quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A questão do dinheiro do Brasileirão e Pay Per View


Excepecional a série de postagens no Twitter publicadas pelo jornalista Allan Simon (@allansimon91) relembrando o histórico da questão de contratos de Direitos de Transmissão negociados entre a Rede Globo e os clubes brasileiros após a implosão do Clube dos 13. Segue abaixo a íntegra das publicações de Allan Simon:


Resumirei aqui algumas coisas que tenho falado há semanas em várias plataformas sobre a questão do dinheiro do Brasileirão e PPV. 

1 - A vantagem de Flamengo e Corinthians para os demais não nasceu "ontem" e nem é culpa de um só fator. Nos últimos 11 anos, especialmente. 

2 - Esse vácuo começou a ser produzido quando acabaram com o Clube dos 13 em 2011. Pela primeira vez, teríamos licitação com envelopes fechados e garantia de proposta vencedora sendo a que oferecesse mais. 

3 - O Corinthians, e não o Flamengo, foi quem saiu primeiro do C13.

4 - Curiosamente, o primeiro anúncio oficial de contrato individual com a Globo não foi de nenhum deles. Era óbvio que o Corinthians assinaria, mas o primeiro acordo divulgado foi com o Grêmio. Botafogo e Vasco também tinham saído do Clube dos 13.

5 - O Flamengo só fechou acordo em abril de 2011, mês seguinte à treta toda com a licitação "vencida" pela RedeTV! (concorreu sozinha e ainda perdeu, porque não levou nada).

6 - O Flamengo oficializou seu contrato individual com a Globo quando não só Grêmio e Corinthians, mas também Bahia, Coritiba, Cruzeiro, Goiás, Palmeiras, Santos, Vasco e Vitória já tinham feito isso.

7 - Os tópicos anteriores são bons para contextualizar, mas pouco importa agora quem começou, puxou a fila, etc. O problema é o resultado: a lei da época previa que o direito era dos dois times em campo. Quando a Globo fecha com tantos clubes pesados, todo mundo tem que fechar.

8 - A Globo foi "vítima" dessa própria arma em 2016, quando a Turner chegou cheia de dinheiro e começou a oferecer contratos melhores de TV paga para os clubes. A maioria nem sabia quanto valia o pacote do Sportv, já que o acordo era por todos os direitos.

9 - Reportagens da época mencionavam valores ditos nos bastidores, algo em torno de R$ 100 milhões pelos direitos de TV paga. Não se sabe se era isso mesmo. A Turner oferecia mais de R$ 500 mi só por essa mídia.

10 - A Globo obviamente sentiu o baque de uma concorrência estrangeira. Até então ela vencia facilmente Record, SBT, Band, o que aparecesse por aqui, por causa da sua audiência e alcance, além do poder financeiro.

11 - Com a lei prevendo que o direito era dos dois times em campo, o mais óbvio era fechar com as duas maiores torcidas, Flamengo e Corinthians. Se perdesse para a Turner esses dois clubes, um abraço. Então era óbvio que a Globo teria que fazer algo.

12 - O contexto em 2016 era bem complexo também, porque a Turner não vinha só com grana, mas com mentalidade de ligas europeias na distribuição do dinheiro. Em vez de cotas fixas, como até então na Globo, vinha o modelo 50/25/25 da Premier League.

13 - Nesse modelo, 50% do total pago pela emissora é dividido em parte iguais, 25% vai para a premiação do campeonato escalonando por posição na tabela, e os outros 25% por fatores de audiência. Isso animou muitos clubes e preocupou a Globo.

14 - Para não perder os times para a concorrência, a Globo topou adotar um modelo parecido, que era 40/30/30. A emissora colocou como critério de audiência para o bolo dos 30% o número de jogos transmitidos. E fez uma proposta alta, R$ 1,1 bilhão por TV aberta + TV paga.

15 - Esse modelo faria com Flamengo e Corinthians perdessem a vantagem que eles tinham até então, porque o contrato antigo botava tudo no mesmo balaio, TV aberta, paga e PPV, e quase ninguém sabia quanto valia cada mídia. Esse é o problema.

16 - Para convencer Flamengo e Corinthians, a Globo ofereceu um mínimo garantido para eles. Anos mais tarde eu tive acesso aos valores, eram R$ 120 mi para o Fla e pouco mais de R$ 80 mi para o Timão. Na época a notícia era de que ambos receberiam igualmente. Não foi assim.

17 - Esses valores não foram tirados do nada. A Globo oferecia aos 20 clubes um pacote total de PPV valendo pouco mais de R$ 650 milhões em 2019. Mínimo garantido, tanto faz quanto vendesse. Cada clube receberia o seu percentual de vendas em cima disso.

18 - Lembra que eu publiquei matéria no UOL com percentuais de cada clube? Lembra que o Flamengo tinha 19% das vendas? Agora faça aí as contas. Quanto é 19% de R$ 650 mi? R$ 123,5 milhões. Bem próximo ao valor mínimo que o Flamengo garantiu.

19 - O Corinthians não tem cerca de 12% das vendas? Faça de novo a conta. Quanto dá 12% de R$ 650 mi? Isso mesmo, R$ 78 milhões. Os valores não eram irreais. Era o percentual de cada clube sobre o total do PPV nos mínimos garantidos.

20 - Só que os mínimos garantidos coletivos foram para o espaço quando clubes começaram a pedir adiantamento de cotas para a Globo, que topava antecipar valores em troca de acabar com a cláusula que a obrigava a pagar R$ 650 mi mesmo se não vendesse isso de PPV.

