HISTÓRIA DO FUTEBOL DO FLAMENGO
O NASCIMENTO DO MAIS QUERIDO 1ª Parte (1933 a 1944)
As Ousadias Vanguardistas em meio à Construção de Identidade do Brasil
Em 1933 uma gestão política revolucionária chega para mudar os rumos do Flamengo. Levaria algum tempo para os frutos serem percebidos, mas se José Bastos Padilha não houvesse assumido a Presidência do clube naquele ano, muito provavelmente muita coisa seria diferente dali para frente. O Flamengo havia ficado sem estádio para jogar e sem campo de treinamento no fim de 1932, vinha de um período de subsequentes fracassos desde 1928, e ainda vivia o desafio de se posicionar estrategicamente na divisão política que marcou o futebol carioca entre 1933 e 1935. Optara pela recém-criada Liga Carioca, que chegara para implantar o profissionalismo nos campos de futebol, com os jogadores passando a ser remunerados para praticar o esporte.
O publicitário José Bastos Padilha assumiu seu primeiro mandato em 3 de fevereiro de 1933 buscando renovar as ideias no clube. No fim de 1934 foi reeleito para um segundo mandato, que ia até dezembro de 1936, quando foi mais uma vez reeleito para um terceiro mandato, até dezembro de 1938. Mas ele não completaria este mandato, pois em dezembro de 1937 renunciaria ao mandato por razões familiares (Raul Augusto Dias Gonçalves terminou o mandato no lugar dele). Os projetos implementados durante seus 5 anos na Presidência foram cruciais para reconduzir o Flamengo ao caminho de vitórias. As conquistas, porém, que interromperam o maior jejum de títulos da história rubro-negra, só chegaram nos mandatos de seus sucessores: Gustavo de Carvalho (ex-jogador do primeiro time, de 1912, e autor do primeiro gol rubro-negro na história) que presidiu o clube por dois mandatos - nos biênios 1939-1940 e 1941-1942 - e Dario de Mello Franco, no biênio 1943-1944; todos dois membros da diretoria durante o período de Bastos Padilha na Presidência.
A primeira diretriz foi a construção de um estádio próprio. Em 1933 o Flamengo adquiriu o terreno na Gávea, onde lançou as bases da obra de construção de seu próprio estádio. A mudança do clube da Praia do Flamengo para "aquele pântano de fim de mundo" como era criticada tal decisão pelos opositores à ideia, mudaria a história do clube. Sobretudo porque o "pântano de fim de mundo" viria a se transformar no metro quadrado mais caro da cidade algumas décadas depois. Mas ninguém tinha ideia disto àquela altura, foi um golpe de sorte do destino.
Mas a revolução das bases organizacionais rubro-negras precisava ir muito além da sede administrativa, era preciso revolucionar a gestão do futebol para impedir que o clube ficasse para trás na conjuntura esportiva da cidade. E isto foi acontecendo aos poucos nos anos seguintes até o último ano em que Bastos Padilha ocupou a Presidência, em 1937. Foi um longo e vagaroso processo de transformação.
As mudanças políticas geraram um turbilhão de instabilidades e rachas dentro do clube. No Carioca de 1933 o desempenho continuou muito ruim, como havia sido nos anos anteriores. A nova Liga Carioca era um torneio Hexagonal, e o time rubro-negro terminou naquele ano em 6º e último lugar. Mas no início não parecia que a história se escreveria assim, pois nas duas primeiras rodadas, duas vitórias, e sobre Fluminense e Vasco. Toda a preparação de amistosas foi feita sob o comando do técnico Augusto Gonçalves. Com ele, o time iniciou muito bem o campeonato, mas após as duas vitórias ele acabou saindo por questões políticas extra-campo. Daí em diante o time não venceu mais no campeonato, e pior do que isso, pois nos 8 jogos disputados a partir dali o time perdeu 6.
Tendo terminado em 6º lugar, o clube acumulava um péssimo desempenho entre 1928 e 1933, pois em 6 edições do Campeonato Carioca, havia terminado 5 delas fora do grupo de três primeiro colocados, e em 4 das quais sequer figurando entre os 5 primeiros colocados. Para quem entre 1912 e 1927 só havia ficado uma única vez fora do grupo de 4 primeiros colocados, era uma grande mudança de patamar... para pior!
Flamengo no Carioca de 1933
Fernandinho (Amado), Moisés e Bibi; Afonsinho, Vani (Alemão) e Rubens; Cássio (Gabriel), Flávio Costa, Roberto Cunha, Nélson e Jarbas
Téc: Augusto Gonçalves, depois substituído por Alessandro Baldassini e Eugênio Matarazzo, depois substituídos por Milton Caldas e Luís Gama
Além de obter o terreno na Gávea e iniciar a construção do estádio, e de se posicionar politicamente pelo profissionalismo, era preciso encontrar soluções para melhorar o time de futebol também. E gradativamente, ele foi sendo reforçado. Em 1933 havia chegado o ponta-esquerda Jarbas, que com a camisa do modesto Carioca, clube do bairro do Jardim Botânico, havia sido convocado para a Seleção Brasileira. Para a temporada de 1934, chegou o centroavante Alfredo Willemsens, o Alfredinho, jogador que de 1926 a 1933 havia jogado pelo Fluminense. Dois nomes que superaram a marca de 100 gols com a camisa rubro-negra e ajudaram bastante a reverter aquela sequência de temporadas negativas do clube. Alfredinho foi o artilheiro do time nas temporadas 1934, 1935 e 1936, chegando a 103 gols marcados pelo clube, e sendo o segundo jogador, depois de Nonô, a superar a marca centenária de gols feitos com a camisa do Flamengo. Dois anos depois de Alfredinho superar esta marca, Jarbas foi o terceiro a entrar no "Clube dos Cem Gols", e isto prova o quanto a aquisição dos dois foi um diferencial qualitativo para melhorar o time.
Mas ainda não foi no Carioca de 34 que a melhoria apareceu. No 1º Turno, o time perdeu 4 de seus 6 jogos, caindo perante América, Vasco, São Cristóvão e Bangu. No 2º turno, fez uma campanha menos pior, perdendo só nas duas últimas rodadas para São Cristóvão e Bangu. Mas entre os 7 participantes da Liga Carioca, acabou apenas em 6º lugar.
Flamengo no Carioca de 1934
Alberto, Carlos Alves e Marin (Pedroso); Afonsinho, Vani (Flávio Costa) e Alemão; Roberto Cunha, Arthur, Alfredinho, Nélson e Jarbas
Téc: Milton Caldas e Luís Gama
Após o Carioca daquele ano, mais uma escolha surtiu efeito positivo, a de colocar o ex-jogador rubro-negro Flávio Costa na função de técnico do time. Flávio iniciava ali uma longa trajetória como treinador rubro-negro, que o levaria a ser o técnico que mais vezes comandou o time do Flamengo na história.
