Artigo de César Grafietti, publicado sob o título "A liga de clubes e os direitos internacionais", em 20 de junho de 2022 no site InfoMoney. Segue a seguir a íntegra do texto original:
"Nesta coluna, abordarei a negociação de Direitos Internacionais de Transmissão e as famosas Receitas com Marketing das ligas. Há boas notícias, mas segue um alerta: devagar com a expectativa.
Lançamos o Relatório Convocados/XP, que trouxe 229 páginas de dados financeiros, informações de comportamento e interesse dos torcedores e muitos outros elementos sobre a indústria do futebol.
Por se tratar de um relatório denso, nos próximos dias trarei aspectos que entendo merecerem atenção adicional, mas que, inseridos numa quantidade grande de informações, ficam fora da atenção geral.
Normal. Optamos sempre por entregar o máximo de informações e dados, pois eles nos ajudam a contextualizar as avaliações e permitem uma visão ampla sobre o tema.
Nesta coluna, vamos falar sobre um dos aspectos relacionados à Liga de Clubes. Há um capítulo que trata de diversos aspectos desse tema. Hoje, abordarei a negociação de Direitos Internacionais de Transmissão e as famosas Receitas com Marketing das ligas. Há boas notícias, mas segue um alerta: devagar com a expectativa.
Aliás, a palavra “expectativa” tem sido utilizada por mim neste espaço com recorrência, sempre em parceria com “paciência”. Quando alguém pensa em vender soluções mágicas é comum torturar os dados e as expectativas, de forma a fazer as pessoas acreditarem que era fácil solucionar problemas históricos.
O principal conceito por trás da criação de uma liga é o da capacidade de poder desenvolver um produto exclusivo e único a partir da união de competidores: o campeonato. A partir dessa premissa são desenvolvidas estruturas de calendário, construção de marca, organização, de forma que os clubes que fazem parte do produto “campeonato” possam trabalhar suas marcas. Cria-se um ambiente comum para que os indivíduos executem suas estratégias.
Na Inglaterra, o produto é a Premier League. Na Espanha, a La Liga. Na Alemanha, a Bundesliga. E os clubes desenvolvem suas estratégias de marca por disputarem essas competições. Ninguém compra direitos de transmissão do Bayern ou do Manchester United, mas da Bundesliga e da Premier League, de forma que se possa acompanhar nos mesmos dias e horários as partidas do Bayern, do Dortmund, do Eintracht, do Manchester United, do Chelsea, do Liverpool.
A partir daí, os clubes desenvolvem suas estratégias comerciais junto a parceiros em diversos cantos do mundo. E isso é possível à medida em que as competições são negociadas em todos os cantos do mundo. Parece simples – e é simples mesmo. Consequentemente, quem fizer o melhor trabalho comercial e de marca conseguirá mais receitas, fãs, engajamento.
A organização do produto “competição” leva tempo. É preciso pensar na marca, na padronização de estádios, na construção de parcerias comerciais, de transmissão, em um calendário que seja adequado ao torcedor local e ao torcedor de mercados externos relevantes, o que significa avaliar e reconhecer quais mercados são realmente relevantes. São anos de construção até que haja uma consolidação.
Portanto, não dá para vender a ideia de que basta criarmos uma liga de clubes para, no ano seguinte, termos milhões de euros em receitas com direitos internacionais. Isso se explica por alguns motivos: i) concorrência de espaço com outras ligas mais fortes e consolidadas; ii) fuso horário que permita que se alcance público exterior sem criar problemas no calendário local; iii) qualidade de espetáculo quando comparado a outras ligas; iv) atletas que despertem interesse, entre outras.
Você já leu neste espaço que para acessar mercados internacionais é preciso entregar um produto organizado e, necessariamente, de qualidade. Boas partidas, com movimentação, intensidade, poucas paralizações e tudo mais funcionando. Boa embalagem com produto ruim significa venda única.
Pois bem, vamos olhar como foi o comportamento histórico das receitas com negociação de direitos de transmissão internacionais na Premier League.
