segunda-feira, 26 de março de 2012

Maiores Jogos da História do Flamengo: 13/12/1981 - Flamengo 3 x 0 Liverpool




Jogos Inesquecíveis: 
13/12/1981 - Flamengo 3 x 0 Liverpool

"o rubro-negro chegou ao Japão, vestido de humildes chuteiras com trava de borracha frente às poderosas e mais caras chuteiras de trava de metal dos ingleses do Liverpool, que entrou em campo cheio de empáfia. Os sorrisos irônicos de seus jogadores, destes que fogem pelos cantos da boca, mexeram com os brios rubro-negros. Aos treze minutos do primeiro tempo, Nunes aproveitou lançamento de Zico para fazer 1 a 0, transformando os sorrisos irônicos em olhares preocupados. Aos 36 minutos, Adílio fez 2 a 0. Aos 42, Nunes, de novo, sacramentou o 3 a 0. Os times desceram para o intervalo já com a conquista explicitada. E poderia ter sido de mais, se o Flamengo não houvesse passado o segundo tempo administrando o resultado, esperando o tempo correr, diante de um Liverpool que ainda não conseguia entender muito bem o que se passava, cuja empáfia se transformara em abatimento e desorientação. Mengão campeão do mundo! Coisa que, até então, só o Santos de Pelé havia logrado entre as equipes brasileiras". (A NAÇÃO, pg. 131)




Ficha Técnica do Jogo:

13/12/1981 - Flamengo 3 x 0 Liverpool (Inglaterra)
Local: Estádio Nacional de Tóquio, Japão (Público: 62.000 espectadores (estimado))
Gols: Nunes (13'1T), Adílio (34'1T) e Nunes (41'1T)
Flamengo: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico.
Téc: Paulo César Carpeggiani
Liverpool: Bruce Grobbelaar, Phil Neal, Ray Kennedy, Mark Lawrenson e Phil Thompson; Alan Hansen, Kenny Dalglish e Sammy Lee; Craig Johnston, Graeme Souness e Terry McDermott (David Johnson).
Téc: Bob Paisley




A História do Jogo

O planejamento para a decisão do torneio intercontinental teve o cuidado condizente com a importância da disputa: viagem na segunda-feira até Los Angeles, permanência nos Estados Unidos até quinta-feira, com fuso horário de cinco horas para diminuir o efeito das doze horas de diferença para o Japão. A delegação partiu sem Adílio, que havia se casado naquela segunda-feira e só partiu do Rio de Janeiro na quarta, tendo na quinta-feira se juntado ao grupo e rumado junto a toda a delegação para Tóquio. A pedido dos jogadores, Anselmo seguiu com a equipe, mesmo estando suspenso pelo cartão vermelho recebido na final da Libertadores diante do Cobreloa, em Montevidéu. Assim como seguiram também as esposas e familiares dos atletas junto à delegação. A intenção era relaxar um grupo desgastado com tantas decisões. Para o time que se acostumou a entrar em campo praticamente a cada três dias, a preparação de uma semana podia ser mais tranquila. Na quarta-feira, para relaxar, acompanhado dos familiares, o grupo fez um passeio pela Disneylandia.

Como sempre foi comum, desde sempre, as equipes sul-americanas davam maior importância ao confronto do que as europeias. Carpegiani havia visto jogos do Liverpool contra o Real Madrid e o Nottingham Forest, tendo tido o auxílio do observador Jairo dos Santos, que entregou as fitas com as gravações destas duas partidas, além de um vasto material entregue ao treinador rubro-negro com anotações feitas após Jairo fazer observações in loco em solo europeu, nas quais destacou a Clemence, Thompson, Watson, Neil e Dalglish. No detalhamento tático: "Eles jogam num 4-4-2 com falsos pontas. O Souness, que atua pelo lado esquerdo, é o cérebro do time. Atacaremos sempre em duplas e, no meio-campo, vamos revezar-nos para tentar confundir o tipo de marcação deles, que é individual". O escocês Souness, no entanto, no Liverpool e na Seleção Escocesa, era um típico meia central britânico, combatendo e atacando. E o "four four two" não se baseava na marcação homem a homem, que só persistia na Itália naquele momento na Europa.

