FLEITAS SOLICH: o Feiticeiro
Carreira como jogador: 1919-1926 Nacional (Paraguai); 1927-1931 Boca Juniors (Argentina); 1931 Racing (Argentina); 1932 Platense (Argentina); 1933 Talleres (Argentina); e 1933-1936 Boca Juniors (Argentina)
Carreira como técnico: 1932 Lanus (Argentina); 1933 Newel's Old Boys (Argentina); 1934-1935 Quilmes (Argentina); 1936 Talleres (Argentina); 1937-1938 Nacional (Paraguai); 1937-1940 Seleção do Paraguai; 1940-1941 River Plate (Argentina); 1942 Olimpia (Paraguai); 1942 Seleção do Paraguai; 1943-1944 Libertad (Paraguai); 1945-1953 Seleção do Paraguai; 1953-1959 Flamengo; 1959-60 Real Madrid (Espanha); 1960-1961 Flamengo; 1962-1963 Corinthians; 1963 Fluminense; 1963-1965 Seleção do Paraguai; 1966 Palmeiras; 1967-1968 Atlético Mineiro; 1970-1971 Bahia; e 1971 Flamengo.
O paraguaio Manuel Fleitas Solich, como jogador, foi um bom meio-campista, que fez parte da Seleção do Paraguai que participou pela primeira vez em sua história de uma edição do Campeonato Sul-Americano, em 1921, ainda tendo sido campeão paraguaio de 1924 e de 1926 pelo Nacional e campeão argentino de 1930 pelo Boca Juniors. Como treinador, esteve à frente da Seleção Paraguaia na disputa dos Campeonatos Sul-Americanos de 1937, 1939, 1942, 1949 e 1953, e foi o treinador paraguaio na Copa do Mundo de 1950. Foi depois do título sul-americano de 53 que chegou à Gávea, para comandar um time que já tinha três jogadores paraguaios, o goleiro Garcia, o cabeça-de-área Modesto Bria e o centroavante Benítez. Em suas passagens como treinador no futebol argentino e paraguaio passou a ser chamado de "El Brujo". No Brasil, ao invés de fazerem a tradução literal para "O Bruxo", ele ficou sendo chamado de "O Feiticeiro". Foi um vencedor: Campeão da Copa América de 1953 com a Seleção do Paraguai, Tri-Campeão Carioca de 1953, 1954 e 1955 com o Flamengo, Campeão do Torneio Rio-São Paulo de 1961, e o técnico que pela primeira vez lançou Zico no time profissional, em 1971.
Foi no 11º jogo da terceira passagem do Feiticeiro pela Gávea que, numa partida contra o Vasco pela Taça Guanabara, Solich colocou um garoto franzino chamado Zico para jogar. O Flamengo venceu aquele jogo por 2 a 1. Nos dois jogos seguintes, uma derrota para o Fluminense e o primeiro jogo em Campeonatos Brasileiros, uma derrota para o Sport, em Recife. No segundo jogo do Brasileiro de 71, um empate por 1 a 1 com o Bahia na Fonte Nova, com o gol rubro-negro neste jogo - o primeiro do Flamengo na história dos Campeonatos Brasileiros - tendo sido marcado pelo menino Zico.
Como treinador do Flamengo, comandou o time em 527 jogos (306 vitórias, 111 empates e 110 derrotas). É o segundo treinador a mais vezes ter treinado ao Flamengo na história, atrás apenas de Flávio Costa.
Na primeira passagem, de 1953 a 1959, foram 390 jogos a frente do Flamengo, com 238 vitórias, 73 empates e 79 derrotas. Depois de 6 anos e 2 meses à frente do time, saiu em junho de 1959 ao receber um convite para ser o treinador do Real Madrid, onde ficou na temporada 1959-60. Depois de ser demitido em Madrid, voltou para o Flamengo em julho de 1960 e ficou até dezembro de 1961, tendo nesta passagem feito 103 jogos, com 61 vitórias, 19 empates e 23 derrotas. Voltou ao clube entre junho e dezembro de 1971, chegando para sua terceira passagem pela Gávea já com 70 anos e tendo sido o treinador de ponta a ponta na campanha do 1º Campeonato Brasileiro, tendo feito no total desta passagem 34 jogos, com 7 vitórias, 19 empates e 8 derrotas.
