sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Hall da Fama do C.R. Flamengo: FIGUEIREDO


FIGUEIREDO: uma vítima de acasos

Carreira: 1979-1984 Flamengo

Um campeão muitas vezes esquecido. Figueiredo era titular da zaga rubro-negra no título da Libertadores de 81. A dupla Figueiredo e Mozer, que subiu junta dos juniores, foi a formação titular até o 2º jogo da final, quando uma lesão muscular tirou Figueiredo do terceiro e último jogo, o que deu a taça ao Flamengo, em Montevidéu, assim como da final do Mundial em Tóquio contra o Liverpool. E por este acaso, os registros da história escreveram a formação com Marinho e Mozer na zaga. No Brasileiro de 82, os papéis se inverteram, a dupla dos títulos da Libertadores e do Mundial foi mantida titular, mas a partir das quartas de final, Mozer sofreu uma lesão muscular, e a dupla Marinho e Figueiredo jogou os cinco jogos da semi-final e da final no segundo título nacional rubro-negro. No Brasileiro de 83, Marinho era o titular absoluto, o Mozer e Figueiredo se revezaram a seu lado, ora um ora outro, tendo assim sido inclusive tanto na semi-final quanto na final daquela edição.

Como jogador do Flamengo, ele fez 153 jogos, sem ter marcado gols.


Abaixo, o texto sobre a carreira do jogador escrito por Emmanuel do Valle e publicado no site "Flamengo Alternativo", complementado por texto de Lucas Vieira para o site "A Voz da Serra":

Cláudio Figueiredo Diz nasceu na cidade de São Paulo em 23 de dezembro de 1960, filho do espanhol Antonio Lago Diz e da brasileira Suzana Figueiredo. Ele começou no futebol nas categorias de base do Palmeiras, tendo deixado o clube quando tinha 15 anos. Ele então jogou a Taça São Paulo em 1976 defendendo ao Nacional, clube azul e branco da capital paulista. Com um estilo vigoroso e ao mesmo tempo técnico, chamou a atenção dos olheiros do Flamengo. Chegou então à categoria juvenil (sub-20) rubro-negra e se firmou numa geração na qual subiram para o profissional o zagueiro Mozer, o volante Vítor, os centroavantes Anselmo e Ronaldo Marques e o ponta Édson. Integrou a Seleção Brasileira da categoria. Chegou a fazer uma precoce aparição no time profissional do Flamengo em abril de 1979, numa goleada sobre o Fluminense de Friburgo pelo Campeonato Carioca. Mas logo regressou ao time sub-20.

No fim de junho de 1980 despertou a atenção de um visitante ilustre após atuar numa vitória rubro-negra sobre o Botafogo por 2 a 0 na Gávea pelo Estadual da categoria: o veterano técnico franco-argentino Helenio Herrera, que dirigia o Barcelona e vinha ao Brasil para observar jogadores (no Flamengo, depois de saber que Zico era inegociável, sondou Tita e Nunes). Herrera gostou muito do zagueiro, mas a negociação não passou do interesse.

As qualidades que impressionaram o velho Herrera começavam pela excelente impulsão – apesar da baixa estatura (1,77m) – conquistada à base de muito treinamento com colete de peso. Além disso, Figueiredo era um zagueiro inteligente, com boa leitura do jogo e do adversário, muito bom nas antecipações e com facilidade de se adaptar ao estilo do atacante que teria pela frente. Era também um marcador duro até nos treinos, mas nunca desleal. Era mais garra, ímpeto, vontade de vencer do que violência pura e simples.

Promovido em definitivo ao elenco principal em 1981, era a quinta opção para o setor: o elenco ainda contava com Luís Pereira (trazido a peso de ouro do Atlético de Madrid em meados do ano anterior), Rondinelli, Marinho e Mozer (este, já há alguns meses entre os profissionais).

No começo de junho, porém, o Flamengo vivia processo de renovação de sua zaga. Luís Pereira já tinha deixado a Gávea para retornar ao Palmeiras. Rondinelli vivia seus últimos meses no clube antes de receber boa proposta do Corinthians e sair em agosto. Havia o retorno de Manguito, que havia embarcado rumo ao Al Nassr, da Arábia Saudita, após o Brasileiro de 1980, e estava de volta, mas sem contrato e acima do peso.

Foi quando o técnico Dino Sani resolveu relacionar mais o jovem Figueiredo, utilizando-o a princípio durante os jogos e depois como volante, num curto período em que Andrade e Vítor estiveram lesionados. No jogo contra o Olimpia, no Maracanã, pela Libertadores, enfim começou jogando em sua posição. E daí em diante virou figura frequente na escalação do time (agora dirigido por Paulo César Carpegiani). Disputou como titular nada menos que 10 dos 14 jogos da campanha vitoriosa na Libertadores – número inferior apenas ao de Mozer entre os zagueiros –, além de outros dois vindo do banco. E participou também desde o início de jogos importantes do Flamengo naquele período, como a histórica goleada de 6 a 0 sobre o Botafogo pelo Campeonato Carioca.

Nas três grandes decisões daquele fim de ano, porém, ele quase não esteve em campo. Depois de enfrentar o Cobreloa no Maracanã e em Santiago, um estiramento no músculo adutor o tirou do terceiro jogo, em Montevidéu. No jogo do título carioca, a vitória de 2 a 1 sobre o Vasco, Figueiredo entrou em campo apenas no fim do jogo, no lugar de Júnior. E em Tóquio, contra o Liverpool, acabou assistindo do banco a conquista do título mundial, devido ao mesmo problema no adutor. De marcante, além da comemoração com os companheiros, apenas a tatuagem no braço direito (um golfinho) que fez durante a escala em Los Angeles, junto com Leandro e Mozer.

No ano seguinte, Carpegiani decide manter de início a dupla de zaga das decisões. Nas primeiras fases do Brasileiro de 1982, Figueiredo fez apenas uma partida – e jogou mal. Escalado de improviso na lateral-direita contra o Atlético Mineiro no Maracanã, foi expulso ainda no primeiro tempo após uma falta em Reinaldo. Mesmo assim, o Flamengo (que perdia por 1 a 0) virou o jogo com um a menos e venceu por 2 a 1. Mas quando Mozer se lesionou na partida de ida das quartas de final contra o Santos no Maracanã (outra vitória rubro-negra de virada por 2 a 1) e ficou de fora do resto da competição, Figueiredo ganhou sua grande chance.

A grande atuação na partida de volta – empate em 1 a 1 no Morumbi – credenciou ao jovem zagueiro de 21 anos a permanecer no time. O Jornal do Brasil avaliou assim seu jogo: "Teve uma atuação seguríssima e foi, logo depois de seu companheiro de zaga Marinho, o melhor do time". Na semi-final, contra o Guarani, mais duas grandes atuações, anulando Careca completamente, tanto no Maracanã quanto no Brinco de Ouro. No jogo da volta, em Campinas, sofreu inclusive um pênalti claro não marcado pelo árbitro, numa raríssima projeção ao ataque.

Nos jogos finais contra o Grêmio voltou a ter grandes atuações, crescendo a cada jogo, até a partida irretocável no terceiro e último jogo, no Olímpico. E o mesmo "JB" o apontou como o melhor da zaga, superior até a Marinho: "Irrepreensível nas disputas altas ou rasteiras, não perdeu um lance".

Em agosto, no entanto, uma torção no tornozelo o tirou do time por um mês, propiciando o retorno de Mozer, já recuperado de sua lesão. Mas os papeis se invertem no começo do mês seguinte, quando Mozer se lesionou em um amistoso em Fortaleza, e Figueiredo retornou à zaga a partir da vitória sobre o América por 3 a 2 pela Taça Guanabara, permanecendo até o fim do ano, atuando em 19 das 22 partidas da equipe no período.

Chega 1983, e Mozer e Marinho voltam a estar em alta. Tanto que ambos ganham uma chance na Seleção Brasileira do novo técnico Carlos Alberto Parreira. Mas novamente Figueiredo arranja um jeito de sair na foto de campeão. Entra em campo 21 vezes (17 como titular) nas 32 partidas oficiais do Flamengo naquele primeiro semestre, entre Campeonato Brasileiro e Taça Libertadores. E na final do Brasileiro, nos 3 a 0 impostos ao Santos no Maracanã, lá estava ele substituindo Mozer no time titular e cumprindo atuação cinco estrelas, pela avaliação do Jornal do Brasil.

Entretanto, logo após o fim do Brasileiro, voltaria ao banco de reservas. O que o ajudaria, porém, a passar quase incólume pela crise técnica (e até administrativa) na qual o clube mergulharia após a saída de Zico. Sua sorte – e a do Flamengo – começaria a virar com a chegada do técnico Cláudio Garcia, na virada da Taça Guanabara para a Taça Rio. Durante a passagem do novo comandante, entre o fim de setembro de 1983 e o de maio de 1984, viraria titular absoluto. Disputaria, sempre desde o início, nada menos que 41 das 46 partidas do Flamengo sob a direção do treinador. A ponto de Marinho, outrora dono da posição, ser negociado com o Atlético Mineiro.

Nesse período, Figueiredo fez grande dupla com Mozer, mais ou menos delineando a velha ideia de "beque central" e "quarto zagueiro". Enquanto seu companheiro de miolo de zaga vivia talvez seu melhor momento no Flamengo, física e tecnicamente exuberante, dando-se ao luxo de sair jogando como se fosse um meia, em espetaculares arrancadas para o ataque, e de ser um dos cobradores de falta daquela equipe, Figueiredo era seu contra-ponto: raramente se aventurava à frente (menos até do que Marinho), mas se mostrava impecável nas tarefas defensivas, perfeito pelo alto, firme e preciso nos desarmes e inteligente na antecipação. Era como se Mozer fosse o zagueiro "louco" e Figueiredo, o sério.

Fora dos gramados, o jogador teve uma experiência inusitada nessa mesma época. Em todo o país, vivia-se o tempo das manifestações populares pelo retorno das eleições diretas para a Presidência da República e o chamado movimento "Diretas Já". Os torcedores rubro-negros (que já haviam criado a torcida "FlAnistia" em 1979) não poderiam ficar de fora: um grupo fundou, no início de 1984, a torcida "Fla-Diretas" e escolheu ao zagueiro como padrinho – pela ironia envolvendo os sobrenomes do jogador e do então Presidente militar da República, João Baptista de Oliveira Figueiredo –.

Em meados de 1984, no entanto, uma combinação de fatores acabaria por encerrar sua grande fase. Primeiro veio a demissão de Cláudio Garcia – apesar da campanha irretocável na primeira fase da Libertadores – pouco depois da eliminação nas quartas de final do Brasileiro, após uma derrota desastrosa para o Corinthians no Morumbi. O veterano Zagallo entraria em seu lugar. Depois, uma sequência de lesões: teve afundamento do malar e fratura da mandíbula num choque sofrido em amistoso contra o Treze, em Campina Grande, e logo após retornar, quebrou o punho na partida em que o Flamengo venceu ao Grêmio por 3 a 1 no Maracanã pela fase semi-final da Libertadores.

Quando finalmente se livrou das lesões, Figueiredo encontrou a defesa rubro-negra já inteiramente reconfigurada por Zagallo. Contratado ao América para suprir a saída de Júnior para o Torino, o jovem Jorginho se firmava, mas não na lateral-esquerda, onde o garoto Adalberto, da base rubro-negra, crescia a olhos vistos, e sim na direita. Enquanto isso, daquela posição, Leandro finalmente tinha atendido a seu desejo de passar definitivamente para a zaga central – por conta dos velhos problemas nos joelhos, era impossível continuar apoiando ao ataque com a mesma frequência e qualidade. E Mozer, ainda irretocável, era o dono da quarta-zaga.

Jorginho, Leandro, Mozer e Adalberto formariam, assim, a linha defensiva rubro-negra para aquele segundo semestre de 1984. Figueiredo teria poucas oportunidades de jogar. Entraria em campo apenas quatro vezes pelo Campeonato Carioca, sendo duas como titular. A última delas, no entanto, seria marcante – apesar da derrota para o Fluminense por 2 a 1, na última rodada da Taça Rio.

Naquele dia, Figueiredo ficaria mais uma vez no banco. Mas o destino teria outros planos: Tita sentiu lesão e não passou no teste físico no vestiário, minutos antes de o time entrar em campo. Zagallo então, decidiu deslocar Leandro para o meio. E Figueiredo entrou na zaga – com a camisa que iria usar Tita. E aí deu-se a incrível coincidência, como uma espécie de homenagem, antes que qualquer pessoa e que o próprio zagueiro soubesse do que aconteceria dali a algumas semanas. No último jogo de sua vida, Figueiredo entrou em campo no Maracanã vestindo a lendária camisa 10 do Flamengo.

Na manhã de sábado, 22 de dezembro de 1984, o Rio de Janeiro acordou lendo na primeira página dos jornais – em meio a notícias sobre a sucessão presidencial após a última eleição indireta do regime militar e as novidades a caminho do primeiro Rock In Rio, a ser realizado no mês seguinte – uma nota sobre o desaparecimento do zagueiro Figueiredo, do Flamengo. O monomotor em que viajava do Rio para Ilhéus, na Bahia, ao lado do piloto, de uma amiga e de Niltinho, irmão do atacante Bebeto, sumira dos radares. E uma testemunha, um lavrador de Cachoeiras de Macacu, então distrito de Nova Friburgo, vira uma pequena aeronave se chocar contra o Pico da Caledônia.