Como a Liga Carioca tinha apenas 7 clubes, tendo assim um campeonato curto, no segundo semestre foi disputado o Torneio Extra. Eram os mesmos sete clubes, e a mesma quantidade de jogos. E foi justamente neste torneio que o Flamengo conseguiu interromper seu jejum de conquistas, sagrando-se Campeão do Torneio Extra de 1934.
As ligas dissidentes (profissionais) de Rio de Janeiro e São Paulo se aproximaram na intenção de fazer um Torneio Rio-São Paulo, e o Torneio Extra seria um classificatório para este torneio, mas a competição interestadual acabou não sendo realizada. Mas o torneio vencido pelo time rubro-negro acabou sendo inclusive maior do que o Carioca jogado no 1º semestre.
O trabalho de Flávio Costa imediatamente começou a gerar bons resultados. No 1º turno, o time rubro-negro venceu três vezes por goleada (4 a 0 no São Cristóvão, 5 x 1 no Bonsucesso e 4 x 1 no Vasco), e ainda superou ao Fluminense (2 a 0), empatando com o Bangu, e só perdendo para o América. No 2º turno, perdeu na estreia para o São Cristóvão, mas depois engatou quatro vitórias consecutivas, superando a América, Fluminense, Bonsucesso e Bangu.
Aconteceu então uma preocupante ruptura no movimento da Liga Carioca. Vasco e Bangu abandonaram o torneio e voltaram a se unir politicamente à AMEA, tendo disputado em 1935 e 1936 o campeonato amador e não o profissional. Após isto, ainda chegou a ocorrer um 3º turno do Torneio Extra, já sem ambos. O Flamengo, que já liderava, confirmou seu título, recuperando o bom futebol e sua autoestima vitoriosa. Após o fim do campeonato, a Liga Carioca sofreu mais uma baixa, com o São Cristóvão também abandonando o grupo e migrando para a AMEA. Assim, a Liga Carioca se restringia naquele momento a um movimento da dupla Fla-Flu junto a América e Bonsucesso.
Flamengo no Torneio Extra de 1934
Alberto, Carlos Alves e Marin; Alemão, Barbosa e Afonsinho; Sá (Roberto), Arthur, Alfredinho, Doca (Nélson) e Jarbas
Téc: Flávio Costa
No campeonato da Liga Carioca de 1935, que foi jogado em três turnos, o time rubro-negro não perdeu no 1º turno, mas nos dois jogos mais importantes, contra seus adversários diretos na liga profissional, Fluminense e América, não venceu nenhum dos dois, empatando com ambos. A perda definitiva das chances de títulos veio com as derrotas nos Fla-Flus do 2º e do 3º turno. No fim, um 3º lugar num torneio de tão só seis participantes. A diretoria rubro-negra começava a avaliar que só com movimentos mais ousados poderia voltar a brigar pela ponta. O ano de 1936 marcava o último ano da 2ª gestão de Bastos Padilha, e ele decidiu ousar mais para deixar a marca de transformação que planejava.
Flamengo no Carioca de 1935
Germano, Carlos Alves e Marin; Alemão (Valdir), Barbosa e Reinaldo (Oto); Sá, Caldeira, Alfredinho, Nélson e Jarbas
Téc: Flávio Costa
Em 1936 a diretoria do Flamengo apostou forte em reforçar o time, contratando quatro nomes de peso para fortalecer o time de futebol, visando transformar-se no time mais forte da cidade. Buscando revolucionar, foi buscar um reforço na Europa, trazendo o alemão Fritz Engel, que atuava no Grasshopper, da Suíça, depois de ter se destacado pelo Rot-Weiss Frankfurt. Como Bastos Padilha havia estudado na Alemanha, os dois ficaram bem próximos, e isto iria afetar decisivamente a uma das decisões que Padilha viria a tomar um ano depois.
Antes dela, porém, em paralelo, Bastos Padilha contratou os três nomes mais badalados do futebol brasileiro naquele momento: o zagueiro Domingos da Guia, o meia Fausto dos Santos, e o centroavante Leônidas da Silva. O futebol, espelhando o que era a sociedade da época, era altamente excludente, e a presença de jogadores que não fossem da raça branca era mínima. José Bastos Padilha, quando assumiu a Presidência do clube, decidiu acabar com qualquer restrição à presença de jogadores de raça negra no time. Assim, em 1936 reuniu os quatro jogadores negros de maior sucesso no futebol do Rio de Janeiro juntos com a camisa do Flamengo: Domingos, Fausto, Leônidas e Jarbas. E também contratou o irmão de Domingos, o meia Médio, que migrou do Bangu para a Gávea.
Leônidas da Silva, Fausto dos Santos e Domingos da Guia
Fausto, o "Maravilha Negra", foi contratado ao Vasco. Ele se destacou pelo Bangu em 1926 e 1927 e foi adquirido pelo Vasco, aonde chegou em 1928. Em 1931 chamou a atenção dos espanhóis e viveu uma experiência treinando com o Barcelona, onde não chegou a disputar nenhuma partida e de onde voltou reclamando de vários episódios de racismo. Depois passou pelo Nacional de Montevidéu, até voltar ao Vasco em 1934.
Leônidas, o "Diamante Negro", estava se desvinculando do Botafogo após grande polêmica, pois havia dado uma entrevista a uma rádio de Porto Alegre dizendo que tinha simpatia pelo Flamengo. Ele havia sido revelado pelo São Cristóvão e chegou à Seleção Brasileira quando vestia a camisa do Bonsucesso. Também, assim como Fausto, passou pelo Campeonato Uruguaio, onde defendeu ao Peñarol. Na volta ao Brasil, passou por Vasco e Botafogo antes de vestir vermelho e preto.
Domingos, o "Divino Mestre", havia sido campeão argentino com o Boca Juniors, aclamado pela mídia do país como maior defensor do campeonato. Assim como Fausto, ele foi revelado pelo Bangu, onde jogou de 1929 a 1932. Passou pelo Nacional de Montevidéu, pelo Vasco e pelo Boca, tendo sido aclamado por suas atuações tanto no Uruguai quanto na Argentina.
