RONALDO ANGELIM: o Magro de Aço
Carreira: 1996-1998 Icasa (CE); 1999 Juazeiro (CE); 1999 Ceará (CE); 2000 Ituano (SP); 2001-2005 Fortaleza (CE); 2006-2011 Flamengo; 2012 Grêmio Barueri (SP); 2013 Fortaleza (CE)
Autor do histórico gol que deu ao Flamengo o Hexa-campeonato Brasileiro em 2009, o gol da virada, aos 24 minutos do 2º tempo, antecipando-se ao goleiro Marcelo Grohe e escorando de testa para o fundo das redes, e colocando no placar: Flamengo 2 x 1 Grêmio. A vitória que o time rubro-negro necessitava na última rodada para garantir a conquista de seu 6º Campeonato Brasileiro.
Como jogador do Flamengo, ele fez 285 jogos e marcou 13 gols.
Abaixo, a combinação de trechos de textos sobre a carreira do jogador publicados pelo site "Mundo Rubro-Negro", este escrito por Igor Pedrazzi, e pelos blogs "A Nação Rubro-Negra" e "Futebol CZ", complementados com texto de Rodrigo Benchimol, escrito para o GloboEsporte.com:
Ronaldo Simões Angelim nasceu em 26 de novembro de 1975 em Porteiras, município localizado no interior sul do estado do Ceará, na Região Nordeste do Brasil. Porteiras está a 520 km da capital do estado, Fortaleza, localizada no sopé da Chapada do Araripe, sendo parte da Microrregião do Cariri. Durante a sua juventude não teve os recursos desejados para se dedicar exclusivamente ao futebol. Junto com os treinamentos no Icasa, nos quais já era possível observar um jogador de potencial, o jovem rapaz era obrigado a ajudar sua humilde família, e por isso ora treinava, ora cavava poços artesianos.
A história de Ronaldo Angelim seria a mesma de muitos garotos que com suas famílias partiram do Nordeste em busca de melhores condições de vida em São Paulo. No entanto, a história do zagueiro diferiu de muitas outras a partir do momento em que sua família decidiu regressar do Sudeste para o seu estado de origem. Por isso cresceu no árido sertão cearense, exercendo atividades que buscavam ajudar a sustentar à família humilde.
Dentes estragados, raquítico, descalço e com camisa surrada do Flamengo. Era assim que Ronaldo Angelim ia treinar no começo da carreira quando chegou ao time sub-20 do Icasa em 1995. A infância difícil começou a se modificar nos campos de terra do principal clube de Juazeiro do Norte, no interior do Ceará. Angelim acordava às 4h da manhã pois era entregador de pão em Juazeiro do Norte. Após as entregas por toda cidade, seguia direto para o trabalho de cavador de poço, que lhe consumia 8h diárias. Recebia por esse serviço R$ 25 por semana. Somente depois de tudo isso, é que ia treinar no Icasa ou disputar suas "babas", como ele chama as "peladas". Indicado por brilhar em times amadores da Região do Cariri, foi fazer a "peneira" no Icasa. O talento saltou aos olhos de três pessoas do principal clube da cidade cearense: o olheiro da base Décio Pelé, o técnico do profissional Luiz Carlos Silva e o presidente Kléber Lavor. Pelas palavras do próprio zagueiro: "cada um dos três teve a sua importância na minha vida".
No começo, o zagueiro não levava tanto a sério o futebol. Mas logo no seu primeiro ano no clube, ele mostrou que era um jogador diferenciado, sendo campeão do torneio local e assinando o seu primeiro contrato: "eu trabalhava mais cavando poço e entregando pão do que jogando bola, era o que me dava mais dinheiro. Eu tirava R$ 100 por mês cavando poço e R$ 80 no Icasa". Detalhe: o salário mínimo no Brasil em 1995 era de R$ 100.
