sábado, 19 de julho de 2014

Projeto Zico, a marca de uma era de modernidade e ousadia na Gávea

Rogerio Steinberg nasceu no Rio de Janeiro, em 17 de julho de 1952. Aos 29 anos, foi eleito "Publicitário do Ano" e sua agência, escolhida como "Agência do Ano", em 1982 e "Destaque do Ano", em 1983. Foi autor de diversas campanhas memoráveis e recebeu mais de 300 prêmios nacionais e internacionais. Rogerio veio a falecer em outubro de 1986, com 34 anos, em um acidente de carro, quando voltava de Búzios, onde fez parte do júri do II Festival do VT Publicitário.


Projeto ZICO

Domingo, 13 de julho de 1985. O Maracanã revive os seus grandes dias. Repórteres com suas máquinas fotográficas, microfones, gravadores e câmeras à espera do grande momento. As faixas e bandeiras da torcida giram e regiram, num fantástico balé. A nação rubro-negra está presente em massa. A emoção é concreta, física, expressa nos gritos, nos cantos, no ressoar de surdos e taróis. Algo de importante está para acontecer.

Como se impulsionados por mola invisível, todos os torcedores se levantam no mesmo instante, com brados de incentivo e uma torrente de aplausos. Foguetes sobem aos céus. Mais loucas ainda regiram as bandeiras. Homens feitos choram, misturam-se no ar as vozes da multidão e o baticum das baterias. Acabou de entrar em campo Arthur Antunes Filho, Zico, em meio a um grupo de crianças - os símbolos da torcida órfã que reencontra seu ídolo. Zico veste de novo a rubro-negra camisa do Flamengo - e nessa hora, nesse estádio onde sempre brilhou, se reintegra ao futebol brasileiro. Vai começar o jogo comemorativo de sua volta: o Flamengo contra um time de amigos de Zico, onde se destaca Diego Maradona. Os flashes iluminam as inúmeras fotografias que se tiram do craque, todo mundo quer aparecer, até um singular personagem - Uruba, um urubu-malandro, bem ao jeito dos torcedores do Flamengo - dá o ar de sua graça. É uma grande festa brasileira.


O Projeto Zico foi seguramente a maior promoção esportiva na história da propaganda brasileira. Nasceu não de um frio planejamento mercantil, mas de uma paixão. Tornou-se, em seu desenvolvimento, um magnífico programa de marketing e merchandising - mas o que lhe deu o primeiro impulso foi o coração de um torcedor.

Já em 1982, quando Falcão foi vendido ao Roma, Rogerio Steinberg pensou em armar um esquema para trazê-lo de volta ao Brasil, dessa vez como jogador do Flamengo. Constituía o clube da Gávea um dos grandes interesses de sua vida: acompanhava-o desde criança, era daqueles que se intitulavam torcedores fanáticos. Por diversos motivos não tiveram sequência os planos em torno de Falcão.

Em 1983, no entanto, uma verdadeira catástrofe abala o Flamengo e seus fiéis: Zico deixa o clube e também toma o caminho da Itália, rumo ao Udinese. O inconformismo é geral. Os fãs de todas as cores percebem que algo mais grave do que uma simples troca de clubes está em jogo: a venda de Zico é sintoma de uma deterioração do futebol brasileiro, que não tem mais condição econômica de manter seus craques. E sem craques não há boas partidas, os estádios ficam vazios, criando-se um círculo vicioso.


A alma do torcedor Rogerio Steinberg se revolta; ao mesmo tempo seu talento de observador dos movimentos sociais o deixa muito preocupado. Essas duas motivações - a paixão de torcedor e a preocupação com aspectos negativos da vida brasileira - fazem- no conceber o Projeto Zico.

Ninguém o explicou melhor do que ele mesmo em entrevista a "Meio e Mensagem": "eu sou um torcedor apaixonado pelo Flamengo e pelo futebol. O futebol é uma cultura popular violentíssima, uma coisa muito importante. Do mesmo jeito que as pessoas precisam comer, ser bem atendidas em medicina, saúde, escola, elas precisam também cuidar do coração. Quando o Zico foi embora, me deu uma dor, aquela tristeza. O Flamengo é um time que tem torcedores no Brasil inteiro. As televisões fizeram pesquisas entre as crianças e muitas delas disseram que iriam deixar de torcer para o futebol. Essas crianças ficaram órfãs, seu ídolo foi embora e o Brasil, economicamente falido, não tinha condições de segurar o Zico, como não tem de segurar nossas melhores cabeças, médicos, cientistas, técnicos. Eu senti uma dor muito grande, uma tristeza até pelas pessoas que me cercavam, uma população pobre, carente de ídolos e de alegrias. Eu queria também me expressar de maneira diferente e o Flamengo me deu muito, me deu amor, alegria e eu sou um profissional no meu setor. De repente me surgiu a idéia de retribuir tudo isso com uma missão impossível, em que ninguém acreditava, que era trazer o Zico de volta para o Brasil".

Qual a essência do Projeto Zico? Levantar, junto à iniciativa privada, recursos que permitissem readquirir o passe do jogador, oferecendo, em retribuição, uma série de eventos promocionais e a utilização do próprio craque em mensagens publicitárias.

A criatividade se manifestou largamente na concepção dos eventos promocionais. Uma sequência, perfeitamente articulada, transformaria o regresso de Zico num grande acontecimento de repercussão nacional e internacional.