Dos cinco recém adquiridos, os dois primeiros a jogarem foram Fausto e Engel, que fizeram suas estreias em abril. Depois foi Leônidas, que atuou pela primeira vez em julho. O último a fazer sua estreia foi Domingos, em agosto. O time rubro-negro foi sendo montado ao longo do Torneio Aberto, uma competição reunindo clubes profissionais e amadores que teve duas edições, tendo sido disputada em 1935 e 1936. Em confrontos eliminatórios, o Flamengo bateu a Modesto, Villa Joppert, Bandeirantes, Engenho de Dentro, Bonsucesso e América, e decidiu o título num Fla-Flu, com dois jogos nas Laranjeiras. O primeiro terminou empatado por 1 x 1, e no segundo a vitória foi rubro-negra por 1 x 0, gol de Sá. O Flamengo foi Campeão do Torneio Aberto de 1936, e entrava forte no Carioca de 1936 com a esperança de voltar a levantar o título.
Flamengo no Torneio Aberto de 1936
Yustrich, Domingos da Guia e Marin; Médio da Guia, Fausto dos Santos e Oto; Sá, Caldeira, Alfredinho, Fritz Engel (Leônidas da Silva) e Jarbas
Téc: Flávio Costa
O campeonato da Liga Carioca de 1936 foi jogado novamente em três turnos entre seis clubes. O time arrancou bem no 1º turno, vencendo 4 dos 5 jogos, empatando apenas contra o América. No 2º turno, voltou a empatar com o América, mas perdeu para o Fluminense nas Laranjeiras, embolando a disputa pelo título entre a dupla Fla-Flu. No 3º turno, perdeu para o América e empatou com o Fluminense. Ao final dos três turnos, um empate em pontos entre Fla e Flu levou à decisão do campeonato a uma Final em melhor de três jogos, todos jogados no Estádio das Laranjeiras. Primeiro houve um empate por 2 x 2, depois uma goleada tricolor por 4 x 1 (dois gols de Russo e dois de Hércules, contra um do alemão Fritz Engel). Todas as fichas de sobrevivência rubro-negra estavam postas no terceiro confronto: Leônidas abriu o marcador no 1º tempo, mas Hércules empatou no início do 2º e garantiu com o empate - que perdurou até o final - o título para o Fluminense.
Flamengo no Carioca de 1936
Yustrich, Domingos da Guia e Marin; Oto, Fausto dos Santos e Médio da Guia; Sá, Caldeira, Alfredinho (Fritz Engel), Leônidas da Silva e Jarbas
Téc: Flávio Costa
Apesar da perda do título de 1936, como reconhecimento à melhoria de resultados do clube, José Bastos Padilha foi reeleito para um terceiro mandato. E seguiria fazendo apostas visando revolucionar a qualidade do futebol rubro-negro. Em 1937 aconteceu a reunificação do futebol carioca, com a aproximação entre a Liga Carioca e a Associação Amadora. Com a chamada repacificação, após 4 anos, a cidade voltou a ter uma única edição de Campeonato Carioca a cada ano. A partir de então o campeonato do Rio passou a ter uma estrutura que perduraria por décadas, com 12 clubes se enfrentando em turno e returno.
No meio de 1937 o Flamengo apostou em trazer ao Brasil a dois atacantes argentinos: Emilio Novo, do Ferro Carril Oeste, e Agustín "Ñara" Cosso, jogador revelado no River Plate de Junin e que tivera grande destaque com a camisa do Vélez Sarsfield entre 1933 e 1936 (depois de sua passagem pelo Flamengo, ele ainda obteria sucesso em 1938 e 1939 com a camisa do San Lorenzo). A passagem de Cosso com a camisa rubro-negra foi muito bem-sucedida, em 28 jogos ele marcou 20 gols. Mas todos os dois atacantes jogaram só o Carioca daquele ano com a camisa rubro-negra, regressando então a seu país.
Logo depois da chegada deles, contratou ao goleiro espanhol José Caballero "Talladas", que nunca havia atuado em clubes de grande expressão em seu país (jogou por Redondela, Porriño e Unión de Vigo), imigrou para o Brasil em 1934, e desde então defendia ao Galícia, clube de Salvador ligado à colônia espanhola da ex-capital federal. Com a camisa 1 rubro-negra ele nunca conseguiu a titularidade, ainda que tenha atuado em 19 partidas naquele ano, ao final do qual se transferiu para o Santos, onde defendeu ao arco até 1941.
Nos Anos 1920 e 1930, o futebol na Argentina e no Uruguai estava técnica e taticamente muito a frente do jogado no Brasil, a Seleção Brasileira era uma grande freguesa dos dois vizinhos sul-americanos. Então a Gestão Bastos Padilla, para deixar o time rubro-negro ainda mais forte, apostou numa chegada massiva de estrangeiros. Além de Cosso chegaram também o zagueiro Luis Villa e o ponta-direita Agustín Valido, que jogavam pelo Lanus, e o mais badalado desta leva, o meia Arcadio Lopez, jogador que havia começado a carreira no Lanus, jogou no Sportivo Buenos Aires - clube que defendia quando jogou junto à Seleção Argentina a Copa do Mundo de 1934 - e depois atuou pelo Ferro Carril Oeste. Seu maior sucesso em seu país natal veio, porém, após a passagem pelo Flamengo (26 jogos em 1937) quando atuou pelo Boca Juniors como titular em 1939 e depois, já na reserva, sagrou-se Campeão Argentino de 1940.
Realmente disposto a montar um grande time, Bastos Padilla contratou também ao atacante Waldemer de Brito, que estava atuando no San Lorenzo, da Argentina, aonde chegou após destacar-se no futebol paulista com as camisas de Sirio e São Paulo.
A direção do clube estava realmente disposta a ousar, e decidiu também apostar num treinador europeu. As conversas constantes entre Bastos Padilha e Fritz Engel foram fundamentais para levar o presidente rubro-negro a apostar na escolha de um treinador estrangeiro. Foi o atacante alemão quem lhe convenceu de que o futebol brasileiro tinha muito pouca aplicação tática, e que treinava muito poucas vezes por semana. Padilha lhe pediu a indicação de técnicos europeus, e foi Fritz Engel não só quem lhe indicou o húngaro Dori Kurschner - que havia sido seu treinador no Grasshopper, da Suíça - como quem intermediou o contato e o convite em trocas de cartas com seu antigo comandante. Dori Kurschner introduziu no futebol brasileiro ao sistema tático WM, já amplamente utilizado pelos times da Europa naquela época e que revolucionaria a prática futebolística no Brasil, servindo de base para o 3-2-5 adaptado pelos treinadores brasileiros que perdurou nas duas décadas seguintes em todos os times do país e na própria Seleção Brasileira. A presença de um treinador húngaro no país não era novidade, o Botafogo já tinha sido treinado em 1926 e 1927 por Jeno Medgyessy (apelidado no Rio de Janeiro como Eugênio Marinetti) e de 1930 a 1932 por Nicolas Ladanyi. Portanto, a decisão de José Bastos Padilha não era pioneira neste sentido, mas a resistência dentro do Flamengo foi grande.
