Jogos Inesquecíveis: 17/04/1983 - Flamengo 5 x 1 Corinthians
O duelo no Maracanã era válido pela 3ª Fase do Campeonato Brasileiro. O Corinthians era o campeão paulista e tinha a marcante geração que ficou conhecida como "Democracia Corinthiana". O Flamengo era o campeão brasileiro. Num grupo de quatro, no qual estavam disputando junto a Goiás e Guarani, só os dois primeiros colocados avançavam ao mata-mata. O Flamengo estava em crise, e tinha acabado de perder seu treinador, tendo Paulo César Carpegiani aceitado proposta do mundo árabe. Aquela partida no Maracanã marcava a estreia do novo treinador, Carlos Alberto Torres. E o time rubro-negro deu um show, iniciando a arrancada que lhe levou a seu terceiro título de Campeão Brasileiro. Meteu 5 a 0, teve gols anulados, deu um baile. No final, tomou um gol de honra, marcado pelo Doutor Sócrates.
Ficha Técnica
17/04/1983 - Flamengo 5 x 1 Corinthians
Local: Maracanã, Rio de Janeiro (Público: 91.120 pagantes)
Gols: Zico (39'1T) e (45'1T), Adílio (7'2T), Mozer (30'2T), Élder (33'2T) e Sócrates (34'2T)
Fla: Raul, Leandro (Adalberto), Marinho, Mozer e Júnior; Vítor, Élder e Zico; Júlio César Barbosa (Gilmar Popoca), Baltazar e Adílio.
Téc: Carlos Alberto Torres
Corinthians: Emerson Leão, Alfinete, Mauro, Daniel González e Wladimir; Wágner, Sócrates e Zenon; Eduardo, Vidotti e Paulo Egídio.
Téc: Zé Maria.
A História do Jogo
Ninguém apostava no Flamengo como uma força apta para conquistar o título de campeão brasileiro de 83. O favoritismo era todo dado aos paulistas. O São Paulo, do centroavante Careca, entrou na terceira fase invicto, com a melhor defesa e um dos melhores ataques, o Palmeiras havia investido pesado no começo do ano, tirando Batista do Grêmio e contratando o técnico Rubens Minelli, o Santos, de Serginho Chulapa, Paulo Isidoro e Pita, também era considerado um dos favoritos. E havia o Corinthians, de Sócrates, Wladimir, Biro-Biro e Casagrande. Depois de chegar ao topo, a conquistar todos os títulos possíveis entre os meses finais de 1981 e o fim do primeiro semestre de 1982, o Flamengo enfrentava uma longa sequência de acontecimentos negativos nos meses anteriores, desde a derrota para o Peñarol no Maracanã, em novembro do ano anterior, que o impediu de jogar sua segunda final consecutiva da Copa Libertadores da América, depois em dezembro com a perda do título carioca para o Vasco e pela morte do supervisor Domingo Bosco, o homem que aparava as arestas do elenco com a diretoria, vitimado por uma trombose cerebral, oriunda de complicações cardíacas.
Sem Domingos Bosco, crises de relacionamento apareceram: Tita e Nunes se desentenderam com Carpegiani e deixaram o clube, emprestados a Grêmio e Botafogo, respectivamente. O treinador também se desentendeu com o preparador físico José Roberto Francalacci, que acabou demitido após doze anos de clube. Os resultados pioraram, e o próprio Carpegiani ficou na berlinda. Antes que houvesse demissão, ele acabou saindo, seduzido por uma oferta de milhões de dólares do Al Nassr, da Arábia Saudita. O técnico da base Carlinhos assumiu interinamente, e os resultados ficaram ainda piores. Boa parte da imprensa, em especial a paulista, esfrega as mãos e sentencia: "O grande time do Flamengo acabou". É neste contexto que o Flamengo anunciava seu novo técnico: Carlos Alberto Torres, o Capitão do Tri da Seleção Brasileira na Copa do Mundo do México em 1970. De carreira nos gramados recém-encerrada, ele ia para sua primeira oportunidade como treinador. E curiosamente, em seu primeiro desafio como treinador do Flamengo, ele enfrentaria como técnico do outro lado ao seu reserva na lateral-direita daquela Copa de 70, Zé Maria, então lateral do Corinthians, e naquele 1983 o técnico alvi-negro.