Mas Zico garante que os relatórios de Jairo dos Santos deram maior segurança ao time: "Sabíamos muita coisa deles. E eles, pelo visto, não tinham a menor ideia de como jogávamos. Melhor para nós". Júnior também lembrava da vitória da Seleção Brasileira por 1 a 0 sobre a Inglaterra no Estádio de Wembley, em Londres, com gol de Zico, em maio daquele ano: "São jogadores experientes e com vários jogos pela Seleção Inglesa. Tanto o goleiro Ray Clemence, quanto o lateral Neil e o zagueiro Watson, todos mostraram qualidades naquela partida".

O time estava desgastado. O goleiro Raul vinha sofrendo com dores no nervo ciático e Andrade sentia a virilha. O estado atlético de Adílio também preocupava. Sem contar a previsão de dez graus na capital japonesa para o dia do jogo. A partida se iniciaria à meia-noite de sábado para domingo no horário de Brasília. O domingo começaria atípico no Rio de Janeiro, e estava prestes a se tornar histórico e inesquecível dali em breve.

Em 13 de dezembro, Flamengo e Liverpool entraram em campo no Estádio Nacional de Tóquio, como previsto, a 10 graus nos termômetros. Fazia um sol de inverno maravilhoso no Estádio Nacional para a decisão da Copa Intercontinental, popularmente chamada no Brasil como Mundial Interclubes. Era a segunda edição da Copa Toyota, bancada pela montadora automotiva japonesa dede 1980, acabando com as rusgas, brigas, baixarias e desistências nas disputas entre sul-americanos e europeus realizadas até 1979 num modelo de "ida e volta", com uma partida na América do Sul e outra na Europa. A partir de 1980, era um jogo único, disputado em Tóquio, no Japão, com o propósito de expandir o mercado futebolístico naquela que era a segunda maior economia do mundo naquele momento, atrás apenas dos Estados Unidos, e buscando também expandir a publicidade em toda a Ásia, já de olho no potencial mercado da China, àquela altura ainda muito fechado, totalmente sob o controle de seu regime socialista.

O Flamengo entrou em campo com a formação clássica que ficou eternizada e cantada em prosa e verso por todo rubro-negro, assim como por muitos amantes do bom futebol apaixonados por outras agremiações também, ainda que esta escalação clássica - Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico - só tenha iniciado quatro partidas pelo Flamengo, esta e apenas outras três mais.

Com a camisa 10, o craque do Mundial, da Libertadores, do Carioca, da Gávea, de Quintino, o "Rei Arthur". Raul estava na meta com a camisa 1, dando os toques e defesas de experiência. Pelas laterais, quase pontas, Leandro e Júnior, o fino da bola rubro-negra, os titulares da Seleção Brasileira dali a alguns meses depois na Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Pelas palavras de Pelé, o lateral-esquerdo Júnior havia sido o melhor jogador no Brasil naquele ano de 1981 até ali: "Ofensivamente se equivale a Nilton Santos, embora seja menos eficiente na marcação". Mas "o Capacete" chegava baleado a Tóquio, como ele mesmo afirmou: "Cheguei com o joelho esquerdo bem prejudicado por uma tendinite. Levei uma pancada do Amauri, do Vasco, mas já vinha com problemas. Na época começava a se falar de acupuntura. Um amigo nosso arrumou um cara, mas que só podia à meia-noite. Ele fez o trabalho, enfiou uma agulha grande no meu joelho e melhorou bastante. Disse que eu podia jogar, deixando claro que no final eu sentiria o desgaste. Comecei o jogo sem aquela sensação incômoda de antes e, como ele disse, fui bem até os 25 do segundo tempo. Com o jogo decidido, ficou mais fácil administrar".