O estrelado time montado pela Gestão Bastos Padilha começou mal, pois na estreia no Carioca foi goleado por 4 x 0 pelo São Cristóvão, e na 2ª rodada empatou por 3 x 3 contra o Vasco. Daí em diante o time se acertou, fez 5 x 1 no Andarahy, 7 x 1 no Bonsucesso, 6 x 3 no Bangu e 8 x 1 na Portuguesa. Porém, no momento mais importante, na última rodada, perdeu por 1 x 0 para o Fluminense nas Laranjeiras, um resultado que seria decisivo na briga pelo título. No 2º turno, mais algumas goleadas, fazendo 5 x 1 no Olaria, 9 x 3 no Andarahy, 7 x 0 no Bonsucesso, e nas mais marcantes delas 5 x 1 no Vasco e 5 x 1 no Bangu. Era um time com um estilo de jogo novo que lhe dava um poderio ofensivo enorme, diferenciado. No returno, em onze jogos, o time rubro-negro venceu nove. Só havia perdido pontos num empate perante o Botafogo. Mas seu maior rival, o Fluminense, não perdia pontos, e conquistou o título com uma rodada de antecipação. No Fla-Flu da última rodada, o campeonato já estava decidido (houve empate por 1 x 1 nesse jogo). O time tricolor também tinha grande aplicação tática, herdada de uma sequência de técnicos uruguaios (de 1935 a 1945, todos os cinco treinadores que o Fluminense teve eram oriundos do Uruguai).
O time rubro-negro de 37 não ganhou o campeonato, apesar de uma grande campanha em que perdeu apenas 16% das partidas que jogou no ano, fez 3,35 gols por partida e sofreu 1,8 por jogo. Os dois principais pontos de polêmica em relação ao trabalho do treinador húngaro: Fausto estava sendo obrigado a recuar demais para cumprir as funções táticas determinadas pelo treinador, o que supostamente limitaria sua capacidade criativa e ofensiva, e Cosso e principalmente Leônidas, apesar de ambos estarem fazendo muitos gols, estavam sendo diversas vezes sacados do time para que Waldemar de Brito e o alemão Fritz Engel jogassem, pois segundo o treinador ambos cumpriam com mais afinco seus papéis táticos no time. Com a perda do título de 37 para o Fluminense, estas críticas aumentaram bastante. Nos principais redutos políticos do clube eram muitas as vozes que defendiam a volta de Flávio Costa, pois aquele húngaro estaria querendo ensinar ao jogador brasileiro aquilo que a natureza já lhes havia dado diferenciadamente desde o berço.
Flamengo no Carioca de 1937
Yustrich, Domingos da Guia e Luis Villa; Médio da Guia (Natal), Fausto dos Santos e Arcadio López; Sá, Valido, Waldemar de Brito, Fritz Engel e Jarbas
Téc: Izidor "Dori" Kurschner
Banco: Talladas, Caldeira, Leônidas da Silva e Agustín Cosso
No fim de 1937, um ano antes do fim de seu terceiro mandato consecutivo, José Bastos Padilha renunciou à Presidência do Flamengo. Mas foram seus correligionários quem continuaram dando as cartas no clube nos anos seguintes.
No primeiro semestre de 1938 o time também não venceu ao Torneio Aberto. O desempenho foi gradativamente piorando cada vez mais e assim as críticas a Kurschner só aumentavam. Chegou um momento em que realmente parecia que os próprios jogadores estavam cavando a saída do húngaro. Cada vez mais os diferentes redutos da política interna rubro-negra trabalhavam pela volta de Flávio Costa ao posto de treinador do time.
No começo do ano, o clube contratou o goleiro Wálter Goulart, do Bangu, e ele viria a se tornar o titular da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1938, na França. Fez parte do tripé rubro-negro no time titular do Brasil: Wálter, Domingos e Leônidas. Após a Copa, o clube contratou também ao meia Brito, do América, mantendo sua estratégia de fortalecer cada vez mais a equipe.
E fez muitas mudanças entre os estrangeiros. O alemão Fritz Engel trocou o Flamengo pelo Botafogo. E dos quatro argentinos da temporada de 37, apenas um continuou para 1938, o ponta-direita Valido (e isso seria um fato fundamental que sete anos depois mudaria a história do Flamengo). Três argentinos voltaram para seu país: Villa foi para o Racing, Arcadio López para o Ferro Carril Oeste, e Cosso para o San Lorenzo. Para o lugar deles, chegaram outros três argentinos, uma dupla de atacantes do Boca Juniors - Alfredo González e Francisco Provvidente - e outro da França, onde estava atuando pelo Paris Charenton, o meia Carlos Volante.
O time começou o campeonato com vitória na 1ª rodada, fazendo 2 x 1 no Bangu. Nas duas rodadas seguintes, os dois primeiros jogos do Flamengo no seu novo estádio, que estava enfim pronto na Gávea, o "Estádio José Bastos Padilha". Mas nos dois primeiros jogos em sua nova casa, duas derrotas por 2 x 0, para Vasco e Fluminense. Com este início negativo, Dori Kurschner não resistiu, foi demitido. Inicialmente foi substituído por Hilton Santos, mas antes do fim daquele Carioca, o posto voltaria a Flávio Costa.
Nas cinco rodadas seguintes do 1º turno, o time só venceu, com direito a uma implacável goleada por 5 x 0 sobre o Botafogo, clube que seria o destino do técnico húngaro recém-saído do rubro-negro, onde voltaria a encontrar ao alemão Fritz Engel. Mas quem estava na ponta da tabela era o Fluminense, que era a quem o Flamengo perseguia. Na abertura do 2º turno, o time rubro-negro perdeu para o Vasco, recuperou-se goleando ao líder, o tricolor, dentro das Laranjeiras. Mas após empates contra Madureira e Bangu, e uma derrota para o América na Gávea, não teve forças para ser campeão. O título mais uma vez ficou com o Fluminense, que se sagrava assim tri-campeão carioca.
