em especial dos alvinegros.

Uma semana depois, no entanto, a situação se inverteria completamente: o América acabaria entregando o título de bandeja ao Flamengo após derrotar o Botafogo, de virada, por 5 a 4, mais uma vez em São Januário, numa rodada em que os rubro-negros folgaram. O resultado obtido pelos americanos manteve em três pontos a diferença entre o Fla e o time de General Severiano, faltando apenas a última rodada a ser disputada.

No dia 3 de setembro, o Flamengo entrou em campo em Laranjeiras para enfrentar o Vasco alinhando seu time-base da campanha quase ideal: o goleiro era Yustrich, que ganhara a posição de Wálter, arqueiro da Seleção Brasileira na Copa do Mundo do ano anterior. Domingos da Guia e Newton Canegal formavam a dupla de zaga. Na linha média, Artigas ocupava o posto do titular Jocelyno, com o argentino Volante e Médio (irmão de Domingos) completando o setor.

O quinteto ofensivo, por sua vez, era o titular indiscutível: Sá na ponta direita, Valido na meia por aquele lado, Leônidas de centroavante, González de meia esquerda e Jarbas na ponta esquerda. Antes do jogo começar, o time rubro-negro desfilou ao redor do gramado exibindo suas faixas de campeão, posou para fotos e foi recepcionado com serpentinas atiradas pela torcida tricolor. Em seguida, tratou de ratificar a conquista com um grande triunfo sobre o Vasco.

Em sua crônica da partida, o Globo Sportivo comentava que o desempenho do time rubro-negro no campeonato havia se tornado mais consistente a cada turno, e que, sendo assim, o título já se justificava amplamente. Mas lembrava que os jogadores do Flamengo tinham o desejo de cumprir uma grande atuação contra os cruzmaltinos para demonstrar que sua conquista não se devia apenas "à debacle do Botafogo" na reta final. E eles conseguiriam.

Aos sete minutos, a contagem seria aberta. Valido chutou com força de fora da área e o goleiro vascaíno Nascimento espalmou para escanteio. Jarbas levantou a bola na área e novamente Valido – como faria cinco anos depois diante do mesmo rival – subiu mais que toda a retaguarda e testou para as redes. Porém, pelo resto da primeira etapa, o Fla veria seu ímpeto diminuir devido ao forte calor, embora continuasse dominando as ações.

Na etapa final, a toada seguiu a mesma. Com o Vasco praticamente limitando-se a se defender, o placar já era magro pelo que jogava o Flamengo. Mas a partir dos 30 minutos, viria a catarse rubro-negra. Primeiro, Agnelli botou a mão na bola e Jarbas bateu a falta lateral levantando na área para a cabeçada de González. Quatro minutos depois, o meia-esquerda argentino lançaria Leônidas, que arrancaria para bater forte e vencer Nascimento.

E a um minuto e meio do fim da partida, a contagem seria encerrada: González anotaria seu segundo gol no jogo, decretando os 4 a 0 para o Fla, campeão incontestável. Após o fim da partida, a torcida rubro-negra que deixava o estádio se juntou à multidão que aguardava do lado de fora e tomou a Praia do Flamengo, que acabou interditada ao trânsito. A festa então se espalhou por toda a cidade. Mas, em se tratando do clube, isso já não era novidade.


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