Solich em 1971 na Gávea
Abaixo, a mescla de dois textos sobre a carreira do treinador escritos por Luiz Ferreira para o site "Torcedores.com", e por Emmanuel do Valle para o site "Flamengo Alternativo":
O paraguaio Manuel Agustín Fleitas Solich provocou uma revolução de estilo de jogo, de conceitos táticos e de métodos de treinamento no clube e no próprio futebol brasileiro, especialmente em sua primeira passagem pela Gávea entre 1953 e 1959. O técnico ainda foi o responsável por revelar e lapidar muitos nomes históricos rubro-negros. "El Brujo" revolucionou o Flamengo dentro e fora de campo com ideias arrojadas e modernas para seu tempo, e também chegou a ser cotado para comandar a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958.
De treinadores estrangeiros, o Flamengo já havia trazido ao húngaro Dori Kurschner no final dos Anos 1930 com o objetivo de atualizar aos jogadores dos mais modernos conceitos táticos do mundo. O húngaro foi um dos que ajudaram a introduzir o WM (uma espécie de 3-2-2-3) no Brasil. O estrangeiro, porém, não foi visto com bons olhos pelo público e pela imprensa ao tentar implementar o WM em voga no Velho Continente. Em especial ao decidir recuar o classudo médio Fausto dos Santos (já sem fôlego em virtude da tuberculose que o mataria pouco tempo depois) para o posto de zagueiro central.
Fato é que, tratando-se de técnico estrangeiro, o sucesso do Flamengo no ano de 2019 com o técnico português Jorge Jesus só pode ser comparado à revolução que o paraguaio Fleitas Solich fez no clube a partir de meados da década de 1950. Assim como Jorge Jesus, "El Brujo" também chegou ao Rio de Janeiro cercado de desconfiança por parte da imprensa e da torcida. E isso num momento em que o Flamengo tentava acabar com uma seca de títulos importantes e relevantes. Assim como o "Mister", Fleitas Solich chegava de uma outra cultura e não tinha os vícios do futebol praticado por estas bandas. Mas Solich revolucionou, sendo um dos precursores do 4-2-4, quando o WM ainda era o sistema dominante no mundo mas que já tinha seus dias contados – muito embora a imprensa brasileira publicasse as escalações no ainda mais antigo 2-3-5 – pouco depois o novo esquema tático, o 4-2-4, já estaria claramente marcado em campo, quando a Seleção Brasileira conquistou a Copa do Mundo de 1958 na Suécia, com uma linha defensiva com De Sordi, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito e Didi no meio; e Garrincha, Pelé, Vavá e Zagallo compondo a linha de frente.
No momento da chegada de Solich, havia um Flamengo com fome de conquistas (eram oito anos sem títulos, para ser mais exato, desde o primeiro tricampeonato carioca, conquistado entre 1942 e 1944) e o clube estava disposto a arriscar com um nome novo, trazido de fora, sem vícios do futebol brasileiro. E, da outra parte, um treinador também oriundo de outra cultura e ao mesmo tempo antenado com a vanguarda tática mundial daquele momento, apresentando ideias quase nunca vistas até então por aqui e que, em seu tempo, chegariam a refletir até sobre a Seleção Brasileira.
Gilberto Cardoso, então presidente do Flamengo, já havia conhecido o trabalho de Solich na Seleção Paraguaia durante a Copa América de 1949, disputada no Rio de Janeiro. O título sul-americano em 1953 (conquistado em cima da já citada Seleção Brasileira) aumentou ainda mais o interesse no trabalho do treinador. Fleitas Solich, paraguaio com longa carreira de jogador e treinador no futebol de seu país e também no argentino, também havia dirigido a seleção guarani na Copa do Mundo de 1950. Nos Campeonatos Sul-Americanos (atual Copa América) de 1949 e 1953 obteve, em ambos, vitórias marcantes sobre o Brasil – no segundo deles, por duas vezes, em resultados que acabaram valendo o título ao Paraguai. No Sul-Americano de Lima de 53, a crônica esportiva brasileira também havia ficado bastante impactada com o alto nível de competitividade da seleção guarani. A resistência ao técnico, porém, estava dentro do Flamengo: alguns dirigentes do clube faziam forte campanha por outro estrangeiro, o uruguaio Ondino Viera. Este, no entanto, já era um velho conhecido do futebol carioca desde o fim da década de 1930, com passagens por Fluminense, Vasco, Bangu e Botafogo, levantando títulos cariocas com os clubes de Laranjeiras e de São Januário. O velho Ondino, porém, era mais do mesmo para a época, e não contava com a simpatia de Gilberto Cardoso. Depois do Sul-Americano, o presidente rubro-negro viajou e os dois se encontraram em Buenos Aires – onde o Fla disputava um torneio e também onde Solich residia – e enfim o contrato foi assinado. Ele se juntava a uma pequena colônia paraguaia na Gávea, formada pelo goleiro García, pelo atacante Benítez e pelo médio Modesto Bria, já em vias de trocar os gramados pela comissão técnica, vindo a se tornar mais um assistente de técnico paraguaio.
