DOMINGOS: o Divino Mestre
Carreira: 1929-1932 Bangu; 1932-1933 Nacional (Uruguai); 1934-1935 Vasco; 1935-1936 Boca Juniors (Argentina); 1936-1943 Flamengo; 1944-1948 Corinthians; 1948-1949 Bangu
Foi Campeão Uruguaio de 1933 e Campeão Argentino de 1935.
Foram 8 anos jogando com a camisa rubro-negro, tendo sido o Flamengo o clube onde jogou mais tempo durante sua vitoriosa carreira. Domingos da Guia, ao lado de seu companheiro de clube Leônidas da Silva, foi um dos pilares da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1938, na primeira vez na qual o futebol do país conseguiu ter uma projeção de destaque a nível mundial.
Pelo Flamengo fez 223 jogos, sem ter marcado gols.
Abaixo, a mescla de três textos sobre o "Divino Mestre", um no site "A Cor da Cultura", outro no "Tardes de Pacaembu" e um terceiro do site "Memórias do Esporte":
Domingos Antônio da Guia nasceu no bairro de Bangu, na cidade do Rio de Janeiro, em 19 de novembro de 1912, filho de lavradores e neto de escravos, começou jogando no time da fábrica de tecidos Bangu, em 1929, assim como seus três irmãos, Ladislau, Luiz e Mamede. Uma família nascida para jogar futebol: seu irmão, Ladislau da Guia, foi o maior artilheiro da história do Bangu com 215 gols, e o filho de Domingos, Ademir da Guia foi um dos maiores ídolos do Palmeiras (ele também começou a carreira no Bangu). O promissor Domingos era o mais reservado dos irmãos que jogavam nas fileiras do alvi-rubro. Achava elegante dizer que jogava como "Center-Half", uma designação oriunda do aristocrático futebol inglês e muito presente nos primórdios do nosso mundo da bola.
Descoberto em peladas na zona rural carioca, sua primeira participação aconteceu na tarde de 28 de abril de 1929 ao substituir o zagueiro Conceição na vitória do Bangu por 3 x 1 sobre o Flamengo em confronto válido pelo Campeonato Carioca.
Em 1930, pela primeira vez foi convocado pela Seleção Brasileira e no ano seguinte já estava jogando pelo Vasco da Gama. Domingos da Guia foi o primeiro zagueiro clássico e um dos mais habilidosos do futebol brasileiro. Evidências não faltam para constatar que essa afirmação é verdadeira. Foi campeão nos três principais centros do futebol da América do Sul (Argentina, Uruguai e Brasil). Numa época em que os zagueiros se notabilizavam pela truculência e falta de técnica, Domingos da Guia deixava os torcedores com frio na espinha ao preferir driblar adversários dentro da grande área, do que dar chutões para frente após um desarme. O pioneirismo de Domingos fez escola apesar da desconfiança inicial. Muitos beques da época tentaram imitá-lo, mas poucos tinham a elegância e a técnica natural do mestre. Quando um zagueiro enfeitava a jogada, logo diziam que ele havia feito uma "domingada".
Trabalhou como agente da Saúde Pública até a profissionalização do esporte. Já conhecido por suas características de um zagueiro habilidoso, logo chamou a atenção dos uruguaios e, em 1933, teve uma passagem vitoriosa pelo Nacional de Montevidéu, pois no ano seguinte foi campeão. E foi lá no Uruguai que recebeu o apelido de "El Divino Mestre" (com apenas 20 anos de idade). Inclusive recebeu uma proposta para se naturalizar e defender a Seleção Uruguaia na Copa do Mundo de 1934. Mas o amor pelo Brasil falou mais alto e não aceitou o honroso convite. Voltou para jogar novamente no Vasco, onde ainda em 1934 sagrou-se Campeão Carioca naquele ano. Fazia o que queria com a bola. Era um defensor inovador. Jogava com muita elegância, antevia os lances, fazendo com que a missão de dribla-lo, fosse quase que impossível. Sempre saia jogando com classe e categoria, e não cometia muitas faltas, coisa rara para um zagueiro daquela época. Obdulio Varela, da Seleção Uruguaia campeã da Copa do Mundo de 1950, sempre conta que na época que Domingos da Guia foi contratado pelo Nacional do Uruguai, muitos disseram; "Para que contratar esse brasileiro, se já temos o melhor do mundo (o próprio Obdulio)". No entanto, quando viram Domingos da Guia jogar, tiveram que se render ao seu estilo clássico e à sua enorme categoria.
Domingos jogava de cabeça erguida, tinha uma perfeita noção de colocação e se destacava pela antecipação nas jogadas. Por sua postura discreta, séria e sua maneira de jogar, lembrava o estilo britânico clássico. Respeitosamente era chamado de professor, mestre ou mesmo doutor. Para Mário Filho, Domingos da Guia podia ser comparado a Machado de Assis, não só pela disciplina e dedicação com que se aplicava ao que fazia, mas, principalmente, porque trazia a autenticidade brasileira, além de ser considerado um artista que aliava a elegância à técnica.