Flamengo no Carioca de 1938
Wálter, Domingos da Guia e Marin; Brito, Volante e Médio da Guia; Valido, Waldemar de Brito, Leônidas da Silva, Alfredo González e Jarbas
Téc: Izidor "Dori" Kurschner, depois Hilton Santos, depois Flávio Costa
Banco: Yustrich, Natal, Fausto dos Santos, Sá e Provvidente
O ano de 1939 começou com uma perda: faleceu por conta da tuberculose o meia Fausto, aos 34 anos de idade. Apesar da triste perda, a base do time do ano anterior continuava: os três argentinos titulares - Volante, Valido e González - continuaram, assim como Domingos, Leônidas e Jarbas. Saíram o atacante Waldemar de Brito, que voltou para o San Lorenzo, da Argentina, e o reserva de Leônidas, o argentino Provvidente, que foi atuar na Roma, da Itália. A contratação menos badalada, no entanto, foi a mais eficiente nos anos seguintes, chegava à Gávea o alto e forte zagueiro Newton Canegal, do Bonsucesso, cujo estilo de jogo se encaixou com o estilo mais técnico de Domingos da Guia, formando a dupla de zaga titular do Flamengo de 1939 até 1943.
Mas a aposta principal continuava sendo em importar argentinos. Para 1939 chegaram mais dois: Orsi e Naón. O primeiro, o veterano Raimondo Bibiano Orsi, era o mais badalado, afinal havia sido Campeão da Copa do Mundo de 1934 com a Seleção da Itália. Para o futebol brasileiro, ser campeão mundial parecia algo muito distante, e ter um campeão jogando em seus campos gerou muita publicidade. Mas Orsi, já veterano, com 37 anos, não era sombra daquele jogador que atuou de 1928 a 1935 com a camisa da Juventus, de Turim. Já Naón atuou um pouco mais, porém sem brilhar ou conseguir um lugar entre os titulares; ele chegou após passagens pelo San Lorenzo e pelo Racing, sem repetir o desempenho que o projetou no Gimnasia Y Esgrima de La Plata. Assim, o time de 39 tinha 5 argentinos no elenco.
Valido, Sá, Orsi e Carlinhos
O time estava encaixado, e o desempenho avassalador nas três primeiras rodadas eram uma amostra: 5 x 1 no Madureira, 4 x 1 no Botafogo e 5 x 1 no São Cristóvão. Entretanto, depois de sofrer uma goleada de 4 x 0 para o Bangu, e empatar contra o rival direto Fluminense, levantaram-se dúvidas se a qualidade do time seria suficiente para encerrar o jejum de 11 anos (desde 1927) sem conquistar o título do Campeonato Carioca. Na 6ª rodada, porém, uma impiedosa goleada de 7 a 1 sobre o América no Estádio da Gávea recuperou a confiança do time. Porém, uma derrota para o Vasco voltou a levantar dúvidas. O time respondeu com outras duas goleadas seguidas por 5 x 1, sobre Bonsucesso e Madureira, este jogo já valendo pelo 2º turno. Na 2ª rodada, entretanto, enfrentou ao Botafogo do técnico húngaro Dori Kurschner e foi atropelado pela linha de ataque formada por Carvalho Leite, Paschoal, Perácio e Patesko, sendo goleado por 5 x 1. O time ainda empatou na rodada seguinte contra o São Cristóvão, vendo a disputa pelo título se embolar entre Flamengo, Fluminense e Botafogo. Mas nas cinco últimas rodadas do 2º turno, o time rubro-negro encaixou cinco vitórias consecutivas, incluindo os clássicos frente a Vasco e Fluminense, e assumiu a ponta.
O campeonato daquele ano teve ainda um 3º turno, que começou com o Flamengo tropeçando ao empatar com o Madureira e perder novamente para o Botafogo de Kurschner. O time alvi-negro encostava assim no líder Flamengo e ameaçava o fim do jejum rubro-negro. O time então goleou ao Bangu (4 x 0) e foi para um Fla-Flu crucial para as pretensões rubro-negras de erguer a taça. O Fla-Flu foi jogado no Estádio de São Januário, que desde 1927 era o maior da cidade. O estádio do Vasco recebeu lotação máxima, com mais de 15 mil presentes. Foi um acontecimento social! Que terminou com o ponta-direita Sá abrindo dois gols de vantagem para o Fla, com Hércules diminuindo ainda no 1º tempo. Mas o placar não mudou mais e o Flamengo, assim, colocava "uma mão na taça". Na rodada seguinte venceu ao Bonsucesso e, com isso, na penúltima rodada bastava um empate contra o América em São Januário para o clube se sagrar campeão novamente. A rede não balançou, e o título foi rubro-negro. Uma conquista importantíssima na história do clube! Um título de afirmação para o trabalho de transformação que vinha sendo executado desde 1933. E na última rodada, para fechar com "chave de ouro", três gols argentinos - dois de González e um de Valido - com Leônidas também deixando o dele, e o Flamengo goleou ao Vasco por 4 x 0 em São Januário.
Flamengo no Carioca de 1939
Yustrich, Domingos da Guia e Newton Canegal; Jocelyno, Volante e Médio da Guia; Sá, Valido, Leônidas da Silva, Alfredo González e Jarbas
Téc: Flávio Costa
Banco: Wálter, Osvaldo, Artigas, Caxambu e Arturo Naón
Para a temporada de 1940, a intenção era manter todo o time campeão. Entretanto, o time teve uma baixa muito importante. Na campanha do título carioca de 39, os dois artilheiros rubro-negros no torneio eram argentinos: Alfredo González, o artilheiro, e Valido, o vice-artilheiro, ambos tendo feito mais gols do que Leônidas da Silva. Mas em 1940 González decidiu voltar à Argentina, retornando para vestir a camisa do Boca Juniors. Um regresso a seu país que durou rápido, pois em 1941 ele regressou ao Rio de Janeiro, contratado pelo Vasco da Gama, e no ano seguinte foi para o Botafogo, antes de jogar as três últimas temporadas de sua carreira com a camisa do Palmeiras. Ele ficou erradicado no Brasil. De 1950 a 1978 trabalhou como técnico em vários clubes brasileiros: Internacional, Grêmio, Santa Cruz, Náutico, Sport Recife, Bangu, Fluminense, Guarani, Palmeiras, Vitória, Atlético Paranaense e Madureira, com destaque para o título de campeão carioca de 1966 com o Bangu, conquistado em cima do Flamengo no Maracanã.
Dos cinco argentinos que o elenco tinha em 1939, além de González, quem também deixou o clube foi Arturo Naón, que foi para o Gimnasia Y Esgrima. Os outros três - Volante, Valido e Orsi - ficaram para mais uma temporada no clube. A diretoria foi então atrás de outro argentino mais para reforçar ao grupo, contratando ao atacante Julio Castillo, ex-jogador do River Plate, mas que estava na 2ª Divisão defendendo ao Los Andes. Castillo começou bem, marcando gols (foram 6 nos apenas 9 jogos que disputou), mas acabou tendo um destino trágico antes do fim daquela temporada, vindo a falecer, aos 25 anos, por conta de uma diabetes (doença que segundo o clube ele havia omitido desde sua chegada à Gávea).
