quinta-feira, 28 de abril de 2022

Campeão do Torneio Rio-São Paulo de 1961, um Flamengo que soube crescer na hora certa


Mais uma maravilhosa história contada com maestria e envolvente narrativa por Emmanuel do Valle em seu blog Flamengo Alternativo:

No poster da Revista do Esporte, os campeões do Torneio Rio-São Paulo de 1961
Em pé: Joubert, Ary, Jadir, Bolero, Carlinhos e Jordan.
Agachados: o massagista Luiz Luz, Joel, Gerson, Henrique, Dida e Germano.

Crises disciplinares, goleadas, classificação obtida no limite e até a renúncia de um presidente. E, claro, uma arrancada final maravilhosa. O caminho até a conquista do Torneio Rio-São Paulo de 1961 teve tudo isso. Mais Flamengo, impossível! Aquela foi a única vez que o clube conquistou oficialmente o torneio interestadual organizado em conjunto pelas federações carioca e paulista. E o título fez a ponte entre duas gerações de talentos formados no clube e que escreveram seu nome na história rubro-negra.

O CONTEXTO
O paraguaio Manuel Agustín Fleitas Solich retornara ao comando técnico do Flamengo em julho de 1960 após uma temporada dirigindo o Real Madrid. O time, entretanto, vivia momento de transição e, mesmo com o "Feiticeiro" de volta, não chegou a cumprir uma grande campanha no Carioca daquele ano (terminou em quarto). De resultado marcante, apenas a vitória por 3 a 1 no Fla-Flu do returno que manteve as esperanças do América de vencer o título que no fim das contas conquistaria. Fora isso, tornava-se cada vez mais nítido o talento da nova geração de jovens formados no clube e ponteada pelos meias Carlinhos e Gérson e pelo ponta-esquerda Germano.

Gérson e Germano

Logo no começo do ano seguinte, porém, o Fla já retomaria o rumo das conquistas ao levantar o Torneio Internacional Octogonal de Verão, também disputado por Vasco, São Paulo, Corinthians, Boca Juniors, River Plate, Nacional e Cerro de Montevidéu, uma prestigiosa competição disputada em turno único no mês de janeiro, com jogos no Rio, São Paulo, Buenos Aires e Montevidéu. Três dias depois da conquista, confirmada com vitória de 2 a 0 (gols de Gérson) sobre o Cerro no Estádio Centenário, o time seguiu para Córdoba, na Argentina, onde goleou o Talleres por 5 a 0 em amistoso. E então ficou quase um mês sem jogar.

Quando voltou, em 25 de fevereiro, foi para disputar um amistoso com o Corinthians no Parque São Jorge. Era um jogo sem grande importância, apenas para marcar a inauguração dos refletores do estádio alvi-negro, também conhecido como "Fazendinha". Mas o Fla, sofrendo muito com a falta de ritmo de jogo, acabou goleado por 7 a 2. O placar contundente (mesmo levando-se em questão a irrelevância do confronto) diante de um adversário o qual o Flamengo havia derrotado dentro do Pacaembu por 2 a 1 em janeiro, no Octogonal, teve repercussão muito ruim na Gávea, em especial por faltar apenas uma semana para a estreia da equipe no Torneio Rio-São Paulo.

Naquele ano, a competição teve o regulamento modificado pela primeira vez desde que havia sido instituída regularmente, em 1950. Deixando de lado o turno único e pontos corridos simples, o torneio agora teria duas etapas. Na primeira, classificatória, os dez clubes se enfrentavam, mas para efeito de contagem de pontos eram divididos em dois grupos: o carioca e o paulista. Os três melhores de cada chave avançavam para a fase final, na qual desta vez só haveria confrontos entre as equipes de estados diferentes (cariocas versus paulistas). O time que somasse mais pontos nesse turno final seria o campeão.