Mesmo sendo um ídolo da torcida cruz-maltina, o Divino Mestre recebeu um convite para jogar no Boca Juniors da Argentina. Como sempre gostou de desafios, mais uma vez atravessou a fronteira. No Boca Juniors foi Campeão Argentino de 1935, sendo, portanto, campeão três anos seguidos por times de países diferentes. Assim como em Montevidéu, sua passagem por Buenos Aires foi curta e no ano seguinte ele estava de volta ao Rio de Janeiro, mas desta vez para vestir a camisa rubro-negra do Flamengo. Na melhor fase de sua carreira, defendeu o clube de 1936 até 1943. Nesse período foi Campeão Carioca nos anos de 1939, 1942 e 1943. Pelo Flamengo disputou 223 jogos. Venceu 138, empatou 46 e perdeu 39.
Domingos da Guia vestiu a camisa da Seleção Brasileira em 30 partidas. Venceu 19, empatou 3 e perdeu 8 vezes. Foi campeão na Copa Rocca em 1945 e da Taça Rio Branco em 1931 e 1932. Disputou vários Campeonatos Sul-Americanos. Em 1938 integrou a Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo na França, onde o Brasil ficou em 3º lugar. Foi uma Copa na qual o mundo ficou encantado com o brasileiro Leônidas da Silva, que foi o artilheiro com 8 gols. Mas seria injusto atribuir apenas a Leônidas o sucesso da campanha brasileira naquela Copa, pois o técnico Adhemar Pimenta havia levado 22 jogadores de alto nível, entre eles estavam, Romeu, Tim, Hércules e Domingos da Guia. E entre os dois únicos brasileiros que figuraram dentro do "Onze Ideal" escolhido naquele Mundial, lá estavam as duas estrelas do Flamengo: Domingos e Leônidas.
Domingos da Guia e Leônidas, neste contexto, representaram a ascensão social do negro através da popularização do futebol como esporte de massa, mas esta popularização não significou reconhecimento social. Segundo Mário Filho, os dois atletas protagonizaram aquilo que ele chamava de insubordinação ao que correntemente se esperava do negro no futebol no início da profissionalização: que jogasse "sabendo o seu lugar".
O Brasil foi eliminado da Copa de 38 num jogo disputado com a Seleção Italiana na semi-final, por um placar de 2 a 1, sendo que o segundo gol italiano foi de pênalti. Este lance foi muito discutido na época. Domingos da Guia levou um pontapé do italiano Silvio Piola e de imediato revidou. O árbitro só viu quando Domingos da Guia estava chutando o adversário e marcou pênalti. O placar foi de 2 a 1 para a Itália. Com essa derrota o Brasil ficou fora da grande decisão que seria contra a Hungria, e o Brasil acabou em terceiro lugar naquele mundial, ao vencer a Suécia por 4 a 2. Domingos nunca se conformou com o lance e lamentava a falta de critério do árbitro. O líder fascista Benito Mussolini estava presente em todas as partidas e usou a vitória italiana como propaganda do regime totalitário. O gol de pênalti marcado pela Itália, foi anotado por Giuseppe Meazza. Com este gol ele se tornou um herói em seu país e o estádio em Milão ganhou o seu nome.
Mesmo veterano, com 32 anos, resolveu deixar o futebol carioca e jogar em São Paulo, de onde recebeu uma proposta financeiramente vantajosa. O time escolhido foi o Sport Clube Corinthians Paulista, onde jogou de 1944 até 1948. Neste período sagrou-se campeão da Taça Cidade de São Paulo em 1947. Pelo Corinthians, Domingos da Guia jogou 116 partidas. Venceu 77, empatou 17 e perdeu 22 vezes. Jogou no alvi-negro paulista por apenas quatro anos, mas até hoje é considerado o melhor zagueiro que já vestiu a camisa alvi-negra de Parque São Jorge.
Ao deixar o Parque São Jorge em 1948, Domingos da Guia acertou seu retorno ao mesmo Bangu Atlético Clube, equipe onde encerrou sua caminhada como jogador profissional.
Como treinador orientou o Olaria Atlético Clube em 1953, para em seguida trabalhar em um bar de sua propriedade. Retornou ao serviço público, no qual se aposentou como fiscal de renda. Morador do bairro do Méier, Domingos da Guia vivia ao lado do amigo Zizinho, outro grande valor que vestiu a camisa alvi-rubra do Bangu.
Domingos da Guia faleceu dia 18 de maio de 2000, aos 87 anos, vítima de um acidente vascular cerebral. Como legado, deixou a certeza de que um zagueiro pode ser sinônimo de estilo clássico, categoria, tranquilidade e elegância, como também provaram um dia Djalma Dias, Luís Pereira, Franz Beckenbauer, Elias Figueroa, Paolo Maldini, Mauro Ramos de Oliveira, Roberto Dias e tantos outros. Só nos resta então, agradecer a Domingo da Guia, pela alegria que proporcionou a todos que tiveram o privilégio de vê-lo jogar, pois com certeza cada exibição sua era um colírio para os olhos dos amantes do futebol.
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