Apesar da vivência muito difícil, nunca foi de beber, fumar, usar drogas ou ser indisciplinado. Ao contrário, era o primeiro a chegar e o último a sair dos treinos. O jovem, magrinho, cavava manualmente poços artesianos de até 50 metros de profundidade, um trabalho árduo e com salário baixíssimo, que nunca foram empecilhos para quem acordava às 3h da madrugada para pegar água para a família quando ainda era criança. Ele sempre se orgulhou de dizer que foi um rapaz trabalhador, o único dos nove filhos de Dona Francisca e Seu Antônio a aguentarem este emprego. Relembrou Angelim: "era uma profissão muito difícil, que ninguém aceitava, mas eu não ligava, tinha muito bicho, cobra verde, cobra coral... Sempre saía com a mão inchada de tanto cavar... Depois de um tempo, eu cheguei até a comprar minhas próprias ferramentas para poder trabalhar e ganhar um pouco mais de dinheiro... E também para ter uma garantia para o caso de não dar certo no futebol. Já cavei algumas cacimbas que quase desabaram. Houve uma vez em que as paredes começaram a tremer e saí rapidinho. Foi só eu sair que a cacimba desabou. Trabalhei quatro anos cavando poço. Devo ter feito uns 50 gols na carreira mais ou menos e já cavei mais de 500 poços. Sempre gostei de trabalhar. Sinto até saudade do que eu fazia. Passava muita dificuldade, mas era feliz. Conseguia ganhar meu dinheiro honestamente e comprar umas coisinhas para mim, mesmo sendo miserável".
Antes de ir cavar poços, porém, Ronaldo Angelim acordava de madrugada para entregar pão por Juazeiro do Norte. Saía com uma cesta cheia nas costas pelas casas e estabelecimentos da cidade às 4h da madrugada, enquanto o céu ainda estava escuro. Além das entregas, Ronaldo desempenhou outras funções na Panificadora Gil, além de preparar a massa, deixá-la mais fina e cuidar do fermento, ele muitas vezes também era o padeiro no forno.
Angelim disputou edições do Campeonato Cearense pelos dois maiores clubes da região, o Icasa e o Juazeiro. Em 1999, chegou ao Ceará, um dos dois maiores e mais tradicionais clubes da capital cearense. Suas boas atuações promoveram um retorno do atleta às terras paulistas, o Ituano vislumbrou em Angelim o xerife que faltava para comandar a zaga da equipe que disputaria a Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro de 2000. Mas ele não se firmou no clube rubro-negro de Itu. Com poucas oportunidades, voltou um ano mais tarde para Fortaleza, desta vez para defender ao clube que leva o nome da capital cearense, e foi no Fortaleza Esporte Clube que Angelim ganhou projeção e se tornou um dos ídolos do clube.
Jogou cinco anos pelo Fortaleza, tendo sido Campeão Cearense de 2001, 2003, 2004 e 2005. Ironicamente, Ronaldo, responsável por desarmar os atacantes adversários, também marcou o seu nome na história do Fortaleza por causa de um gol que fez. Isto aconteceu na última rodada da Série B do Campeonato Brasileiro de 2004, quando o Fortaleza, buscando retornar à Série A, necessitava ganhar seu jogo, contra o Avaí, por dois gols de diferença, além de precisar torcer para que o Bahia não vencesse ao Brasiliense, na Fonte Nova, em Salvador. Faltando cerca de 15 minutos para o término da partida, após cobrança de um escanteio, Ronaldo Angelim surgiu como um raio, pelo meio da zaga do Avaí, e marcou de cabeça o segundo gol do Fortaleza, gol que levou a equipe leonina de volta à elite do futebol brasileiro como Vice-campeão da Segunda Divisão do Brasileirão em 2004.
No Campeonato Brasileiro de 2005, Flamengo e Fortaleza se enfrentaram pela 18º rodada do turno no Estádio Castelão, na capital cearense. O Fortaleza venceu por 2 a 1, e quem abriu o placar, aos 4 minutos do 1º tempo, foi o zagueiro Ronaldo Angelim. No returno, no Estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador, no Rio, o Fla venceu por 3 a 0. O Fortaleza terminou o Brasileirão na 13ª colocação, duas a frente do Flamengo.
Durante o Brasileirão de 2005, o Flamengo só se salvou do rebaixamento porque Joel Santana assumiu o time no lugar de Celso Roth, e com o novo treinador, nas nove últimas rodadas do campeonato, o time rubro-negro não perdeu, vencendo seis e empatando três. Terminada a competição, Joel recebeu uma proposta financeiramente mais vantajosa para treinar ao Vegalta Sendai, do Japão. O Flamengo precisou então contratar um novo técnico para a temporada 2006, e decidiu apostar no então técnico do Fortaleza, Valdir Espinosa. Foi então que os caminhos de Angelim e da Gávea se cruzaram. Espinosa indicou seu homem de confiança no tricolor cearense, o zagueiro Ronaldo Angelim, que também tinha recebido proposta do Palmeiras, mas optou em seguir ao técnico no clube de coração da infância, fechando contrato com o Flamengo. A passagem de Valdir Espinosa seria curtíssima, demitido após uma sequência negativa de nove partidas. Já o zagueiro vestiria vermelho e preto pelos seis anos seguintes.