Na luta pelo bi-campeonato, o Flamengo começou o Carioca voando. Na estreia, atropelou e meteu 8 a 1 no Madureira. Seguiram-se mais quatro vitórias, sobre Botafogo, São Cristóvão, Bangu e Fluminense. Mas o time de Flávio Costa, com um forte esqueleto sustentado por Yustrich, Domingos da Guia, Volante, o jovem Zizinho e Leônidas da Silva, acabou derrotado nas rodadas seguintes por América e Vasco. Ainda assim, manteve-se na briga pela ponta da tabela até o fim daquele campeonato, que foi disputado em três turnos.
No 3º e decisivo turno, ao final da 5ª rodada, embalado por goleadas sobre Bangu e São Cristóvão, o time rubro-negro era o líder com 33 pontos, seguido pelo Fluminense com 32. O Flamengo empatou então por 1 x 1 com o Botafogo, contra quem o tricolor também tinha que jogar, pagando um jogo atrasado. O Flu venceu por 3 x 1 e empatou em pontos com o Fla. O campeonato foi então de certa forma decidido na penúltima rodada, ao início da qual a dupla Fla-Flu tinha 34 pontos e o Vasco tinha 33. O Flu venceu ao Madureira e Flamengo e Vasco empataram, terminando a rodada com o Flu com 36 pontos, o Fla com 35 e o Vasco com 34. Na última rodada, os três venceram, mantendo as posições. Mas o título tricolor só saiu nos minutos finais (o Flamengo já havia goleado ao Bonsucesso um dia antes). O jogo tricolor era contra o São Cristóvão no Estádio da Rua Figueira de Melo. O 1º tempo terminou 1 x 1, resultado que provocaria um jogo extra entre Fla e Flu. Com 3 minutos do 2º tempo, o Flu fez 2 x 1, mas dois minutos depois houve um novo empate. Aos 13 minutos, o Flu marcou novamente e aos 18 um novo empate (3 x 3). Com dois de Rongo, aos 28 de pênalti e aos 35, o título foi sacramentado. Ao final do 3º Turno, o Fluminense foi campeão com 38 pontos, seguido pelo Flamengo com 37 e pelo Vasco com 36, tendo Leônidas feito uma campeonato espetacular, sendo o artilheiro com incríveis 30 gols!
Flamengo no Carioca de 1940
Yustrich, Domingos da Guia e Osvaldo; Pichim, Volante e Médio da Guia; Sá, Zizinho, Leônidas da Silva, Jorge e Jarbas
Téc: Flávio Costa
Banco: Wálter, Jocelyno, Caxambu, Valido e Armandinho
O ano de 1941 foi politicamente bastante turbulento no clube. O craque, artilheiro e ídolo Leônidas entrou em conflito direto com a diretoria, capitaneada pelo presidente Gustavo de Carvalho (ex-jogador, autor do primeiro gol rubro-negro na história). Leônidas negou-se a viajar a uma excursão para amistosos na Argentina, alegando dores no joelho. A direção tomou o ato como uma insurgência. Dali em diante a relação só se desgastou, culminando numa ebulição do caso de Leônidas haver falsificado documentos no passado para escapar de prestar o serviço militar obrigatório. O jogador foi preso e teve que cumprir 8 meses de detenção. Voltaria à liberdade no início de 1942, entrando na justiça para pedir rompimento de contrato com o Flamengo. Venceu a causa e se desligou do clube, rumando a partir do segundo semestre de 42 para defender ao São Paulo.
Para o lugar de seu goleador, o Flamengo foi ao Uruguai contratar ao gaúcho Silvio Pirilo, que estava então defendendo a camisa do Peñarol. Apesar da instabilidade política, o time começou bem em sua luta por voltar a ser campeão da cidade. No 1º turno, venceu 7 das 9 partidas que disputou, empatando com o América e perdendo para o Botafogo. A campanha no 2º turno foi ainda melhor, com 8 vitórias e 1 empate, diante do Botafogo. Tivesse o campeonato sido direto por pontos corridos, o Flamengo teria sido o campeão, tendo terminado no acumulado do dois turnos em 1º lugar com 32 pontos (15 vitórias, 2 empates e 1 derrota), 5 pontos a frente do 2º colocado (Fluminense). Uma campanha fantástica! Porém, o regulamento de 1941 previa a realização de um Hexagonal Final em turno (3º Turno) e returno (4º Turno), com o campeão vindo a ser aquele que somasse mais pontos na soma dos 4 turnos.
No 3º turno, tropeçou duas vezes, perdendo para o Botafogo e o Fluminense. No 4º turno, voltou a perder para o Botafogo (em quatro confrontos no Carioca de 41, foram três vitórias alvi-negras e um empate). Na rodada seguinte, empatou com o Vasco, e a duas rodadas do fim, viu o Fluminense saltar 1 ponto a sua frente na tabela. Na rodada final, o último jogo é aquele que ficou historicamente conhecido como o "Fla-Flu da Lagoa". Só a vitória dava o título ao Flamengo. Como o Estádio da Gávea ficava à época às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, o time tricolor começou a chutar a bola para a lagoa nos minutos finais, após o empate rubro-negro, para esfriar a partida, já que não havia pelota suplente e o resgate da bola isolada tinha que ser feito pelos remadores rubro-negros. O time tricolor conseguiu segurar o empate até o final que lhe assegurou o título carioca. Pelo segundo ano seguido, o Flamengo ficava com o vice-campeonato e via os tricolores erguerem a taça.
Flamengo no Carioca de 1941
Yustrich, Domingos da Guia e Newton Canegal; Jocelyno, Volante e Artigas; Valido, Zizinho, Pirilo, Nandinho e Vevé
Téc: Flávio Costa
Banco: Wálter, Biguá, Jayme de Almeida, Sá e Jarbas
Para reforçar-se para a temporada de 42 chegaram o goleiro paulista Jurandir, ex-Palestra Itália (Palmeiras), que foi repatriado após uma passagem pela Argentina, onde defendeu a Ferro Carril e Gimnasia La Plata, e o atacante Perácio, titular da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1938, e que após haver entrado em litígio com o Botafogo, havia jogado a temporada anterior no modesto Canto do Rio, de Niterói. O clube também reforçou sua zaga, contratando a Norival, do Fluminense, e Quirino, do Atlético Mineiro. Com seu elenco fortalecido, iniciou uma temporada que seria muito importante para solidificar uma nova era e consumar os resultados que vinham sendo semeados desde 1936.