A Linha de Frente de 1961
Gérson, Henrique e Dida; Joel e Babá


A CAMPANHA

São Paulo 1 x 2 Flamengo

O Flamengo que estrearia contra o São Paulo no Pacaembu na noite de sábado, 4 de março, teria novidade: a reestreia do ponta-direita Joel, repatriado após dois anos e meio no Valencia, da Espanha. Um dos símbolos do clube na década anterior, remanescente do tri-campeonato carioca em 1953/54/55 (junto com outros nomes do time, como Jadir, Jordan, Dida e Babá) e campeão mundial com o Brasil na Suécia em 1958, chegava para agregar experiência a um elenco de resto muito jovem. No jogo, o Fla foi melhor no primeiro tempo, levou mais perigo ao gol tricolor e abriu o placar aos 15 minutos, quando Babá recebeu belo passe de Dida e chutou sem chances para o goleiro Suli.

Na etapa final, o São Paulo, treinado pelo ex-rubro-negro Flávio Costa, reagiu e empatou logo aos quatro minutos: Peixinho foi lançado em profundidade, a defesa rubro-negra parou pedindo impedimento, mas a jogada seguiu com o ponta tricolor vencendo o estático goleiro Fernando. Porém, dois minutos mais tarde, Henrique livrou-se de um defensor e fez ótima assistência para Dida, que, com muita categoria, ajeitou e fuzilou Suli. No fim, o São Paulo tentou o abafa, mas parou na valente defesa do Fla, enquanto os rubro-negros até criaram oportunidades para ampliar a contagem nos contra-ataques.

Palmeiras 2 x 3 Flamengo

Entre o jogo anterior e este, mais crise: na segunda-feira, com a tarde de folga, alguns jogadores voltaram ao hotel além do horário determinado e foram afastados por Fleitas Solich. O treinador fez contato com o Rio, onde os dirigentes participavam de um jantar de encerramento do Octogonal de Verão. Ali mesmo no evento foi acertada a venda de Moacir – um dos envolvidos no ato de indisciplina – para o River Plate. O Fla chegou a manter conversas com outros clubes, como o Corinthians, a respeito de negociações envolvendo Henrique e Dida, mas elas não evoluíram. Dias antes, o clube havia recusado uma proposta do Boca Juniors por Gérson, que não estava entre os afastados por Solich.

Na quarta-feira à noite, no Pacaembu, os "negociáveis" deram uma resposta e tanto. Henrique abriu o placar cobrando falta na gaveta do goleiro Valdir de Moraes logo aos cinco minutos. O Palmeiras empatou com o centroavante Humberto acertando um sem-pulo da marca do pênalti aos 15. Mas antes do fim do primeiro tempo o Fla passou de novo à frente num contra-ataque fulminante: Gérson lançou Germano na esquerda, o ponta passou por Djalma Santos e entregou a Dida, que avançou a bateu para marcar o segundo.

Na etapa final, o Flamengo perdeu algumas chances de ampliar logo no início e acabou sofrendo o empate aos oito, quando Chinesinho se atirou de cabeça após escanteio e bateu Fernando. Foi a vez do Palmeiras se animar e desperdiçar algumas chances para a virada. Até o Fla voltar a mexer no placar aos 15 minutos: Joel lançou Henrique, e o centroavante cruzou para Dida. O camisa 10 acertou um maravilhoso chute de primeira, de virada, da marca do pênalti para anotar o terceiro do Fla. Daí em diante, só deu Flamengo, com direito a atuação brilhante do garoto Germano, dando trabalho ao experiente Djalma Santos.

Flamengo 1 x 7 Santos

Aparentemente, a vitória sobre o Palmeiras serviu como um analgésico para a crise rubro-negra. Porém, quando seu efeito passou, as dores voltaram com força redobrada. O Santos vinha com Pelé em forma espetacular. Goleara o Vasco na estreia por 5 a 1 no Pacaembu e em seguida vencera o Fluminense por 3 a 1 no Maracanã, com o camisa 10 marcando o tento histórico que mereceria placa no estádio. Mesmo assim, o Fla começou fazendo um jogo bem parelho naquele sábado à noite. As chances se sucediam de um lado a outro. Até que, aos 22, Fernando não conseguiu segurar um chute de Pelé, e Pepe marcou no rebote. E ainda no primeiro tempo, o próprio Pelé também deixou o dele.

