Resgatando mais um grande texto de Emmanuel do Valle no blog Flamengo Alternativo...
O time que entrou em campo na partida decisiva do Torneio Octogonal Internacional de Verão de 1961. Em pé: Joubert, Bolero, Ari, Carlinhos, Nelinho e Jordan. Agachados: Othon, Moacir, Henrique, Gerson e Babá.
Em 25 de janeiro, o Flamengo conquistou um torneio de verão: o Torneio Octogonal Internacional de Verão, disputado no Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires e Montevidéu.
O Flamengo era treinado pelo “Feiticeiro” Fleitas Solich, que seguia sua tradição de trabalhar com jogadores jovens, revelando novos craques, mas o time não vinha lá muito empolgante, terminara o recém-encerrado Campeonato Carioca na quarta colocação, atrás do campeão America e de Fluminense (vice) e Botafogo.
A disputa do Octogonal – que contaria ainda com o Vasco (um dos organizadores), os paulistas Corinthians e São Paulo, os argentinos River Plate e Boca Juniors e os uruguaios Nacional e Cerro – serviria como oportunidade de afirmação para vários jovens, como Carlinhos, Gérson e Germano, além dos experientes Joubert, Jordan e Henrique e de Moacir e Dida, campeões mundiais com o Brasil na Suécia, dois anos e meio antes.
Contaremos aqui, jogo a jogo, a história desta importante conquista.
1º jogo – CORINTHIANS 1×2 FLAMENGO – Pacaembu, 4 de janeiro
time do Flamengo: Ari; Joubert, Bolero, Jadir e Jordan; Carlinhos e Gerson; Luís Carlos, Henrique, Dida (Moacir) e Babá.
O Flamengo fez sua estreia no torneio em São Paulo diante do Corinthians do goleiro Gilmar, de Oreco e do futuro ídolo rubro-negro Almir Pernambuquinho. E largou na frente quando Dida, ainda com segundos de jogo no primeiro tempo, arriscou um chute forte da intermediária que o arqueiro da Seleção campeã do mundo aceitou.
Na etapa final, o time paulista chegou ao empate logo aos sete minutos com gol de Lanzoninho, em falha do goleiro rubro-negro Ari. Mas cinco minutos depois, o Flamengo garantiu a vitória após um contra-ataque: Henrique cruzou da direita, Gerson deixou a bola passar até Moacir, que bateu forte e fechou o placar.
De fato, o torneio não poderia ter começado melhor para o Fla: com a vitória fora de casa e os empates nos outros três jogos da rodada, o time saía na liderança da competição.
outros jogos da rodada: Nacional 0x0 Boca, River Plate 1×1 Cerro, Vasco 2×2 São Paulo.
2º jogo – FLAMENGO 3×2 SÃO PAULO – Maracanã, 7 de janeiro
time do Flamengo: Ari; Joubert, Bolero, Jadir (Nelinho) e Jordan; Carlinhos e Gerson; Luís Carlos (Moacir), Henrique, Dida e Babá.
Depois do Corinthians, era a vez de enfrentar o outro paulista, o São Paulo de Poy, De Sordi, Dino Sani e Gino. A partida foi movimentada, com péssima arbitragem do uruguaio Esteban Marino. O time paulista saiu na frente aos oito minutos, quando o rápido meia Paulo recebeu de Gino, livrou-se de Jadir e Jordan e bateu rasteiro vencendo Ari. A partir daí o Flamengo começou a bombardear o gol de Poy, sem sucesso. Até que, aos 40 minutos, Henrique passou a Dida, que esticou a Babá, na esquerda. O ponteiro bateu cruzado, enfim superando o arqueiro são-paulino, e o primeiro tempo terminou 1×1.
Na etapa final, o Flamengo passou à frente aos 11 minutos, quando Gerson entregou a Dida que, de costas para o gol, girou e fuzilou de primeira, sem deixar cair. Um golaço. Só que quatro minutos depois, Esteban Marino começou a inventar. Primeiro viu pênalti numa disputa de bola pelo alto entre o zagueiro rubro-negro Nelinho e Paulo, após a qual o jogador paulista caiu na área. Dino Sani bateu e converteu. Aos 22, Dida tabelou com Henrique e foi derrubado por Geraldo na área, mas o árbitro mandou o lance seguir. E aos 37, Moacir levantou a bola para a área e o mesmo Geraldo cortou o cruzamento com a mão. Em vez de marcar pênalti, Marino apontou falta fora da área, praticamente em cima da linha.