Na dupla de zaga, o time tinha a velocidade de Marinho e a "categoria de veterano" do jovem Mozer. Na cabeça da área, protegendo mais à esquerda o avanço de Júnior, o volante Andrade, que desarmava e armava junto com o meia Adílio, que se mexia por todo o campo, ainda que com funções mais defensivas dentro da dinâmica natural da equipe. Na linha de frente, um toque de classe e de felicidade tática: Tita começava o jogo pela meia direita e Lico aberto pela esquerda, com Zico fazendo tudo mais centralizado, e mais à frente o centroavante Nunes, o artilheiro das decisões. Junto a eles, estava presente também o 12º jogador: o estádio rápido se bandeou para os sons dos tambores e os acordes animados da Charanga Rubro-Negra do Flamengo.

O time, de uniforme branco, entrou em campo com as mangas compridas por causa do frio. O Liverpool, mais acostumado à temperatura, e menos desgastado por estar no meio da temporada, chegou ao Japão um dia antes que a delegação rubro-negra, que vinha exausta por uma maratona de decisões. Desde outubro, quando havia vencido ao Deportivo Cali, o Flamengo havia atuado 20 vezes, tendo Zico estado presente em 19 destes jogos, além de mais um pela Seleção Brasileira.

Para o 21º jogo em 79 dias (a 78ª partida rubro-negra em 1981), o Flamengo precisava manter o pique dos sete jogos imediatamente anteriores (seis dos quais valendo título). Era preciso psicologicamente esquecer o estresse e o desgaste. E a confiança era total: "Um time que está ganhando tudo, consegue jogar até mais do que 90 minutos", avaliava o preparador físico José Roberto Francalacci, fundamental para aquela conquista.

Os jogadores complementavam esta percepção. Nas palavras de Andrade: "A gente tinha prazer em jogar futebol. E como era só descansar e jogar, e nós adorávamos. O Francallaci dava o famoso ‘pijama training’, a gente entrava em campo e rendia, porque ficava com a bola o tempo todo e cansava menos. E também tínhamos a motivação das vitórias e dos títulos". Júnior complementava: "Não tinha cansaço. Quando você joga e ganha, quer jogar todo dia. Tomar porrada todo dia é que cansa para caramba! Esse pique ganhava jogos". E Lico fechava esta lógica: "Aquele Flamengo botou o Liverpool na roda porque sentia prazer de jogar. Era tão gostoso treinar e jogar um com outro que ninguém queria descanso. Aquele Flamengo botou o Liverpool na roda porque fizesse chuva ou sol, fosse jogo ou treinamento, sentia prazer de estar em campo".

O Liverpool havia desistido de disputar duas edições anteriores do torneio em seus moldes de "ida e volta", mas credenciado por três títulos europeus em cinco anos, entrava em campo com pinta de favorito. O mítico treinador Bob Paisley, ex-zagueiro e preparador físico do clube, foi o técnico do Liverpool de 1974 a 1983. Ganhou seis títulos nacionais, três Copas da Liga Inglesa, uma Copa da UEFA, uma Supercopa da Europa, e três Ligas dos Campeões da UEFA (o bicampeonato de 1977 e 1978, e o título de 1981). Entre 1975 e 1986, o Liverpool reinou absoluto na Inglaterra, tendo sido 8 vezes campeão inglês em 11 edições disputadas. Bob Paisley fazia o futebol simples, direto como seu humor. Definia que o Liverpool era um time compacto, que não se perdia e, por tabela, ganhava. Em suas próprias palavras: "Quando as coisas não vão bem, quando parecemos perdidos na neblina, o melhor a fazer é manter o grupo unido, próximo um do outro. Desse modo a gente não fica perdido. É o nosso segredo".

Quase todo o time de vermelho do Liverpool estava em campo usando mangas curtas. O árbitro mexicano Rubio Vásquez, ao meio-dia no horário de Tóquio, dia 13, e à meia-noite do horário brasileiro, que não tinha horário de verão, autorizou e a bola rolou. A transmissão para o Brasil era feita pela TV Globo, com narração do jovem Galvão Bueno. Foi o artilheiro das decisões, Nunes, quem deu a saída para o gol à direita das cabines de TV.