Na etapa final, o Flamengo desmoronou fragorosamente, mesmo com a entrada no intervalo de um Jadir ainda longe de sua melhor forma. Pelé fez o terceiro aos quatro minutos. Coutinho ampliou aos seis. Henrique, na raça, diminuiu aos oito. Mas a goleada não parou: Dorval fez o quinto aos 10 e Pepe, de pênalti, marcou o sexto aos 12. Por fim, trocando passes e envolvendo a defesa rubro-negra com tranquilidade, o Santos ainda chegaria ao sétimo aos 30 minutos, outra vez com Pelé – que marcou três gols e participou dos outros quatro.

Fluminense 2 x 0 Flamengo

Depois da goleada sofrida diante de um Santos embalado, o Fla enfrentaria agora um Fluminense vindo de três derrotas. Na véspera do clássico, marcado para uma quinta-feira à noite, o zagueiro reserva Santana, na Gávea desde 1958, rescindia seu contrato e tinha cogitada uma transferência exatamente para o clube de Laranjeiras. Mais uma vez, o Fla começou bem a partida e chegou a acertar a trave com Dida. Mas, mais uma vez, deixaria o campo derrotado. Num jogo tecnicamente opaco, o Flu abriu o placar no fim do primeiro tempo e fechou no fim do segundo, com o atacante Jaburu marcando os dois tentos. Na metade da etapa final, o Flamengo ainda perdeu Gérson, expulso por reclamação pelo árbitro Wilson Lopes de Sousa.

Botafogo 3 x 0 Flamengo

Folgando na rodada de fim de semana, o Flamengo teve seis dias para se preparar para a partida seguinte – novamente um clássico, agora contra o Botafogo, na noite de quarta-feira. E o time sofreu mudanças: Ari, barrado após as falhas no amistoso contra o Corinthians, voltava ao gol; enfim totalmente recuperado, Jadir voltava à zaga no lugar de Nelinho; o garoto Norival entrava no meio, no lugar do suspenso Gérson; e Luís Carlos aparecia na ponta-direita substituindo Joel, poupado para recuperar sua melhor forma física. Só o resultado é que não foi diferente.

O roteiro, aliás, foi o mesmo das derrotas anteriores: o time fez um bom primeiro tempo, que terminou num parelho 0 a 0. Mas na etapa final, o Botafogo deslanchou para uma vitória tranquila. Que começou num lance de azar rubro-negro: Garrincha foi à linha de fundo e arriscou um chute torto e sem direção, mas a bola bateu no peito de Jadir (que vinha cumprindo ótima atuação) e entrou. Mais tarde, o mesmo Garrincha serviria a Quarentinha para marcar o segundo e, por fim, anotaria o terceiro aproveitando um recuo mal-feito de Joubert para Ari. A situação do Flamengo ficava cada vez pior, e o time sofria a ameaça real da desclassificação no primeiro turno.

Flamengo 2 x 0 Portuguesa

O jogo do sábado à tarde contra a Lusa, lanterna do grupo paulista, era a chance de reabilitação para o Flamengo, que naquela altura ocupava apenas a quarta colocação da chave carioca e estaria eliminado se a primeira fase terminasse assim. E também era a oportunidade de reatar com o Maracanã: até ali no torneio, o time havia vencido seus dois jogos no Pacaembu, mas perdera os três no palco carioca. Ainda sem Gérson (suspenso) e Joel (lesionado), o time contaria novamente com Norival no meio, mas Luís Carlos dava lugar a um improvisado Germano na ponta-direita. Nelinho retornava na zaga, mas no lugar de Bolero e ao lado de Jadir.