Fleitas Solich e Gilberto Cardoso
O futebol jogado nos Anos 1950 era muito mais lento e cadenciado, e quase todo calcado na presença do craque, que era quem ditava o ritmo e resolvia as partidas. As coisas mudariam um pouco com a chegada de "El Brujo" à Gávea. E começando pelas tais inovações táticas tão procuradas pela diretoria do Flamengo. Costuma-se dizer que Martim Francisco foi o primeiro treinador a adotar o famoso 4-2-4 no Vila Nova de Nova Lima, campeão mineiro em 1951. No Rio de Janeiro, no entanto, esse sistema só seria visto após a chegada de Fleitas Solich ao Flamengo. De início, "El Brujo" preferiu apenas observar o time comandado por Jayme de Almeida no torneio quadrangular contra Botafogo, Boca Juniors e San Lorenzo, disputado em Buenos Aires, e fez suas experiências no Torneio Rio-São Paulo logo no início da temporada. Quando o Fla estreou no Campeonato Carioca de 1953 (com goleada de 7 a 2 no Bangu) o time estava em ponto de bala, já tendo assimilado boa parte dos conceitos de Solich, especialmente quando ele passou a escalar ao zagueiro Servílio como o que se conhecia então por médio direito, mas que, na prática, significava formar uma dupla de beques de área com o central Pavão. Aí já havia ficado claro que novas idéias chegavam para refrescar os conceitos táticos vigentes no Brasil.
Solich à beira do túnel vendo o jogo com seu auxiliar Jayme de Almeida (o pai)
A vitória sobre o Bangu já trazia um pouco das inovações táticas de Solich. A imprensa esportiva, tão acostumada com o WM (e a escalar os times como se jogassem no 2-3-5) se via diante de um desenho que reunia quatro jogadores na zaga, dois no meio-campo e quatro atacantes. A maneira de jogar também era bastante diferente daquilo que todos estavam acostumados. A ordem no Flamengo era fazer a bola chegar na frente o mais rápido possível. Um jogo mais direto, mais vertical, mais veloz e mais solidário, com defesa marcando por zona e pontas recuando para fechar espaços. Tudo aliado a uma excelente preparação física. Mas Fleitas Solich ia além, considerava o meio-campo uma zona que prestava para mostrar um jogo bonito e nada mais. Numa frase que se tornaria célebre, ele disse: "o meio-campo é por onde a bola passa, não onde ela fica". Além disso tudo, incentivava o toque de primeira, sem dribles considerados por ele desnecessários em determinados momentos da partida.
Após a goleada de 7 a 2 no Bangu, o jornalista Luiz Mendes (que se tornaria um dos comentaristas mais respeitados do Rio) escreveria na Revista Esporte Ilustrado: "A introdução do jogador Servílio no posto que Jadir deixou vago e o recuo de Marinho para beque de extrema deu consistência nova e mais segura à defesa do clube da Gávea. Aliás, o médio direito do Flamengo precisa ser meio zagueiro. Isso porque o sistema defensivo do clube rubro-negro coloca quatro homens atrás, formando uma primeira linha de defesa, dois no meio – Dequinha e Rubens – um pela esquerda e outro pela direita – ficando na frente quatro homens que sempre recebem a cooperação dos dois que ficam entre eles e os quatro da retaguarda". Palavras escritas em setembro de 1953.