Era preciso marcar terreno e apresentar a carta de intenções. No primeiro minuto Zico, de costas para o ídolo do Liverpool, o meia-atacante escocês Kenny Dalglish, deu um balãozinho no camisa sete dos Reds. A senha estava dada. A sanha pelo gol e pelo espetáculo começava. Mais um minuto e Zico limpava três adversários no meio-campo e iniciava um contra-ataque. Constantemente o camisa 10 da Gávea procurava o jogo com Tita, aberto pela direita, para explorar a fragilidade e a lentidão do lateral-esquerdo irlandês Lawrenson, então substituto do lateral Alan Kennedy, que estava na reserva, tendo ele sido o autor do gol que definiu o título europeu, em 27 de maio, no Parque dos Príncipes, em Paris. Naquele dia, eram 37 minutos quando Kennedy bateu um lateral e o zagueiro Sabido, do Real Madrid, atrapalhou-se com a bola. Kennedy roubou, avançou pela área e bateu forte. O jogo amarrado e de pouca técnica entre Liverpool e Real Madrid, foi decidido numa infelicidade de um jogador merengue, e num raríssimo ataque de Alan Kennedy. Festa em Paris ao som da clássica canção "You'll Never Walk Alone".

Oito titulares daquela final da Liga dos Campeões da Europa estavam no time que entrou para enfrentar ao Flamengo no Japão. Fora Alan Kennedy, mais duas trocas: na meta o titular em Tóquio foi o sul-africano Grobbelaar, um bom goleiro que obrigara o ídolo Ray Clemence a trocar onze anos de Liverpool pelo Tottenham. No ataque, David Johnson, o atacante mais à esquerda no 4-3-3 montado para vencer ao Real Madrid, foi substituído por Craig Johnston, mais um meia-atacante que um homem de frente, um australiano nascido na África do Sul.

O 4-3-3 que variava para um 4-4-2 armado por Paisley no Japão deixava clara a intenção do treinador: esperar o Flamengo e especular por contra-ataques, confiando na boa fase no apoio do bom lateral-direito da Seleção da Inglaterra Neal. Para conter o ataque rubro-negro, havia a solidez pelo alto dos entrosados zagueiros Thompson e Hansen, e a boa capacidade de marcação pela esquerda de Lawrenson. No meio, o melhor do Liverpool: McDermott, Souness e Ray Kennedy faziam de tudo um pouco. E muito bem. Marcavam como se fossem volantes, e sabiam organizar como meio-campistas de área a área. Era difícil precisar a posição real deles, pois se movimentavam e finalizavam com qualidade, dando suporte aos homens de frente Lee e Johnston. Lee fechava à esquerda, com McDermott mais aberto à direita para travar Júnior. Eventualmente, Lee caía pela direita, com Dalglish ou Johnson abrindo pela esquerda.

Logo no início, o Flamengo assumiu um maior controle das trocas de passe. A principal frente de ataque rubro-negra era pelo lado direito. Adílio chegava mais por este lado, e logo aos cinco minutos tentou o seu gol, de canhota. O Flamengo procurava mais o gol, movia-se mais em campo, e voltava todo sem a bola, compactando-se e não deixando espaço para o Liverpool. Na avaliação de Andrade: "estávamos muito bem posicionados e resolvemos tudo no contra-ataque, com bolas longas para o Nunes". E Carpegiani endossava: "Eu era um treinador jovem, ainda garoto e sem experiência. Mas desde então já treinava muito duas situações. Uma era simples: o "overlapping" aprendido com o Cláudio Coutinho. Tínhamos muitas jogadas pelos flancos. E naquele Flamengo, era melhor atuar com Tita e Lico, que faziam múltiplas funções. A outra situação que eu trabalhava muito era a compactação. É muito difícil você acertar isso numa equipe. Sem a bola, todos atrás dela. Não é fácil recompor rapidamente. Trabalhamos muito nisso. Não admito que os zagueiros rivais tenham liberdade para sair jogando. Insistia muito com o Nunes. Até que acertamos e dávamos pouco espaço para os adversários saírem jogando. O Nunes forçava os zagueiros a lateralizarem o jogo. Desse modo, fazíamos o "pressing", a pressão na saída deles. Deu muito certo".