E, de fato, não houve maiores surpresas: o Flamengo dominou o jogo inteiramente, com o jovem Norival aparecendo muito bem ao municiar o ataque e Dida em grande tarde. A Lusa assustou no começo, num chute de Jair da Costa que acertou a rede pelo lado de fora, mas de resto, praticamente assistiu à superioridade rubro-negra. Nem mesmo o fato de o primeiro tempo terminar sem gols enervou o time de Fleitas Solich. E na etapa final o placar foi inaugurado logo aos cinco minutos, com Babá completando um cruzamento de Henrique para vencer o goleiro Felix após uma sequência de intensa pressão rubro-negra. O arqueiro da Lusa saiu lesionado na metade do segundo tempo, dando lugar ao argentino e ex-rubro-negro Chamorro. E este levaria o segundo gol do Fla, a nove minutos do fim, numa jogada clássica de Dida: o domínio, a arrancada e a finalização implacável. A classificação ficava mais próxima.

Flamengo 2 x 1 América

Outros nomes retornaram ao time para a partida contra os rubros, detentores do título carioca: Bolero voltou à zaga no lugar de Nelinho e Gérson reapareceu no meio-campo, saindo o garoto Norival. No ataque, ainda sem Joel, Solich testou outro juvenil, Espanhol, na ponta-direita. O América precisava pontuar para evitar a eliminação precoce. Mas o Flamengo fez o resultado com certa tranquilidade. Foi melhor desde o primeiro tempo, quando Dida acertou a trave, e abriu a contagem aos 19 minutos da etapa final num chutaço de Carlinhos da intermediária. Aos 32, Gérson recebeu de Henrique e disparou outro petardo, ampliando o placar. Aos 38, numa disputa com Jadir, Quarentinha conseguiu diminuir para o América. Mas o jogo ficou nisso, e o Fla conseguiu uma vitória fundamental, ao mesmo tempo em que alijava o rival do torneio.

Porém, nem mesmo com o time se aproximando da classificação o Flamengo deixou de viver um dia agitado. A bomba da vez foi nada menos que a renúncia do presidente do clube, George Fernandes, alegando motivos familiares e profissionais. Economista, banqueiro e empresário do ramo imobiliário, George estava a dois dias de completar seu primeiro ano no cargo. Tinha apenas 31 anos de idade quando foi eleito mandatário do clube, um dos mais jovens da história rubro-negra. O Flamengo já vinha enfrentando uma séria crise financeira quando ele assumiu.

Após sua saída, o vice-presidente geral Osvaldo Aranha Filho assumiu a Presidência interinamente por pouco mais de um mês e meio, antes de serem convocadas novas eleições – vencidas em 16 de maio por Fadel Fadel, diretor de Esportes Profissionais e, posteriormente, de Futebol entre 1952 e 1957, e vice-presidente geral na gestão de Hilton Santos (1957-60).

Flamengo 2 x 1 Vasco

No dia seguinte à vitória do Fla sobre o América, o Vasco goleou o Fluminense por 4 x 1. O resultado levou os cruzmaltinos à liderança da chave carioca ao lado do Botafogo com 10 pontos. E deixou os tricolores com apenas seis, e tendo só mais uma partida por fazer. O Fla, naquela altura, tinha oito pontos e um jogo a menos que o Flu. Ou seja: bastava um ponto nos dois últimos jogos para selar a classificação. E o próximo adversário do time de Fleitas Solich seria justamente o Vasco, embalado e completo. O Flamengo não vencia o rival desde o Rio-São Paulo do ano anterior, perdendo os três confrontos seguintes (os dois pelo Carioca de 1960 e também o duelo pelo Octogonal de Verão), todos por 1 x 0.

Assim, apesar de ter comparecido em maior número, a torcida rubro-negra chegou ressabiada. Os vascaínos, pelo contrário, estavam confiantes e receberam seu time com enorme festa. E parecia que a quarta vitória seguida tinha começado a se desenhar quando, aos 24 minutos, Delém (que havia marcado o gol da vitória no segundo 1 x 0 da série) escorou de primeira um cruzamento de Sabará da direita e abriu o placar. O Flamengo tentava reagir, mas não parecia estar numa tarde favorável. Em momento nenhum foi dominado, mas tinha agora o placar e o tempo jogando contra.

