Jogos Inesquecíveis: 06/10/1976 - Flamengo 2 x 0 Seleção Brasileira
Um amistoso no Maracanã entre o Flamengo e a Seleção Brasileira foi a forma encontrada por clube e confederação brasileira para homenagear a memória do jovem meia Geraldo Cleofas Dias Alves, Geraldo "o Assoviador", meia rubro-negro falecido com tão só 22 anos. Revelado nas divisões de base da Gávea, ele jogou 169 jogos com a camisa rubro-negra e marcou 13 gols. Com a camisa da Seleção Brasileira disputou 7 partidas, tendo feito parte do elenco que um ano antes havia disputado a Copa América de 1975. Em sua memória, o vermelho e o preto e o verde e amarelo entraram em campo para se enfrentar no mítico Maracanã.
A partida beneficente foi em prol da família do jogador, que recebeu toda a renda gerada pelos 142 mil pagantes que foram ao estádio ver o jogo. Em sinal de luto, o Flamengo entrou em campo de calções negros, além das tradicionais camisa e meias listradas em vermelho e preto.
O Flamengo já havia enfrentado uma vez na história à Seleção Brasileira, num amistoso disputado em 11 de maio de 1958, também no Maracanã, e havia obtido uma vitória por 1 a 0, gol marcado por Manuelzinho. Dezoito anos depois, novamente com o estádio recebendo um grande público, venceu novamente, e mais uma vez sem tomar gol, tendo desta vez o resultado sido 2 a 0.
Ficha Técnica
06/10/1976 - Flamengo 2 x 0 Seleção Brasileira
Local: Maracanã, Rio de Janeiro (Público: 142.404 presentes)
Gols: Paulinho (5'1T) e Luís Paulo (11'1T)
Fla: Cantareli, Dequinha, Jayme de Almeida (Andrade), Rondinelli (Paolino) e Júnior; Merica (Zé Roberto), Tadeu (Dendê) e Zico (Júnior Brasília); Paulinho (Adílio), Luisinho Lemos (Marciano) e Luís Paulo (Júlio César).
Téc: Cláudio Coutinho
Brasil: Félix (Leão), Carlos Alberto Torres (Wladimir), Marinho Peres (Zé Maria), Wilson Piazza (Beto Fuscão) e Marco Antônio (Rodrigues Neto); Clodoaldo (Givanildo), Rivellino (Ademir da Guia) e Pelé (Dario); Jairzinho (Gil), Paulo César Caju (Neca) e Edu (Valdomiro).
Téc: Mário Travaglini
A História do Jogo
No início de outubro de 1976, um amistoso entre Flamengo e Seleção Brasileira foi marcado para o Maracanã em memória ao jovem meia Geraldo, tragicamente morto 40 dias antes daquela partida durante uma mera cirurgia para extração de amígdalas, numa intervenção aparentemente simples e trivial. Como disse à reportagem de jornais da época Lincoln, um dos irmãos do jogador, Geraldo morreu sentado numa cadeira de dentista, vestindo calça jeans e calçando apenas chinelo, sem camisa: "como se estivesse extraindo um dente". Morreu por um choque anafilático, que é uma reação alérgica grave que surge pouco após se entrar em contato com uma substância a que se tenha alergia, que no caso de Geraldo foi a anestesia.
O jogo em sua memória entre Flamengo e Brasil teve presenças ilustres. O país vivia em meio à Ditadura Militar, e entre os mais de 142 mil espectadores presentes no Maracanã, estavam o então Presidente da República, general Ernesto Geisel, o ex-Presidente da República, marechal Eurico Gaspar Dutra, o então Governador do Rio de Janeiro, Floriano Faria Lima, e uma comitiva de cinco ministros de estado, entre os quais o Chefe da Casa Civil, Hugo de Abreu, os presidentes da Câmara dos Deputados, Célio Borja, e do Congresso Nacional, senador Magalhães Pinto, além do então presidente da Confederação Brasileira de Desportes (CBD), o almirante Heleno de Barros Nunes.