Note que o primeiro ano em que houve negociação de direitos internacionais isolada foi em 2001, quase dez anos após o início da liga. E o primeiro salto relevante foi em 2008, quando os valores obtidos no exterior passaram a representar 24% do total de Direitos de Transmissão.
A partir de 2011 – quase 20 anos após seu início – é que a Premier League passou a obter valores altamente impactantes com direitos internacionais.
Mas falar da Premier League e usá-la como referência é bacana, fácil e todo mundo entende. E todo mundo acredita que é fácil. Afinal, alguém já fez. Vamos então analisar o comportamento da representatividade dos direitos internacionais nas cinco maiores ligas europeias ao longo dos últimos anos.
Antecipo que nos percentuais da Premier League há pequenas divergências porque, no gráfico anterior, os dados são líquidos e obtidos dos balanços da liga, enquanto a Uefa usa o número bruto.
Veja que, além da Premier League, a La Liga faz um excelente trabalho de captura de receitas com direitos internacionais, proporcionalmente comparável à liga inglesa. Fruto da construção de uma competição que tem Real Madrid, Barcelona e mais clubes que conseguem bons desempenhos nas competições continentais.
Mas compare as duas principais às outras três. Nos melhores momentos, essas ligas não ultrapassaram 26% do total vindo dos direitos internacionais, a ponto de a Ligue 1 francesa, terra do PSG de Neymar, Messi e Mbappé conseguir apenas 12% do total a partir da audiência estrangeira.
Tem sido um desafio constante para Bundesliga, Serie A e Ligue 1 conseguirem vender suas competições nos demais países europeus, nos EUA e na Ásia por valores maiores. Não é simples, como já falamos.
Falta competitividade, clubes com marcas fortes, atletas renomados e grade televisiva para todo mundo. No final, mesmo com guerra por conteúdo, há uma relação de custo/benefício que precisa ser avaliada.
Alguém imagina, seriamente, que o Brasileirão será um sucesso de negociações internacionais rapidamente? Uma coisa é a possibilidade de passarmos a fazer dinheiro com isso, que é real. Hoje, não fazemos nada e estamos numa fase de apresentação do nosso futebol no exterior. Normal, correta, degustação que atrairá interessados no futuro. Entretanto, isso demandará alguns anos até que tenhamos valores relevantes, desde que possamos construir uma estrutura de produto eficiente e sólida.
Receita com Marketing
Outro aspecto que fomos avaliar é o das Receitas com Marketing obtidas pelas ligas. Há muita expectativa nesse sentido. Fomos novamente atrás dos números da Premier League. Vejamos:
A liga inglesa fatura £ 100 milhões anuais, em média. Em 2021, esse número chegou a £ 140 milhões, o que representou 4% das receitas totais da Premier League. Sabe o que isso significa? Que este valor cobre parte dos custos fixos da liga, e só.
Quando falarem em receitas de Marketing na liga, é preciso entender que elas são fundamentais para que o produto seja criado, com parcerias estruturais, que garantem homogeneidade de imagem e construção de solidez do produto. Elas farão com que os clubes possam desenvolver suas ações individuais a partir de uma estrutura que é semelhante para todos. E só.
Hoje, já temos a bola, o cronômetro, os naming rights, o uniforme dos árbitros, as placas. Isso seria vertido para que a liga pagasse seus custos de marketing e divulgação do produto, e não para repassar aos clubes.
Portanto, quando falamos em expectativa justa e paciência na construção do produto, temos dois exemplos. Não haverá números multiplicados por “n” vezes e isso não ocorrerá assim que a liga for constituída. Trata-se de uma construção, com crescimento lento e real. Precisamos começar a destravar essas receitas. Por isso, precisamos pensar de maneira estrutural na constituição de uma liga que permita essas ações. Estamos pensando nos percentuais de distribuição do dinheiro, mas antes precisamos pensar no produto que seja capaz de gerá-lo. Reside aí nosso problema no momento.
Autor: César Grafietti
Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real.
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