As inovações deram resultado logo no primeiro ano de Solich na Gávea. O Flamengo conquistou o Campeonato Carioca de 1953 com uma rodada de antecipação. Foram 21 vitórias, 4 empates e apenas 2 derrotas, e o ataque mais positivo da competição, com 77 gols. O time (armado no 4-2-4) trazia jogadores de grande qualidade e que se somavam dentro de campo dentro das estratégias promovidas. O paraguaio García era o goleiro; Marinho e Jordan eram os laterais; Servílio e Pavão formavam a zaga; Dequinha e Rubens faziam o meio-campo; e Joel, Índio, Benítez e Esquerdinha formavam o quarteto ofensivo. E já naquele tempo, ficava claro que não havia espaço para estrelismos no Flamengo. Nem mesmo para Rubens, um dos "donos do time" e que, assim como muitos, fumava e bebia, hábitos considerados como inaceitáveis por Fleitas Solich. Em função disto, nos anos seguintes, o "Doutor Rúbis" e outros jogadores seriam afastados da equipe, por este e outros motivos. Se para aqueles Anos 1950, em que praticamente todos os clubes tinham um "solista" no setor, esse comentário parecia vindo de outro planeta, causava não menos estranhamento o hábito de Solich de parar os treinos com seu apito quando um jogador começava a driblar em excesso. O paraguaio, no entanto, não era inimigo do drible: apenas considerava que ele só seria mais bem aplicado num caso em que não fosse possível passar a bola a um companheiro melhor colocado. Entusiasta do jogo de primeira, que tinha parentescos com a escola húngara contemporânea e o "push-and-run" inglês, o técnico proibia seus atletas de pararem e dominarem a bola quando sob marcação, já que nesse caso "é mais fácil destruir que construir".
Dequinha, Jadir e Jordan conversam com Solich na Gávea
Numa excelente entrevista à Revista Manchete Esportiva em outubro de 1956, na qual explicava em detalhes como armava suas equipes, Solich era até mais radical quanto à nomenclatura do sistema de jogo que empregava: em vez de 4-2-4, segundo ele, "a fórmula certa seria mais 5-5" (ou seja, cinco homens atacando e cinco defendendo). Espantado, o célebre jornalista Albert Lawrence indagou sobre o meio-campo, ao que o Feiticeiro respondeu: "Podemos abandoná-lo. O meio do campo é só para mostrar jogo bonito. Praticamente não interessa. E ganha-se jogos defendendo sua área e contra-atacando de repente em grande velocidade, com um jogo direto, sem atrasar-se em jogadas bonitas no meio do campo. Acho, aliás, que o futebol direto do 5-5 pode tornar-se muito agradável como espetáculo, quando perfeitamente executado", explicou o paraguaio. Esse estilo de jogo era aplicado em todas as categorias do futebol rubro-negro: Solich tomava conta do time de cima da mesma forma que orientava as equipes juvenil e de aspirantes. E tudo que era necessário para colocar em prática as ideias do treinador em campo – desde os pesados treinos físicos até o incessante trabalho de fundamentos para apurar passes, chutes e cabeceio – era feito com rigor e atenção já a partir da base. As categorias de base recebiam toda essa atenção porque Solich era um grande revelador de talentos, ao estilo de Matt Busby. Não se furtava a promover jovens, até por dois fatores: em geral assimilavam com mais facilidade as ordens táticas e tinham mais fôlego para cumprir o que o time exigia em campo. E ainda podiam ser um fator surpresa, como ocorreu na partida que marcaria a estreia de Dida, um clássico diante do Vasco em outubro de 1954. Benítez e Evaristo, pontas-de-lança, estavam lesionados e o veterano ponteiro Esquerdinha era dúvida. Para o primeiro caso, não restava opção que não recorrer ao mirrado garoto alagoano que vinha brilhando nos aspirantes (Dida). Para o segundo, em tese, entraria o reserva imediato, um certo Zagallo. Mas Solich surpreendeu: em vez deste, levou a campo outro garoto mirrado, Babá, também do time de aspirantes. Por um motivo simples: entrosamento. A ideia era a de que a presença da dupla que formava a ala esquerda dos aspirantes seria benéfica a ambos, um ajudando o outro a se tranquilizar e se familiarizar. E de fato, eles cresceram para a ocasião: os dois garotos provocaram o caos na retaguarda cruzmaltina, sendo o destaque na vitória rubro-negra por 2 a 1. Mas nem por isso Zagallo perderia seu valor. Pelo contrário: pelas mãos do paraguaio, transformar-se-ia em outro jogador.