Até que Gérson bateu uma falta com seu habitual chute forte, e o goleiro Ita não conseguiu segurar. A bola ricocheteou e tomou o rumo das redes. Era o empate aos 42 minutos da etapa inicial. E o Flamengo acordou. O rugido da torcida já era diferente no intervalo. E na volta, seria premiado com um gol épico aos 15 minutos: Gérson bateu uma falta da intermediária lançando para a área. Correndo ao lado de Bellini, o diminuto ponteiro Babá deu um salto absurdo e ganhou a disputa pelo alto, tocando de cabeça para encobrir Ita, que saía para tentar interceptar. A vitória de virada não apenas selava matematicamente a classificação ao turno final, como colocava o Fla no bolo da liderança da chave carioca, ao lado da dupla alvi-negra.

Corinthians 3 x 0 Flamengo

Já classificado, o Flamengo encerrou sua campanha naquela primeira etapa enfrentando o Corinthians no Pacaembu, num jogo sem importância e de pouco público, visto que ambos estavam garantidos no turno final. Para os rubro-negros, a única motivação – mesmo assim muito pequena – era tentar a revanche da goleada sofrida no amistoso da Fazendinha. Havia também a oportunidade de dar jogo ao ponta Joel, recuperado fisicamente. Por outro lado, Babá estava de fora com um problema na coxa. Mais letal (e jogando em casa), o Corinthians acabou vencendo sem grande dificuldade.

O placar começou a ser alterado na metade do primeiro tempo num gol contra de Joubert, que desviou um chute de Joaquinzinho, tirando do alcance do goleiro Ari. Sem se preocupar tanto com o resultado, o Fla voltou para a etapa final fazendo experiências – o centroavante Henrique foi recuado para a armação, com Gérson jogando mais adiantado – e até acertou uma bola na trave com o próprio Gérson. Mas o time paulista ampliou num pênalti cobrado por Joaquinzinho, e fechou o placar numa cabeçada de Zague.


FASE FINAL

O Flamengo avançava para o turno final com uma campanha na conta do chá, como se diz. Em nove partidas, foram cinco vitórias e quatro derrotas (e, portanto, dez pontos ganhos), com 12 gols marcados e nada menos que 20 sofridos (culpa das derrotas quase sempre elásticas). Havia muita coisa a corrigir. Mas também estava colocada a chance de um recomeço, já que os pontos eram zerados. Além do Fla, também seguiam na briga o Botafogo (11 pontos) e o Vasco (também 10) pelo lado carioca e Santos (líder disparado com 15 pontos), Corinthians e Palmeiras (ambos com 11) pelo grupo paulista.

A fase final, em que só haveria confrontos entre cariocas e paulistas, teve início no dia 13 de abril com dois jogos (as rodadas seriam quase todas assim, com uma partida no Rio e outra em São Paulo). E ao contrário do que se esperava em vista do desempenho na primeira fase, os cariocas largaram na frente com duas vitórias expressivas: no Maracanã, o Vasco bateu o Santos por 2 a 1, enquanto o Botafogo derrotou o Corinthians no Pacaembu por 1 a 0. O Fla só estrearia três dias depois, diante do Palmeiras no Maracanã.

Flamengo 3 x 1 Palmeiras

Em sua estreia nessa fase final, o Flamengo mostrou-se um time coeso, jogando futebol coletivo na marcação e insinuante no ataque. Assim, abriu o placar logo aos 13 minutos num golaço de Joel, emendando de bicicleta um cruzamento de Henrique pela direita, numa inversão de papéis bem ensaiada por Solich desde sua primeira passagem pela Gávea. Nesse lance, o ponta-direita começava a coroar sua melhor atuação pelo Fla desde seu retorno. Mas o Palmeiras chegaria ao empate seis minutos depois, numa arrancada do lateral-esquerdo Geraldo Scotto que o atacante Humberto Tozzi aproveitou para mandar às redes.

O jogo foi para o intervalo empatado, num resultado que não fazia jus ao domínio rubro-negro. Mas logo aos dois minutos o Fla voltaria a estar na frente, quando Dida completou cruzamento de Germano, vencendo o goleiro Valdir de Moraes. Mesmo em vantagem, o time de Solich seguia apertando o adversário, chegando a acertar o travessão num chute de Carlinhos e a trave direita uma jogada espetacular de Dida, após driblar duas vezes Djalma Santos, com Germano chutando para fora na sequência. Enquanto isso, na defesa, Jordan era o destaque ao anular totalmente o genial ponteiro alvi-verde Julinho Botelho.

Dida ainda passaria por Djalma Santos outra vez num lance em que fez um belo passe para Gérson, mas o Canhota acabou chutando para fora, desperdiçando ótima chance. No fim, porém, ele se reabilitaria ao receber lançamento de Joel e arrancar para marcar o terceiro gol rubro-negro, selando uma vitória que dava moral para os próximos compromissos. O Fla conseguia repetir o feito dos rivais cariocas em suas estreias – e ainda por um placar mais dilatado – e se colocava como concorrente sério naquela fase decisiva.

Só não estava na liderança porque no mesmo dia o Vasco fez seu segundo jogo, batendo o Corinthians na capital paulista por 2 a 0. Ao mesmo tempo que colocava pressão no Fla para que não perdesse sua partida seguinte, contra o Santos no Pacaembu no dia 19, o resultado também punha fim às chances matemáticas do clube do Parque São Jorge, que seria exatamente o último adversário rubro-negro, em confronto no Maracanã. Enquanto isso, era bom ficar de olho no duelo entre Botafogo e Palmeiras no Rio, no mesmo dia.

Santos 1 x 5 Flamengo

Desta vez o Santos não teria Pelé, que não se recuperara de uma lesão no ombro, nem o volante Zito. Mesmo assim era um timaço. Reunia seis nomes de Seleção Brasileira entre os titulares: o zagueiro Mauro (que seria o capitão do Brasil na Copa do Mundo do Chile no ano seguinte), o médio Formiga, o armador Mengálvio, os pontas Dorval e Pepe e o centroavante Coutinho. Os atacantes Nenê e Sormani partiriam para uma longa e destacada carreira no futebol italiano. No banco, o ponteiro Tite também já vestira a amarelinha. E naquele dia estreava o "curinga" Lima, outro futuro nome de Seleção Brasileira.

Do lado rubro-negro, porém, nenhum jogador, dirigente ou torcedor havia esquecido a goleada amarga sofrida para o adversário dentro do Maracanã na fase de classificação. De modo que a motivação para não apenas vencer, mas se possível dar o troco, era grande. O Santos entraria precisando vencer para seguir com chances. Mas o Flamengo não estava nem um pouco disposto a concedê-las. Já entrou em campo avassalador. E abriria o placar logo aos 18 minutos, após uma troca de passes entre Henrique, Dida e Gérson, com o Canhota passando por Formiga para bater para as redes.

Já no primeiro tempo o Flamengo dominou inteiramente um Santos atarantado, perdido em campo. E pouco depois de Henrique perder chance clara com o gol aberto, Dida não vacilou e escorou de pé esquerdo, num sem-pulo, um cruzamento de Joel. Fla 2 a 0 aos 33 minutos. O time de Solich comandava as ações como se estivesse no Maracanã. Subjugava um Santos definido como "uma caricatura" pela crônica do Jornal dos Sports. E antes do intervalo viria o terceiro gol. Joel cruzou, Formiga e Mauro não conseguiram afastar e Gérson apareceu para chutar com calma e vencer o goleiro Lalá.

Na volta do intervalo o Flamengo nem pensou em diminuir o ritmo. Logo aos três minutos Joel recebeu na direita e bateu forte. Lalá não conseguiu segurar e a bola tomava o caminho das redes até Dida mergulhar de cabeça e confirmar o quarto gol. Cada vez mais entrosado e com fome de vitória, o Fla não dava trégua à defesa alvinegra. E, com passes de pé em pé, marcou o quinto com Gérson – o grande destaque da partida – num chute forte que furou a rede aos 23 minutos. No fim, já se aproximando do último minuto, Coutinho se aproveitou de um cochilo da modificada defesa rubro-negra para diminuir a goleada.

A revanche da primeira fase só não chegou a ser pela mesma contagem porque o árbitro Alberto da Gama Malcher ignorou dois pênaltis claros a favor do Flamengo na etapa final: um de Mauro sobre Gérson e outro de Formiga em Dida. Mas não faz mal. A exibição primorosa e a goleada inapelável fazem com que a equipe rubro-negra deixe o campo sob aplausos do público paulistano – cena rara num tempo de rivalidade regional aguçada. E o resultado, ao mesmo tempo em que elimina o Santos, coloca o Fla com ótimas chances no torneio e embalado para pegar um Corinthians também já fora do páreo em casa na última rodada.

Flamengo 2 x 0 Corinthians

Na mesma noite de quarta-feira em que o Flamengo humilhava o Santos no Pacaembu, Botafogo e Palmeiras paravam num 0 a 0 sob forte chuva no Maracanã. Com isso, o alvi-verde também estava matematicamente fora da disputa, que chegava à última rodada restrita ao trio carioca. Mas o clube paulista ainda teria papel importante na definição do título: no sábado, em partida isolada, derrotou o Vasco por 1 a 0 no Pacaembu, complicando e muito a situação dos cruzmaltinos e beneficiando principalmente o Flamengo, que jogaria no dia seguinte contra o Corinthians no Maracanã.

Também no domingo, o Botafogo iria à capital bandeirante para jogar sua vida diante do Santos. Precisaria vencer e secar o Fla. Caso o Corinthians vencesse no Maracanã, o título seguiria para General Severiano. Já em caso de empate, os dois rivais cariocas se enfrentariam numa melhor de três. Havia ainda a chance de empate triplo, incluindo o Vasco, caso o Flamengo perdesse para o Corinthians e o Botafogo ficasse na igualdade com o Santos. Mas os rubro-negros dependiam apenas de suas próprias forças. E elas bastaram.

Naquela tarde de domingo, 23 de abril, o Flamengo entrou em campo com a escalação que havia, entre idas e vindas, firmado-se como a base da campanha. No gol, Ary Seixas, que desbancara Fernando após o Fla-Flu. Nas laterais, Joubert e Jordan destacavam-se como marcadores seguros. Pelo miolo de zaga, Bolero se firmava, combinando vitalidade a uma boa técnica, enquanto Jadir, que andou se ressentindo de problemas físicos, voltava ao melhor de sua forma e contribuía com sua experiência, prestes a completar uma década de clube.

No meio, a classe de Carlinhos combinava-se com a visão de jogo e a boa presença ofensiva de Gérson, apontado como o grande jogador da competição e nome certo nas próximas Seleções Brasileiras. Já nas pontas, enquanto Joel voltava gradualmente à velha forma que o tornara ídolo, o ascendente Germano mostrava talento para ganhar a briga com o experiente Babá na esquerda. Pelo centro, a já conhecida dupla goleadora Henrique e Dida aliava a raça do primeiro ao futebol insinuante e extremamente habilidoso do segundo.

A intensa comemoração do gol de Joel, o primeiro contra o Corinthians,
que abriu o caminho para a conquista do torneio (Foto: Revista Manchete).

No primeiro tempo o Fla teve dificuldade para criar chances de gol e desperdiçou algumas boas (ou mesmo ótimas) que criou. Mas na etapa final, a equipe deslanchou. Aos sete minutos, uma bola alçada na área por Germano tomou o rumo das redes após cabeçada certeira de Joel, dando início à festa no Maracanã. E aos 23, Henrique ganhou uma disputa pelo lado direito e, da linha de fundo, fez o passe rasteiro que encontrou Dida. Na pequena área, o camisa 10 demonstrou oportunismo de centroavante e só escorou para as redes.

Gol de Dida, gol do título

Daí em diante, o time apenas administrou o resultado. De acordo com a crônica do jornal Correio da Manhã, o Corinthians "nada fez, apenas impediu um maior escore". Dando sequência a suas excelentes exibições naquela reta final do torneio, a equipe de Solich dominou inteiramente o jogo, com garra, brio e uma grande demonstração de jogo solidário, coletivo e objetivo em todos os setores. Superando inúmeros revezes dentro e fora de campo para embalar no fim, aquele renascido Flamengo levantava um título essencialmente rubro-negro.





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