21 - O Grêmio também tem até hoje uma garantia mínima contratual, mas nunca consegui uma fonte segura que me dissesse qual é esse valor. Eu não vi documentos que indiquem isso. Mas sei que existe esse mínimo de PPV.

22 - Quando o Palmeiras fechou com a Globo, em 2019, a garantia mínima já tinha ido para o beleléu. Outros clubes já tinham antecipado receitas. A gestão do Galiotte ainda conseguiu pegar um mínimo garantido de cerca de R$ 80 mi fixos para 2019.

23 - O Athletico Paranaense nunca topou fechar PPV com a Globo também porque sabia que os mínimos não existiam mais. Na ocasião, falava-se no clube negando ganhar R$ 6 milhões por achar pouco. Hoje seria ainda menos que isso pelos motivos dos próximos tópicos.

24 - Em 2019, o mínimo de R$ 650 milhões já não valeu. E as vendas foram abaixo do esperado, o que resultou em arrecadação menor para os clubes que já não tinham mais os mínimos garantidos. Só Flamengo, Corinthians, Palmeiras e Grêmio se deram bem.

25 - Em 2020, veio a pandemia que desgraçou a humanidade e, por consequência, a economia. Paralisação do futebol por quatro meses, queda na renda da população brasileira e crise da TV paga, fizeram o Premiere despencar na base de assinantes.

26 - O resultado: os clubes que não tinham mais mínimos garantidos viram seus percentuais incidindo não mais sobre R$ 650 mi, mas pelo que fosse repassado. Esse valor tem caído e já está na casa de R$ 400 mi esse ano. Com viés de queda. Assinatura do Premiere custa bem menos.

27 - Flamengo, Corinthians e Grêmio, que ainda mantiveram seus mínimos garantido, têm por contrato uma atualização monetária anual com base em um fator que usa a média do IPCA com o IGP-M, dois índices de inflação. Por isso, os valores não só ficaram intactos, como foram repostos

28 - Como eu falei, não sei quanto o Grêmio recebe atualmente (e hoje não faz diferença na conta da Série A, uma vez que o PPV é sua única receita na Série B, não há cota de TV aberta e paga para ele lá). Mas o Flamengo pulou para R$ 160 mi, e o Corinthians para R$ 110 mi.

29 - Esse aumento é apenas reposição de inflação, não se trata de bondade. É contrato. Há essa reposição nos contratos de TV aberta e paga também. O que valia R$ 1,1 bi em 2019 já está passando de R$ 1,5 bi agora. É o dinheiro que vai para o 40/30/30 e todos recebem.

30 - Pense no Brasil de 2019: o preço que você pagava nos alimentos é o mesmo de hoje? Não, era menor. Várias coisas custam mais hoje. É a inflação. O Premiere custa menos, tenta ganhar no volume, mas ainda esbarra na pirataria e na crise econômica. Arrecada menos, portanto.

31 - Quando trazemos a público esses dados, várias discussões puramente clubistas dão o tom. Acusações de parte a parte para não aceitar a real: a diferença de valores no Brasileirão é muito acima do que um campeonato deveria ter para ser mais forte. Mas a culpa é dos clubes.

32 - O Cruzeiro é um que antecipou cotas até 2022 ou 2023, ainda na gestão que levou ao rebaixamento de 2019. Foi uma boa? Não, né? Mas ajudou a matar o mínimo garantido do PPV. Vários fizeram isso. Os torcedores desses times precisam saber que a culpa é de seus dirigentes.

33 - Não tem jeito de continuar assim com uma nova liga, seja a proposta da Libra, que tem Flamengo e Corinthians, seja a do Forte Futebol. Eles vão discordar das contas de cada um, da diferença máxima entre Flamengo e o último, mas do jeito que está não ficará.

34 - Ou melhor: tem sim. Não havendo liga. Se os clubes perderem essa chance histórica e fecharem simplesmente renovações individuais com a Globo em 2025, esse problema vai se eternizando.

35 - Por isso, em vez de ficar com briguinhas no Twitter, os torcedores deveriam focar em exigir dos seus dirigentes que cheguem a um termo em comum para fundar a nova liga. Porque ela fará o Brasileirão valer muito mais. E ajudará a todos os clubes.

36 - O Flamengo não precisa ganhar tanto a mais que o Goiás no PPV, como acontece hoje por causa do fim dos mínimos garantidos. Ele precisa ganhar mais dinheiro em valores nominais, tanto faz quanto o Goiás ganhar, para rivalizar lá fora, jogar de igual para igual sempre.

37 - Esse "ganhar mais dinheiro em valores nominais" virá se houver uma liga com 40 clubes, Série A e Série B, fazendo um processo transparente de venda de todas as propriedades comerciais, e aproveitando a chuva de dólares que está caindo sobre o Brasil. Só ver a Libertadores...

38 - Com um processo transparente de licitação, a Libertadores tem batido recordes de arrecadação em dólar. Vai ter Globo, como os clubes tanto querem, mas vai ter chuva de moeda estrangeira vinda da Disney e da Paramount entre 2023 e 2026.

39 - Sem falar que a liga de clubes não é só sobre direitos de transmissão. É sobre produto. É sobre padronizar gramados, transmissões, calendários, parar com esse festival de mudanças nas tabelas do Brasileirão e fazer o nosso futebol ser mais poderoso no mercado internacional.






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