Na estreia do Carioca de 42, uma goleada de 6 a 0 sobre o Canto do Rio foi o cartão de visitas, mas nas quatro rodadas seguintes, três empates, contra Botafogo, Vasco e Madureira, e uma derrota para o América, levantavam questionamentos sobre a real capacidade da equipe. Na última rodada do turno, o time rubro-negro ainda perdeu para o Fluminense. A caminhada começava mal, e o clube parecia totalmente fora da briga pelo título. Mas no 2º turno, o time engrenou e venceu 8 dos 9 jogos, empatando apenas com o Botafogo (que desde o ano anterior se mantinha uma pedra no sapato rubro-negro).
No 3º turno, o Flamengo arrancou definitivamente para o título. Oito vitórias nas oito primeiras rodadas, ultrapassando ao Fluminense e chegando à última rodada com um ponto de vantagem ao Fla-Flu decisivo, invertendo a situação frente à última rodada do ano anterior. O jogo decisivo foi nas Laranjeiras. Pirilo abriu o placar, e os tricolores empataram no finzinho do primeiro tempo. Tudo a ser decidido no 2º tempo, no qual o sólido sistema defensivo rubro-negro - com Jurandir, Biguá, Domingos da Guia, Newton Canegal, Jayme de Almeida e Volante - segurou a pressão e garantiu o título. Flamengo, Campeão Carioca de 1942!
Do outro lado do campo, um sistema ofensivo que foi altamente eficaz, com o jovem Zizinho armando as jogadas para os pontas Valido e Vevé, e a mortal dupla de área formada por Pirilo e Perécio. O substituto de Leônidas, o gaúcho Silvio Pirilo, foi o artilheiro do time, com 23 gols no campeonato, seguido pelo ponta-esquerda Vevé, que marcou 18 gols.
Flamengo no Carioca de 1942
Jurandir, Domingos da Guia e Newton Canegal; Biguá, Volante e Jayme de Almeida; Valido, Zizinho, Pirilo, Perácio (Nandinho) e Vevé
Téc: Flávio Costa
Banco: Yustrich, Quirino, Artigas e Jarbas
Em time campeão não se mexe. E a diretoria rubro-negra seguiu esta receita para a temporada de 43. Mas não ficou parada. Como seus dois craques argentinos se aproximavam do fim de carreira, o Flamengo foi ao mercado buscar substitutos a eles, contratando ao cabeça de área paraguaio Modesto Bria, do Nacional, do Paraguai, e ao atacante Tião, do Atlético Mineiro. Foi buscar mais um reforço no exterior, contratando mais um argentino, Ricardo Alarcón, ex-San Lorenzo e Boca Juniors, que estava atuando pelo Platense.
O time começou o campeonato mantendo o bom ritmo em que havia terminado a edição do ano anterior. No 1º turno, venceu 6 dos 9 jogos, com direito a uma goleada por 4 a 1 no Botafogo, perdeu pontos em dois empates, contra Vasco e Bangu, e perdeu para o América. O campeonato só teria dois turnos, diferente dos padrões dos anos anteriores. E no returno, o time rubro-negro engrenou, não perdendo nenhum jogo e sagrando-se bi-campeão carioca. O início do 2º turno, no entanto, foi um tanto claudicante, com empates contra Madureira, Canto do Rio, Fluminense e São Cristóvão. Mas nas três rodadas finais engrenou, com três goleadas seguidas, por 5 a 1 no Bonsucesso, 6 a 2 no Vasco e 5 x 0 no Bangu, com a dupla Pirilo e Perácio impiedosa, marcando 12 dos 16 gols marcados nestas três rodadas, com sete de Pirilo e cinco de Perácio.
Flamengo no Carioca de 1943
Jurandir, Domingos da Guia e Newton Canegal; Biguá, Modesto Bria (Artigas) e Jayme de Almeida; Nilo (Tião), Zizinho, Pirilo, Perácio e Vevé
Téc: Flávio Costa
Banco: Luiz Borracha, Quirino, Volante, Ricardo Alarcón e Jarbas
O Flamengo voltava a ter um 1944 a oportunidade de conquistar um Tri-campeonato Carioca, como tivera e desperdiçara em 1916 e 1922. Mas para conseguir, teria que superar uma grande perda: seu líder, ídolo e craque divino, Domingos da Guia, deixava ao Flamengo para ir jogar no Corinthians.
Para repor a perda, o clube foi mais uma vez naquele período recorrer ao futebol argentino. Foi um entra e sai danado de argentinos na Gávea na temporada 1944: Carlos Volante decidiu pela aposentadoria ao fim de 1943 (sua posição já havia sido reposta pelo paraguaio Bria) e Ricardo Alarcón, que não conseguiu ter sucesso em sua passagem pelo clube, foi defender ao Puebla, do México. Para substituir a Domingos, o clube contratou ao veterano Sabino Coletta, zagueiro com longo histórico com as camisas do Independiente e da Seleção Argentina. E para reforçar ao ataque ainda ainda foi contratado Rafael Sanz, que não estava tendo muitas oportunidades no Boca Juniors. A história mais curiosa de um argentino naquele ano, no entanto, foi de Agustín Valido, que havia se aposentado ao fim da temporada anterior, mas erradicado no Rio de Janeiro, seguia frequentando à Gávea. Ele seria retirado da aposentadoria no fim do campeonato de 44, para entrar para a galeria de heróis da história rubro-negra.
Nenhum dos dois argentinos contratados se firmou como titular: Coletta jogou uma temporada e decidiu voltar a seu país e se aposentar, e Sanz jogou duas temporadas na Gávea, sem nunca conseguir se firmar como titular, acabou regressando para defender ao Banfield a partir de 1946. A solução para suprir a saída de Domingos da Guia acabou sendo encontrada dentro do próprio elenco rubro-negro por Flávio Costa. A dupla de zaga formada por Quirino e Canegal deu conta do recado.
Mas como toda glória parece só chegar após alguma privação, a perda de Domingos não foi o único desafio que precisou ser superado. Logo no início do Carioca de 44 o Flamengo perdeu outro importante titular: Perácio foi lutar na guerra! Curiosamente, o Flamengo foi desfalcado de um de seus principais jogadores nas duas grandes guerras. Se o meia Sidney Pullen havia ido lutar com as Forças Armadas Inglesas durante a Primeira Guerra Mundial, foi a vez do atacante Perácio ir lutar com as Forças Armadas Brasileiras na Segunda Guerra Mundial.