Aos 11 minutos, parecia que Nunes teria de recuar um pouco mais. Os passes começavam a sair errados. Até Zico receber no grande círculo e girar rápido para o camisa 9. O zagueiro Thompson interceptou o lance, além da intermediária. Desta vez, não deu certo, mas um minuto e cinquenta segundos depois, a história seria outra. O relógio na televisão assinalava 12 minutos e 25 segundos. Desta vez, Zico dominou e lançou às costas descobertas de Thompson. A bola foi para Nunes, pela esquerda. Ele tocou de calcanhar para Mozer achar Zico, e o craque encontrou o camisa 9, fazendo um lançamento por cima da defesa. Thompson subiu e não achou a bola, que deslizou pelo gramado limpa para Nunes avançar e, na saída de Grobbelaar, dar um toque de pé direito, cruzado, para morrer na meta da trave branca com a sombra preta retangular projetada no gramado: Mengão 1 a 0!

Aos 17 minutos, Nunes buscou um lindo lance pela direita, levando dois do Liverpool e, de vez, a torcida japonesa que ainda estivesse neutra. O jogo ainda não estava ganho, mas o estádio já estava. Até as placas de publicidade, com anúncios da companhia aérea Varig e dos violões Di Giorgio, eram mais brasileiras do que inglesas. No relato de Júnior: "Ainda em Los Angeles nos reunimos para planejar o melhor jeito de ganhar a torcida japonesa. Chegamos à conclusão rapidamente: era só jogar bem como fazíamos".

O Liverpool tentou atacar, explorando as costas de Júnior, encostando Dalglish no atacante pela direita Lee, para explorarem aquele espaço. Porém, Andrade estava muito bem na cobertura e o garoto Mozer estava limpando a área com notável velocidade, qualidade e tarimba.

Aos 20, Leandro desarmou um ataque dentro da pequena área e saiu jogando, sem chutão, a bola chegou a Júnior, que saiu driblando com a bola na entrada da área. Soberba? Arrogância? Talvez uma auto-suficiência além do recomendado. Mas se havia um time que sabia e podia sair jogando em qualquer lugar era aquele Flamengo. Pouco depois, Neal avançou pelo setor e cruzou para Johnston dominar entre Leandro, Marinho, Lico e Mozer e mandar à direita de Raul. Era o primeiro lance perigoso dos ingleses.

Mas a consciência tática rubro-negra era louvável. Nunes, aos 29, fez a cobertura de Júnior e salvou um perigoso contra-ataque inglês. Lico, como sempre, corria por todos. Zico e Adílio tentavam tocar a bola e tirar a velocidade da partida. Aos 31 minutos, Tita bateu da direita uma bola no bico da grande área, na esquerda, para Júnior emendar um sem-pulo espetacular de direita, que passou perto da trave inglesa. O estádio aplaudiu. O Flamengo voltava ao ataque e ao jogo.

Dois minutos depois, Zico lançou Tita, que entrou em diagonal e ganhou de presente uma violenta entrada de McDermott no tornozelo. Falta para cartão amarelo não mostrado. Falta desnecessária, até porque Tita já havia devolvido a bola a Zico. Não havia justificativa. Os ingleses sabiam que os brasileiros batiam faltas de forma diferenciada. McDermott e Neal tinham feito parte do "English Team" derrotado pela Seleção Brasileira de Telê Santana em maio daquele ano em Wembley. A primeira derrota da Inglaterra em casa para um rival sul-americano na história, e com um golaço de falta marcado por Zico.