Dois minutos mais tarde, nem Esteban Marino nem Poy puderam fazer nada para evitar o gol da vitória rubro-negra, quando Babá recebeu a bola após um bate-e-rebate na área adversária e bateu cruzado para fechar o placar em 3×2. Com duas vitórias em dois jogos, o Fla era o líder isolado do Octogonal.
outros jogos da rodada: Boca 3×0 Cerro, Nacional 0x3 River Plate, Corinthians 2×1 Vasco.
Flamengo x São Paulo
3º jogo – VASCO 1×0 FLAMENGO – Maracanã, 10 de janeiro
time do Flamengo: Ari; Santana, Bolero, Nelinho e Jordan; Carlinhos e Gerson (Germano); Luís Carlos (Moacir), Henrique, Dida e Babá.
Apesar da boa colocação na tabela após a vitória sobre o São Paulo, a batalha tinha deixado baixas: Jadir rompera o ligamento lateral interno do joelho esquerdo ainda no primeiro tempo e ficaria mais de um mês de fora do time. Joubert, com entorse no tornozelo direito, também era desfalque certo para o clássico diante do Vasco.
E foi num momento de indecisão da improvisada defesa rubro-negra que o atacante cruzmaltino Azumir (emprestado pelo Madureira) marcou o único gol do jogo, de cabeça, aos 39 minutos do primeiro tempo. O Flamengo dominou todo o restante da partida e perdeu várias chances, mesmo com as dificuldades criadas por um Vasco totalmente retrancado, às vezes chegando a ter dez jogadores no campo de defesa.
Com o resultado, o Fla perdia sua primeira partida no torneio, e Dida também lamentava o fim de sua invencibilidade particular diante do Vasco: nunca antes tinha perdido para o rival desde que chegara aos aspirantes do Flamengo, há quase dez anos. Além disso, agora o Rubro-Negro tinha companhia na liderança do torneio: Corinthians, Boca Juniors e River Plate também somavam quatro pontos.
outros jogos da rodada: River Plate 1×1 Boca, Corinthians 2×1 São Paulo, Cerro 1×0 Nacional.
4º jogo – RIVER PLATE 0x1 FLAMENGO – Monumental de Núñez, 14 de janeiro
time do Flamengo: Ari (Fernando); Joubert, Bolero, Nelinho e Jordan; Carlinhos e Moacir; Luís Carlos (Othon), Henrique, Gerson e Babá.
Encerrada a fase nacional dos jogos, o Flamengo embarcou para Buenos Aires. Na cidade portenha, a delegação recebeu a visita de Mario Giglioti, secretário da federação argentina e associado do San Lorenzo, que tinha como objetivo tentar a contratação do técnico Fleitas Solich, sem sucesso.
A rodada do Octogonal seria realizada numa sexta-feira 13, mas diante do forte temporal que alagou e provocou queda de luz em vários pontos da capital argentina, acabou transferida para o dia seguinte. Sem Dida, o Flamengo enfrentaria primeiro o bom time do River, do goleiro Carrizo, e de Ramos Delgado, Onega e Sarnari.
O gol da vitória rubro-negra saiu logo aos 19 minutos de jogo. Gerson chutou, a bola bateu num zagueiro e voltou para o meia, que arriscou de novo uma pedrada, que explodiu no travessão. No rebote, Henrique apareceu rápido para empurrar para as redes. Mas não foi um jogo fácil. Além de resistir bravamente à pressão do time da casa, o Fla também precisou se prevenir contra o árbitro uruguaio Juan Carlos Armenthal, que inventou várias faltas para o River perto da área rubro-negra, além de ter esticado o segundo tempo até os 49 minutos (quando o normal para a época era apenas um minuto de acréscimo, se tanto).
E, assim como contra o São Paulo, a vitória cobrou seu preço: o goleiro Ari sentiu cãibras e teve que ser substituído por Fernando, nos minutos finais. Além dele, Joubert voltou a sentir o tornozelo direito, Luís Carlos sofreu forte distensão na coxa direita e o zagueiro Nelinho levou um tostão no mesmo local. Dida também era dúvida para a próxima partida.
outros jogos da rodada: Boca 2×0 Vasco, Cerro 3×2 Corinthians, Nacional 0x2 São Paulo.