O avião havia decolado às 14:40h de 20 de dezembro do Aeroporto Santos Dumont, no Rio. Desapareceu dos radares sem dar pistas na região de Friburgo, no estado do Rio. Só na manhã do dia 21, após um telefonema de um lavrador da região de Conquista, é que apareceu a primeira pista em relação a um local onde se poderia iniciar as buscas. Tão logo se teve notícia de que o avião havia sido localizado, os bombeiros começaram a tentar atingir ao topo do Caledônia. A subida até o local do acidente não foi nem um pouco fácil. A primeira tentativa aconteceu na noite de sexta-feira, quando a equipe considerou impossível naquele momento escalar os últimos 200 metros da rocha. A continuação do resgate deu-se no sábado, dia 22. O dia iniciou, mais uma vez, trazendo grandes dificuldades em relação ao clima, com muita neblina e chuva. Dessa vez, no entanto, os militares conseguiram avançar mais 185 metros. Nesse ponto já foi possível ter a certeza de que ninguém havia sobrevivido à queda — os bombeiros puderam ver a frente da aeronave toda destruída e acreditaram que a maior possibilidade era de as vítimas terem sofrido morte instantânea.

No domingo, o 6º Grupamento de Bombeiro de Nova Friburgo chegou ao avião. Após quase três dias de buscas em condições climáticas ruins, aquele dia iniciou-se com tempo agradável, sem chuvas, neblinas ou ventos fortes, o que possibilitou que militares chegassem ao local do acidente — contando também com o auxílio de um helicóptero do Para-sar — por volta das 8h30.  O resgate só foi concluído no fim da tarde, e ainda foi preciso enfrentar mais problemas em relação ao clima, além da grande descida até o pé do Caledônia.  O relatório dos bombeiros que fizeram o resgate indica que o zagueiro foi o único passageiro a ter sobrevivo ao choque com a montanha - era o único cujo corpo não estava enrijecido quando as equipes de busca chegaram ao local - deduzindo-se ter sofrido muito nos seus instantes finais de vida.

O corpo do jogador foi levado para o Rio de Janeiro na tarde do domingo, dia 23. E rapidamente houve o velório, na Capela 7, seguido do enterro no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Entre os presentes, Zico lembrava que o zagueiro "encarnava a fibra rubro-negra. Para ele, treino era jogo". Já o técnico Zagallo, muito abalado, não se conformava com a decisão do jogador de realizar a longa viagem num avião tão pequeno. E foi Andrade quem se lembrou do mais triste: Figueiredo foi enterrado no dia de seu aniversário. Completaria 24 anos naquele domingo.

Houve muitas hipóteses sobre o motivo da queda do monomotor naquela noite de 20 de dezembro. Algumas diziam ser pela falta de prática do piloto em conduzir um avião nas condições da serra, outras, por problemas na aeronave, mas também foi divulgado que uma Carta Aeronáutica contendo a altitude errada do Caledônia poderia ter causado a tragédia. Segundo reportagem do jornal "A Voz da Serra" em 27 de dezembro de 1984: "a impressão da Carta Aeronáutica para a região sudeste do Brasil, editada pelo Ministério da Aeronáutica, talvez seja a causa do acidente com o monomotor Corisco, tendo em vista que nela consta que a altitude do Pico do Caledônia é de apenas 1.700 metros, quando na verdade ela está em cerca de 2.200 metros". A medida de 2.200 metros de altitude, na verdade, é arredondada. Na primeira medida, dizia-se se que a montanha tinha 2.219 metros, e uma posterior medição mais precisa indicou a altitude do Pico da Caledônia confirmada como sendo de 2.257 metros. A mesma matéria afirmava que "o Caledônia era caracterizado por estar sempre envolto em neblina ou em nuvens, tornando a visibilidade precária". O acidente aconteceu muito próximo a um ponto no qual um acidente aéreo em 1964 havia causado a morte de 39 pessoas.

O avião que se chocou com o Caledônia foi um modelo Corisco, da Embraer, com o prefixo PT-NJS-193. Com 477 aviões produzidos entre os anos de 1975 e 1990, a empresa de aviação lançou dois modelos do Corisco: o tradicional e o Corisco II, também chamado Corisco Turbo. A aeronave tinha as dimensões de 8,23m de comprimento, 2,52m de altura e envergadura de 10,8m. Lançado no dia 17 de junho de 1975, o modelo surgiu de uma parceria da Embraer com a internacional Piper Aircraft Corporation.

Além de Figueiredo, morreram no acidente o piloto, Moacir da Costa Gomes Neto, que tinha 26 anos, e foi sepultado em São Paulo, a jovem modelo Viviane Ramos, de 20 anos, sepultada em Teresópolis, e Nilton Gomes de Oliveira, irmão do jogador rubro-negro Bebeto - na época já titular do Flamengo - que era procurador e conselheiro do atacante rubro-negro. "Niltinho", como era chamado, foi enterrado em Salvador, na Bahia.




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