Mas a falta era distante. O relógio da TV indicava 33 minutos e 51 segundos. Zico ajeitou a bola na meia direita. Apenas quatro jogadores faziam a barreira inglesa. Grobbelaar deixava a visão livre. Mas o ângulo, também. Nunes fazia o quinto homem da barreira, na frente do goleiro. Era a mira do Galinho. Zico bateu forte. Para fazer o gol. Ou para a bola quicar na frente de Grobbelaar. O goleiro não conseguiu segurar o chute que explodiu no peito. A bola sobrou na esquerda do ataque. Lico e Adílio acreditaram no rebote. Thompson e Hansen formaram a tropa de choque inglesa. Lico chegou antes e bateu para o gol. Grobbelaar, desta vez, foi bem. Mas, no novo rebote, no bico da pequena área, Adílio esticou o pé direito. A bola bateu no corpo de Thompson e na rede lateral da meta do Liverpool: Mengão 2 a 0! Adílio saiu para o abraço, mandando beijos para a mulher Rose, com quem havia recém se casado, e estava presente nas arquibancadas do estádio.

O Liverpool sentiu o golpe. Aos 35, Zico e Tita fizeram lindo lance pela direita, até o camisa 7 isolar a bola. Nem o bom lance de McDermott pela direita, que exigiu uma boa defesa de Raul, perturbou a festa rubro-negra. A jogada havia nascido de uma tirada de calcanhar de Andrade. Logo depois, um lençol de Mozer dentro da área, que daria num passe errado e num lance perigoso. Aos 38 minutos, Zicos deu um chapéu em Neal, na intermediária, e iniciou um contra-ataque. Era um show de bola dado pelo time do Flamengo.

O relógio marcava 40 minutos e 47 segundos quando Adílio carregou pela direita e achou Zico na intermediária cercado por cinco rivais. Zico recebeu atrás dos volantes e lançou às costas do lateral Lawrenson. Não era Tita quem estava por ali, como geralmente estaria, mas Nunes. Ele passou por Lawrenson e pelo zagueiro Hansen e bateu cruzado na saída de Grobbelaar: Mengão 3 a 0! Com mais de 45 minutos de antecipação, a maior vitória da história da Toyota Cup já podia ser decretada, o mundo tinha um novo campeão mundial de clubes.

Zico e Tita faziam solos de futebol, driblando rivais e fazendo o tempo passar rápido como a bola que jogavam. Bob Paisley tentou jogar o time ao ataque. Aos 7 minutos do 2º tempo, tirou o nervoso McDermott e escalou mais um homem de área, Johnson, recuando um pouco Johnston. Mas o Flamengo seguia fazendo bonito. Aos 9 minutos, Júnior escapou pela esquerda como se fosse um ponta, passou por dois e recuou para o volante Andrade chegar como se fosse um meia e emendar com a parte externa do pé direito, cheia de efeito, para Grobbelaar fazer difícil defesa para escanteio. Quase o quarto!

"Em condições físicas ideais, o Flamengo não perde para time algum do mundo". A previsão de João Saldanha alguns dias antes nas páginas do Jornal do Brasil estava sendo provada. Porém, aos 15 minutos, Johnson só não fez o gol de honra porque o veterano goleiro Raul não deixou. Mas um minuto depois, materializou-se uma nova obra de arte rubro-negra. Raul bateu um tiro de meta de canhota buscando Tita na intermediária, junto à lateral direita. Ele tocou para Zico arrancar por dentro e rolar para Lico, no comando de ataque. O camisa 11 serviu de calcanhar para Adílio lançar de primeira a Júnior, chegando pela ponta esquerda. O camisa 5 cortou por dentro um adversário e rolou para Adílio para bater cruzado de canhota. Foram 15 segundos desde o tiro de meta de Raul, um lance que valeu pelos regulamentares 45 minutos finais, jogados apenas para o estádio aplaudir aquela jogada que melhor define o Flamengo. Um time de troca de bolas e de funções com a naturalidade dos gigantes que se sabem grandes.