Flamengo x River Plate
5º jogo – BOCA JUNIORS 4×0 FLAMENGO – Bombonera, 17 de janeiro
time do Flamengo: Fernando (Ari); Joubert, Bolero, Nelinho e Jordan; Carlinhos (Dida) e Moacir; Othon, Henrique, Gerson e Babá.
Os problemas físicos voltaram a pesar, e muito, no segundo jogo em Buenos Aires. E não foram poucos: Joubert e Nelinho jogando no sacrifício na defesa, Dida também sem condições e poupado para entrar durante o jogo, Luís Carlos irremediavelmente fora, Carlinhos tendo que deixar o campo no intervalo e o goleiro Fernando lesionado na etapa final, precisando ser substituído por Ari.
O Flamengo sofreu diante de um adversário embalado pela boa campanha (era o duelo entre os líderes do torneio) e pela chegada do técnico brasileiro Vicente Feola. Com dois gols de Nardiello no primeiro tempo e um de Yudica e outro de Loayza na etapa final, o Boca não teve dificuldade para derrotar o time rubro-negro e assumir a liderança isolada do Octogonal, com oito pontos, a duas rodadas do fim.
O Flamengo, por sua vez, caía para a terceira posição, ultrapassado pelo surpreendente Cerro uruguaio. Para piorar, o Boca faria seus últimos jogos em seu estádio de La Bombonera, contra Corinthians e São Paulo, enquanto o Flamengo viajaria a Montevidéu para encarar Nacional e Cerro.
Mesmo com a goleada sofrida, porém, o prestígio dos jogadores do Flamengo seguia em alta: o River Plate oferecia dez milhões de cruzeiros pelos passes de Gerson e Jordan. Ainda que o clube passasse por problemas financeiros, a diretoria rubro-negra se negou a abrir mão da dupla.
outros jogos da rodada: Nacional 2×2 Corinthians, River Plate 1×2 Vasco, Cerro 1×0 São Paulo.
6º jogo – NACIONAL 0x1 FLAMENGO – Centenário, 22 de janeiro
time do Flamengo: Ari; Joubert, Bolero, Nelinho e Jordan; Carlinhos e Gerson; Moacir, Henrique, Dida e Babá.
Assim como quando da chegada da delegação do Flamengo a Buenos Aires, um temporal caiu sobre Montevidéu e obrigou o adiamento dos jogos, que teriam sido realizados na capital uruguaia no dia 20. Definitivamente sem Luís Carlos, o técnico Fleitas Solich seria obrigado a improvisar o meia Moacir na ponta-direita.
Quando a bola enfim rolou para Flamengo x Nacional, a liderança do Octogonal havia mudado de mãos, do Boca Juniors (derrotado pelo Corinthians na Bombonera) para o Cerro, que batera o Vasco no mesmo estádio Centenário no dia anterior. Com isso, o Flamengo precisaria vencer o jogo contra o forte time do Nacional – que reunia vários jogadores da seleção uruguaia, como o capitão Troche, o zagueiro Rubén González e o ponta Escalada – para seguir com chances.
O Flamengo venceu com gol de Babá, aos 23 minutos do segundo tempo, quando já atuava com dez jogadores. Dida fora expulso de maneira bizarra pelo árbitro após reclamar de ter recebido um soco do zagueiro Moreno numa disputa de bola. O agressor, entretanto, recebeu apenas advertência. Sem seu camisa 10 para a partida decisiva diante do Cerro, o Flamengo seguia sua rotina de desfalques no Octogonal.
outros jogos da rodada: Boca 3×4 Corinthians, Cerro 2×1 Vasco, River Plate 3×2 São Paulo.
7º jogo – CERRO 0x2 FLAMENGO – Centenário, 25 de janeiro
time do Flamengo: Ari (Fernando); Joubert, Bolero, Nelinho e Jordan; Carlinhos e Moacir; Othon (Manoelzinho), Henrique, Gerson e Babá.