Para dar largada em seu trabalho na Gávea, Carlos Alberto anunciou o fim das concentrações, com os jogadores se apresentando apenas no estádio, horas antes da partida. E anunciou também que não haveria grandes inovações táticas. Pediu apenas que os garotos Élder e Júlio César, promovidos da base, corressem e combatessem para que Zico e Adílio tivessem toda a liberdade para criar as jogadas.
O time rubro-negro já não tinha a sua formação clássica campeã de tudo em 1981 e 1982, Tita e Nunes tinham deixado o clube, e Andrade e Lico estavam fora até o fim do campeonato por terem precisado passar, ambos, por intervenções cirúrgicas no joelho. A saída de Nunes havia sido reposta com a contratação do centroavante Baltazar, ex-Grêmio e Palmeiras. Nas outras posições os lugares estavam ocupados por jovens revelados na base rubro-negra. No meio, Vítor havia enfim assumido a titularidade na cabeça de área, e Élder e Júlio César eram as presenças mais constantes. Outra presença era Robertinho, que havia chegado do Fluminense no início da temporada. Porém, para o duelo contra o Corinthians, Robertinho cumpria suspensão por ter sido expulso no jogo anterior contra o Guarani. Do lado da turma do Parque São Jorge, eram quatro desfalques: Casagrande, Biro-Biro, o atacante Ataliba e o volante Paulinho.
Quando a bola rolou, o que se viu em campo foi um recital rubro-negro. Um banho de bola no rival. Mas não na primeira metade do primeiro tempo, quando o jogo esteve bastante acirrado. Logo aos 15 minutos, Zico cobrou escanteio para a área e o zagueiro Mozer subiu, apoiando-se no centroavante alvi-negro Vidotti, para escorar de cabeça para o meio, onde Adílio pegou a sobra e chutou para dentro do gol. Antes mesmo da conclusão do camisa 8, o árbitro já havia apitado, anotando falta do camisa 4 sobre Vidotti, que substituía ao titular Casagrande naquela tarde. Gol rubro-negro anulado pelo juiz!
O Corinthians respondeu aos 23 minutos, quando o ponta-esquerda Paulo Egídio cobrou escanteio na área, Sócrates testou de cabeça e Júnior, na pequena área, quase em cima da linha, meteu a cabeça na bola para impedi-la de ir para o gol. Cinco minutos depois, o camisa 10 corinthiano Zenon cobrou uma falta na frente da grande área, com a bola explodindo no travessão de Raul!
O alvi-negro paulista não marcou, e o time rubro-negro o castigou por isso nos minutos finais do primeiro tempo. O time era empurrado pela torcida, e respondeu em campo. Aos trinta e oito minutos, Leandro recebeu de Vítor pela ponta direita e cruzou, a bola bateu no cotovelo do lateral-esquerdo Wladimir e voltou para o camisa 2 rubro-negro. Em tempos que um toque involuntário de mão ou braço na bola jamais resultaria em penalidade, não nada a ser marcado pelo árbitro. Leandro cruzou na área novamente, dessa vez de canhota e rasteiro, fazendo a bola chegar a Júlio César, que deu um toque levantando a bola meio que de calcanhar, e encontrando Zico no meio da pequena área. O Galinho testou com precisão no canto esquerdo da meta, tirando do alcance do goleiro Leão: Flamengo 1 a 0.
Seis minutos depois, Adílio pega a bola pelo lado esquerdo, tabela com Mozer, e corta driblando para o meio da intermediária, e acaba sendo derrubado pelo zagueiro uruguaio Daniel González, que ainda corta a bola com o braço. Falta na entrada da área! Advinha quem vai bater? O camisa 10 da Gávea. Emerson Leão arma a barreira à espera de um chute colocado, no ângulo, mas Zico surpreende e cobra rasteiro, no canto oposto, o esquerdo do arqueiro, que saía para seu lado direito. A bola entra junto à trave: Mengão 2 a 0!