O time rubro-negro que entrou em campo naquela noite no Maracanã era bastante jovem. A defesa era toda ela formada nas categorias de base da Gávea, tendo quase todos sido bi-campeões cariocas sub-20 alguns anos antes, como era o caso do goleiro Cantareli, do zagueiro Jayme e do lateral-esquerdo Júnior, todos na faixa dos 22 ou 23 anos. Assim também eram os casos do lateral-direito mineiro Dequinha e do zagueiro paulista Rondinelli, ambos com 21 anos, e que tinham chegado ao clube alguns anos antes para ingressar no time sub-20 rubro-negro. O meio de campo que começou jogando também era muito jovem, tinha Merica - que no ano anterior havia sido contratado junto ao Atlético de Alagoinhas, da Bahia, após enfrentar o time rubro-negro num amistoso - e Zico, ambos com tão só 23 anos. Junto a eles, o mais experiente dentre os que começaram jogando contra a seleção era o meia Tadeu Ricci, de 29 anos, também contratado no ano anterior, mas junto ao América do Rio.
A linha de ataque rubro-negra mantinha a característica jovem da equipe. Pelas pontas, Paulinho e Luís Paulo, jogadores que pouco antes tinham sido contratados junto a Bonsucesso e Olaria, respectivamente. O primeiro, jogando pela direita, tinha 24 anos, e o segundo, que jogava pela esquerda, tinha 26 anos. Justamente os dois que marcariam os dois gols e definiram a vitória do Flamengo naquela noite. O centroavante era Luisinho Lemos, irmão dos ex-jogadores rubro-negros César Lemos e Caio Cambalhota, que havia feito aniversário e completado 25 anos três dias antes daquele duelo histórico. E se o onze titular já era bastante jovem, com média de idade de 24 anos, entre os jogadores que entraram em campo no 2º tempo havia nomes ainda mais jovens, uma nova geração de pratas da casa que emergia no clube: Adílio e Júlio César tinham 20 anos, Andrade tinha 19, e Júnior Brasília tinha 18. No Flamengo, naquele time que enfrentou à Seleção Brasileira, começava a se formar a mescla de gerações que em alguns poucos anos mais construiria a Era de Ouro do clube, conquistando o Brasil, a América do Sul e o Mundo. E o técnico que unia estes talentos era Cláudio Coutinho, que um ano depois viria justamente a assumir à Seleção Brasileira no lugar de Oswaldo Brandão, comandando o escrete canarinho na Copa do Mundo de 1978.
Sendo uma partida amistosa, não havia limites de substituições. A Seleção Brasileira que entrou em campo era uma equipe bastante experiente. A equipe convocada pelo paulista Oswaldo Brandão tinha a base da equipe campeã da Copa do Mundo de 1970, mas sem Brito, Gérson e Tostão, e também naturalmente já sem Everaldo, lateral-esquerdo tragicamente falecido num acidente automobilístico em 1974. O time do Brasil que entrou em campo naquela noite no Maracanã tinha: Félix (Fluminense), Carlos Alberto Torres (Fluminense), Marinho Peres (Internacional), Wilson Piazza (Cruzeiro) e Marco Antônio (Vasco); Clodoaldo (Santos), Rivellino (Fluminense) e Pelé (New York Cosmos, Estados Unidos); Jairzinho (Cruzeiro), Paulo César Caju (Fluminense) e Edu (Santos). Uma equipe bem experiente, que o Jornal dos Sports na capa de sua edição do dia seguinte chamou de "Seleção dos velhos deuses". Mas se havia algum desentrosamento, cabe a ressalva de que quase a metade do time jogava junto no Fluminense, na chamada segunda edição da "Máquina Tricolor".
A equipe na segunda etapa foi toda modificada, e terminou a partida atuando com: Emerson Leão (Palmeiras), Wladimir (Corinthians), Zé Maria (Corinthians), Beto Fuscão (Grêmio) e Rodrigues Neto (Fluminense); Givanildo (Corinthians), Ademir da Guia (Palmeiras) e Neca (Corinthians); Gil (Fluminense), Dadá Maravilha (Internacional) e Valdomiro (Internacional). Quase metade também jogando junto, neste caso no Corinthians. Era uma equipe com algumas das peças que tinham jogado a Copa de 74, e outros jogadores que vieram a ser titulares na Copa de 78.