A estreia com a camisa rubro-negra foi em 2 de fevereiro de 2006, e logo em seu primeiro jogo, aos 29 anos de idade, marcou um dos gols do Flamengo na vitória por 4 x 2 sobre o Americano, de Campos, no Maracanã. O rapaz de infância pobre, de muita batalha na adolescência e de extrema simplicidade, finalmente vestia o Manto Sagrado. Ele teve a oportunidade de ocupar a vaga de titular, em várias partidas, mas ainda não havia conseguido se firmar no time rubro-negro. Contudo, mesmo que sem muito prestígio, Angelim acabou vendo diversos zagueiros passarem pelo clube e serem dispensados, enquanto ele se mantinha no elenco. Logo em seu primeiro ano foi Campeão da Copa do Brasil de 2006, estando entre os zagueiros que mais atuaram na campanha - jogou 8 das 12 partidas - esteve em campo ao lado de Renato Silva no primeiro jogo da decisão contra o Vasco, mas não jogou a segunda partida, na qual foi substituído por Rodrigo Arroz.
No ano seguinte, já titular no time do treinador Ney Franco, foi Campeão Carioca de 2007 formando a dupla de zaga titular com Irineu. Se no seu início no clube o jogador era contestado pela torcida, a partir do segundo semestre de 2007, com a chegada de Fábio Luciano, ele encontrou um perfeito entrosamento com o companheiro de zaga e não mais perdeu a condição de titular. Toda temporada o clube contratava um novo reforço para a zaga, mas Angelim sempre se manteve com a camisa 4 titular. E assim esteve, inabalável entre os onze titulares na conquista dos dois títulos cariocas seguintes: Tri-Campeão Carioca em 2007, 2008 e 2009.
Como tudo na vida do Magro de Aço não foi fácil, no começo de 2009 Angelim foi submetido a uma urgente cirurgia no dia 13 de fevereiro para tratar de uma síndrome compartimental aguda, que caso não fosse tratada no tempo certo, poderia causar a amputação da perna do zagueiro. Ficou afastado por quase um mês dos treinos, mas os "deuses do futebol" já haviam escolhido ele para ser o responsável por escrever mais um belo capítulo na história do Flamengo.
Chega o dia 6 de dezembro de 2009, e num jogo apertado e cercado de tensão, após um escanteio cobrado por Petkovic, Ronaldo Angelim marca o gol da vitória. Não só a vitória do Flamengo, mas a vitória dele, de sua esposa, de sua família. Era a vitória da superação de todos os obstáculos que uma vida dura lhe impuseram. Mengão Hexa! Depois de 17 anos, campeão brasileiro: Flamengo 2 x 1 Grêmio. E Angelim, finalmente eternizado na memória e no coração de cada rubro-negro. Ao ser o herói do título, ele declarou mais uma vez seu amor pelo clube: "eu me considero um torcedor, jogo com a alma. Procuro jogar com raça porque sou flamenguista desde criancinha e o mínimo que posso fazer é correr quando entro em campo". Ronaldo Angelim ganhava o maior título de sua carreira: Campeão Brasileiro de 2009.
Ele ainda continuaria no elenco até 2011, tendo perdido a condição de titular do time no segundo semestre de 2010. Estava na reserva, mas ainda assim tendo atuado em sete dos dezenove jogos da campanha na qual o Flamengo foi Campeão Carioca de 2011, com a dupla de zaga titular formada por Welinton e David Bráz.
Ao final de 2011, quando o zagueiro já estava com 36 anos, o Flamengo optou por não renovar seu contrato. Em 2012, após alguns meses parado, ele assinou contrato com o Grêmio Barueri, do interior de São Paulo, para a disputa da Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro, tendo atuado em apenas nove jogos durante a campanha. Acertou então seu retorno ao Fortaleza para a disputa do Campeonato Cearense daquele ano. Aos 37 anos, no dia 20 de maio de 2013, Ronaldo Angelim anunciou sua retirada definitiva dos gramados.
Um exemplo de liderança, humildade, raça e superação. O Magro de Aço se tornou eterno! O camisa 4 ficou para sempre na história rubro-negra. Ronaldo Angelim é o reflexo do povo e a personificação da Nação Rubro-Negra: guerreiro, humilde e apaixonado pelo Flamengo.
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