Os dois gols de vantagem antes do intervalo parecem haver desmontado emocionalmente à equipe corinthiana. E o Flamengo aproveitou para matar o jogo de vez na volta do intervalo. Logo com sete minutos, uma jogada bem articulada e treinada pelo ataque rubro-negro gerou o terceiro gol. Zico cobrou falta pela esquerda na cabeça de Júnior, que inverte a jogada pelo alto para Élder, que mata no peito e passa a Baltazar, que domina pela esquerda e centra para Adílio, que livre na pequena área toca de cabeça para o gol vazio: 3 a 0.~
O baile rubro-negro estava próximo a seu ápice. Num ensaio, aos vinte minutos, Baltazar recebeu de Zico e tocou para Élder. A defesa corinthiana estava perdida em campo. Élder passa sem muita dificuldade pelo marcador e cruzou. Leão saiu mal, e a bola sobrou para Adílio, mas o camisa 8 chutou fraco. Quase saiu o quarto!
A avalanche rubro-negra não parava. Aos trinta minutos, Zico lançou Adílio, que entrou driblando, deixando quase toda a defesa do Corinthians para trás, passando inclusive por Leão, mas perdendo o ângulo. Ele cruzou para Vítor, que chutou prensado por Wladimir, com a bola indo a escanteio. Na cobrança, Zico colocou na área, e Mozer subiu e testou firme, com a bola atravessando e morrendo junto à trave oposta: goleada! Mengão 4 a 0!
A torcida, enlouquecida ainda fazia a festa nas arquibancadas quando, três minutos depois, Zico recebeu passe de Vítor, após uma recuperação de bola, e o camisa 10 lançou Élder em profundidade, ele entrou livre pelo meio da defesa, que tentou fazer a linha de impedimento, sem que houvesse funcionado. O jovem passou por Leão, que havia desesperadamente saído da área, e tocou livre para dentro do gol. Massacre: 5 a 0!
Inflamada, a torcida do Flamengo cantava a plenos pulmões no Maracanã. Dois minutos depois do quinto gol, Sócrates recebeu do lateral Alfinete em diagonal e bateu cruzado para descontar um minuto depois: 5 a 1. Mas os rubro-negros demonstraram indiferença e continuaram cantando e fazendo um barulho ensurdecedor no estádio.
E bastaram mais dois minutos para a rede balançar de novo. Júnior lançou Gilmar na entrada da área, a zaga cortou e a bola voltou para o lateral-esquerdo rubro-negro, que ganhou a disputa com Wágner, deu um drible da vaca em Daniel González, passou pelo desesperado Leão, que saiu para tentar abafar, e tocou para o gol vazio. O árbitro gaúcho Roque José Gallas, no entanto, anulou o gol. Os jornais do dia seguinte, tanto cariocas quanto paulistas debatiam qual teria sido o motivo para o juiz ter anulado o gol, mas ambos eram unânimes em apontar erro da arbitragem. Quando Júnior lançou a frente, havia rubro-negros a frente da linha de defesa, mas foi o próprio Júnior quem avançou em direção à bola, passou pelo goleiro e marcou. Para não parecer choro, fiquemos com as palavras da própria Folha de São Paulo: "os gols foram erroneamente invalidados, ficou até feio".
Os gols, porque aos quarenta e dois minutos, Élder recebeu na ponta esquerda e cruzou para Baltazar tocar de cabeça para a pequena área e Zico, sozinho, atrás da linha da bola, escorou para o gol e saiu para comemorar o sexto! O auxiliar não deu impedimento e correu para o meio do campo, mas o árbitro gaúcho estava determinado que a goleada não era para ser de seis ou mais, anulando mais um gol. A única hipótese razoável é que ele tenha entendido que a bola já tinha saído quando Baltazar cabeceou para o meio da área, o que seu auxiliar, muito mais bem posicionado que ele, não entendia que havia acontecido.
A debacle corinthiana no Maracanã era para ter sido maior. O árbitro diminuiu um pouquinho a festa rubro-negra, mas não a estragou. Maracanã em êxtase, completamente enlouquecido! Goleada histórica! Um recital em vermelho e preto.
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