O estádio, massivamente, apoiava ao Flamengo! O time, empurrado pelos corações rubro-negros, aproveitou-se de seu entrosamento e jovialidade, contra uma equipe tecnicamente superior mas desentrosada, e marcou duas vezes logo nos primeiros minutos de jogo. Com aquele time jovem e veloz, logo aos três minutos de jogo quase saiu o primeiro gol. Cruzamento de Zico para a área e Félix espalmou. No rebote, Luisinho estava quase alcançando a bola para tocá-la para a rede, mas Carlos Alberto Torres conseguiu chegar primeiro e rebater para fora da área.
No minuto seguinte, Tadeu lançou Júnior em profundidade pela esquerda e ele chegou chutando forte, com a bola passando rente à trave esquerda. Aos cinco minutos, no entanto, o gol saiu. Zico lançou Paulinho pela lateral direita da área fechando em diagonal nas costas de Marco Antônio. Ele passou por Marinho Peres e tocou por baixo de Félix para colocar 1 a 0 no placar. Delírio no Maracanã!
A pressão rubro-negra se manteve após o primeiro gol. Aos oito, Zico tocou para Luís Paulo, que pegou forte de primeira, mas o arremate saiu sem precisão e foi para fora. Três minutos depois, porém, o final foi outro. O camisa 10 rubro-negro, Zico, recebeu uma bola no meio de campo e lançou em profundidade na esquerda novamente para Luís Paulo, que ganhou de Marinho Peres na corrida e alcançou a bola antes da saída do gol de Félix, tocando por baixo do goleiro para marcar o segundo. Um lance que lembrou bastante ao primeiro gol marcado por Paulinho, só que pelo outro lado da área.
A Seleção Brasileira não se encontrava em campo, carecendo visivelmente de entrosamento. Com os dois gols de vantagem, no entanto, o time rubro-negro diminuiu o ritmo. Ainda assim, aos vinte e dois minutos Tadeu marcou de novo, mas o impedimento foi assinalado, e o tento não valeu. No minuto seguinte quase que o Brasil marcou seu gol. Edu cobrou escanteio, Pelé testou forte, e Cantareli deu um tapa para escanteio. Aos trinta e um, numa nova dobradinha entre Pelé e Edu, foi o ponta-esquerda quem concluiu a gol, para ótima defesa de Cantareli.
Nos minutos finais da primeira etapa ainda houve muita reclamação quando Merica foi derrubado dentro da área. O árbitro, no entanto, ignorou a chiadeira e mandou o jogo seguir, não assinalando pênalti. O Flamengo foi claramente superior na etapa inicial, e podia ter terminado com vantagem ainda maior.
No intervalo, a Seleção Brasileira fez oito substituições, e o Flamengo fez cinco. Pelé e o capitão Carlos Alberto, substituídos, subiram à tribuna de honra do estádio para saudar ao Presidente da República, e de lá assistiram ao segundo tempo.
Com as formações bastante alteradas e ainda menos entrosadas, o ritmo da partida caiu bastante na etapa final. Mas as melhores chances foram da equipe canarinho. Logo aos quatro minutos, Dario, o Dadá Maravilha, roubou do zagueiro argentino Paolino e quase marcou, com Cantareli salvando mais uma vez. Aos vinte e um, Ademir da Guia cabeceou para fora uma chance claríssima para diminuir o placar.
Paulo César Caju comandava o meio de campo e as ligações ofensivas, e o Flamengo se limitava a estar fechado defensivamente, tendo tido pouquíssimas oportunidades de ataque nos quarenta e cinco minutos finais. Ao término do jogo, segurou a vitória construída nos onze minutos iniciais e venceu à Seleção Brasileira com méritos. Uma noite que deixou belas lembranças na memória rubro-negra, ainda que num jogo amistoso.
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