Para chegar ao título, o time rubro-negro teve que superar um 1º turno ruim. Logo na estreia, perdeu para o América. Recuperou-se com uma outra goleada por 4 a 1 sobre o Botafogo, mas antes do fim da primeira metade do campeonato, empataria com São Cristóvão e Fluminense, e perderia para o Vasco. A missão ficou ainda mais difícil depois de ter tomado o troco do Botafogo, tendo sido goleado por 5 a 2. Não havia mais qualquer margem para erros. E dali em diante, o time encaixou uma sequência implacável de vitórias, culminando com a repetição do acontecido na temporada anterior, com goleadas seguidas quando faltavam três rodadas para o fim. O Flamengo goleou ao Bangu por 7 a 1 e ao Fluminense por 6 a 1. Ainda assim, entrou na última rodada para o clássico contra o Vasco na Gávea em desvantagem, pois o empate culminaria num título cruzmaltino.
Foi então que entrou em cena o herói regressado da aposentadoria, que naquela tarde ainda entrou em campo com febre. O jogo se arrastava para um empate sem gols quando, aos 41 minutos do 2º tempo, o argentino Agustín Valido pulou mais do que a zaga e testou para as redes! Tri-Campeão Carioca! Narrou Mário Filho no dia seguinte em sua crônica do jogo para o Jornal dos Sports: "É difícil descrever o delírio que se apossou da torcida do Flamengo. A bola mal chegou ao centro do campo, o match acabara. A multidão continuava a gritar goal, a pular, tudo que era flamengo enlouquecera".
Flamengo no Carioca de 1944
Jurandir, Quirino e Newton Canegal; Biguá, Modesto Bria e Jayme de Almeida; Valido, Zizinho, Pirilo, Tião e Vevé
Banco: Dolly, Sabino Coletta, Jacyr, Rafael Sanz, Perácio e Jarbas
No acumulado de títulos cariocas até 1944, o Fluminense tinha sido campeão 14 vezes (5 das quais antes da camisa rubro-negra ter entrado no futebol), o Flamengo tinha sido 10 vezes campeão, o Botafogo 8 (4 dos quais durante cisões nas quais jogou um campeonato sem a dupla Fla-Flu, e um outro que na época não entrava na conta oficial e só lhe viria a ser confirmado nos tribunais várias décadas depois); o América tinha 6 e o Vasco 5.
As escolhas políticas feitas entre 1933 e 1936 renderam seus frutos depois que houve a reconciliação e a reunificação do Campeonato Carioca em 1937, pois daquele ano até 1944 a dupla Fla-Flu dominou totalmente o futebol carioca, beneficiada por seu pioneirismo na cidade do Rio na implementação do profissionalismo. Nas 8 edições da competição disputadas naquele intervalo, quatro títulos do Fla e quatro do Flu, e quase sempre com os dois sendo o campeão e o vice um do outro (só em três destes oito anos Vasco ou Botafogo conseguiram terminar com o 2º lugar). Naquele momento da história, a rivalidade Fla-Flu era definitivamente alçada como o maior clássico da cidade, cuja mística se tornaria internacionalmente conhecida nas décadas seguintes.
O nascimento definitivo do "Mais Querido" se deu em meio a este período no qual suas ousadias vanguardistas dialogavam com a construção de identidade do próprio Brasil. As sementes que levaram à identificação popular com o Flamengo foram sendo gradativamente plantadas a partir dos primórdios do futebol rubro-negro. No contexto de um novo país, que só se desgarrara definitivamente dos elos coloniais com Portugal com a Proclamação da República em 1889 (apenas um ano após à tardia Abolição da Escravidão de Negros), e que seguiu vivendo sob as imposições da Aristocracia Agrária da República Velha, que perdurou de 1889 a 1930. A história rubro-negra evoluía em paralelo, desde que jovens remadores fundaram um clube de regatas na Praia do Flamengo em 1895, até a adoção daqueles jovens rebelados contra a aristocracia diretiva do Fluminense que foram aportar na garagem de remo da Praia do Flamengo para criar um Departamento de Esportes Terrestres, sem nem ter lugar para treinar, fazendo-o no início em praça pública, com um espírito jovem que desde o início buscou se impor frente a colonizadores e aristocratas. A jovialidade ousada e vanguardista que venceu e assim despertou simpatias. Como descreveu Mário Filho em "Histórias do Flamengo", enquanto as vitórias tricolores eram comemoradas como sofisticados bailes nos salões cheios de reluzentes vitrais nas Laranjeiras, as vitórias rubro-negras terminavam em reco-reco na garagem, com todos dançando com todos. O Clube de Regatas do Flamengo podia ainda não estar aberto ao povo, podia ainda ser um clube exclusivo para os brancos filhos da elite, mas aquele espírito jovem e diferenciado, e mais do que tudo diversas vezes vencedor, caía paulatinamente no gosto da maioria.
Há três fatores no contexto dos Anos 1930 do país e de sua capital, que então era o Rio de Janeiro, que confluem para o nascimento do "Mais Querido". Primeiro, em meio à sua profissionalização, a mídia esportiva buscou construir a popularização do futebol, e nesse contexto foram Mário Filho e sua equipe no Jornal dos Sports quem apostaram, sobretudo a partir de 1936, na exaltação ao Fla-Flu como ápice festivo do que aquele esporte tinha a oferecer. O Jornal dos Sports organizaria diversos concursos em suas páginas para avaliar e exaltar as torcidas em diversos quesitos. Em segundo, a difusão do rádio naquele momento da história levou as transmissões esportivas a todo o território nacional, criando modas nos mais distantes rincões do Brasil. E terceiro, os Anos 1930 marcam um momento de busca da construção do nacionalismo e de imagens e identidades nacionais durante o período ditatorial de Getúlio Vargas na Presidência da República. É em meio à busca de popularização do esporte e de construção de uma identidade nacional, com a difusão pelo rádio para o país inteiro, que as sementes de simpatia que já estavam plantadas desde seus primórdios germinaram e fizeram nascer verdadeiramente o Flamengo como o "Mais Querido do Brasil".
E após quase ter ficado para trás no cenário futebolístico carioca, após péssimos resultados entre 1926 e 1934, as arrojadas apostas da Gestão Padilha foram as que colocaram o clube no lugar certo e na hora certa para crescer ainda mais. A principal preocupação de José Bastos Padilha não era popularizar ao Flamengo, tanto que além de contratar os quatro melhores jogadores de futebol negros da cidade, ele foi buscar um goleiro espanhol, um atacante alemão e um técnico húngaro, e também montou um time repleto de jogadores argentinos. Ele não estava preocupado com a raça ou a origem, tanto que juntou quatro negros, três europeus e quatro argentinos. O verdadeiro objetivo de Bastos Padilha era montar o melhor time de futebol da cidade!
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