Aos 26 minutos, Zico, de calcanhar, iniciou mais um sensacional ataque para Adílio e deste para Nunes, que só não ampliou pela bela defesa do goleiro rival. O jogo era mais aberto. Mozer fechava tudo atrás. Aos 36 minutos, ele saiu jogando dentro da área depois de desarmar um rival matando a bola no peito. O Flamengo mandava em campo e sobrava. Mas o grito de "é campeão", no entanto, só tomou conta do estádio de Tóquio a partir dos 42 minutos, quando a equipe assumiu de vez o espetáculo e começou a fazer lances de efeito.

Aos 46 minutos e 23 segundos, Ray Kenneddy passou a bola às mãos do árbitro mexicano, que terminou o espetáculo. Braços erguidos do mexicano, rubro-negros alçados pelo Brasil e pelo mundo que agora, definitivamente, era Flamengo. Um lance inesquecível para a memória dos rubro-negros para sempre! Em 21 dias, o Flamengo ganhava seu terceiro título seguido: Campeão da Libertadores sobre o Cobreloa, Campeão Carioca sobre o Vasco, e Campeão Mundial sobre o Liverpool.


Os jogadores correram para o lado esquerdo do campo onde marcaram os três gols. Lá estavam muitas bandeiras rubro-negras e duas brasileiras. Rapidamente tiveram de voltar para o centro do gramado, para a solenidade protocolar, em pontualidade japonesa. No centro do gramado, o capitão Zico recebeu e levantou a Taça Intercontinental. Olhou para cima, sorriu e a ergueu. Deu a Raul que a beijou. Mozer e Leandro fizeram o mesmo. Depois Zico levantou a Copa Toyota. Os campeões receberam as medalhas dos organizadores, que colocavam os objetos dourados nas mãos dos atletas, que então as colocavam sobre o peito. Na sequência, a entrega dos prêmios para os melhores jogadores em campo: dois carros, um Toyota Celica vermelho e um Toyota Carina branco. Os jogadores tinham decidido que, se algum deles ganhasse os carros, pediria o valor correspondente e o dinheiro seria dividido entre todos. Como o interesse da montadora era ter os carros circulando pelo Rio de Janeiro, foram entregues com todas as despesas de frete e taxas alfandegárias pagas pela Toyota. Zico e Nunes foram os premiados e se dispuseram a ficar com eles, doando o dinheiro para ser rateado entre os outros jogadores. O de Zico valia quase um milhão de cruzeiros. Ele recebeu o chavão simbólico e cumprimentou todos os que o ajudaram a ser o maior em campo.

A volta olímpica foi ao som da Charanga Rubro-Negra e do samba brasileiro. Bob Paisley definiu melhor o que aconteceu em campo: "Enquanto um jogador nosso precisava tocar na bola três vezes para iniciar uma jogada, eles tocaram de primeira. Assim fica muito difícil a marcação. Meu time parecia morto, física e psicologicamente. Não tenho desculpa nenhuma para apresentar". Do outro lado, a análise de João Saldanha: "Imaginei que o Flamengo estava no bagaço, mas o entendimento e conjunto do time, a solidariedade dos jogadores entre si, e a calma da direção, fizeram o Flamengo superar tudo isto e conquistar este título inédito, de campeão em três frentes simultâneas. É uma honra do futebol brasileiro que os clubismos e regionalismos mesquinhos não podem empanar o brilho". E a análise de Júnior, feita muitos anos depois, fechava a descrição do que havia sido aquele jogo: "Aquele primeiro tempo contra o Liverpool foi acima da média. Eles não conheciam a gente. Na hora achei que eles tinham nos menosprezado antes da partida, mas depois que eu fui para a Europa entendi que aquela era a postura deles mesmo. Imagine na cabeça deles ver o adversário de agasalho tocando samba antes de um jogo importante! Eles passaram rindo. E na hora serviu como um gancho para a gente crescer. A gente sabia como eles jogavam. O Zico ficou às costas da linha de quatro no meio só lançando bolas para o Nunes nas diagonais". O Flamengo era Campeão do Mundo de Futebol!


















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