Tudo começaria com a exibição de um especial, onde, ficcionalmente, se narraria o esforço de torcedores para trazer Zico de volta. Logo após o especial, um noticioso anunciaria em edição extraordinária a chegada de Zico no próximo domingo.

Efetivamente nesse domingo teria lugar a recepção triunfal ao craque, no Aeroporto do Galeão, seguida de desfile em carro aberto até o Estádio do Flamengo, na Gávea, onde seria assinado o novo contrato com o clube.



Tendo alcançado o apoio de grandes empresas tais como Adidas, Coca-Cola, Mesbla e Sul-América Seguros, os eventos se desenrolaram como fora previsto. Precedido por uma barragem de notícias e chamadas, foi ao ar, pela Rede Manchete, o especial Projeto Zico, conquistando ótimos índices de audiência. No domingo seguinte, chegou Zico ao Aeroporto do Galeão (vinha da Flórida, onde levara a família para visitar a Disneyworld). Foi recebido por um grupo de crianças, os heróis do especial, que o acompanharam no desfile até a Gávea. A cidade parou. Multidões se postavam à margem de ruas e avenidas, para aplaudir o ídolo que voltava. O grande coroamento foi aquele jogo - Flamengo versus amigos de Zico - que marcou o retorno do craque aos gramados brasileiros.

O grande lance criativo de Rogerio Steinberg, ao escrever o roteiro do especial Projeto Zico, foi representar os torcedores brasileiros por um grupo de crianças, meninos e meninas, apaixonados rubro-negros, que não se conformam com a venda do craque e conspiram para trazê-lo de volta. Através de peripécias mirabolantes, em aventuras que os levam do Brasil à Itália, enfrentam agentes de um clube europeu rival, também interessado no Galo, e, no último instante, quando Zico se preparava para assinar o contrato com o Borússia, da Alemanha, conseguiram impedir que isso ocorresse e compram-lhe o passe para o Flamengo. A história tem suspense, humor, e uma irresistível atmosfera lúdica. Destaca-se, porém, a definição das personagens infantis, os urubinhos- Gênio, Beiçola, G-18, Bochecha, C. Bola, Pulga, Limão e a cadelinha Flanela-, cada um com seus traços próprios de personalidade e substrato psicológico. Sem dúvida Rogerio pensava num projeto a longo prazo, com o desdobramento desses personagens em outros especiais, desenhos animados, histórias em quadrinhos, etc.

A direção de Carlos Manga imprimiu ao especial o ritmo nervoso dos filmes de ação. E os atores mirins, selecionados para interpretar os heróis da turminha, desincumbiram-se da tarefa com profissionalismo e gosto.

Toda a produção do especial demonstra inúmeros cuidados, a partir da canção-tema, composta e interpretada por Morais Moreira. O elenco é um all-star cast. Em pequenos papéis e pontas, brilham Paulo Fortes, Ronald Golias, Jonas Bloch, Reinaldo Gonzaga, Jece Valadão, Waldik Soriano, Anselmo Duarte, entre outros. Morais Moreira e Raimundo Fagner também comparecem, assim como Bernard e Roberto Dinamite, impagáveis como dois carabinieri. O Projeto Zico é um espetáculo divertido e memorável. Dentro da mesma orientação - a de revalorizar o futebol brasileiro e particularmente o time do Flamengo - , Rogerio Steinberg envolveu-se em outra ação importante: a volta de Sócrates. Conduzindo as negociações praticamente sozinho, conseguiu tirar o craque da Fiorentina e trazê-lo para o Flamengo. Assim, os dois jogadores, que, junto com Falcão, tinham formado a espinha dorsal da Seleção Brasileira de 1982, estavam de novo em nosso país.

A imaginação inesgotável de Rogerio Steinberg previa uma série de evoluções e desdobramentos do Projeto Zico: campanhas promocionais diversas, camisetas, brindes, brinquedos. Circunstâncias históricas ou acidentais (como por exemplo a contusão de Zico, logo em um dos primeiros jogos de que participou no Brasil) não permitiram que se desenvolvesse o planejamento com toda a sua plenitude. Muito se fez, no entanto, e muitas das idéias então forjadas permanecem válidas e atuais.



No decorrer do projeto, veio a ser criado um personagem que poderá ter vida longa: Uruba, a viva encarnação do torcedor rubro-negro, homem do povo sofrido mas sempre disposto a enfrentar a vida e a acompanhar o Flamengo no melhor e no pior. Concebido por Rogerio e desenhado por Arturo Uranga, foi transformado em fantasia nas mãos de Eloy Machado. Dando a volta por cima ao apelido pejorativo de urubu, com que as outras torcidas gozavam a turma do Flamengo, Uruba chegou a acompanhar seu time de coração em várias partidas.


Rogerio Steinberg já não vivia quando, no Festival de Vídeo em Nova Iorque, o Projeto Zico recebeu a medalha de ouro na categoria de programas destinados a crianças. E seu roteiro foi, no mesmo Festival, escolhido como um dos dois finalistas.

Pelos serviços prestados ao Clube de Regatas do Flamengo, o principal auditório da sede do clube, na Gávea, recebeu o nome de Auditório Rogério Steinberg.

Auditório Rogério Steinberg, na Gávea

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