Em 1954, o Campeonato Carioca foi conquistado novamente com uma rodada de antecedência e com campanha quase idêntica: 20 vitórias, 5 empates e apenas 2 derrotas. Desta vez, o brilho da equipe de Fleitas Solich estava na defesa, a menos vazada da competição, com 27 gols sofridos. A equipe titular, no entanto, sofreu algumas alterações: o alagoano Tomires entrou na lateral-direita no lugar de Marinho, Jadir recuperou seu lugar na zaga (ao lado de Pavão), Evaristo de Macedo ganhou a vaga de Benítez no meio-campo, e um jovem Zagallo entrou no lugar de Esquerdinha, e aquele ponta-esquerda se tornaria um dos símbolos do time comandado por "El Brujo". Vindo da base do América, Zagallo era conhecido pelos dribles e pela velocidade. No Flamengo, se tornaria um ponta versátil, criativo, inteligente e chegaria à Seleção Brasileira para fazer exatamente aquilo que fazia com Solich: auxiliar a cobertura defensiva e puxar os contra-ataques.
A versatilidade era outro trunfo com que contava aquele Flamengo, em especial no ataque. Índio podia jogar como centroavante ou ponta-de-lança. Paulinho foi ponta-direita e meia-direita antes de se sagrar artilheiro do Carioca de 1955 como centroavante. Evaristo tinha facilidade de jogar em todas as posições do quinteto ofensivo. As opções de elenco e possibilidades de formação eram inúmeras, e sempre escolhidas de acordo com o adversário, sob a estupenda leitura tática dos jogos e a habilidade de mudar inteiramente o panorama deles mexendo apenas na posição das peças das quais dispunha em campo – lembremos: na época, as substituições não eram permitidas nos torneios em que vigoravam as regras oficiais, como o Carioca. Logo no início do certame de 1953 houve uma emblemática partida na Rua Bariri contra o Olaria, na época dirigido pelo ex-zagueiro rubro-negro Domingos da Guia. Faltando cerca de dez minutos para o fim, os alvianis venciam por 1 a 0, e o Fla não ia bem, com o garoto Maurício sentindo o peso de substituir ao ídolo Rubens na meia direita. Até que o Feiticeiro Solich decide entrar em ação e girar quase completamente o posicionamento de seu ataque. Maurício é remanejado para a ponta-esquerda, Esquerdinha por sua vez troca de lado e vai para a ponta-direita, Joel, o dono desta posição, passa a meia-armador, centralizado, municiando Índio e Benítez. Em sete minutos, o Fla marca três vezes e decreta a virada. A mais célebre mudança radical feita por Solich na equipe, porém, viria antes da última partida da melhor-de-três que decidiu o Carioca de 1955 e que daria o tricampeonato aos rubro-negros.
O terceiro título do Campeonato Carioca foi o mais longo de todos. A competição começou no dia 7 de agosto de 1955 e terminou apenas no dia 4 de abril de 1956. Em 30 jogos, o Flamengo teve 21 vitórias, 2 empates e 7 derrotas, ficando novamente com o melhor ataque: 87 gols marcados. Na decisão, que foi dramática, o Flamengo, vencedor dos dois primeiros turnos, enfrentava ao América, que levou o terceiro ao aproveitar o cansaço dos rubro-negros na reta final. O Flamengo venceu o primeiro jogo por 1 a 0 e foi derrotado no segundo por categóricos 5 a 1 numa tarde de 1º de abril. Fleitas Solich tomaria decisões radicais no jogo de desempate: Servílio entraria no lugar de Jadir na zaga para conter ao centroavante rubro Leônidas "da Selva", forte pelo alto e trombador, e outra mudança foi feita no ataque, com Paulinho (o artilheiro do campeonato) dando lugar para o jovem Dida, com Evaristo de Macedo sendo deslocado para o comando de ataque. Paulinho se revoltou e Jadir chegou a chorar quando soube que não jogaria a final. Mas Solich tinha razão. O Flamengo venceu ao América por 4 a 1, com quatro gols de Dida, e conquistou o terceiro tricampeonato estadual da sua história.
Aquele Flamengo era certamente o melhor exemplo em seu tempo da predominância do coletivo sobre a individualidade. Não era o Flamengo de Dida, ou de Evaristo, ou de Rubens, ou de Joel, ou de Dequinha, ou de nenhum outro jogador. Era sobretudo o Flamengo de Solich. As digitais daquele time eram as do Feiticeiro. Seria ele o grande comandante da equipe que levantaria o primeiro tricampeonato carioca do recém-inaugurado Maracanã.