Apenas Flamengo, Cerro e Boca Juniors chegavam à última rodada do Octogonal com chances de título. Ao Fla, era preciso derrotar o time uruguaio no estádio Centenário e torcer para o Boca não vencer o São Paulo na Bombonera. Em caso de vitórias de Fla e Boca, um jogo desempate entre as duas equipes seria marcado para o domingo seguinte.
Mais de 43 mil torcedores compareceram ao Centenário para empurrar o pequeno Cerro, que quase beliscara o título uruguaio do ano anterior e agora jogava com tudo a favor para conquistar o Octogonal. Só que o Flamengo logo tomou conta do jogo e abriu o placar. Gerson, jogando no lugar do suspenso Dida, cobrou falta com perfeição e fez um a zero aos dois minutos. E a vantagem rubro-negra não foi ameaçada até o fim da primeira etapa.
No intervalo, porém, o sistema de som do estádio anunciou a surpreendente goleada sofrida pelo Boca diante do São Paulo em Buenos Aires, resultado que, aliado a um empate no Centenário, daria o título ao Cerro. Foi o que bastou para que o panorama se modificasse, principalmente na atuação do árbitro argentino Ángel Coerezza. As faltas duvidosas a favor do time uruguaio foram se sucedendo, e o Flamengo se viu obrigado a recuar suas linhas e evitar ao máximo qualquer choque dentro da área.
Outro dado bizarro envolvendo a arbitragem neste jogo foi a permanência em campo do médio do Cerro Ángel Rodríguez até o fim da partida, mesmo após ter sido expulso no final do primeiro tempo. O árbitro Coerezza registrou a expulsão na súmula, mas não se deu conta de que os uruguaios atuaram com onze até o fim.
Ou com doze, talvez, já que, além de tudo isso, Coerezza anulou um gol legítimo de Babá para o Flamengo aos 40 minutos do segundo tempo, alegando falta no goleiro. Mas não houve problema: o Flamengo suportou a pressão e as bolas levantadas na área pelo Cerro e ainda marcou seu segundo gol novamente com Gerson, em contra-ataque bem comandado por Henrique. Nos minutos finais, torcedores atiraram garrafas no gramado, alguns invadiram o campo e chegaram a arrancar a rede de um dos gols, paralisando a partida por cinco minutos. Coerezza ainda esticou o jogo até os 48, mas a vitória do Flamengo estava mais do que consolidada.
Os dirigentes uruguaios ainda tentaram, nos vestiários, tumultuar a vitória, alegando que o suspenso Dida, e não Manoelzinho, é que teria entrado no lugar de Othon, o que faria o Flamengo perder os pontos do jogo, mas os protestos incabíveis foram prontamente rechaçados por Coerezza e pelos organizadores do torneio. Um vexame para o Cerro.
Sem espaço para baixarias, o vestiário rubro-negro acabou tomado pela emoção com a conquista. Gerson chorou abraçado a Solich, que garantia: “Este é o verdadeiro Flamengo, que tão bem soube representar o futebol brasileiro”.
outros jogos da rodada: River Plate 2×1 Corinthians, Nacional 1×1 Vasco, Boca 1×5 São Paulo.
ENFIM, CAMPEÃO!
De fato, foi um título incontestável, no qual o Flamengo precisou superar os vários e repetidos desfalques por lesão; a péssima arbitragem dos juízes sul-americanos; a desconjuntada tabela do torneio que, pela recusa de argentinos e uruguaios em jogar no Brasil, obrigou o Flamengo a enfrentar todos os rivais estrangeiros na casa dos adversários; e a própria desconfiança que cercava o técnico Fleitas Solich e o elenco rubro-negro – que logo emendaria o título do Octogonal com o do Torneio Rio-São Paulo, confirmando sua força e tenacidade.
Ou, como destacou o jornal O Globo na edição que trazia a vitória rubro-negra no Octogonal:
Na verdade, (…) no Octogonal o Flamengo andou geralmente esquecido nos cálculos para a conquista do título, embora inicialmente ganhasse dos dois clubes paulistas. (…) Enganaram-se redondamente todos os profetas e a melhor hipótese acabou sendo a que não entrara nos cálculos: derrota do Boca, clara, como positiva a vitória do Flamengo. Resultado: campeões os rubro-negros, com o Cerro em segundo a um ponto, vindo em terceiro, empatados, River e Boca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário