sábado, 1 de junho de 2019

Cândido de Oliveira: o fracasso de um renomado técnico português a frente do Flamengo


Eram outros tempos, nos quais a própria presença de treinadores estrangeiros no Brasil não era algo incomum, senão algo bastante rotineiro. A Seleção Brasileira de futebol ainda não havia conquistado nenhuma Copa do Mundo, e o Brasil era coadjuvante na América do Sul, diversas vezes derrotado por Argentina e Uruguai, sendo um verdadeiro freguês de ambos.

No Flamengo, as experiências com treinadores estrangeiros remontavam aos primórdios do futebol do clube. Nos tempos em que o time era dirigido por um "Ground Commitee" - à época era usado o termo em inglês, cuja tradução mais próxima a adaptada era Comissão de Futebol - composto por um grupo de jogadores liderados por uma voz final que decidia, o primórdio do que seria um técnico, pode-se dizer que houve a primeira aparição de um estrangeiro a frente da estratégia em campo do time. O inglês Sidney Pullen, um imigrante residente no Rio de Janeiro, que havia sido jogador do Paissandu (Campeão Carioca de 1912) e depois migrado para jogar no Flamengo, onde atuou de 1915 a 1923, foi o capitão do time e líder do Ground Commitee ao mesmo tempo em que defendia as cores rubro-negras dentro de campo. Sob sua chefia na Comissão de Futebol, o Flamengo foi Campeão Carioca de 1920, com Pullen sendo jogador, capitão e técnico do time.

Porém, o primeiro técnico estrangeiro propriamente sob esta definição foi o uruguaio Ramon Platero, que chegou ao Flamengo para o Campeonato Carioca de 1921, no qual se sagrou Campeão. Ele já havia sido Campeão Carioca de 1919 com o Fluminense e viria a ser Bi-Campeão Carioca com o Vasco em 1923 e 1924 (ficou no clube de São Januário até 1927). No Campeonato Carioca de 1928 ainda treinou ao Botafogo.

Nos Anos 1920 o Flamengo ainda teve outro uruguaio como treinador - Juan Carlos Bertoni - que ficou a frente do time de 1925 a 1928, período no qual o clube foi Campeão Carioca em 1925 e 1927.

Os uruguaios eram os treinadores favoritos do futebol brasileiro. Por exemplo: de 1935 a 1950 o Fluminense teve 5 treinadores importados vindos do Uruguai (Humberto Cabelli em 1935 e 1936, Héctor Cabelli em 1936, Carlos Carlomagno em 1937 e 1938, Ondino Viera de 1938 a 1943, Athuel Velázquez em 1943, novamente Humberto Cabelli em 1944, sucedido por mais uma passagem de Athuel Velázquez também em 1944, de novo por Humberto Cabelli em 1945, e por uma nova passagem de Ondino Viera de 1949 a 1950). O futebol uruguaio era o modelo de inovação preferido em organização tática, eram em quem o futebol carioca estava buscando se espelhar.

Mas houve outros espelhos táticos também. As experiências de inovação no futebol brasileiro com europeus se iniciaram quando o Botafogo contratou ao técnico húngaro Eugênio Medgyessy em 1926 (ele treinou Botafogo, Fluminense e São Paulo) e posteriormente foi trabalhar na Argentina. Foi a primeira vez que um estrategista cruzou efetivamente o Oceano Atlântico para trabalhar no futebol brasileiro, todos os outros europeus antes dele eram imigrantes que já viviam no Brasil antes de virem a ser treinadores de futebol.

O Botafogo voltou a contratar um treinador húngaro em 1931, quando chegou Nicolas Ladanyi, que havia sido jogador de futebol na Hungria antes de se tornar técnico. Neste mesmo ano o Flamengo teve o inglês Charles Willians como técnico de seu time, mas ele também era um imigrante residente no Rio de Janeiro, que já havia sido técnico do Fluminense em duas passagens, em 1911 e 1912 e posteriormente de 1924 a 1926. Já Ladanyi não, este estava efetivamente sendo trazido da Europa.

Em 1937 foi a vez do Flamengo embarcar na mesma experiência, quando o clube contratou ao húngaro Dori Kurschner para comandar seu futebol. Na época, a intenção do clube era montar uma grande equipe e, para tanto, contratou craques como Fausto dos Santos, Domingos da Guia e Leônidas da Silva, e trouxe cinco jogadores da Argentina. Com tantos talentos, faltava um grande treinador, e para isso foi escolhido para esta missão a Izidor Kurschner, à época considerado um dos melhores técnicos da Europa. Ele havia sido jogador de Jimmy Hogan, um dos mais revolucionários técnicos do futebol europeu no MTK Hungria e o substituiu como treinador quando Hogan deixou o comando do MTK. Trabalhou no clube húngaro de 1904 a 1913. Foi o técnico da Seleção da Hungria de 1907 a 1911. No início dos Anos 1920 atuou como treinador em duas temporadas do futebol alemão, a frente do Nurenberg (1920-21) e do Eintracht Frankfurt (1921-22). Seu maior tempo como treinador de futebol foi na Suíça, onde treinou ao Basel de 1922 a 1924, ao Grasshopper de 1925 a 1934, e ao Young Boys na temporada 1934-35. Em 1937 chegou ao Flamengo, e posteriormente teve uma última experiência como treinador a frente do Botafogo. Dori Kurschner apresentou ao futebol brasileiro o esquema tático "WM", vanguardista no cenário europeu, pois no Brasil ainda predominava a forma bem arcaica do sistema 2-3-5.

Nos primeiros jogos do Campeonato Carioca de 1937 o Flamengo tropeçou algumas vezes seguidas, e isto foi fatal num cenário de campeonato por pontos corridos. Depois o time engrenou e se tornou uma máquina de fazer gols como o futebol brasileiro nunca havia visto até então. Porém, os pontos perdidos nas primeiras rodadas custaram caro, e o time não conseguiu se sagrar Campeão Carioca. Kurschner sofreu uma saraivada de críticas por isso: "Onde já se viu querer ensinar futebol? O talento e a habilidade são inatos do jogador brasileiro". O treinador havia deslocado Fausto dos Santos e Leônidas da Silva, alterando suas posições em campo, e houve muita reclamação por causa disto. Kurschner continuou a frente do time no início do Campeonato Carioca de 1938, mas os próprios jogadores já não o queriam mais. Fora de campo, Flávio Costa, técnico que havia sido deposto para a chegada de Dori Kurschner à posição de treinador, esteve entre os que trabalharam para derrubar o húngaro. Após uma sequência de derrotas, Kurschner foi demitido, e Flávio Costa voltou à posição de técnico do time, posto que seria seu até o final de 1946. Após a saída do húngaro, o time engrenou uma sequência de vitórias, levantando a suspeita de que os jogadores teriam propositalmente o boicitado.

Em 1947, para substituir a Flávio Costa, um pouco antes da chegada do renomado treinador Cândido de Oliveira à Gávea, um outro técnico nascido em Portugal passou à frente do comando técnico do Flamengo: Ernesto Santos foi um zagueiro de carreira mediana no futebol de seu país, tendo vivido seu maior momento nas duas temporadas que atuou com a camisa do Porto (1935-36 e 1936-37). Pouco depois chegou ao Rio de Janeiro, contratado pelo Fluminense para o Campeonato Carioca de 1939. Sem sucesso no tricolor, antes de se aposentar ainda atuou pelo São Cristóvão. Depois de se aposentar, continuou vivendo no Rio. Tentou sem muito sucesso a carreira de técnico, tendo feito campanhas bem ruins a frente do Vasco, no Campeonato Carioca de 1946, e do Flamengo, no Campeonato Carioca de 1947. Sua carreira de técnico não prosperou além disto.

Cândido de Oliveira

Cândido de Oliveira foi jogador de futebol nos tempos do amadorismo, ao mesmo tempo que exercia a profissão de jornalista, tendo sido um dos fundadores do tradicional jornal esportivo "A Bola". Estudioso do campo tático num momento que o futebol começava a amadurecer suas estratégias de jogo, foi o técnico da Seleção de Portugal de 1926 a 1945, tendo tipo seu melhor momento nos Jogos Olímpicos de 1928, quando levou a equipe às quartas de final do principal torneio de futebol a nível mundial daqueles tempos pré-Copa do Mundo. Após deixar a Seleção Portuguesa, foi treinador do Sporting, de Lisboa, na temporada 1945-46. Na temporada 1946-47 mudou de função no clube e se tornou o Supervisor de Futebol. Voltou a ser o treinador nas temporadas 1947-48 e 1948-49. Com ele, o Sporting foi Tri-Campeão Português nas temporadas 1946-47, 1947-48 e 1948-49.

Cândido de Oliveira era um nome renomado no futebol português quando foi trazido ao Brasil pelo Flamengo para ser o técnico do time rubro-negro em 1950. O clube não conquistava o Campeonato Carioca desde 1944, e havia visto o "Expresso da Vitória" - histórico time do Vasco da Gama - dominar o cenário no fim dos Anos 1940. Foi buscar então em Além-Mar a um estrategista português, capaz de dar um diferencial tático e estratégico ao time flamenguista. Chegava ao Brasil como o técnico Bi-Campeão Português.

Foi um retumbante fracasso!

Em seu primeiro jogo a frente do Flamengo, pelo Campeonato Carioca de 1950, o time goleou ao Canto do Rio por 4 x 0. Depois empatou com o América e perdeu para o Vasco. Goleou ao Bonsucesso por 7 x 0, mas na sequência perdeu para Botafogo e Fluminense. Voltou a vencer ao Bonsucesso, mas empatou com o Canto do Rio e perdeu em sequência para Olaria, Vasco e Botafogo. No meio desta sequência, jogou dois amistosos, perdendo para o Grêmio e vencendo ao Tamoio. Seu último jogo foi a derrota para o Botafogo por 4 x 2 em 3 de dezembro de 1950. Ficou 13 jogos a frente do time, entre setembro e dezembro de 1950, tendo conseguido só 4 vitórias, e tido 2 empates e 7 derrotas. Sendo que, dentre estes, foram 11 jogos oficiais pelo Carioca de 1950 (3 vitórias - duas no Bonsucesso e uma no Canto do Rio - 2 empates e 6 derrotas). Um fracasso completo.

Depois de sua passagem pelo Rio de Janeiro, na temporada 1952-53 ainda veio a ser o técnico do Porto (o Sporting foi o campeão da temporada, e o Porto terminou em 4º lugar). Nas temporadas 1956-57 e 1957-58 foi o técnico da Acadêmica de Coimbra (6º lugar e 9º lugar respectivamente). Faleceu naquele ano de 1958 em Estocolmo, na Suécia, durante a Copa do Mundo daquele ano - que seria conquistada pelo Brasil, onde estava trabalhando como comentarista - após sofrer um infarto. Tinha 61 anos quando faleceu.

Sua passagem pelo Flamengo foi sua única experiência profissional fora do futebol de Portugal.



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