Nas temporadas seguintes, o Flamengo não levantaria mais nenhum Campeonato Carioca, mas era sempre apontado como um dos favoritos. Em 1956, em um campeonato mais curto (o terceiro turno fora abolido) o Flamengo perdeu o tetra por diversos motivos: o cansaço, as lesões de nomes importantes (Dequinha, onipresente no tri, ficou várias rodadas de fora), uma certa dose de máscara em alguns jogos, além de erros de arbitragem em outros. A taça acabou ficando com o Vasco de Bellini e Vavá. Em 1957, numa briga cabeça a cabeça com Fluminense e Botafogo, o caneco foi perdido com uma sequência de empates na reta final, deixando o time apenas dois pontos atrás do alvinegro de Garrincha, Didi e Nilton Santos, treinado por João Saldanha. Curiosamente, o Fla não perderia para nenhum destes campeões: somou uma vitória (1 a 0) e um empate (1 a 1) contra o Vasco de 1956 e duas igualdades (3 a 3 e 1 a 1) contra o dono da taça no ano seguinte.
Apesar dos títulos não conquistados, o prestígio do paraguaio seguia tão grande que ele foi seriamente cogitado para assumir a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958. O posto, no entanto, ficaria com Vicente Feola (auxiliar do húngaro Bela Guttmann no São Paulo) e responsável por levar o 4-2-4 ao escrete canarinho. Por outro lado, o Flamengo seria o time com o maior número de jogadores chamados para a pré-lista: Joel, Moacir, Dida e Zagallo fariam parte da equipe que traria a primeira Copa do Mundo para o Brasil. Após o Mundial, no segundo semestre de 58, mesmo após negociar Joel e Zagallo, o Fla novamente chegaria bem perto do título carioca, perdido apenas no chamado "supersupercampeonato", um segundo triangular extra com Botafogo e Vasco – que levou a taça.
Sob o comando de Solich, o Flamengo obteve triunfos expressivos, entre eles os 6 a 4 sobre o mítico Honved de Puskas, no Maracanã, no dia 19 de janeiro de 1957. Aquele seria o primeiro de uma série de cinco amistosos entre as duas equipes disputados no Rio e em Caracas, entre janeiro e fevereiro, que terminou com duas vitórias para cada lado e um empate, mas com os rubro-negros anotando um gol a mais (18 a 17). E ele também conquistaria a prestigiosa "Gran Serie Suramericana de Clubs", torneio hexagonal disputado em Lima contra Peñarol, River Plate, Colo-Colo, Alianza Lima e Universitario.
Em julho de 1959, o treinador encerraria sua primeira passagem pelo clube ao ser chamado para substituir ao argentino Luis Carniglia no comando do Real Madrid. E depois de comandar ao time merengue de Puskás e Di Stéfano na temporada 1959/60, Fleitas Solich voltou ao Flamengo. E essa sua segunda passagem pelo rubro-negro da Gávea seria tão vitoriosa quanto a primeira, tanto nas conquistas como nos jogadores revelados pelo técnico paraguaio, nomes como Carlinhos (o "Violino"), Gérson (o "Canhotinha de Ouro") e o ponta Germano, mais tarde vendido ao Milan. O título do Torneio Rio-São Paulo de 1961 viria com uma vitória por 2 a 0 sobre o Corinthians de Cabeção, Oreco e Ari Clemente diante de 40 mil pessoas no Maracanã. Ele ainda comandaria o Flamengo campeão do Torneio Octogonal de Verão de 61, disputado contra Vasco, São Paulo, Corinthians, Boca Juniors, River Plate, Nacional de Montevidéu e Cerro do Uruguai.
Sua segunda passagem se encerrou quando ele recebeu uma vantajosa proposta financeira do Corinthians em 1962, onde não conseguiu repetir o sucesso feito na Gávea. De lá passou para o Fluminense, de quem era o treinador no histórico Fla-Flu de 1963 no qual o Maracanã recebeu o maior público da história do futebol num confronto entre clubes, e do qual o Flamengo saiu campeão após um empate sem gols, sentenciando sua saída das Laranjeiras. Voltaria então para sua terra natal para comandar a Seleção Paraguaia mais uma vez, e depois regressaria ao Brasil para comandar a Palmeiras, Atlético Mineiro e Bahia antes de retornar ao Flamengo no segundo semestre de 1971 para sua última fase na Gávea, na qual revelaria um garoto franzino de apenas 18 anos chamado Zico. No fim de 1971, Fleitas Solich anunciou a sua aposentadoria, mas seguiu morando no Rio de Janeiro. "El Brujo" faleceu no dia 24 de março de 1984 e deixou um legado imenso no futebol brasileiro.
O velho Solich orientando ao garoto Zico na Gávea
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